Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
36/12.9TBALD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: RECURSO DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE VIDA
SEGURO DE GRUPO
CLÁUSULA DE EXCLUSÃO
DEVER DE INFORMAÇÃO
Data do Acordão: 05/27/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA - GUARDA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL E CRIMINAL - J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 640 CPC, DL Nº 72/2008 DE 16/4, DL Nº 446/85 DE 25/10
Sumário: 1.-Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, designadamente quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de facultativa transcrição dos excertos relevantes.

2.-A omissão desse ónus, imposto pelo nº 2, a), do referido artigo, implica a rejeição do recurso da decisão da matéria de facto, pois tal ónus não se satisfaz com a menção de que os depoimentos estão gravados no sistema digital com início às …e termo às … (ou que os depoimentos gravados duraram um determinado tempo), nem com a simples referência sintética dos depoimentos prestados.

3.-Também implicando a rejeição do recurso da decisão da matéria de facto quando o recorrente não indique o concreto meio probatório, em violação do disposto no citado art. 640º, nº 1, b), nomeadamente quando o recorrente mencione genericamente vários documentos não indicando qual o documento em concreto com que pretende atacar determinado ponto de facto.

4.-Num seguro de grupo, não está vedado à seguradora, única demandada na lide, opor ao aderente certa cláusula de exclusão do risco, por a omissão do dever de informação e esclarecimento ser exclusivamente imputável ao tomador de seguro, não se comunicando ou transmitindo os efeitos de tal omissão culposa à própria seguradora, em termos de amputar o contrato da cláusula não devidamente informada ao aderente.

5.-Não se mostrando legalmente prevista a comunicabilidade à esfera jurídica da seguradora dos efeitos do incumprimento dos deveres legais de informação colocados a cargo do tomador de seguro - e não podendo o tomador de seguro considerar-se juridicamente como intermediário, auxiliar ou comissário da seguradora no momento da concreta adesão das pessoas seguradas - carece de fundamento normativo a pretensão de responsabilização objectiva da seguradora por um comportamento negligente exclusivamente imputável ao outro contraente, o tomador do seguro.

6.-Uma cláusula de exclusão das coberturas do seguro do estilo “Acções ou omissões praticadas pela pessoa segura quando lhe for detectado um grau de alcoolémia no sangue superior a 0,5 gramas litro” deve ser interpretada (à luz do art. 236º do CC) como definindo o seu âmbito de exclusão não por referência a um qualquer nexo de causalidade mas sim por referência ao volume de alcoolemia detectado à pessoa segura aquando do sinistro.

7.-Uma cláusula que previsse uma cobertura de seguro que abrangesse um sinistro ocorrido na circunstância de o segurado/falecido estar a caçar e a transportar uma arma com a taxa de álcool de 1,48 g/l, praticando, assim, um acto criminoso - em face do disposto no art. 29º da Lei da Caça, e art. 88º do Regime Jurídico das Armas e Munições, pois caçar e deter armas com uma taxa igual ou superior a 1,2 g/l representa crime - estaria votada a ser fulminada com nulidade, nos termos do art. 280º do CC, dada a ilicitude da cobertura do risco.

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

1. M (…), P (…), A (…), representada pela 1ª A., sua mãe, todos residentes em Almeida, e Herança ilíquida e indivisa por óbito de C (…), representada pelos primeiros 3 AA, intentaram a presente acção contra Companhia de Seguros F (…), S.A., com sede em Lisboa, pedindo que:

- seja declarado e a ré condenada a reconhecer que por força dos contratos de seguro que identifica está obrigada a pagar à G (...) o valor do capital seguro e que era devido a este banco em 17 de Outubro de 2010, à data da morte de C (…), relativamente aos contratos de mútuo que também identifica;

- seja a ré condenada a pagar à G (...) o valor do capital em dívida a 17 de Outubro de 2010, no montante de 297.600 €, de forma a liquidar totalmente o empréstimo contraído através desses contratos;

- e ainda todo o capital que seja considerado em dívida à G (...) , quer por força dos contratos referentes à presente acção, quer por força dos contratos referidos na acção 1/12.6TBALD, a correr termos neste Tribunal;

- seja a ré condenada a pagar aos autores o valor correspondente a todas as prestações que, relativamente aos mesmos contratos de mútuo, já pagaram à G (...) , desde a data do óbito de C (…), referentes ao capital, juros, prémios de seguro, imposto de selo e demais encargos, valor não inferior a 12.000,00 €, acrescido de juros de mora, à taxa legal, sobre tal valor desde a citação até efectivo e integral pagamento;

Alegam, para tanto, em síntese, que a primeira autora é a cabeça de casal da herança deixada por óbito de C (…), sendo os demais autores também seus sucessores. O falecido C (…), funcionário da G (...) , e sua mulher, a 1ª autora, contraíram créditos hipotecários junto da G (...) e outros créditos pessoais, tendo, no âmbito de tais financiamentos, sido celebrados com a ré contratos de seguro de vida a que a autora e C (…)aderiram, os quais garantem o pagamento pela ré, à G (...) , em caso de morte dos segurados, do capital seguro em dívida à sua morte. Tais contratos de seguro são titulados pelas apólices que referem, e nos mesmos a G (...) , enquanto entidade mutuante, é a tomadora do seguro e beneficiária, e C (…) e mulher, as pessoas seguras. Mais alegam que em 17 de Outubro C (…) veio a falecer, em virtude do que está a ré obrigada a pagar o valor do capital seguro com referência aos aludidos empréstimos, acrescentando que a ré se recusa a fazer tal pagamento. Todavia, não obstante C (…) ter sido vítima de um acidente enquanto caçava, o acidente não foi provocado por disparo voluntário ou involuntário da sua arma, pelo que não foi originado por acção ou omissão sua, não o tendo sido, também, em virtude da TAS que apresentava, ou provocado por alcoolismo. Assim, não existe qualquer fundamento legal para a ré se recusar a efectuar o pagamento em dívida, inexistindo qualquer cláusula de exclusão, nem tendo sido comunicada qualquer alteração do âmbito da cobertura dos seguros titulados pelas apólices que referem.

Concluíram pela procedência da acção e requereram a intervenção provocada da G (...) , como sua associada, dado que nos contratos de seguro correspondes às apólices que identificam figura como tomador do seguro.

A ré contestou, sustentando que não podem os autores pretender nesta acção vincular a ré a efectuar pagamentos referentes a contratos invocados noutra acção e, por outro lado, que não podem também os autores deduzir os pedidos nos termos em que o fazem, ou seja, de condenação da ré a efectuar pagamentos a uma entidade terceira, no caso a G (...) , sendo esta, caso assim o entenda, quem deverá fazer tal pedido.

Alegou, também que, tendo em conta a análise toxicológica feita ao sangue do sinistrado, que revelou uma TAS de 1,48 g/l, encontra-se a cobertura por morte excluída do âmbito dos contratos de seguro em causa, tendo sido acordado com o tomador do seguro excluir do âmbito do mesmo todas as coberturas de acções ou omissões praticadas pela pessoa segura quando lhe for detectado um grau de alcoolemia superior a 0,5 g/l. Isto porque, contrariamente ao alegado pelos autores, nas condições particulares da apólice se refere, para além do mais, que o contrato se regula pelas “Condições Gerais do Seguro de Vida Grupo” e pelas condições particulares da apólice, sendo que as Condições Gerais excluem a garantia pretendida. Acrescenta que por força da entrada em vigor do novo regime jurídico do contrato de seguro, aprovado pelo DL 72/2008 de 16.4, a ré informou a tomadora do seguro da actualização das condições contratuais aplicáveis à apólice a partir da renovação subsequente, sendo do tomador do seguro a obrigação de informar os segurados sobre as coberturas contratadas e suas exclusões, nos termos do citado diploma. Por isso, nenhuma falta pode ser imputada à ré, que cumpriu todos os deveres de informação e todas as suas obrigações. Mais alega que o falecido, ao caçar com a taxa de álcool apresentada, tal determinava que não estivesse no gozo das suas capacidades, nem em condições de o fazer com destreza e segurança, pelo que foi a taxa de álcool que pôs em perigo, no caso, a sua vida e provocou a sua morte. Por outro lado, alega, ainda, que mesmo que se entendesse não ter sido feita a comunicação da alteração, como pretendem os autores, a mesma não era, sequer, necessária, na medida em que sempre estaria excluída a responsabilidade sob pena de nulidade da cláusula que previsse a mesma, por força do artigo 280º do CC, na medida em que seria proibido segurar um acto criminoso, uma vez que o falecido, tendo uma TAS de mais de 1,2 g/l, procedia ao exercício da caça, transportando consigo uma arma. Impugnou o demais alegado pelos autores e conclui pela improcedência da acção, requerendo, também, a apensação dos presentes autos e do proc.1/12.6TBALD ao proc.137/11.0TBALD.

Os autores replicaram, alegando que nem a ré nem a tomadora do seguro, informaram os autores ou o falecido de qualquer alteração dos contratos de seguro em causa, pelo que apenas aceitam o constante dos originais das apólices. No que respeita às circunstâncias da morte, referem novamente que não é verdade que tenha sido vitima de tiro da sua própria arma e que não tenha existido intervenção de terceiro, e, muito menos, que tenha sido provocada por alcoolismo. Pronunciam-se pelo indeferimento da requerida apensação. Vêm, ainda, deduzir um pedido subsidiário, de condenação da ré a pagar aos autores o montante de 297 600 €, caso se entenda que lhes está vedado pedir este pagamento para a G (...) .

Foi indeferida a requerida apensação, e admitida a intervenção principal provocada da “ G (...) , S.A” como associada dos autores.

A G (...) interveio, dizendo, além do mais, que comunicou e informou os autores de todas as cláusulas respeitantes aos respectivos seguros, nomeadamente as que previam a exclusão da cobertura de risco. Acrescenta que, a ser verdadeiro que o falecido apresentava uma TAS de 1,48 g/l, não poderão os autores beneficiar do pagamento do capital seguro, dado que em causa estava uma infracção de natureza penal, pelo que qualquer apólice que previsse a sua cobertura constituiria um negócio jurídico nulo, nos termos do artigo 280º do CC, devendo-se chegar à mesma conclusão por via do instituto do abuso de direito.

*

A final foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a R. F (…) dos pedidos contra si deduzidos pelos AA M (…), P (…), A (…) e Herança Ilíquida e Indivisa por óbito de C (…)

2. A A. A (…) interpôs recurso, tendo concluído como segue:

(…)

3. Os restantes AA também interpuseram recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:

(…)

4. A R. F (…) contra-alegou, tendo concluído assim:

(…)

II - Factos provados

1. A autora M (…) casou catolicamente com C (…) em 11 de Agosto de 1979, sem convenção antenupcial.

2. O casamento entre a Autora e C (…) foi dissolvido por morte deste.

3. C (…) faleceu em 17 de Outubro de 2010, com 53 anos de idade.

4. Do casamento atrás referido nasceram os filhos P (…), maior de idade e A (…)

5. À herança por óbito de C (…) sucederam à autora, que é a cabeça-de-casal, P (…) e A (…), menor de idade.

6. O falecido C (…) foi funcionário da G (...) desde data não concretamente apurada, mas anterior a 1990, até à data do seu óbito.

7. À data do óbito deste, C (…) e a autora M (…) eram os donos e legítimos possuidores de um prédio rústico sito em Caleira, freguesia e concelho de Almeida, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeida sob o nº (...) /20070112 e ali inscrita a propriedade a favor daqueles.

8. No dia 21 de Março de 2007 a autora M (…) e C (…) celebraram com a G (...) , no Cartório Notarial de Almeida, a escritura de Mútuo com Hipoteca, através da qual a G (...) concedeu à autora e ao C (…) o empréstimo da quantia de 200.000,00€ (Duzentos Mil Euros), quantia que se destinou à construção de casa própria a edificar no prédio identificado em 7.

9. No dia 7 de Janeiro de 2009, a autora M (…) e C (…) celebraram com a G (...) , S.A., no Cartório Notarial de Almeida, a escritura de Mútuo com Hipoteca, através da qual a G (...) , concedeu à autora e ao C (…) o empréstimo da quantia de 50.000,00€ (Cinquenta Mil Euros), quantia que se destinou igualmente à construção do imóvel atrás referido para habitação própria.

10. No dia 29 de Outubro de 2009, a autora e o C (…) celebraram com a G (...) , S.A., no Cartório Notarial de Almeida, a escritura de Mútuo com Hipoteca, através da qual a G (...) , concedeu à autora e ao C (…) o empréstimo da quantia de 45.000,00€, quantia que se destinou a financiar a construção do imóvel atrás referido.

11. A G (...) , através das escrituras de mútuo com hipoteca atrás referidas, concedeu à autora e ao falecido C (…), empréstimos no valor global de cerca de € 295.000,00.

12. Como caução e garantia dos referidos empréstimos, dos juros contados à taxa ali convencionada e dos demais encargos discriminados nas escrituras referidas em 8, 9 e 10, a autora M (…) e o C (…) constituíram a favor da G (...) , hipotecas voluntárias, respectivamente pela Ap.1 de 2007/03/12, Ap.1 de 2008/12/29, Ap.2119 de 2002/10/29, sobre o prédio rústico identificado em 7.

13. No âmbito do contrato e empréstimo referido em 8. foi celebrado entre a Ré Companhia de Seguros F (…) e a G (...) o contrato de seguro denominado “Seguro de Vida Grupo, Crédito à Habitação”, titulado pela apólice 5 000 816, com data de 12/03/2007, pelo período de 25 anos, sendo o valor seguro correspondente ao do empréstimo concedido, ou seja, € 200 000, sendo o tomador do seguro e beneficiário a G (...) , e a pessoa a segurar C (…).

14. No âmbito do contrato e empréstimo referido em 9. foi celebrado entre a Ré Companhia de Seguros F (…) e a G (...) , o contrato de seguro denominado “Seguro de Vida Grupo, Crédito à Habitação”, titulado pela apólice 4 409 769, com data de 31/12/2008, pelo período de 25 anos, sendo o valor seguro correspondente ao do empréstimo  concedido, ou seja, € 50 000, sendo o tomador do seguro e beneficiário a G (...) e a pessoa a segurar C (…)

15. No âmbito do contrato e empréstimo referido em 10. foi celebrado entre a Ré Companhia de Seguros F (…) e a G (...) , o contrato de seguro denominado “Seguro de Vida Grupo, Crédito à Habitação”, titulado pela apólice 5 001 202., pelo período de 25 anos, sendo o valor seguro, correspondente ao do empréstimo concedido, ou seja, € 45 000, sendo o tomador do seguro e beneficiário a G (...) e a pessoa a segurar C (…).

16. A 1ª autora e o falecido C (…) contraíram junto da G (...) , um crédito pessoal correspondente ao processo de empréstimo PT 0035935000792383084, com início em 13/01/2006, estando em dívida à data da morte do C (…) cerca de 400,00€.

17. A 1ª Autora e o falecido C (…) contraíram junto da G (...) , um crédito pessoal correspondente ao processo de empréstimo PT 0035935000815138084, com início em 14/07/2006, estando em dívida à data da morte do C (…), cerca de 500,00€,

18. A 1ª Autora e o falecido C (…) contraíram junto da G (...) , um crédito pessoal correspondente ao processo de empréstimo PT 0035935000857159084, com início em 25/06/2007, estando ainda em dívida, à data da morte do C (…) cerca de 3.420,00€.

19. A 1ª Autora e o falecido C (…) contraíram junto da G (...) , um crédito pessoal correspondente ao processo de empréstimo PT 0035935000857159084, com início em 28/09//2007, estando ainda em dívida, à data da morte do C (…), cerca de 3.280,00€.

20. No âmbito dos contratos referidos em 16, 17, 18 e 19 foi efectuado entre a Ré Companhia de Seguros F (…) e a G (...) , o contrato de seguro denominado Ramo Vida Grupo, Seguros a Empregados G (...) , titulado pela Apólice nº 5 000 425, no qual figura como seguradora a ré Companhia de Seguros F (...) , S.A., como tomador do seguro e beneficiário, a G (...) e como pessoa a segurar C (…), bancário de profissão.

21. O falecido C (…) procedeu à adesão aos referidos seguros, através da subscrição dos respectivos boletins de adesão, tendo a sua adesão sido aceite pela ré Companhia de Seguros F (…).

22. Com a subscrição ou adesão aos contratos de seguro referidos, C (…) ficou obrigado a pagar o prémio relativo a esse seguro, o que sempre foi feito pontualmente.

23. Nos contratos atrás referidos, o tomador do seguro e beneficiário é a G (...) a qual, enquanto credor hipotecário e entidade mutuante, é beneficiário irrevogável e a quem deverão ser pagas todas as indemnizações a coberto das garantias resultantes de eventuais sinistros a que reportem tais contratos de seguro.

24. Nos termos dos mesmos contratos, a pessoa segura ou segurado é a pessoa no interesse da qual a adesão ao seguro é celebrada e cuja vida se segura, ou seja, a autora e o falecido C (…).

25. Nos termos de tais contratos e como riscos seguráveis, os mesmos abrangem, isolada ou conjuntamente o risco de morte.

26. Nas respectivas condições gerais dos contratos de seguros referidos, vigentes à data das respectivas adesões, no que respeita às exclusões constava: “artigo 4º- 1. Os riscos de morte ou de invalidez não se consideram cobertos quando devidos a:

a) Acto intencional do Segurado, das pessoas seguras ou dos beneficiários.

b) Suicídio de qualquer das pessoas seguras ou sua tentativa, desde que verificado até dois anos após a inclusão no contrato. Sendo ampliadas as garantias, o prazo de dois anos será, no que se refere à ampliação, contado a partir da alteração introduzida. Se houver interrupção da cobertura este prazo é contado a partir da última integração.

c) Operações de campanha quando a pessoa segura, fazendo parte das forças armadas ou militarizadas, nelas entrar.

d) Desastre de aviação, salvo sendo a pessoa segura passageiro de avião de carreira comercial ou em avião militar de transporte de passageiros, desde que munidos de certificado de navegabilidade válido…”.

27. A Seguros F (...) comunicou, por escrito, à G (...) , S.A., em 30.10.2009, a actualização das condições contratuais supra referidas, no que respeita aos contratos de seguro identificados em 13, 14, 15 e 20, fazendo constar em tal carta: “(…) Actualização das Condições Contratuais aplicáveis nos termos e para os efeitos previstos no artigo 3º nº2 do DL 72/2008 de 16 de Abril. Exmos. Srs. No passado dia 1 de Janeiro do corrente ano entrou em vigor o novo regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo Decreto Lei 72/2008 de 16 de Abril. Com vista à aplicação plena das disposições do mencionado regime ao contrato de seguro titulado pela apólice em epígrafe, remetemos a V.Exa nos termos e para os efeitos previstos no artigo 3º nº2 do diploma em causa, as condições contratuais que serão aplicáveis a partir da próxima renovação à apólice supra-identificada (…)”.

28. A ré “Seguros F (…)”, enquanto seguradora e a G (...) , S.A.”, enquanto tomador do seguro, subscreveram, em 30.10.2009, a denominada de “Acta Adicional nº 1/2009”, referente apólice 4.409.769, da qual consta o seguinte: “Com vista á aplicação plena das disposições do novo regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo DL 72/2008 de 16 de Abril procedemos à actualização das condições contratuais.

Pela presente acta adicional passam a vigorar as Condições Gerias e Particulares em anexo que anulam ou substituem as anteriores com efeito a partir das datas a seguir mencionadas: 01/01/2009 para adesões com data de início a partir de 01/01/2009 01/01/2010 para adesões com data de início anterior a 01/01/2009. Anexa-se igualmente um espécime da Nota Informativa em vigor por forma a permitir o cumprimento por parte do tomador de Seguro do dever de informação aos aderentes que lhe cabe por força do artigo 78º do Decreto-lei supra referido.

Esta acta é redigida, assinada e trocada entre as partes.

Lisboa 30 de Outubro de 2009

O Tomador do Seguro O Segurador

(assinado) (assinado)

29. Foram subscritas pela interveniente “ G (...) ”, na qualidade de tomador do seguro e pela ré na qualidade de seguradora, em 30 de Outubro de 2009, as denominadas “Condições Particulares do Seguro de Vida Grupo- apólice 4 409 769” (“novas” condições contratuais), do qual constam as seguintes cláusulas:

É celebrado o presente contrato de Seguro Vida Grupo, 100% contributivo, que se regula pelas Condições Gerais do Seguro de Vida Grupo-Temporário Renovável e por estas Condições Particulares da apólice de harmonia com as declarações constantes da proposta que lhe serviu de base e que dela faz parte integrante.

1º- O presente contrato de seguro cobre os riscos de morte e invalidez garantindo o pagamento ao beneficiário designado do capital seguro em caso de morte ou invalidez.

2º São pessoas seguras os colaboradores e respectivos cônjuges que contratem com o tomador do seguro empréstimos para a compra de habitação própria (1ª habitação ou habitação secundária) desde que satisfaçam as seguintes condições: (…)

3º Em caso de morte ou invalidez total e permanente de cada pessoa segura é beneficiária a entidade mutuante pelo valor em dívida na data do sinistro até ao limite do capital seguro (…)

4º O que está coberto: 1. O contrato de seguro abrange as seguintes garantias:

a) Garantia principal – morte por doença ou acidente (…)

Capital seguro:

O capital seguro para as garantias de morte ou invalidez incluídas neste contrato corresponde a 100% do valor do capital seguro informado ao Segurador no início do contrato nas datas das renovações anuais ou nos casos de amortização parcial…”

30. Para os “Seguros de Vida Grupo-Temporário Anual Renovável” a ré “ F (...) - Companhia de Seguros” e a “ G (...) ” acordaram em proceder à alteração das condições contratuais, passando a constar, para além do mais, nas Condições Gerais, as exclusões aplicáveis a todas as coberturas, nos seguintes termos:

“(…) 5.1 Estão sempre excluídas do âmbito de todas as coberturas do seguro as seguintes situações:

a) Acções ou omissões dolosas ou grosseiramente negligentes praticadas pela pessoa segura, tomador do seguro ou beneficiários, bem como por aqueles pelos quais sejam civilmente responsáveis;

b) Acções ou omissões praticadas pela pessoa segura quando acuse consume de produtos tóxicos, estupefacientes e outras drogas fora de prescrição médica, bem como quando lhe for detectado um grau de alcoolémia no sangue superior a 0,5 gramas litro.

(…)

5.3 Estão igualmente excluídos, de todas as coberturas complementares, salvo convenção em contrário, constante das condições particulares ou do certificado de adesão, os sinistros devidos a:

a (…)

b. Suicídio ou tentativa de suicídio.(…)

31. A ré informou o tomador do seguro, G (...) , da actualização das condições contratuais aplicáveis às apólices referidas em 13, 14, 15 e 20 por força da entrada em vigor do DL 78/2008 de 16 de Abril, a partir da renovação subsequente.

32. A ré informou a tomadora do seguro de alterações relativamente a informações prestadas aquando da celebração dos contratos de seguro, com influência na sua execução.

33. Os autores pagaram a quantia de cerca de 12.000,00€, a título de prestações mensais para amortização dos empréstimos atrás identificados, bem como prémios de seguros vencidos, desde a data da morte do C (…)

34. A primeira autora e o falecido C (…) sempre pagaram pontualmente os prémios relativos aos mencionados seguros.

35. A autora M (…) pagou o capital, juros e demais encargos referentes aos empréstimos supra identificados durante cerca de um ano.

36. No dia 17 de Outubro de 2010 cerca das 10 horas e 50 minutos, no Crato, Almeida, O C (…) foi encontrado já cadáver.

37. C (…) foi vítima de um acidente quando caçava.

38. Do relatório da autópsia, que foi efectuado no dia 1 de Março de 2011 no Gabinete Médico Legal da Guarda, consta o seguinte: “No dia 17/10/2010, cerca das 10 horas e 50 minutos foi comunicado a esta polícia que apareceu morto numa zona rural de caça – Quinta do Crato no Concelho de Almeida. Caçava com um amigo de longa data, o qual ia uns metros à frente e sentiu um disparo, tendo entre voltado para trás encontrado o seu amigo já sem vida, com a caçadeira junto ao corpo e com ferimento na cabeça resultante do disparo antes ouvido. Na sala de autópsia foi feita pela Polícia Judiciária, recolha de pólvora e metais nas mãos (…).

(…) O presente caso de autópsia revelou lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, produzidas por arma de fogo (tiro de caçadeira) com um orifício de entrada na transição da região occipito-temporo-parietal direita. Face às características das lesões traumáticas a morte terá ocorrido de forma imediata. A direcção seguida pelo tiro foi de baixo para cima e da direita para a esquerda. As lesões cutâneas observadas (queimaduras da pele e de negro de fumo) denotam que os canos da caçadeira estiveram em contacto com a zona atingida pelo disparo.

No caso em apreço é de salientar que foi atingida região que aloja órgãos essenciais à vida, por projéctil de arma de fogo plenamente adequado a produzir as lesões mortais (…)

39. As conclusões do mesmo relatório da autópsia são as seguintes:

1ª - A morte de C (…) foi devida às lesões traumáticas crâniomeningo- encefálicas.

2ª - Tais lesões traumáticas constituem causa adequada de morte.

3ª - Estas lesões traumáticas são compatíveis com as produzidas por tiro de arma de fogo de cano longo.

4ª - O trajecto seguido pelo projéctil foi de baixo para cima e da direita para a esquerda e de trás para a frente.

5ª - Médico-legalmente nada se opõe à etiologia de acidente referida na informação.

6ª Foram encontrados sinais de disparo a curta distância.

7ª A análise toxicológica feita ao sangue revelou uma taxa de alcoolemia que era de 1,48 gramas por litro no momento da morte.

8ª - As restantes análises toxicológicas não revelaram a presença das restantes substancias pesquisadas.”

40. A Polícia Judiciária participou esta ocorrência ao Ministério Público da Comarca de Almeida, tendo sido aberto inquérito que ali correu termos sob o nº 213/10.7JAGRD, no qual foi proferida decisão de arquivamento dos autos nos termos do nº 2 do artigo 277º do Código de Processo Penal, com o fundamento no facto de a factualidade apurada ser insusceptível de consubstanciar a prática de qualquer ilícito criminal.

41. No despacho de arquivamento atrás referido consta: “(…) Ora, tendo em conta os factos apurados, designadamente através do relatório fotográfico, os documentos juntos, as declarações das testemunhas e a autópsia médico-legal, não havendo nos Autos outros dados que o infirmem, tudo aponta no sentido de que o falecido C (…) tenha sofrido um acidente com a sua própria caçadeira, sem intervenção de terceiros, tendo sido esta a causa da sua morte …Nestes termos, observa-se que não existe qualquer ilícito que leve à suspeita de que a morte de C (…) se tenha ficado a dever a qualquer intervenção de terceiros, à prática de qualquer crime, concluindo-se, isso sim, que a mesma se terá devido a acidente”.

42. C (…) faleceu na sequência de um tiro de arma de fogo de cano longo tipo caçadeira.

43. O trajecto seguido pelo projéctil que provocou a morte de C (…), foi de baixo para cima, da direita para a esquerda e de trás para a frente, tendo sido disparado a curta distância.

44. Os canos da caçadeira estiveram em contacto com a zona atingida pelo disparo.

45. O tiro que provocou a morte de C (…) foi disparado pela caçadeira que C (…) trazia consigo, sem qualquer intervenção de terceiro.

46. No momento da sua morte o C (…) tinha uma taxa de alcoolémia no sangue de 1,48 g/l.

47. A morte do C (…) não foi provocada por estupefacientes ou por acção sua originada por uso de estupefacientes.

48. O falecido C (…) nunca sofreu de qualquer patologia ou doença que fosse causada ou estivesse relacionada com consumo de bebidas alcoólicas ou estupefacientes.

49. O falecido era uma pessoa saudável, alegre e bem-disposta, gostava da vida e adorava viver, não lhe sendo conhecidas doenças.

50. O falecido C (…), à data do seu falecimento não sofria, nem nunca sofreu anteriormente, de dependência de consumo de álcool ou de estupefacientes.

51. À data do falecimento do C (…) o montante seguro era no valor de 297.600,00€.

52. Por carta de 12 de Julho a seguradora aqui ré comunicou à autora o seguinte: “ Em resposta à documentação enviada por Vªs Exªs, na qual nos é solicitado o processamento de uma indemnização relativa aos empréstimos em epígrafe, lamentamos informar que não iremos procede ao pagamento de qualquer verba…..”

53. A taxa de álcool de 1,48 g/l, de que o falecido era portador, reduz a capacidade de vigilância, diminui a acuidade visual, estreita o campo visual e diminui os reflexos, aumentando o risco de sinistro na actividade da caça, com a utilização de armas.

54. Tal taxa afecta, no cérebro e no cerebelo, as capacidades cognitivas de antecipação, previsão e decisão e as capacidades perceptivas, nomeadamente visuais e de equilíbrio, assim como as capacidades de resposta motora.

55. C (…), em face da taxa de alcoolemia que apresentava, tinha a capacidade de vigilância, a acuidade visual e as capacidades perceptivas e reflexos diminuídos.

*

Factos Não Provados

1. C (…) foi funcionário da G (...) desde 1984.

2. A morte do C (…) não foi provocada por acção sua originada por uso de álcool.

(…)

8. O acidente de caça não foi causado por acção ou omissão do falecido C (…)

13. Nunca os autores ou o falecido C (…) foram informados pela ré F (...) ou pela tomadora de seguros de qualquer modificação no âmbito da cobertura de seguros titulados pelas apólices identificadas em 13., 14., 15 e 20. dos factos provados.

*

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Nulidade do processado.

- Alteração da matéria de facto.

- Inaplicabilidade de quaisquer cláusulas de exclusão referentes às apólices objecto dos autos.

- Da condenação da R. a pagar à G (...) as quantias em dívida, relativas aos empréstimos contraídos junto da mesma, por força da existência dos contratos de seguro de vida celebrados com a R., no montante global de 297.600 €; e aos AA os montantes por si pagos, relativamente aos mesmos contratos de mútuo, desde 17.10.2010, em montante não inferior a 12.000 €.

2. A recorrente A (…) veio invocar a nulidade de todo o processado a partir de 21.3.2013, data em que atingiu a maioridade (conclusões 1ª a 4ª). Mas está enganada. Vejamos porquê.

Quando a acção foi proposta (em Fevereiro de 2012) a A. A (…) era menor, pelo que estava representada legalmente por sua mãe (que passou a respectiva procuração como sua representante), a também A. M (…) Atingida a maioridade pela A. A (…) em 21.3.2013, cessou a sua incapacidade judiciária, passando a poder litigar por si (arts. 15º, nº 1, e 16º, nº 1, do NCPC), cessando a respectiva representação legal da mãe (e os poderes forenses cometidos ao respectivo advogado).

Apesar disso o processo foi seguindo os seus termos sem que a A. A (…) tivesse constituído mandatário. Trata-se, pois, de situação que cai na previsão do art. 41º do NCPC, pelo que - tratando-se de causa que importa a constituição obrigatória de advogado (art. 40º, nº 1, a), do mesmo diploma) – o juiz oficiosamente ou a requerimento da R., devia ter determinado a notificação daquela para o constituir sob pena de a mesma R. ser absolvida da instância (o que está, aliás, em consonância com o estatuído nos arts. 577º, h), e 278º, nº 1, e), do mesmo código). Absolvição da instância que é um efeito completamente diverso de uma nulidade de todo o processado, como defende a ora recorrente. Efeito esse que, a operar, teria até um resultado contrário aos interesses da A. A (…), pois quem beneficiaria dele era a R. que se veria absolvida da instância, tendo a A. A (…) de propor nova acção contra a mesma.          

Por outro lado, já não é necessário dar cumprimento ao citado art. 41º porque a A. A (…) constituiu agora advogado com a interposição de recurso, pelo que neste momento se mostra devidamente patrocinada.

Acresce a seguinte situação. Aquando da marcação da audiência prévia (o que aconteceu por despacho de 9.9.2013) a A. A (…) já maior nessa altura, foi notificada, por correio de 11.9.2013, para comparecer pessoalmente ou fazer-se representar por mandatário judicial (vide fls. 288). Todavia não constituiu mandatário algum. Desta feita, caso se tratasse da nulidade processual prevista no art. 195º do NCPC, como reclama a ora recorrente, a mesma seria ininvocável nesta altura (quando até já constituiu mandatário judicial), por 3 razões. Primeiro, porque lhe estava vedada a respectiva arguição, pois foi a mesma reclamante que renunciou tacitamente à sua arguição, visto que notificada nos termos apontados não arguiu qualquer nulidade que importasse a anulação de todo o processado, deixando antes correr os termos do processo até ao momento em que perdeu a causa e “descobriu” que afinal tinha que recorrer e não tinha advogado !!! (art. 197º, nº 2, do NCPC). Segundo, porque há muito passou o prazo para tal arguição, cujo termo inicial se contava a partir de tal notificação para a audiência prévia, como decorre do art. 199º, nº 1, 2ª parte, devendo presumir-se, como é óbvio, que então tomou conhecimento de tal suposta nulidade ou dela podia perfeitamente conhecer. Terceiro, porque tal nulidade processual, a existir, devia ter sido arguida na altura em 1ª instância e não agora em recurso (já que não se configura a hipótese prevista no art. 199º, nº 3, do mesmo código).      

Inexiste, por isso, a apontada nulidade de todo o processado, improcedendo esta parte do recurso.

3. Os recorrentes pretendem que os factos provados 27. a 32. e 47. sejam dados como não provados, e os factos não provados 1., 2., 8. e 13. passem a provados (vide conclusões de recurso 5. da A. Carolina, e 1. e 3. dos restantes AA. - quanto à conclusão 2. destes AA, a mesma irreleva por não passar de uma mera impugnação de facto deduzida pelos mesmos na sua réplica, na sequência da alegação pela R. na sua contestação da comunicação ao tomador de seguro das alterações introduzidas nas apólices, esta sim objecto de prova). Vejamos tal impugnação, tendo em conta que a impugnação da matéria de facto pelos 2 grupos de AA é quase na íntegra idêntica.

(…)

Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, sob pena de rejeição.

Ou seja, de tal dispositivo verifica-se que a lei exige 5 requisitos:

i) Que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

ii) Qual o sentido correcto da resposta, que na óptica do recorrente, se impunha fosse dado a tais pontos;

iii) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa;

iv) E por que razão assim seria, com análise critica criteriosa;

v) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de facultativa transcrição dos excertos relevantes.

Ora, das suas alegações de recurso (corpo) verifica-se que os recorrentes não cumpriram desde logo o v) dos indicados requisitos legais, pois não indicaram, em lado algum, com exactidão as passagens da gravação em que fundam a sua impugnação, baseada no depoimento das testemunhas que mencionaram, apesar de, face à gravação efectuada (vide as respectivas actas a fls. 457/461, 463/464), haver identificação precisa e separada de tais depoimentos.  

Na realidade, o ónus imposto a qualquer recorrente no aludido nº 2, a) do art. 640º, do NCPC não se satisfaz com a menção de que os depoimentos estão gravados com início às …e termo às …, (ou por ex. que os depoimentos gravados duraram um determinado tempo). Nem com a simples referência muito sintética do afirmado pelas testemunhas (que na verdade também não corresponde ao cumprimento do iv) dos aludidos requisitos). Nem sequer com a transcrição, total ou parcial, dos depoimentos prestados, já que esta é meramente facultativa. Não deixando a lei neste ponto qualquer dúvida, face aos termos claros e terminantes com que está redigida (vide igualmente no mesmo sentido L. Freitas, CPC Anotado, Vol. 3º, T. I, 2ª Ed., nota 4. ao artigo 685º-B, págs. 62/64, e A. Geraldes, Recursos em P. Civil, 2ª Ed., 2008, notas 3. e 4. ao referido artigo, págs. 138/142, normativo do CPC semelhante ao actual 640º do NCPC, e a título de exemplo os recentes Ac. desta Rel. de 10.2.2015, Proc.2466/11.4TBFIG e de 17.12.2014, Proc.6213/08.0TBLRA, disponíveis em www.dgsi.pt). No caso, as recorrentes limitaram-se a referir, que os depoimentos se encontram gravados no sistema digital com início às …e termo às …, e mencionando, muito em síntese, o depoimento das indicadas testemunhas, em vez de indicar com exactidão as passagens da gravação em que tais testemunhas depuseram no sentido supostamente por elas afirmado/defendido, a fim de permitir, como pretendiam, a eventual resposta de não provado e provado aos apontados factos, depois de prévia audição por esta Relação e subsequente análise e ponderação de tais depoimentos.

Por outro lado, quanto à prova documental, os recorrentes intentam desvalorizar os inúmeros documentos levados em conta pela julgadora de facto (como acima se referiu), com o fundamento que os mesmos não passam de fotocópias, alguns sem assinatura e outros com assinatura desconhecida. Contudo, ergue-se um obstáculo a tal pretensão. É que os recorrentes não concretizam nenhum desses docs., limitando-se genericamente a falar neles, quando era perfeitamente possível identifica-los, pois a julgadora indicou-os com precisão. Assim, esta mera referência genérica a documentos igualmente não satisfaz o aludido iii) requisito legal, enunciado no dito art. 640º - concreto meio probatório, constante do processo, que impunha decisão diversa.

Por fim, esgrimem com a falta prova de envio pelo correio, das alterações contratuais do seguro, para a tomadora do seguro G (...) , e comprovativo da sua recepção. Ora, foi dado como provado que tais alterações contratuais foram comunicadas por escrito pela seguradora R. à tomadora do seguro G (...) , tendo até ambas subscrito as ditas alterações, tudo com data de 30.9.2010, pelo que carece de fundamento a invocada falta de envio pelo correio de tais alterações contratuais por parte da seguradora á tomadora de seguro, formalidade que, aliás, em lado algum a lei ordena.   

Tem, por conseguinte, face ao não cumprimento do referido ónus legal, a impugnação da matéria de facto de ser rejeitada, relativamente a tais pontos (factos provados 27. a 32.).  

3.3. Quanto aos factos não provados 1., 2. e 8., corridas as suas alegações, verifica-se que pura e simplesmente os apelantes não apresentam qualquer fundamentação concreta para a sua impugnação. Ficando apenas pela confortável posição de face à prova produzida entenderem que tais factos deviam ser dados por provados. Assim, por completa omissão do cumprimento do citado art. 640º do NCPC, no que aos aludidos requisitos legais iii) a v) supra citados diz respeito, tal impugnação tem de ser rejeitada.       

3.4. Quanto ao facto não provado 13. os recorrentes baseavam-se no depoimento das testemunhas que identificaram, mais atrás referidas, para dar como provado tal facto. Acontece que falharam no cumprimento do aludido v) requisito legal, pelo que a impugnação está votada ao insucesso.

Acresce uma nuance. Por um lado, a R. seguradora não alegou ter comunicado aos aderentes do seguro de grupo as alterações contratuais, pelo que não houve incidência probatória sobre um facto não alegado por tal R., carecendo, assim, de fundamento a pretensão de dar por provado o facto contrário. Por outro lado, embora a tomadora de seguro ( G (...) ) tenha alegado (no seu articulado de intervenção) ter comunicado tais alterações aos aderentes, nomeadamente falecido e esposa A., o certo é que tal facto não vem dado por provado, pelo que, igualmente, carece de fundamento a pretensão de dar por provado o facto contrário. Ou dito de outra maneira. Acaba por ser irrelevante a impugnação do facto não provado 13. para a solução do litígio e mérito do recurso.

4. Na sentença recorrida escreveu-se que:

“Em 01/01/2009 entrou em vigor um novo regime jurídico do contrato de seguro, aprovado pelo Decreto - Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril (LCS).

O contrato de seguro é, essencialmente, regulado pelas disposições particulares e gerais constantes da respectiva apólice, não proibidas por lei, e na sua falta ou insuficiência, pelas disposições aplicáveis da LCS, ou na falta de previsão destas, pela aplicação dos regimes gerais previstos no Código Comercial e no Código Civil (vide artigo 4º da LCS)

(…)

In casu, resulta da matéria de facto que resultou provada e que deixámos supra enunciada, que o contrato de seguro em causa é um seguro do ramo vida, entendendo-se, pois, por seguro de vida aquele que é efectuado sobre a vida de uma ou várias pessoas, que permite garantir, como cobertura principal, desde logo, o risco morte.

Estamos, desta forma, perante contratos de seguro denominados de ramo vida, crédito à habitação e ramo vida, seguros a empregados G (...) , para o que aqui nos interessa com a vertente de morte.

(…)

… resulta também do artigo 176.º, n.º 1, da LCS que “o seguro de pessoas pode ser contratado como seguro individual ou seguro de grupo

A noção de seguro de grupo consta agora do artigo 76.º, que estatui que: “o contrato de seguro de grupo cobre riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar”.

Desta forma, poder-se-à dizer que o seguro de grupo é um verdadeiro contrato de seguro, em que existe um único tomador (que é o subscritor do contrato), porquanto os participantes ou aderentes não têm a qualidade de tomadores.

(…)

Por outro lado, e quanto à sua classificação, os seguros de grupo podem ser contributivos ou não contributivos (cfr. artigo 77º da LCS).

No primeiro tipo, ou seja, nos seguros contributivos todos os segurados contribuem no todo ou em parte para o pagamento do prémio, enquanto na segunda só o tomador do seguro paga a totalidade do prémio devido, competindo, pois, exclusivamente ao tomador do seguro a obrigação de pagamento do prémio …

Em face do enquadramento fáctico dos presentes autos, entendemos não subsistirem quaisquer dúvidas de que estamos, efectivamente, perante seguros de grupo contributivo.

Nos contratos de seguro referidos figura como seguradora a ré, como tomador do seguro e beneficiária a G (...) e como pessoas segura C (...) .

Com efeito, provou-se que nos contratos atrás referidos, o tomador do seguro e beneficiário é a G (...) a qual, enquanto credor hipotecário e entidade mutuante é beneficiário irrevogável e a quem deverão ser pagas todas as indemnizações a coberto das garantias resultantes de eventuais sinistros a que reportem tais contratos de seguro.

Nos termos dos mesmos contratos, a pessoa segura ou segurado é a pessoa no interesse da qual a adesão ao seguro é celebrada e cuja vida se segura, ou seja, a autora e o falecido C (…)

Provou-se, ainda que a autora e o falecido C (…) procederam à adesão ao referido seguro, tendo a sua adesão sido aceite pela ré Companhia de Seguros F (...) .

(…)

Neste tipo de contratos … a partir do momento em que se dá a adesão do segurado ao grupo, configura-se uma relação trilateral, pelo que, a partir desse momento, o contrato deixou de regular exclusivamente os interesses do tomador e do segurador e passa também a regular os interesses da pessoa segura.

(…)

No caso em apreço, resulta do contrato e das obrigações assumidas, que para a autora M (…)e seu falecido marido (pese embora não sendo os tomadores do seguro) resultava a obrigação de pagamento do respectivo prémio e, para a seguradora, a obrigação de garantir o pagamento à G (...) do valor do capital financiado.

(…)

Está, essencialmente, em causa saber se a seguradora deverá ou não ser responsabilizada pelo pagamento das quantias peticionadas ou se, pelo contrário, como pretende a ré, existe, neste caso, uma exclusão no seguro, em virtude do óbito do falecido C (…) ter ocorrido como consequência de um acidente de caça provocado precisamente, na perspectiva da ré, pelo consumo de bebidas alcoólicas, em face da taxa de alcoolémia que ele apresentava.

(…)

No caso dos autos, já o referimos, estamos perante a especificidade de se tratar de um contrato de seguro de vida grupo, sendo um contrato que vincula a seguradora e o tomador do seguro.

Por outro lado, quem a ele aderir, aceita-o, tal como foi definido pelas partes.

Portanto, o aderente ao seguro terá que aceitar esse contrato nas condições gizadas pelos respectivos outorgantes, ou seja, o tomador do seguro, que no caso é a interveniente, “ G (...) ” e a ré, como seguradora.

É esse o contrato de seguro relativamente ao qual ocorre a adesão, não havendo tantos contratos de seguro quantos os aderentes, mas um único contrato de seguro.

(…)

Tal relação contratual configura-se, no presente caso, no que concerne às relações estabelecidas com a autora e o falecido, como contrato de adesão, integrado por cláusulas contratuais gerais, pré-estabelecidas, pelo que, naturalmente, a autora e o falecido C (…) tiveram de aceitar em bloco, sem qualquer discussão ou negociação (ou aceitação específica e individualizada), todo o clausulado.

(…)

Daí que, numa primeira interpretação, se possa dizer que lhe será aplicável o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais constantes do DL 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo DL 220/95, de 31 de Outubro, que o republicou, e pelo DL 249/99, de 7 de Julho.

Todavia, o Regime Jurídico do Contrato de Seguro (Decretos-Lei n.ºs 176/95, de 29 de Julho e actualmente o Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril) como lei especial que é, sobrepõe-se às normas que regulam as cláusulas contratuais gerais, nomeadamente na parte referente ao ónus de esclarecimento e informação.

(…)

Para o que aqui releva, provou-se que:

» Nas respectivas condições gerais dos contratos de seguros referidos em 13 e 15, vigentes à data das respectivas adesões, no que respeita às exclusões constava:

“artigo 4º- 1. Os riscos de morte ou de invalidez não se consideram cobertos quando devidos a:

a) Acto intencional do Segurado, das pessoas seguras ou dos beneficiários.

b) Suicídio de qualquer das pessoas seguras ou sua tentativa, desde que verificado até dois anos após a inclusão no contrato. Sendo ampliadas as garantias, o prazo de dois anos será, no que se refere à ampliação, contado a partir da alteração introduzida. Se houver interrupção da cobertura este prazo é contado a partir da última integração.

c) Operações de campanha quando a pessoa segura, fazendo parte das forças armadas ou militarizadas, nelas entrar.

d) Desastre de aviação, salvo sendo a pessoa segura passageiro de avião de carreira comercial ou em avião militar de transporte de passageiros, desde que munidos de certificado de navegabilidade válido…”.

» A Seguros F (...) comunicou, por escrito, à G (...) , S.A., em 30.10.2009, a actualização das condições contratuais supra referidas, no que respeita aos contratos de seguro identificados em 13, 14, 15 e 20, fazendo constar em tal carta: “(…) Actualização das Condições Contratuais aplicáveis nos termos e para os efeitos previstos no artigo 3º nº2 do DL 72/2008 de 16 de Abril. Exmos. Srs. No passado dia 1 de Janeiro do corrente ano entrou em vigor o novo regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo Decreto Lei 72/2008 de 16 de Abril. Com vista à aplicação plena das disposições do mencionado regime ao contrato de seguro titulado pela apólice em epígrafe, remetemos a V.Exa nos termos e para os efeitos previstos no artigo 3º nº2 do diploma em causa, as condições contratuais que serão aplicáveis a partir da próxima renovação à apólice supra-identificada(…)”.

» A ré “Seguros F (...) ”, enquanto seguradora e a G (...) , S.A.”, enquanto tomadora do seguro, subscreveram, em 30.10.2009, a denominada de “Acta Adicional nº 1/2009”, referente apólice 4.409.769, da qual consta o seguinte: “Com vista á aplicação plena das disposições do novo regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo DL 72/2008 de 16 de Abril procedemos à actualização das condições contratuais.

Pela presente acta adicional passam a vigorar as Condições Gerias e Particulares em anexo que anulam ou substituem as anteriores com efeito a partir das datas a seguir mencionadas:

01/01/2009 para adesões com data de início a partir de 01/01/2009

01/01/2010 para adesões com data de início anterior a 01/01/2009.

Anexa-se igualmente um espécime da Nota Informativa em vigor por forma a permitir o cumprimento por parte do tomador de Seguro do dever de informação aos aderentes que lhe cabe por força do artigo 78º do Decreto-lei supra referido.

Esta acta é redigida, assinada e trocada entre as partes.

Lisboa 30 de Outubro de 2009

O Tomador do Seguro O Segurador

(assinado) (assinado)

» Foram subscritas pela interveniente “ G (...) ”, na qualidade de tomador do seguro e pela ré na qualidade de seguradora, em 30 de Outubro de 2009, as denominadas “Condições Particulares do Seguro de Vida Grupo- apólice 4 409 769” (“novas” condições contratuais), do qual constam as seguintes cláusulas:

»É celebrado o presente contrato de Seguro Vida Grupo, 100% contributivo, que se regula pelas Condições Gerais do Seguro de Vida Grupo-Temporário Renovável e por estas Condições Particulares da apólice de harmonia com as declarações constantes da proposta que lhe serviu de base e que dela faz parte integrante.

1º- O presente contrato de seguro cobre os riscos de morte e invalidez garantindo o pagamento ao beneficiário designado do capital seguro em caso de morte ou invalidez.

2º São pessoas seguras os colaboradores e respectivos cônjuges que contratem com o tomador do seguro empréstimos para a compra de habitação própria (1ª habitação ou habitação secundária) desde que satisfaçam as seguintes condições: (…)

3º Em caso de morte ou invalidez total e permanente de cada pessoa segura é beneficiária a entidade mutuante pelo valor em dívida na data do sinistro até ao limite do capital seguro (…)

4º O que está coberto: 1. O contrato de seguro abrange as seguintes garantias:

a) Garantia principal – morte por doença ou acidente (…)

Capital seguro:

O capital seguro para as garantias de morte ou invalidez incluídas neste contrato corresponde a 100% do valor do capital seguro informado ao Segurador no início do contrato nas datas das renovações anuais ou nos casos de amortização parical…”

» Para os “Seguros de Vida Grupo-Temporário Anual Renovável” a ré “ F (...) - Companhia de Seguros” e a “ G (...) ” acordaram em proceder à alteração das condições contratuais, passando a constar, para além do mais, nas Condições Gerais, as exclusões aplicáveis a todas as coberturas, nos seguintes termos:

“(…) 5.1 Estão sempre excluídas do âmbito de todas as coberturas do seguro as seguintes situações:

a) Acções ou omissões dolosas ou grosseiramente negligentes praticadas pela pessoa segura, tomador do seguro ou beneficiários, bem como por aqueles pelos quais sejam civilmente responsáveis;

b) Acções ou omissões praticadas pela pessoa segura quando acuse consume de produtos tóxicos, estupefacientes e outras drogas fora de prescrição médica, bem como quando lhe for detectado um grau de alcoolémia no sangue superior a 0,5 gramas litro.

(…)

5.3 Estão igualmente excluídos, de todas as coberturas complementares, salvo convenção em contrário, constante das condições particulares ou do certificado de adesão, os sinistros devidos a:

a (…)

b. Suicídio ou tentativa de suicídio.(…)

31. A ré informou o tomador do seguro, G (...) , da actualização das condições contratuais aplicáveis às apólices referidas em 13, 14, 15 e 20 por força da entrada em vigor do DL 78/2008 de 16 de Abril, a partir da renovação subsequente.

» A ré informou o tomador do seguro de alterações relativamente a informações prestadas aquando da celebração dos contratos de seguro, que possam ter influenciado na sua execução.

Da matéria de facto que acabámos de enunciar e ficou provada no âmbito destes autos, resulta, em primeiro lugar, que as condições das apólices supra mencionadas, inicialmente acordadas, foram alteradas, alteração que assume particular relevância no que concerne às exclusões previstas para tais apólices.

Isto porque, nas Condições Gerais, nas apólices primitivas, no que respeita à cobertura principal, no capítulo de Exclusões, do artigo 4º, nº 1, constava apenas: “acto intencional do Segurado, das pessoas seguras ou dos beneficiários e suicídio de qualquer das pessoas seguras ou sua tentativa, desde que verificado até dois anos após a inclusão no contrato. Sendo ampliadas as garantias, o prazo de dois anos será, no que se refere à ampliação, contado a partir da alteração introduzida. Se houver interrupção da cobertura este prazo é contado a partir da última integração, operações de campanha quando a pessoa segura, fazendo parte das forças armadas ou militarizadas, nelas entrar e desastre de aviação, salvo sendo a pessoa segura passageiro de avião de carreira comercial ou em avião militar de transporte de passageiros, desde que munidos de certificado de navegabilidade válido”.

Já nas Condições Gerais das apólices, depois da alteração, passou a prever-se, em termos de exclusões aplicáveis a todas as coberturas, e para o que aqui nos interessa, “acções ou omissões praticadas pela pessoa segura quando acuse consume de produtos tóxicos, estupefacientes e outras drogas fora de prescrição médica, bem como quando lhe for detectado um grau de alcoolémia no sangue superior a 0,5 gramas litro”.

É, precisamente, esta a exclusão que vem invocada pela ré e que determinou a recusa do pagamento à G (...) dos montantes que vêm peticionados pelos autores, alegando que é esta cláusula de exclusão aplicável a todas as apólices aqui em causa, na medida em que foi acordada a sua aplicação a partir de 01/01/2010, mesmo para adesões com data de início anterior a 01/01/2009.

(…)

Importa, neste momento, decidir se, em face da matéria de facto que resultou provada (e não provada), as alterações introduzidas nos seguros de vida ramo grupo aqui em causa, nomeadamente no que respeita às exclusões que passaram a ser previstas, poderão ser invocadas pelas seguradora no sentido de não proceder ao pagamento das quantias peticionadas, ou se, pelo contrário, relativamente às apólices em relação às quais não se encontravam inicialmente previstas, não o poderão ser.

(…)

Em face da relação que se estabelece neste tipo de contratos de seguro, as informações deverão ser prestadas aos aderentes, em primeira linha, pelos tomadores do seguro, dado que, repetimos, são estes as partes no contrato, juntamente com a seguradora, e não os aderentes.

Foi esta, aliás, a solução legalmente consagrada, no sentido de que a informação aos segurados, também das alterações aos contratos de seguro de grupo, incumbe ao respectivo tomador.

Reportando-nos directamente à evolução legislativa no que respeita a esta questão, o DL 176/95, visou “estabelecer regras de transparência para a actividade seguradora e disposições relativas ao regime jurídico dos contratos

de seguro”.

Relativamente aos seguros de grupo, o legislador, no artigo 4.º, definiu a quem compete o ónus de informação, não havendo, por isso, no que a este aspecto concerne, necessidade de recorrer aos princípios gerais da boa-fé nem às disposições contidas nas cláusulas contratuais gerais por haver norma expressa para o efeito.

Previa-se no nº 1 que “Nos seguros de grupo, o tomador do seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora.

Por seu turno, o nº 2 dispunha que “O ónus da prova de ter fornecido as informações referidas no número anterior compete ao tomador do seguro”, apenas sendo de modo diferente “se o contrato previr que a obrigação de informar os segurados referida no n.º 1 seja assumida pela seguradora” (cfr. n.º 4 do citado artigo).

Este regime legal continua a vigorar, no essencial, no âmbito do DL 72/08, nomeadamente no seu artigo 78º.

Aplicando, agora, tal entendimento à situação dos autos, temos que, existiram, como vimos, alterações às cláusulas inicialmente acordadas no que respeita a algumas das apólices e adesões aqui em causa.

Todavia, provou-se que a ré comunicou as alterações à G (...) e mesmo que esta subscreveu a denominada “acta adicional” nos termos que ficaram supra descritos.

(…)

Do exposto decorre que a seguradora cumpriu o dever de comunicação e informação que sobre si impedia, de comunicar as alterações à tomadora do seguro, sendo certo, aliás, que resulta mesmo, como acabámos de ver, que acordou com a tomadora do seguro as alterações.

É certo que não resultou provado que a ré seguradora comunicou tais alterações à autora e seu falecido marido.

Todavia, como já referimos, é ao tomador de seguro que cabe esclarecer adequadamente o aderente acerca do teor das cláusulas, nomeadamente de exclusão incluídas no contrato e também relativamente às alterações de que possa ser alvo.

(…)

In casu, não se tendo provado que algo diferente foi estipulado deveria ser o tomador do seguro e não a seguradora a informar a autora e falecido marido das alterações das condições inicialmente acordadas, nomeadamente no que respeita às exclusões que passaram a ser previstas, precisamente em virtude dessas alterações introduzidas, sendo este, como já vimos, o regime que expressamente resulta da lei.

Em face do que antecede, fácil se torna concluir que não houve por parte da ré (seguradora) violação dos deveres que lhe eram impostos pela boa-fé, nomeadamente de comunicação.

Com efeito, a ré comunicou e informou (e mesmo acordou), com quem teria de o fazer, ou seja, a tomadora do seguro ( G (...) ), sendo com ela que contratou, e não com os aderentes.

Sendo o dever de informação ao aderente do tomador do seguro, não houve omissão ilícita da ré de transmissão de informação sobre a dinâmica, nomeadamente em termos de alterações, do contrato de seguro em causa.

Aqui chegados, e posto que não se provou que tivessem sido comunicadas à autora e seu falecido marido as alterações relativas às apólices do seguro do ramo vida grupo a que aderiram, designadamente no que respeita às exclusões que passaram a ser previstas na Condições Gerais de todas as apólices e às quais já nos reportámos, impõe-se decidir se a ré (que as comunicou e acordou com a tomadora do seguro) as pode opor aos autores no sentido de excluir a sua responsabilidade pelo pagamento do montante aqui peticionado, ou se, pelo contrário, tal não pode acontecer, em virtude dessas alterações carecerem também do acordo dos aderentes.

É nosso entendimento, e tal como vem sendo entendido de forma maioritária pelo Supremo Tribunal de Justiça, que a ré pode, de facto, opor aos autores tal alteração aos contratos de seguro com a consequente aplicação das cláusulas de exclusão introduzidas com tal alteração, porquanto os aderentes (autora e falecido marido) não são partes no contrato do seguro de grupo em causa.

Aqueles que são as partes foram informados e acordaram em tal alteração, pelo que os aderentes e, logo a autora e o seu falecido marido, ficaram sujeitos ao resultado da aludida modificação contratual, ou seja, dessa nova regulamentação de interesses decorrente da alteração do clausulado do contrato de seguro em causa.

No mesmo sentido decidiu o Acórdão do STJ de 25 de Junho de 2013, que citamos por particularmente esclarecedor a este propósito…

Consideramos, também nós, seguindo de perto a jurisprudência que citámos, que foi intenção do legislador que ficasse estabelecida para o “seguro de grupo” uma disciplina diferente da prevista para a generalidade dos contratos de adesão, no que respeita ao dever de informação, sendo inequívoca a intenção de se isentar a seguradora de dar a conhecer ao aderente/segurado as cláusulas do contrato, pelo que, existindo lei especial para os contratos de seguro não há que lançar mão do regime geral das cláusulas contratuais gerais, designadamente do n.º 3 do seu artigo 1.º, por não ser caso omisso (no mesmo sentido Ac. do STJ de 10/05/2007, in www.dgsi.pt).

Deste modo, num “seguro de grupo” a omissão do dever de informação acerca das obrigações, direitos, da cobertura e das exclusões assinaladas no contrato, ou em posteriores alterações, terá de ser imputada, exclusivamente, ao tomador do seguro, salvo se outra coisa resultar do contrato de seguro subscrito pela seguradora, o que no caso não acontece.

Assim, no contrato de seguro de grupo contributivo celebrado entre a ré e a G (...) , e ao qual a autora e o seu falecido marido aderiram, a falta de comunicação das alterações das cláusulas do seguro aos aderentes não implica o repúdio da validade delas.

Em resumo, diremos que não pode ser imputada à seguradora, nem ser-lhe oposta, a violação do dever de comunicação, não sendo de responsabilizar a seguradora por um acto cometido pela tomadora do seguro, que àquela, sem mais, não se pode estender, motivo pelo qual os autores não podem colocar, perante a ré seguradora, a questão da invalidade das cláusulas em questão por falta de comunicação.

Acresce que nos presentes autos os autores limitaram-se a demandar a seguradora, apesar de ser a G (...) , como referimos, a responsável pelo incumprimento do dever de informação e comunicação aos aderentes (dado que não se provou que tivessem comunicado), das alterações introduzidas no seguro, o que inviabiliza, naturalmente, que se possam discutir na presente acção as consequências de tal omissão.

Com efeito, mesmo a entender-se, como o fazemos, que a omissão do dever legal de informação e esclarecimento por parte do tomador de seguro se não pode repercutir na esfera jurídica da seguradora, nem por isso se poderá, sem mais, concluir que o aderente fica totalmente desprotegido, sendo necessário identificar quais os mecanismos existentes para tutela jurídica do aderente, relativamente à tomadora do seguro que incumpriu a obrigação acessória (ou não provou que a tivesse cumprido) a que estava legalmente vinculado.

Tendo havido violação desse dever de informar, poderão, eventualmente, os autores exercer os seus direitos sobre quem o não cumpriu, mas não à ré, sobre a qual não impendia esse dever.

De referir apenas que os autores, na sua petição inicial, vieram requerer a intervenção principal provocada da tomadora dos seguros G (...) , como seu associado, a qual foi admitida por despacho proferido nos autos, precisamente como associada dos autores.

(…)

Deste modo, não sendo demandada e não havendo também contra ela qualquer pedido, não pode ser apreciada a responsabilidade em que, eventualmente, a sua omissão o possa fazer incorrer.

Em conclusão, diremos que não tendo sido demandada a tomadora do seguro, não pode ser imputada à seguradora, nem ser-lhe oposta, a violação do dever de comunicação das alterações aos seguros aqui em causa (no mesmo sentido, e para além dos Acórdão já citados, veja-se Acs. STJ de 12/10/2010, de 22 de Janeiro de 2009 e 13 de Janeiro de 2011 in www.dgsi.pt).

Do exposto resulta que é válida a cláusula de exclusão que passou, em virtude da alteração das condições contratuais, a constar nas Condições Gerais de todas as apólices aqui em causa, ou seja, que “(…) Estão sempre excluídas do âmbito de todas as coberturas do seguro as seguintes situações: b) Acções ou omissões praticadas pela pessoa segura quando acuse consume de produtos tóxicos, estupefacientes e outras drogas fora de prescrição médica, bem como quando lhe for detectado um grau de alcoolémia no sangue superior a 0,5 gramas /litro”.

Assente que está, em face de tudo o que deixámos supra referido, que se aplica esta exclusão a todos os seguros do ramo vida grupo aqui em causa, cumpre, agora, em face da matéria de facto que resultou provada no que respeita às circunstâncias em que ocorreu a morte de C (...) , decidir se a mesma é aplicável neste caso concreto, ou seja, se a morte ocorreu em resultado de uma acção ou omissão da pessoa segura quando lhe for detectado um grau de alcoolémia no sangue superior a 0,5 gramas por litro.

(…)

Antes de nos determos, directamente, na factualidade provada nestes autos, diremos que se retira da posição assumida pelos autores que, para além do mais (designadamente das questões que se prendem com a não comunicação da alteração do seguro e, consequentemente, com a não inclusão desta cláusula, que já decidimos), entendem que a acção deverá proceder, não podendo a ré invocar a exclusão do contrato de seguro, porquanto é necessária a prova do nexo de causalidade entre o álcool e o acidente e que tal não foi feito pela seguradora.

(…)

Saber se a exclusão do sinistro da cobertura do seguro depende apenas da circunstância do segurado apresentar com uma T.A.S. superior à legalmente permitida ou se, pelo contrário, é também indispensável a prova da existência de nexo de causalidade adequada entre tal taxa e a eclosão do acidente, é algo que depende estreitamente da redacção que, em concreto, tiver a cláusula delimitadora do objecto dos contratos de seguro porque estamos no âmbito da interpretação das respectivas cláusulas (neste sentido Ac. TRL de 07/11/2013, in www.dgsi.pt).

A interpretação desta cláusula … estando, antes, sujeita às regras interpretativas traçadas pelos artigos 236º e 238º nº1 do CC.

Dir-se-à, então, que, se ao abrigo da liberdade de estipulação contratual consagrada no artigo 405º, nº 1, do Código Civil, foi definido o limite da exclusão da cobertura contratual por referência ao volume da alcoolemia, não se colocando, repetimos, a questão do nexo de causalidade entre o efeito do álcool ingerido e a eclosão do acidente.

Tudo passa, pois, aqui, pela interpretação da vontade negocial das partes, sendo certo que tal não significa que se possa extrair de determinado documento ou declaração de vontade contratual algo que não tenha a mínima correspondência com a sua própria letra, colocando-se, pois, a questão da interpretação das declarações negociais constantes em tal documento.

(…)

Daí que, e retomando o já supra referido, neste caso concreto, no âmbito destes seguros ficam excluídas as coberturas de acções ou omissões praticadas pela pessoa segura se lhe for detectada um grau de alcoolémia no sangue superior 0,5 g/l.

Resulta, em nosso entender, desta cláusula de exclusão, seguindo as regras de interpretação referidas, que a mesma funciona independentemente de se verificar a existência de nexo de causalidade.

Nessas circunstâncias, perante uma cláusula desse teor, a exclusão do sinistro da cobertura do seguro depende apenas da circunstância daquele ter resultado de uma acção ou omissão praticada pela pessoa segura e, por outro lado, ser-lhe detectada uma TAS superior a 0,5 g/l.

Não é, repetimos, necessária a prova da existência de nexo de causalidade adequada entre tal acção ou omissão e a taxa de alcoolemia apresentada, dado que apenas foi definido o limite de exclusão da cobertura contratual por referência ao volume de alcoolemia.

Revertendo ao caso dos autos, como vimos, resultou provado que o C (…) faleceu em consequência das lesões por si sofridas, em virtude do acidente de caça que foi interveniente, tendo sido encontrado cadáver no dia 17 de Outubro de 2010, cerca das 10 h 50m.

Mais se provou que C (…) faleceu na sequência de um tiro de arma de fogo de cano longo tipo caçadeira, sendo que o trajecto seguido pelo projéctil que provocou a morte de C (…) foi de baixo para cima, da direita para a esquerda e de trás para a frente, tendo sido disparado a curta distância, e os canos da caçadeira estiveram em contacto com a zona atingida pelo disparo.

Com especial relevância, provou-se que o tiro que provocou a morte de C (…) foi disparado pela caçadeira que C (…) trazia consigo, sem qualquer intervenção de terceiro e que no momento da sua morte o C (…) tinha uma taxa de alcoolémia no sangue de 1,48 g/l.

Mais se provou que a taxa de álcool de 1,48 g/l, de que o falecido era portador, reduz a capacidade de vigilância, diminui a acuidade visual, estreita o campo visual e diminuição os reflexos, aumentando o risco de sinistro na actividade da caça, com a utilização de armas, que tal taxa afecta, no cérebro e no cerebelo, as capacidades cognitivas de antecipação, previsão e decisão e as capacidades perceptivas, nomeadamente visuais e de equilíbrio, assim como as capacidades de resposta motora e que C (…), em face da taxa de alcoolemia que apresentava, tinha a capacidade de vigilância, a acuidade visual, as capacidades perceptivas e reflexos diminuídos.

Da factualidade que acabámos de enunciar, resulta, sem qualquer dúvida, que a morte do falecido C (…) foi provocada por acção ou omissão sua, e que se encontrava com uma TAS de 1,48 g/l.

Com efeito, o falecido encontrava-se a caçar, tendo consigo, e utilizando, uma arma, no exercício da caça, quando era portador de uma taxa de alcoolémia de 1,48 g/l e foi precisamente essa a arma que disparou o tiro que veio a provocar a sua morte, nas circunstâncias supra descritas, sem qualquer intervenção de terceiro, contrariamente ao alegado pelos autores.

Deste modo, diremos que, pese embora, é certo, não se tenham apurado as circunstâncias concretas em que ocorreu este acidente de caça, e o motivo pelo qual houve o disparo, não poderemos deixar de concluir que, tendo sido o tiro que provocou a morte disparado pela arma do próprio falecido, sem qualquer intervenção de terceiro, ter-se-à de concluir que a morte foi, indubitavelmente, provocada por acção ou omissão do falecido, apesar de, como referimos, não ter sido possível apurar exactamente qual, até porque ninguém presenciou.

No entanto, do que não restam dúvidas é de que ninguém mais teve intervenção neste acidente, até porque C (…) se encontrava sozinho, pelo que, obviamente, tendo sido a arma que ele transportava consigo que disparou o tiro mortal, tal traduziu-se numa acção ou omissão sua, ao disparar ou permitir que a arma que transportava disparasse sobre a sua cabeça, assim lhe provocando a morte.

Se tal aconteceu porque não transportava a arma na posição e com o cuidado que o deveria fazer, se foi porque não a travou e tocando no gatilho ela disparou, se foi porque permitiu que ela se prendesse a qualquer ramo de árvore, se foi por qualquer outra razão que não conseguiu apurar-se, nomeadamente devido à taxa de alcoolemia de que era portador, tal acaba por ser irrelevante.

O que se apurou, sem qualquer dúvida, foi que existiu uma acção ou omissão do falecido, único interveniente no acidente, enquanto caçava e trazia para o efeito a arma descrita, que acabou por determinar que a mesma disparasse sobre si próprio, de baixo para cima, da direita para a esquerda e de trás para a frente, a curta distância, e com os canos da caçadeira em contacto com a zona atingida pelo disparo.

(…)

Esta é a única interpretação que se coaduna com o teor da cláusula em apreço.

Em resumo do que antecede, diremos que, no caso dos autos, para os seguros ramo vida grupo aqui em causa (quer porque desde o seu início algumas das adesões já o foram depois das alterações, mas também, pelos motivos expostos, relativamente às adesões anteriores por força das alterações que tal seguro sofreu) vigorava a exclusão a que vimos de aludir, que foi invocada pela seguradora e que, efectivamente, se mostra preenchida, pelo que está excluída a cobertura do seguro neste caso concreto.

Acresce, ainda, que caçar e transportar uma arma com uma taxa de álcool desta natureza, em face do disposto no artigo 88º da Lei das Armas e do artigo 29º da Lei da Caça, consubstancia em Portugal acto criminoso, isto porque é crime, nos termos dos citados preceitos legal, caçar e deter armas com uma taxa igual ou superior a 1,2 g/l.

(…)

Assim, caçar e deter armas com uma taxa de 1,48 g/l, como acontecia com o falecido, consubstancia a prática de um acto qualificado como crime, pelo que, também por esse motivo, é nosso entendimento que a interpretação da cláusula de exclusão que aqui nos ocupa, terá de ser feita em termos de ser também ela ajustada ao que é aceite como consentâneo com a ordem pública, sendo de excluir uma interpretação no sentido de que a seguradora assuma o risco, ainda que a pessoa segura esteja a cometer um crime.

Com efeito, sendo o contrato de seguro aquele pelo qual a seguradora, mediante retribuição, se obriga, a favor do segurado ou de um terceiro beneficiário, a determinada indemnização ou pagamento de um valor prédefinido, em função da realização de um determinado evento futuro e incerto cujo risco assume, é evidente que apenas se pode atender aos riscos legalmente seguráveis, não se podendo assumir riscos contrários à ordem pública

Aliás, nem o segurado (sendo que no caso em apreço este argumento se aplica por maioria de razão quando estamos perante um aderente que era funcionário da G (...) ) poderá, em nosso entender, esperar do contrato que ele segure uma actividade ilícita, e, no caso criminosa, como seja a do exercício da caça e detenção de arma de fogo em estado de embriaguez, com uma TAS no caso superior a 1,2 g/l (e não só a 0,5 g/l).

Parece-nos, pois, que na interpretação da cláusula de exclusão que aqui nos ocupa, nunca poderia deixar de se atender a esta circunstância, considerando-se que, no caso em apreço, se deveria sempre ter por verificada tal exclusão.

(…)

Verifica-se, assim, que no âmbito deste tipo de contratos de seguro (não seguros automóveis obrigatórios, repetimos) a cobertura do risco poderá ser excluída por se revelar produtora de um desvalor jurídico, sendo que em causa está, pois, a licitude da cobertura do risco.

Por esse motivo se justificam as proibições a que já nos reportámos, ou seja, proibições do seguro de certos riscos, do objecto negocial, que não se mostrem compatíveis com a ordem pública.

Trata-se de negar a tutela jurídica a contratos cujos efeitos contrariam o sentido de outras normas ou mesmo do conjunto de princípios na base do ordenamento jurídico e que, por isso mesmo, não se podem considerar aptos a produzir efeitos de direito, quer dizer, no caso, os que se prendem mesmo com a criminalização do exercício da caça e da detenção de armas a partir de determinada taxa de álcool, o que, como ficou já dito, aconteceu no caso em apreço, pelo que entendemos que os contratos de seguro em que a ré seguradora se obrigou a pagar certo capital se a pessoa segura falecesse, não cobre o risco de morte resultante de acidente no exercício da caça por parte do segurado/pessoa segura em virtude de acto criminoso por este cometido.

(…)

Em face de tudo o exposto, concluímos que a ré não está obrigada a satisfazer a pretensão dos autores, pelo que deverão improceder todos os pedidos contra si deduzidos”.

Tendo sido esta a razão jurídica de decidir e tendo em conta os fundamentos discordantes apresentados pelos apelantes nas suas conclusões de recurso, a controvérsia cinge-se aos seguintes dois pontos:

- é oponível pela seguradora aos segurados, aderentes no seguro de grupo, as alterações contratuais operadas, sem que o tomador de seguro as tivesse comunicado aos segurados (conclusões 7. a 14. da recorrente A (...) e 5. a 12. dos demais apelantes);

- é irrelevante para a exclusão da cobertura do seguro que o segurado aquando do sinistro estivesse a desenvolver uma acção criminosa, pois só verificado nexo de causalidade entre a existência de alcoolémia e o sinistro se pode considerar estar excluída a responsabilidade da seguradora (conclusão 15. da apelante A. A (…)e 12. dos restantes recorrentes);.

A todas estas dúvidas a sentença deu resposta, que entendemos por acertada.

Quanto ao primeiro ponto controvertido é de sublinhar que o art. 78º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro - citado DL 72/2008, aplicável ao caso dos autos -, atinente ao seguro de grupo, com a epígrafe “dever de informar”, incumbe, no seu nº 1, ao tomador de seguro o dever de informar os segurados sobre as coberturas contratadas, as suas exclusões, bem como as alterações ao contrato, estabelecendo, no seu nº 3, que compete ao tomador de seguro provar que forneceu as informações referidas, salvo se o contrato de seguro previr que o dever de informar seja assumido pela seguradora (nº 5). No nosso caso, face à factualidade apurada, sabemos não se ter provado que a tomadora do seguro G (...) informou o falecido das alterações contratuais, apesar de lhe ter sido feita a respectiva comunicação pela R. seguradora, conduta da tomadora do seguro violadora do mencionado nº 1. Ficando, assim, sujeita a eventual responsabilidade civil, perante o segurado, nos termos gerais (art. 79º do RJCS). Os recorrentes entendem que a seguradora R. também é responsável, com a argumentação jurídica que aduziram, e citam em seu abono 2 arestos que incidem sobre a presente problemática, o da Rel. Coimbra, de 9.1.2012, Proc.27/10.4T2AND (em que o presente relator foi 2º adjunto), e o da Rel. Porto, de 25.10.2012, Proc.24/10.0TBVNG, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, este último evidenciando a divisão jurisprudencial sobre o tema e citando a favor da tese que defende vários acórdãos das Relações, embora reconhecendo que no STJ a corrente dominante é a que exclui a responsabilidade da seguradora. Ponderada e reponderada a questão temos por muito pertinente a argumentação expendida no Ac. do STJ de 25.6.2013, Proc.24/10.0TBVNG, citado na decisão recorrida, e que, como revista excepcional, resolveu um dissídio jurisprudencial entre um acórdão do STJ e o referido acórdão da Relação do Porto, revogando este último, e, também conhecedor do indicado aresto desta Relação, concluiu que a seguradora pode opor aos segurados, aderentes no seguro de grupo, as alterações contratuais operadas, por si comunicadas ao tomador do seguro mas não comunicadas por este aos segurados.
Nele disse-se o seguinte “A questão debatida no presente recurso tem, pois, a ver com a definição das consequências jurídicas a atribuir ao incumprimento do dever de informação e esclarecimento aos aderentes do teor da referida cláusula de exclusão do risco…identificando qual o sujeito sobre que incidia tal obrigação de esclarecimento e determinando se o respectivo incumprimento é susceptível de se repercutir na esfera jurídica do outro contraente, apesar de sobre ele não incidir uma obrigação de explicitação e esclarecimento do aderente ao seguro de grupo.
Quanto ao primeiro aspecto, é incontroverso que tal dever de esclarecimento do aderente recai sobre o banco/tomador de seguro; é este o regime que decorre expressamente do estatuído no art. 4º do DL. 176/95: nos seguros de grupo, salvo convenção em contrário, o tomador de seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas e as obrigações e direitos em caso de sinistro, em  conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora, cabendo-lhe o ónus da prova de ter fornecido estas informações; por sua vez, deve a seguradora facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato.
Note-se que este regime legal continua a vigorar, no essencial, no âmbito do DL 72/08 (art. 78º), apesar da preocupação, bem expressa no preâmbulo, de tutela acrescida dos aderentes no âmbito da regulamentação do seguro de grupo contributivo, ao afirmar-se: «Nos contratos de seguro de grupo em que os segurados contribuem para o pagamento, total ou parcial, do prémio, a posição do segurado é substancialmente assimilável à de um tomador de seguro individual. Como tal, importa garantir que a circunstância de o contrato de seguro ser celebrado na modalidade de seguro de grupo não constitui um elemento que determine um diferente nível de protecção dos interesses do segurado e que prejudique a transparência do contrato».
Significa e implica este regime legal que, no caso, era efectivamente ao banco/tomador de seguro que cabia ter esclarecido adequadamente o aderente acerca do teor das cláusulas de exclusão incluídas no contrato : saliente-se que este regime especial, fundado na peculiar natureza e estrutura da figura do seguro de grupo, envolvendo uma relação triangular entre os interessados, se sobrepõe naturalmente (precisamente como regime especial que é) ao regime regra das cláusulas contratuais gerais, que impõe ao outro contraente (nos casos normais, que não tenham subjacente um seguro de grupo, obviamente a própria seguradora) a obrigação de comunicar e explicitar as cláusulas ao aderente; porém, no caso do seguro de grupo, este dever de comunicação e informação está legalmente posto a cargo do tomador de seguro, pelo que, em primeira linha, ele não incide sobre a seguradora, a menos que algo diferente resulte das estipulações das partes.
Perante esta incidência subjectiva do dever de informação e esclarecimento, colocado expressa e legalmente a cargo do tomador de seguro, será possível – e com que fundamento material – fazer incidir os efeitos do incumprimento sobre a esfera jurídica do outro contraente – a seguradora – apesar de esta não estar legalmente vinculada a tal obrigação de esclarecimento do aderente no momento da subscrição do contrato?
Saliente-se, desde logo, que – como parece evidente – a seguradora responde pelo incumprimento de quaisquer obrigações acessórias a que a lei a vincule; assim, por exemplo:
a)-o dever de informação do tomador do seguro para com o aderente tem como base ou matriz um espécimen elaborado pela seguradora – pelo que, se este documento padecer de vícios ou insuficiências que determinem causalmente o cumprimento deficiente do referido dever de esclarecimento, é evidente que a seguradora responde também pelas consequências de tal incumprimento, na medida em que surge, neste caso, como verdadeira co-autora do facto lesivo (por isso, não estará a responder objectivamente por uma omissão culposa de outro sujeito contratual, o tomador de seguro, mas antes, subjectivamente, por um facto pessoal, como autora de um comportamento negligente que lhe é directamente imputado). E, assim, se do documento elaborado pela seguradora constarem, por exemplo, cláusulas contratuais de conteúdo equívoco, que acabem por determinar deficiente compreensão do aderente acerca do seu efectivo âmbito, temos como certo que será plenamente aplicável, mesmo no confronto da seguradora, o regime constante do art.11º do DL 446/85 ( cfr. Ac. de 29/10/09, proferido pelo STJ no P. 2157/06.8TVLSB.S1).
(…)
b)- o dever de facultar, a pedido dos segurados, quaisquer informações necessárias à efectiva compreensão da disciplina contratual:
(…)
Ora, assente que – no caso dos autos, perante os factos alegados – apenas está em causa o incumprimento pelo tomador de seguro da específica obrigação de informação e esclarecimento do aderente, prevista no nº1 do art. 4º do DL 176/95, importa determinar se tal incumprimento é susceptível de se projectar – e a que título – na esfera jurídica do outro interessado – a seguradora – em termos de ser oponível pelo aderente do seguro de grupo à seguradora a não vigência da dita cláusula…
Saliente-se que a estratégia processual seguida pelos AA., ao demandarem apenas a seguradora, e não também o banco/tomador de seguro – apesar de, como se viu, a este ser imputável em primeira linha o incumprimento do dever de informação e esclarecimento do aderente – inviabiliza naturalmente que , à revelia de tal entidade, se possam discutir na presente acção as consequências de tal omissão negligente, de modo a perspectivar quais serão, neste caso, as formas possíveis de tutela do interesse do consumidor / aderente no âmbito de um seguro de grupo contributivo: ou seja, mesmo que se entenda que a omissão do dever legal de informação e esclarecimento por parte do banco/tomador de seguro se não pode repercutir na esfera jurídica da seguradora, nem por isso se poderá, sem mais, concluir que o aderente fica totalmente desprotegido, sendo necessário averiguar – naturalmente no confronto do banco/ demandado – quais os mecanismos existentes para tutela jurídica do aderente, no confronto do tomador de seguro que incumpriu a obrigação acessória a que estava legalmente vinculado.
6. No que se refere à eventual repercussão na esfera jurídica da seguradora da omissão culposa do dever de informação e esclarecimento a que estava vinculado o banco/tomador de seguro aquando da adesão das pessoas seguras, existe efectivamente o conflito de entendimentos jurisprudenciais que está na base da admissão da presente revista excepcional – importando, todavia realçar que, ao nível da jurisprudência do STJ, tem prevalecido, de modo reiterado, o entendimento que subjaz ao acórdão fundamento (vejam-se, nomeadamente, os Acs. de 21/2/13 – P. 267710.6TBBCL.G1.S1 -, de 29/5/12 – P. 7615/06.1TBVNG.P1.S1 - , de 13/1/11 – P. 1443/04.6TBGDM.P1.S1 -, de 20/1/10 – P. 294/06.8TBOAZ.P1 -, de 12/10/10 – P. 646/05.0TBAMR.G1.S1 -, de 22/1/09 – P. 08B4049), sustentando-se em todos eles que não está vedado à seguradora , única demandada na lide, opor ao aderente a cláusula de exclusão em causa, por a omissão do dever de comunicação ser exclusivamente imputável ao tomador de seguro, não se comunicando ou transmitindo os efeitos de tal omissão culposa à própria seguradora, em termos de amputar o contrato da cláusula não devidamente informada ao aderente.
Saliente-se que o entendimento jurídico subjacente ao acórdão recorrido – e sustentado na contra alegação dos AA./recorridos – conduziria inelutavelmente à criação de uma divergência entre o conteúdo do contrato base, celebrado entre banco e seguradora e que irá servir de matriz às múltiplas adesões dos subscritores que integram o grupo de interessados em questão e o conteúdo ou teor de um certo e concreto contrato de adesão: na verdade, na relação contratual base, acordada entre aquelas duas entidades colectivas, estava cabalmente excluído o risco de cobertura … ao passo que – não sendo tal cláusula excludente aplicável no âmbito de uma concreta adesão, por via do incumprimento da obrigação de informação por parte do tomador de seguro e sendo a ineficácia da cláusula excludente plenamente oponível à seguradora – resultaria obviamente ampliado o leque de coberturas emergente desse particular contrato de adesão, que assim se autonomizaria do referido contrato base.
E, neste peculiar circunstancialismo, seria, em última análise, a seguradora a parte efectivamente prejudicada, já que via ampliado o leque dos riscos contratados com o banco/tomador de seguro – e com base nos quais vinha sendo calculado o prémio de seguro devido – não por via de uma conduta que lhe fosse directa e pessoalmente imputável, mas exclusivamente com fundamento no incumprimento culposo de um dever legalmente imposto a outro sujeito, o banco/tomador de seguro - por, no caso dos autos, se não conseguir vislumbrar qualquer comportamento deficiente ou irregular que se pudesse imputar-se à própria seguradora: na verdade, funcionando a invocada oponibilidade à seguradora da deficiente comunicação da cláusula de exclusão, imputável exclusivamente ao tomador de seguro, este veria integralmente asseguradas as prestações convencionadas no âmbito da concessão de crédito, sem ter de suportar os riscos de uma possível insuficiência económica dos devedores/aderentes, em prejuízo manifesto da seguradora – que passava a ter de assumir um leque alargado de riscos, superior ao convencionado pelas partes no contrato base, apesar de a conduta irregular ser exclusivamente imputável ao banco/tomador de seguro.
Significa isto que a responsabilidade acrescida da seguradora por um sinistro cujo risco não estaria contratualmente coberto só poderia assentar num fenómeno de responsabilização objectiva – já que, como se referiu, no caso dos autos se não vislumbra, perante a matéria de facto fixada, qualquer comportamento irregular ou deficiente que lhe possa ser subjectivamente imputado, com base num juízo de censura.
Ora, como fundamentar tal responsabilização objectiva da seguradora pelo incumprimento de uma obrigação legal do tomador de seguro?
Uma perspectiva possível seria a da invocação do regime da responsabilidade do comitente por actos do comissário ou de representantes legais ou auxiliares, decorrente das previsões normativas dos arts. 500º e 800º do CC: nesta óptica, - perante os interesses económicos coincidentes que estão por detrás da figura do seguro de grupo e a circunstância de seguradora e tomador de seguro integrarem, em muitos casos, os mesmos agrupamentos ou conglomerados económico-financeiros, prosseguindo objectivos lucrativos comuns ou complementares – tender-se-ia a qualificar a actividade do banco como intermediário ou angariador na celebração dos concretos contratos com os aderentes - sendo precisamente nesta actividade de intermediação, consubstanciada na promoção e comercialização de produtos financeiros complementares (crédito à habitação/seguro de vida), que se poderia encontrar fundamento normativo para imputar à seguradora as consequências da actuação irregular do seu associado e mediador na comercialização do produto financeiro em causa.
Não parece, porém, que esta visão prático-económica do fenómeno do seguro de grupo possa, sem mais, – num sistema normativo que não previa (e continua a não prever, apesar da regulamentação mais minuciosa que o DL 72/08 adoptou do seguro de grupo e da preocupação de acrescida tutela do segurado nos seguros contributivos – cfr. o disposto no art. 79º, remetendo para o plano geral da responsabilidade civil as consequências do incumprimento dos deveres de informação legalmente previstos) a comunicabilidade à seguradora dos efeitos do incumprimento dos deveres legais de informação a cargo do tomador de seguro - alterar a estrutura e fisionomia jurídica fundamentais desse tipo negocial , assente numa relação contratual básica estabelecida entre duas entidades (tomador de seguro/seguradora), colocadas em plano de total paridade jurídica (o contrato de seguro acordado entre ambas não pode obviamente configurar-se como contrato de adesão), nenhuma das quais se pode considerar juridicamente como intermediária, auxiliar ou comissário da outra no momento da subscrição das concretas adesões ao clausulado estabelecido.
E, deste modo, como se decidiu no acórdão fundamento, a circunstância de, por omissão do dever de informação, imputável exclusivamente ao banco/tomador de seguro, ter ocorrido um vício na formação do contrato subscrito pelo aderente não é susceptível de se repercutir na esfera jurídica da seguradora, levando a alterar aquela relação base, decorrente da contratação entre seguradora e tomador de seguro, em termos de ter de ser por aquela entidade assumido um risco acrescido, não contemplado nas cláusulas inseridas naquele contrato fundamental”.
Deste importante acórdão retemos as seguintes 5 linhas de força argumentativa: o normativo do art. 78º do RJCS, como regime especial, prevalece sobre o regime das cláusulas contratuais gerais no que respeita ao dever de informação, a cargo do tomador do seguro e não da seguradora, aos segurados do teor das cláusulas de exclusão incluídas no contrato, dada a relação triangular existente; a omissão do dever legal de informação e esclarecimento por parte do banco/tomador de seguro ao segurado/aderente não se pode repercutir na esfera jurídica da seguradora, pois conduziria à criação de uma divergência entre o conteúdo do contrato base, celebrado entre banco e seguradora e que irá servir de matriz às múltiplas adesões dos subscritores que integram o grupo de interessados em questão e o conteúdo ou teor de um certo e concreto contrato de adesão; a seguradora seria penalizada pela falta/deficiente comunicação da cláusula de exclusão ao segurado, imputável exclusivamente ao tomador de seguro, e apesar disto este veria integralmente asseguradas as prestações convencionadas no âmbito da concessão de crédito, sem ter de suportar quaisquer riscos; o que equivaleria a uma responsabilização objectiva, por incumprimento de uma obrigação legal do tomador do seguro, sem fundamentação legal, visto o tomador de seguro, apesar de poder ter interesses económico-financeiros convergentes com a seguradora, por pertencerem eventualmente a um mesmo grupo, não se pode considerar juridicamente como intermediária, auxiliar ou comissário da seguradora; o segurado/aderente, face à falta do tomador do seguro, não fica desprotegido no confronto com este, tendo até em vista o art. 79º do RJCS.      

As linhas de força argumentativas que expusemos merecem a nossa adesão, pelo que concluímos que é oponível pela seguradora aos segurados/ aderentes no seguro de grupo, as alterações contratuais operadas, comunicadas por ela ao tomador de seguro mas não comunicadas por este àqueles segurados (no mesmo sentido pode ver-se A. Menezes Cordeiro, D. dos Seguros, 2013, pág. 731, quanto à 1ª conclusão argumentativa, e Margarida Lima Rego, em Contrato de Seguro e Terceiros, Estudo de D. Civil, 2010, pág. 861/862, mais os recentes acórdãos do STJ de 9.7.2014, Proc.841/10.0TVPRT, de 18.9.2014, Proc.2334/10.7TBGDM e de 15.4.2015, Proc.385/12.6TBBRG).

Desta sorte, prevendo a referida cláusula a exclusão das coberturas do seguro em caso de “Acções ou omissões praticadas pela pessoa segura quando lhe for detectado um grau de alcoolemia no sangue superior a 0,5 gramas por litro”, e tendo em conta a volumetria detectada ao falecido aquando do sinistro - 1,48 gramas/litro no sangue - fica excluída a responsabilidade da seguradora.

Por aqui, pois, se vê que improcede o recurso, mantendo-se, consequentemente,  a decisão recorrida.

Quanto ao segundo ponto controvertido sabemos que o falecido ao caçar e transportar uma arma com a referida taxa de álcool de 1,48 g/l, praticava um acto criminoso, em face do disposto no art. 29º da Lei da Caça (DL 173/99, de 21.9), e art. 88º do Regime Jurídico das Armas e Munições (Lei 5/2006, de 23.2), pois caçar e deter armas com uma taxa igual ou superior a 1,2 g/l representa crime.

Assim, por não consentâneo com a ordem pública, não pode aceitar-se uma interpretação no sentido de que a seguradora assume o risco, ainda que a pessoa segura esteja a cometer um crime, salvo se houver nexo de causalidade entre a alcoolémia e o sinistro, que é a interpretação defendida pelos apelantes. Uma cláusula que previsse uma cobertura do género em relação a um sinistro ocorrido nessas circunstâncias estaria votada a ser fulminada com nulidade – art. 280º do CC - dada a ilicitude da cobertura do risco.

Como se disse, os recorrentes objectam que só assim seria se estivesse provado o nexo de causalidade entre a alcoolémia e o sinistro. Não podemos acompanhar tal interpretação, como aliás se explicou na decisão recorrida. Detectada uma taxa de alcoolémia superior a 1,2 g/l no exercício da caça ou na detenção de arma está objectivamente comprovada a prática de um crime. E, noutro prisma, olhando para a citada cláusula contratual, interpretada à luz do art. 236º do CC, constata-se que a mesma não define o seu âmbito de exclusão por referência a um qualquer nexo de causalidade mas tão-só por referência ao volume de alcoolemia detectado à pessoa segura aquando do sinistro. Que no caso se verificava, como dissemos pois a cláusula previa um grau de alcoolémia superior a 0,5 gramas/litro e ao falecido foi detectado no momento do acidente de caça o valor de 1,48 g/l.

Por aqui, pois, também não procede o recurso.  

5. Face ao exposto, é óbvio que a pretensão dos AA de condenação da R. a pagar à G (...) as quantias em dívida, relativas aos empréstimos contraídos junto da mesma, por força da existência dos contratos de seguro de vida celebrados com a R., no montante global de 297.600 €, e aos AA os montantes por si pagos, relativamente aos mesmos contratos de mútuo, desde 17.10.2010, em montante não inferior a 12.000 €, não tem fundamento legal.

6. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, designadamente quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de facultativa transcrição dos excertos relevantes;

ii) A omissão desse ónus, imposto pelo nº 2, a), do referido artigo, implica a rejeição do recurso da decisão da matéria de facto, pois tal ónus não se satisfaz com a menção de que os depoimentos estão gravados no sistema digital com início às …e termo às … (ou que os depoimentos gravados duraram um determinado tempo), nem com a simples referência sintética dos depoimentos prestados;

iii) Também implicando a rejeição do recurso da decisão da matéria de facto quando o recorrente não indique o concreto meio probatório, em violação do disposto no citado art. 640º, nº 1, b), nomeadamente quando o recorrente mencione genericamente vários documentos não indicando qual o documento em concreto com que pretende atacar determinado ponto de facto;

iv) Num seguro de grupo, não está vedado à seguradora, única demandada na lide, opor ao aderente certa cláusula de exclusão do risco, por a omissão do dever de informação e esclarecimento ser exclusivamente imputável ao tomador de seguro, não se comunicando ou transmitindo os efeitos de tal omissão culposa à própria seguradora, em termos de amputar o contrato da cláusula não devidamente informada ao aderente.

v) Não se mostrando legalmente prevista a comunicabilidade à esfera jurídica da seguradora dos efeitos do incumprimento dos deveres legais de informação colocados a cargo do tomador de seguro - e não podendo o tomador de seguro considerar-se juridicamente como intermediário, auxiliar ou comissário da seguradora no momento da concreta adesão das pessoas seguradas - carece de fundamento normativo a pretensão de responsabilização objectiva da seguradora por um comportamento negligente exclusivamente imputável ao outro contraente, o tomador do seguro;

vi) Uma cláusula de exclusão das coberturas do seguro do estilo “Acções ou omissões praticadas pela pessoa segura quando lhe for detectado um grau de alcoolémia no sangue superior a 0,5 gramas litro” deve ser interpretada (à luz do art. 236º do CC) como definindo o seu âmbito de exclusão não por referência a um qualquer nexo de causalidade mas sim por referência ao volume de alcoolemia detectado à pessoa segura aquando do sinistro;

vii) Uma cláusula que previsse uma cobertura de seguro que abrangesse um sinistro ocorrido na circunstância de o segurado/falecido estar a caçar e a transportar uma arma com a taxa de álcool de 1,48 g/l, praticando, assim, um acto criminoso - em face do disposto no art. 29º da Lei da Caça, e art. 88º do Regime Jurídico das Armas e Munições, pois caçar e deter armas com uma taxa igual ou superior a 1,2 g/l representa crime - estaria votada a ser fulminada com nulidade, nos termos do art. 280º do CC, dada a ilicitude da cobertura do risco.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

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Custas pelos AA/recorrentes.

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                                                                      Coimbra, 27.5.2015

                                                                      Moreira do Carmo ( Relator )

                                                                      Fonte Ramos

                                                                      Maria João Areias