Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
7899/16.7T8CBR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: CRÉDITO LABORAL
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO ESPECIAL
LOCAL ONDE O TRABALHADOR EXERCE A ACTIVIDADE
Data do Acordão: 02/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA, COIMBRA, JUÍZO DE COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 333.º, N.º 1, AL. A) E B), DO CÓDIGO DO TRABALHO, NA REDACÇÃO QUE LHE FOI DADA PELA LEI N.º 7/2009, DE 12 DE FEVEREIRO
Sumário: 1. Os créditos emergentes de contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam do privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade.

2. O entendimento do que se considera “local onde o trabalhador exerce a actividade", deve ser interpretado de forma lata, abrangendo todos os imóveis da entidade patronal que estejam afectos à sua actividade empresarial, à qual os trabalhadores estão funcionalmente ligados, independentemente da localização, em concreto, do respectivo posto de trabalho, ficando, consequentemente, excluídos, os imóveis que embora pertença da entidade patronal não estivessem afectos ao escopo societário, à actividade empresarial da entidade patronal.

3. Tendo a insolvente por objecto a indústria de construção civil, urbanização, obras públicas e empreitadas gerais, não se considera afecto à respectiva actividade empresarial o imóvel em que pernoitavam os gerentes, engenheiros civis e contabilista da insolvente, quando se deslocavam em serviço ao Algarve, e onde eram guardados, na cave, materiais e ferramentas de trabalho, em pequeno número e reduzida utilização, bem como, projectos de obras já elaborados.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

“A... , Lda.” foi declarada insolvente por sentença proferida nos autos apensos em 3 de Novembro de 2016, já transitada em julgado, que fixou em 20 dias o prazo para a reclamação de créditos.

Findo este prazo, o administrador da insolvência apresentou a relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos a que alude o art.º 129.º do CIRE, constando da lista de créditos reconhecidos os credores identificados de fls. 3 a 22.

B... , S.A. impugnou a lista de créditos reconhecidos com fundamento na incorreta qualificação como crédito sob condição, do crédito que reclamou no valor de €15.369,82, relativo a comissões de garantias bancárias.

C... , C.R.L. impugnou a lista de créditos reconhecidos com fundamento na incorreta qualificação dos créditos dos trabalhadores identificados sob os nºs 3, 6, 9, 10, 11, 15, 16, 17, 19, 20, 30, 37, 38, 39, 40, 41, 43, 44, 50, 52, 59, 64, 65, 66, 68, 75, 76, 81, 83, 85, 86, 87, 88, 91, 92, 94, 97, 98, 100, 101, 106, 108, 110, 112, 114, 115, 116, 117, 131, 142, 146, 157 e 158 que alega não beneficiarem do privilégio imobiliário especial a que alude o art.º 333º, nº 1, al. b) do CT sobre o imóvel relacionado na verba nº 162.

O Administrador da insolvência aceitou a impugnação deduzida pelo B... , S.A..

À impugnação deduzida pela C... , C.R.L. responderam os trabalhadores identificados sob os nºs 3, 6, 9, 10, 11, 16, 17, 19, 20, 30, 37, 39, 40, 41, 44, 50, 52, 59, 64, 65, 66, 68, 75, 76, 81, 83, 85, 86, 87, 88, 91, 92, 94, 97, 98, 100, 101, 106, 108, 110, 112, 114, 115, 116, 117, 131, 142, 146, 157 e 158 pugnando pela verificação do privilégio imobiliário especial a que alude o art.º 333º, nº 1, al. b) do CT sobre todos os imóveis apreendidos (verbas nºs 157 a 163) ou apenas sobre alguns deles.

Realizou-se tentativa de conciliação, na qual não se obteve acordo relativamente ao privilégio imobiliário especial dos trabalhadores.

No despacho saneador julgaram-se verificados os seguintes créditos:

- o crédito do B... , S.A., no valor de €15.369,82, com a natureza de crédito comum;

- todos os restantes créditos elencados na lista de credores junta de fls. 3 a 22;

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida a sentença de fl.s 489 a 501, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e, a final, se reconheceram e graduaram os créditos, nos seguintes moldes:

“I-Reconheço aos créditos reclamados pelos trabalhadores o privilégio imobiliário especial sobre todos os imóveis apreendidos para a massa (verbas nºs 157 a 163);

II- Procedo à graduação dos créditos reconhecidos nos seguintes termos:

1º sobre o produto da venda do imóvel relacionado na verba nº 158:

» Em primeiro lugar os créditos dos trabalhadores;

» Em segundo lugar os créditos privilegiados da Fazenda Nacional a título de IMI;

» Em terceiro lugar os créditos hipotecários da Segurança Social;

» Em quarto lugar os créditos privilegiados da Segurança Social;

» Em quinto lugar os créditos privilegiados da Fazenda Nacional a título de IRS;

» Em sexto lugar e se necessário rateadamente, os restantes créditos reconhecidos com exceção dos créditos subordinados;

» Em sétimo lugar os créditos subordinados, ou seja, os juros dos créditos anteriormente referidos vencidos após a declaração da insolvência;

2º sobre o produto da venda do imóvel relacionado na verba nº 162:

» Em primeiro lugar os créditos dos trabalhadores;

» Em segundo lugar os créditos privilegiados da Fazenda Nacional a título de IMI;

» Em terceiro lugar os créditos hipotecários da C... , C.R.L.;

» Em quarto lugar os créditos hipotecários da Segurança Social;

» Em quinto lugar os créditos privilegiados da Segurança Social;

» Em sexto lugar os créditos privilegiados da Fazenda Nacional a título de IRS;

» Em sétimo lugar e se necessário rateadamente, os restantes créditos reconhecidos com exceção dos créditos subordinados;

» Em oitavo lugar os créditos subordinados, ou seja, os juros dos créditos anteriormente referidos vencidos após a declaração da insolvência;

3º sobre o produto da venda do imóvel relacionado na verba nº 163:

» Em primeiro lugar os créditos dos trabalhadores;

» Em segundo lugar os créditos privilegiados da Fazenda Nacional a título de IMI;

» Em terceiro lugar os créditos hipotecários do I...., S.A.;

» Em quarto lugar os créditos privilegiados da Segurança Social;

» Em quinto lugar os créditos privilegiados da Fazenda Nacional a título de IRS;

» Em sexto lugar e se necessário rateadamente, os restantes créditos reconhecidos com exceção dos créditos subordinados;

» Em sétimo lugar os créditos subordinados, ou seja, os juros dos créditos anteriormente referidos vencidos após a declaração da insolvência;

4º sobre o produto da venda dos imóveis relacionados nas verbas nºs 157, 159, 160 e 161:

» Em primeiro lugar os créditos dos trabalhadores;

» Em segundo lugar os créditos privilegiados da Fazenda Nacional a título de IMI;

» Em terceiro lugar os créditos privilegiados da Segurança Social;

» Em quarto lugar os créditos privilegiados da Fazenda Nacional a título de IRS;

» Em quinto lugar e se necessário rateadamente, os restantes créditos reconhecidos com exceção dos créditos subordinados;

» Em sexto lugar os créditos subordinados, ou seja, os juros dos créditos anteriormente referidos vencidos após a declaração da insolvência;

5º sobre o produto da venda das viaturas relacionadas nas verbas nºs 11, 14 e 52:

» Em primeiro lugar os créditos privilegiados da Fazenda Nacional a título de IUC;

» Em segundo lugar os créditos dos trabalhadores;

» Em terceiro lugar os créditos privilegiados da Segurança Social e da Fazenda Nacional a título de IRS e IVA;

» Em quarto lugar e se necessário rateadamente, os restantes créditos reconhecidos com exceção dos créditos subordinados;

» Em quinto lugar os créditos subordinados, ou seja, os juros dos créditos anteriormente referidos vencidos após a declaração da insolvência;

6º sobre o produto da venda das ações da j...., S.A.:

» Em primeiro lugar os créditos pignoratícios da j...., S.A.;

» Em segundo lugar os créditos dos trabalhadores;

» Em terceiro lugar, os créditos privilegiados da Segurança Social e da Fazenda Nacional a título de IRS e IVA;

» Em quarto lugar, e se necessário rateadamente, os restantes créditos reconhecidos com exceção dos créditos subordinados;

» Em quinto lugar os créditos subordinados, ou seja, os juros dos créditos anteriormente referidos vencidos após a declaração da insolvência;

7º sobre o produto da venda das ações da L...., S.A.:

» Em primeiro lugar os créditos pignoratícios da L...., S.A.;

» Em segundo lugar os créditos dos trabalhadores;

» Em terceiro lugar os créditos privilegiados da Segurança Social e da Fazenda Nacional a título de IRS e IVA;

» Em quarto lugar e se necessário rateadamente, os restantes créditos reconhecidos com exceção dos créditos subordinados;

» Em quinto lugar os créditos subordinados, ou seja, os juros dos créditos anteriormente referidos vencidos após a declaração da insolvência;

8º sobre o produto da venda das ações da M...., S.A.:

» Em primeiro lugar os créditos pignoratícios da M...., S.A.;

» Em segundo lugar os créditos dos trabalhadores;

» Em terceiro lugar os créditos privilegiados da Segurança Social e da Fazenda Nacional a título de IRS e IVA;

» Em quarto lugar e se necessário rateadamente, os restantes créditos reconhecidos com exceção dos créditos subordinados;

» Em quinto lugar os créditos subordinados, ou seja, os juros dos créditos anteriormente referidos vencidos após a declaração da insolvência;

9º sobre o produto da venda dos restantes móveis e viaturas apreendidos:

» Em primeiro lugar os créditos dos trabalhadores;

» Em segundo lugar os créditos privilegiados da Segurança Social e da Fazenda Nacional a título de IRS e IVA;

» Em terceiro lugar e se necessário rateadamente, os restantes créditos reconhecidos com exceção dos créditos subordinados;

» Em quarto lugar os créditos subordinados, ou seja, os juros dos créditos anteriormente referidos vencidos após a declaração da insolvência;

As dívidas da massa insolvente serão pagas nos termos do disposto no art.º 172º, nºs 1 e 2 do CIRE.

Nos termos do disposto no art.º 303º do CIRE, a atividade processual relativa à verificação e graduação de créditos, quando as custas devam ficar a cargo da massa, não é objeto de tributação autónoma.

Assim sendo, não há lugar a custas.”.

Inconformada com a mesma, interpôs recurso a credora C... , CRL, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida, imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 539), finalizando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

i) O presente recurso visa rebater e impugnar a graduação proferida para o imóvel apreendido como verba n.º 162 e sobre o qual a ora Recorrente usufrui de garantias reais.

ii) O presente recurso abrangerá a impugnação da matéria de facto e de direito.

iii) Crê a ora Recorrente que houve uma incorrecta valoração da prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente a prova testemunhal do Exm. Sr. Administrador da Insolvência e do depoimento de parte.

iv) Consequentemente, impugna os factos dados como provados dos pontos 7.º a 10.º na sentença sub iudice.

v) De facto, o Ilustre Tribunal não considerou, de forma alguma, qual foi a orientação global de ambas as provas, na medida em que, sem qualquer tipo de margem de dúvidas, foi assegurado que o imóvel em questão não tinha qualquer ligação funcional à actividade industrial da sociedade insolvente, sendo essa utilização meramente residual e de circunstância.

vi) O imóvel em questão foi construído para uso privado dos sócios e não dos trabalhadores da empresa.

vii) Apenas pernoitou lá um número reduzidíssimo de trabalhadores, entre os quais um descendente de um dos sócios, sendo que os outros apenas lá pernoitaram tendo em vista a redução de gastos.

viii) O Administrador de Insolvência, tendo visitado o imóvel em causa, nenhuma  referência fez no seu relatório, quer na descrição da actividade da empresa, quer na do imóvel, que o ligasse funcionalmente a essa mesma actividade, conforme se verificar pelo teor do seu relatório.

ix) No que concerne à cave do referido imóvel, a mesma era utilizada para depósito de material obsoleto, sem valor de mercado ou utilização corrente e que por esse motivo nem foram apreendidos pelo Administrador de Insolvência, servindo também para depósito de pouca documentação que não havia sido dispensada por questões de brio profissional;

x) Tais factos resultam cristalinamente de ambos os depoimentos, sendo que as passagens das gravações mais elucidativas são:

a) Prova testemunhal do Exm.º Sr. Administrador da Insolvência:

- 00:04:10 a 00:05:16;

- 00:05:16 a 00:06:02;

- 00:06:02 a 00:07:16;

- 00:07:16 a 00:07:45;

- 00:07:55 a 00:08:23;

- 00:08:23 a 00:09:16, nomeadamente 00:09:00 a 00:09:16;

- 00:09:16 a 00:09:22;

- 00:09:22 a 00:09:45;

- 00:09:45 a 00:10:13;

- 00:10:13 a 00:10:23;

- 00:10:55 a 00:11:19;

- 00:11:19 a 00:11:40;

- 00:11:40 a 00:12:29;

- 00:12:09 a 00:13:03;

- 00:15:19 a 00:15:38;

- 00:18:42 a 00:19:17;

- 00:21:29 a 00:21:57;

- 00:22:23 a 00:22:27;

- 00:28:17 a 00:28:40;

- 00:28:53 a 00:29:27;

- 00:31:36 a 00:32:19, nomeadamente 00:32:09 a 00:32:20;

b) Declarações de parte do Exm.º Sr. Engenheiro F... :

- 00:02:14 a 00:02:53;

- 00:03:48 a 00:03:58;

- 00:03:58 a 00:04:15;

- 00:05:08 a 00:05:45;

- 00:05:51 a 00:06:06;

- 00:06:06 a 00:06:19;

- 00:06:19 a 00:06:42;

- 00:07:22 a 00:07:52;

- 00:07:52 a 00:10:04;

- 00:11:04 a 00:12:02;

- 00:12:36 a 00:13:15;

- 00:13:29 a 00:13:40;

- 00:14:08 a 00:14:29;

- 00:15:06 a 00:16:55, nomeadamente 00:15:47 a 00:16:35;

- 00:16:55 a 00:18:15, nomeadamente 00:17:50 a 00:18:15;

- 00:18:15 a 00:20:30, nomeadamente 00:18:32 a 00:18:59 e 00:18:59 a 00:20:30;

- 00:21:15 a 00:21:46;

- 00:21:55 a 00:22:31;

- 00:23:59 a 00:24:41;

- 00:27:09 a 00:27:21;

- 00:29:19 a 00:29:53;

- 00:38:25 a 00:41:05, nomeadamente 00:38:25 a 00:38:56 e 00:40:09 a 00:40:45.

xi) No que concerne à prova testemunhal do Exm.º Sr. H... , apenas se poderá concluir que o mesmo não deverá merecer particular relevância por parte do Ilustre Tribunal na medida em que o mesmo assume o desconhecimento generalizado da utilização do imóvel, conforme se constata pelo período do seu depoimento compreendido entre 00:14:31 a 00:16:22.

xii) Pelo que, no entendimento da ora Recorrente, deverão os factos provados ser redigidos nos seguintes termos:

7.º Quando se deslocavam ao Algarve em serviço, os sócios pernoitavam no imóvel relacionado na verba n.º 162;

8.º O imóvel apreendido como verba n.º 162 foi construído, pelo menos enquanto não houvesse venda do mesmo, para uso dos sócios, admitindo-se, a título excepcional, o alojamento temporário de um número circunscrito de Engenheiros Civis por questões de comodidade e redução de custos;

9.º A cave do imóvel era utilizado pela insolvente para armazenamento residual de bens;

10.º Os bens depositados na cave tinham uma utilização muito reduzida, em termos de actividade laboral, tratando-se ou de bens obsoletos ou de bens que, por desígnio de um dos sócios, estariam lá guardados para casos de necessidade;

11.º A cave do imóvel tinha acesso muito limitado aos trabalhadores, não cumprindo condições de acessibilidade necessárias para ser um local de movimento elevado;

12.º A cave do imóvel servia de “arquivo morto”, por questões de brio profissional e pessoal e não porque essa função lhe foi incumbida.

xiii) No que concerne à impugnação da matéria de direito, independentemente da orientação jurisprudencial ou doutrinária que se adopte relativamente à extensão do privilégio imobiliário especial, isto é, uma interpretação literal ou apoiada no conceito de ligação funcional, a verdade é que o privilégio imobiliário especial reconhecido aos trabalhadores no artigo 333.º do CT não pode ser subvertido ao ponto de se assemelhar a um privilégio imobiliário geral atípico.

xiv) Devem-se evitar, por um lado, as interpretações demasiado restritivas que poderiam levar a desigualdades entre os trabalhadores e violação de princípios basilares do Estado de Direito, a saber o princípio da igualdade, por outro, as correntes preconizadoras de uma interpretação mais ampla que arriscam a violação do princípio da tutela da confiança dos demais credores, com consequências igualmente gravosas.

xv) Assim, ao aludido princípio da igualdade dos trabalhadores contrapõe-se o princípio da tutela da confiança legítima, este como corolário do princípio de estado de direito democrático, artigo 2.º da CRP.

xvi) O princípio da confiança subjacente ao artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa e que decorre do próprio princípio do Estado de Direito Democrático não é compatível com a atribuição de um privilégio creditório imobiliário sem quaisquer limites ou critérios de aplicabilidade que se sobrepõe a todos os outros direitos reais devidamente registados.

xvii) A aplicação extensiva do privilégio imobiliário aos trabalhadores que não têm uma ligação permanente, nem estável, ao imóvel do empregador, desvirtua a natureza dos privilégios especiais, na medida em que o crédito do trabalhador não resulta da sua ligação ao bem imóvel, sendo antes uma contrapartida da actividade prestada em benefício do empregador.

xviii) Por outro lado, ao contrário do que sucede com outros privilégios especiais, a norma do Código do Trabalho não estabelece qualquer limite implícito ou expresso, quer em termos de valor, quer em termos de período temporal, tal como acontece, na generalidade dos países europeus.

xix) Nessa medida, os argumentos utilizados no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º

284/2007, de 8 de Maio, são inteiramente aplicáveis ao regime constante do Código do

Trabalho, nomeadamente no que respeita à possibilidade de os trabalhadores verem satisfeitos os seus créditos através do recurso ao Fundo de Garantia Salarial e ao Fundo de Desemprego, assim como ao facto de existirem outras normas legais que protegem o crédito salarial dos trabalhadores.

xx) Porém, na situação inversa, o credor hipotecário, como in casu, poderá ficar irremediavelmente impossibilitado de satisfazer o seu crédito, acentuando-se ainda mais o desequilíbrio e a equidade, quando a Insolvente tem outros imóveis sobre os quais os trabalhadores detêm, de forma indiscutível, a prevalência creditória.

xxi) Se, por um lado, o Estado não pode deixar de conferir aos trabalhadores, cujos créditos laborais ainda não foram satisfeitos, uma posição privilegiada no momento da liquidação do património das empresas insolventes, por outro, é necessário dotar o tráfego jurídico da segurança necessária para incentivar a iniciativa económica, que conduz à criação de emprego e à melhoria das condições de vida dos cidadãos, com respeito por valores constitucionais susceptíveis de protecção jurídica.

xxii) Pelo que, a interpretação mais extensiva do âmbito do privilégio imobiliário especial dos trabalhadores, contraria o próprio regime dos privilégios creditórios e desrespeita os princípios constitucionais atrás já referidos.

xxiii) Na jurisprudência actual, já se começa a verificar uma tendência para se fixarem alguns critérios quanto à extensão da prevalência do crédito dos trabalhadores, ou seja, a fixarem-se limites, designadamente através do ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA N.º 8/2016, DE 23 DE FEVEREIRO (DR, 1.ª SÉRIE, N.º 74, DE 15 DE ABRIL DE 2016: UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA), em que os imóveis construídos por empresa de construção civil, destinados a comercialização, estão excluídos da garantia do privilégio imobiliário especial a favor dos trabalhadores, previsto no artigo 377.º, 1, b), do Código do Trabalho de 2003.

xxiv) De facto, mesmo que se adopte a orientação mais expansiva, requer-se sempre a comprovação, de forma densa, dos elementos que preenchem o conceito de ligação funcional, não se podendo aceitar subsunções ligeiras.

xxv) No caso concreto, não se reuniu nem comprovou elementos suficientes para que se possa considerar verificado e preenchido aquele conceito:

(a) Os trabalhadores não reclamaram um privilégio imobiliário especial sobre o imóvel hipotecado a favor da aqui Recorrente, tendo-o apenas feito após a impugnação da lista de créditos apresentada pela Recorrente; (b) Os trabalhadores não têm nenhuma ligação funcional ao imóvel em causa; (c) O imóvel em causa tinha uma utilização esporádica e acessória à actividade da empresa e exclusiva dos seus sócios; (d) atendendo ao objecto social da empresa e características do imóvel, o destino do imóvel seria a sua comercialização quando oportuno; (e) a credora hipotecária, aqui Recorrente, sempre confiou que o imóvel não estava afecto à actividade da empresa, tendo financiado a manutenção da mesma, bem como dos postos de trabalho; (f) os trabalhadores detêm privilégios imobiliários especiais sobre outros imóveis da empresa; (g) a extensão do privilégio imobiliário especial ao imóvel em causa viola as características dos privilégios creditórios, tornando-o geral, bem como o princípio constitucional da segurança jurídica que se reconduz à protecção da confiança.

xxvi) Pelo que, não se poderá reconhecer a existência de um privilégio imobiliário especial incidente sobre o imóvel em apreço.

TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVEM JULGAR PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO E, EM CONFORMIDADE, REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA E DETERMINAR QUE OS CRÉDITOS LABORAIS DOS TRABALHADORES (ORA RECLAMANTES) NÃO GOZAM DE PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO ESPECIAL SOB A VERBA N.º 162 E COMO TAL NÃO PREFERE À HIPOTECA TITULADA PELA ORA RECORRENTE.

Não foram apresentadas contra-alegações.

           

Colhidos os vistos legais, há que decidir.   

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente aos itens 7.º a 10.º, dos factos dados como provados, que devem passar a considerar-se como não provados ou, pelo menos, passarem a ter a redacção que consta da conclusão 12.ª e;

B. Se deve ou não ser reconhecida a existência do privilégio imobiliário especial, incidente sobre o imóvel identificado na verba n.º 162, reconhecido aos trabalhadores da insolvente e respectivas consequências sobre o crédito da ora recorrente, que se fundamenta em hipoteca.

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

A... , Lda. tem por objeto a indústria de construção civil, urbanização, obras públicas e empreitadas gerais;

São seus sócios:

- D... , com uma quota de €150.000,00;

- E... , com uma quota de €150.000,00;

- F... , com uma quota de €150.000,00;

A sua gerência é exercida pelos sócios E... e F... ;

Foi declarada insolvente por sentença proferida em 3 de novembro de 2016;

Administrador da insolvência apreendeu para a massa os seguintes imóveis:

- prédio urbano correspondente a habitação com rés-do-chão e dois andares, logradouro, pátio e quintal, tipologia T4, sito na rua (...) , em (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 1 (...) e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo 2 (...) (verba nº 157);

- prédio urbano correspondente a casa de rés-do-chão e logradouro, destinado a armazém e atividade industrial, sito na zona industrial de (...) , em (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 3 (...) e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo 4 (...) (verba nº 158);

- prédio urbano correspondente a terreno para construção urbana com 5 (...) m2, sito em (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 6280 e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo 6 (...) (verba nº 159);

- fração autónoma designada pela letra AV, correspondente ao escritório do prédio urbano sito na rua (...) , em (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 7 (...) e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo 8 (...) (verba nº 160);

- prédio rústico com 880 m2, pinhal e mato, sito no (...) , em (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 9 (...) e inscrito na respetiva matriz rústica sob o artigo 10 (...) (verba nº 161);

- prédio urbano composto por rés-do-chão com três escritórios, cozinha, despensa, terraço, garagem e logradouro, 1º andar com duas divisões e terraço destinado a habitação, sito em (...) , Algarve, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 11 (...) e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo 12 (...) (verba nº 162);

- prédio rústico com 1905 m2, courela de terra de pastagem com sobreiros e pinhal, sito no (...) , em (...) Algarve, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 13 (...) e inscrito na respetiva matriz rústica sob o artigo 14 (...) (verba nº 163);

No momento da declaração de insolvência, A... , Lda. desenvolvia a sua atividade no Algarve e na zona centro do país;

Quando se deslocavam ao Algarve em serviço, os sócios, gerentes, contabilista e engenheiros civis da insolvente pernoitavam no imóvel relacionado na verba nº 162;

A cave do imóvel relacionado na verba nº 162 era utilizada pela insolvente como armazém de materiais de construção e ferramentas (puxadores, dobradiças, fechaduras, parafusos e acessórios de canalização);

A insolvente usava nas suas obras os materiais de construção e ferramentas referidos em 8º;

10º A cave do imóvel relacionado na verba nº 162 era também utilizada pela insolvente para depósito de projetos de obras já elaborados -“arquivo morto”;

11º O imóvel relacionado na verba nº 157 foi adquirido pela insolvente para construção e posterior revenda;

12º O imóvel relacionado na verba nº 158 era utilizado pela insolvente como armazém e estaleiro;

13º O imóvel relacionado na verba nº 159 foi adquirido pela insolvente para construção e posterior revenda;

14º No imóvel relacionado na verba nº 160 funcionava o escritório e a sede da insolvente;

15º O imóvel relacionado na verba nº 161, contíguo ao imóvel relacionado na verba nº 158, foi adquirido pela insolvente para aumento do seu estaleiro;

16º O imóvel relacionado na verba nº 163 foi adquirido pela insolvente para construção e posterior revenda;

A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente aos itens 7.º a 10.º, dos factos dados como provados, que devem passar a considerar-se como não provados ou, pelo menos, passarem a ter a redacção que consta da conclusão 12.ª.

Alega a credora C... , ora recorrente, que o Tribunal incorreu em erro de julgamento ao dar como provados os factos ora referidos, devendo, na sua óptica, os mesmos serem dados como não provados ou, pelo menos, que lhe seja dada a redacção constante da 12.ª conclusão, nos termos acima referidos, estribando-se, para tal nos depoimentos prestados pelo Administrador da Insolvência; declarações de parte do Eng.º F... e pela testemunha H... .

Posto isto, e em tese geral, convém, desde já, deixar algumas notas acerca da produção da prova e definir os contornos em que a mesma deve ser apreciada em 2.ª instância.

Toda e qualquer decisão judicial em matéria de facto, como operação de reconstituição de factos ou acontecimento delituoso imputado a uma pessoa ou entidade, esta através dos seus representantes, dependente está da prova que, em audiência pública, sob os princípios da investigação oficiosa (nos limites e termos em que esta é permitida ao julgador) e da verdade material, se processa e produz, bem como do juízo apreciativo que sobre a mesma recai por parte do julgador, nos moldes definidos nos artigos 653, n.º 2 e 655, n.º 1, CPC – as já supra mencionadas regras da experiência e o princípio da livre convicção.

Submetidas ao crivo do contraditório, as provas são pois elemento determinante da decisão de facto.

Ora, o valor da prova, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte dos factos em apreço, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade.

Por outro lado, certo é que o juízo de credibilidade da prova por declarações, depende essencialmente do carácter e probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos e qualidades, como regra, não são apreensíveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto directo com as pessoas, razão pela qual o tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.

Quanto à apreciação da prova, actividade que se processa segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção, certo é que em matéria de prova testemunhal (em sentido amplo) quer directa quer indirecta, tendo em vista a carga subjectiva inerente, a mesma não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência e conhecimentos científicos, tudo se englobando na expressão legal “regras de experiência”.

Estando em discussão a matéria de facto nas duas instâncias, nada impede que o tribunal superior, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, conclua de forma diversa do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.

Não se pode olvidar que existe uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em primeira instância e a efectuada em tribunal de recurso, ainda que com base nas transcrições dos depoimentos prestados, a qual, como é óbvio, decorre de que só quem o observa se pode aperceber da forma como o testemunho é produzido, cuja sensibilidade se fundamenta no conhecimento das reacções humanas e observação directa dos comportamentos objectivados no momento em que tal depoimento é prestado, o que tudo só se logra obter através do princípio da imediação considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão.

As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso; a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Estamos em crer que quando a opção do julgador se centre em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v. g. quando o julgador refere não foram (ou foram) convincentes num determinado sentido) o tribunal de recurso não tem grandes possibilidades de sindicar a aplicação concreta de tal princípio.

Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, reacções imediatas, o contexto em que é prestado o depoimento e o ambiente gerado em torno de quem o presta, não sendo, ainda, despiciendo, o próprio modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo isso contribuindo para a convicção do julgador.

A comunicação vai muito para além das palavras e mesmo estas devem ser valoradas no contexto da mensagem em que se inserem, pois como informa Lair Ribeiro, as pesquisas neurolinguísticas numa situação de comunicação apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra sendo que o tom de voz e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder - “Comunicação Global, Lisboa, 1998, pág. 14.

Já Enriço Altavilla, in Psicologia Judiciaria, vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12, refere que “o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras”.

Então, perguntar-se-á, qual o papel do tribunal de recurso no controle da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento?

Este tribunal poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Para além disso, admitido que é o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto, o tribunal de recurso poderá sempre sindicar a formação da convicção do juiz ou seja o processo lógico. Porém, o tribunal de recurso encontra-se impedido de controlar tal processo lógico no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle porquanto foi relevante o funcionamento do princípio da imediação.

Tudo isto, sem prejuízo, como acima já referido, de o Tribunal de recurso, adquirir diferente (e própria) convicção (sendo este o papel do Tribunal da Relação, ao reapreciar a matéria de facto e não apenas o de um mero controle formal da motivação efectuada em 1.ª instância – cf. Acórdão do STJ, de 22 de Fevereiro de 2011, in CJ, STJ, ano XIX, tomo I/2011, a pág. 76 e seg.s e de 30/05/2013, Processo 253/05.7.TBBRG.G1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.

Tendo por base tais asserções, dado que se procedeu à gravação da prova produzida, passemos, então, à reapreciação da matéria de facto em causa, a fim de averiguar se a mesma é de manter ou de alterar, em conformidade com o disposto no artigo 662.º, do CPC., pelo que, nos termos expostos, nos compete apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de 1.ª instância, face aos elementos de prova considerados (sem prejuízo, como acima referido de, com base neles, formarmos a nossa própria convicção).

Vejamos, então, a factualidade posta em causa pelos ora recorrentes, nas respectivas alegações de recurso.

A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente aos itens 7.º a 10.º, dos factos dados como provados, que devem passar a considerar-se como não provados ou, pelo menos, passarem a ter a redacção que consta da conclusão 12.ª.

Para melhor esclarecimento e facilitar a decisão desta questão, passa-se a transcrever o teor de tal factualidade:

“7º Quando se deslocavam ao Algarve em serviço, os sócios, gerentes, contabilista e engenheiros civis da insolvente pernoitavam no imóvel relacionado na verba nº 162;

A cave do imóvel relacionado na verba nº 162 era utilizada pela insolvente como armazém de materiais de construção e ferramentas (puxadores, dobradiças, fechaduras, parafusos e acessórios de canalização);

A insolvente usava nas suas obras os materiais de construção e ferramentas referidos em 8º;

10º A cave do imóvel relacionado na verba nº 162 era também utilizada pela insolvente para depósito de projetos de obras já elaborados -“arquivo morto”;”.

Como acima já referido e consta da sentença recorrida, a matéria de facto em causa foi considerada como provada, conforme ora se transcreveu.

É a seguinte a respectiva motivação (cf. fl.s 490 v.º a 491):

“A convicção do tribunal quanto à matéria de facto expressa nas respostas acima transcritas fundou-se na apreciação crítica e conjunta da prova documental carreada para os autos, da prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento e das declarações de parte prestadas pelo gerente da insolvente F... .

(…)

O tribunal considerou o teor das declarações contidas em todos os documentos anteriormente discriminados por as mesmas não terem sido impugnadas ou contraditadas por quaisquer outros meios de prova aduzidos.

Apuraram-se os factos enunciados em 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º e 16º com base com base no depoimento prestado pelo administrador da insolvência nomeado nos autos e nas declarações de parte prestadas pelo gerente da insolvente F... .

Administrador da insolvência mereceu a credibilidade do tribunal porque depôs de forma espontânea e credível e demonstrou possuir conhecimento direto dos factos em discussão, uma vez que no exercício das funções que lhe estão atribuídas deslocou-se aos imóveis em apreço nos autos.

O tribunal valorou as declarações de parte do gerente da insolvente F... porque foram verbalizadas de forma espontânea, segura, veemente e credível, o que se denotou na postura corporal e no timbre de voz serenos que assumiu durante a sua inquirição.

Relataram, no essencial, o seu conhecimento sobre a atividade desenvolvida pela insolvente e a concreta utilização e afetação de cada um dos imóveis apreendidos para a massa.

O tribunal não valorou o depoimento prestado por H... porque demonstrou possuir conhecimento vago e pouco consistente sobre a factualidade em apreço uma vez que afirmou que não se desloca ao imóvel relacionado na verba nº 162 desde há cinco anos.”.

Vejamos, então, se dos depoimentos invocados pela recorrente, e sem olvidar as considerações prévias, quanto a tal, já acima explanadas, existem motivos para que as supras mencionadas respostas sejam modificadas ou alteradas.

Ora, ouvido, na íntegra, o depoimento prestado pelo Administrador da Insolvência, G... , o mesmo referiu que esteve no imóvel em causa, descrevendo-o e segundo informação que lhe foi prestada pelo gerente da insolvente que estava mais tempo no Algarve, Sr. D... , tratava-se de casa para “uso da gerência e outras pessoas, eventualmente”.

Disse que “na cave havia stocks que não foram apreendidos porque eram antigos, de rotação lenta, que não são usados, não havia movimento de stocks”.

Tratava-se de “ferragens, parafusos, etc., que não eram utilizados e que o custo de remoção era superior aos dos valores. Era um sítio de armazenamento de materiais que não eram usados no dia a dia da empresa, não tinham utilização”.

Mais disse que alguns sócios-gerentes pernoitavam na casa, “havia lá camas” e que em frente da mesma a insolvente tinha um escritório arrendado e havia um “estaleiro”, onde estavam os materiais e bens e existiam camas, “havia parque de equipamentos da empresa e os bens apreendidos estavam todos no estaleiro”.

Acrescentou que “a casa podia ter servido para ter esses stocks na cave, mas não houve actividade para a empresa, havia o escritório e o estaleiro com os bens, para uso diário”. Tratava-se de parafusos e diversos materiais de construção e “havia espaço para os armazenar no estaleiro”.

Especificou que os stocks estavam em 20 m2 da cave, “podia ter ficado lá, notava-se que não havia movimento há muito tempo, rotação lenta”.

Relativamente ao “arquivo morto” referiu que “havia lá documentos e papéis relacionados com a actividade da empresa”

Mais disse que no estaleiro “havia um espaço com camas e colchões, penso que para os trabalhadores”.

Quanto ao uso da casa referiu que “julgo que era para os outros dois gerentes, mas não sei, não posso afirmar isso”, porque o D... tinha uma casa dele ao lado e que “era possível que fosse utilizada para habitação de engenheiros”.

O gerente da insolvente, F... , disse que na casa em questão “dormiam os sócios quando iam ao Algarve. Havia um quarto disponível para um engenheiro que ia até lá abaixo e outro quarto onde estava o filho do D... , que dormia lá”. “Era uma casa para a gente ali estar”.

Especificou que a casa tinha 4 quartos: um para o D... , um para o filho, um para o depoente e outro para “um dos engenheiros que por lá passavam. Nenhum trabalhador dormiu naquele imóvel, nem esporadicamente”.

Referiu que a “cave tinha alguns, poucos, materiais, puxadores, fechaduras, pequenas ferramentas, para utilizar nas obras. Ia-se lá, às vezes, duas vezes num mês e alguns meses, nem se ia lá”.

Tinham o estaleiro central, onde dormiam os trabalhadores deslocados, cerca de 50, e estavam os bens para a actividade da empresa e onde chegaram a ter uma cantina. Tinham armazém de materiais, com mini carpintaria, mini oficina de apoio e uma pequena serralharia. Tinham escritórios.

Disse, ainda, que a casa em questão, tinha um código de acesso pelo portão, que poucas pessoas sabiam e que o “Eng.º D... , quando estava no Algarve, ficava na casa, que era do pai”. E “quando havia necessidade, estava um quarto disponível, onde dormiam os engenheiros e a contabilista também lá dormiu uma ou duas vezes, quando havia necessidade, os engenheiros civis que trabalhavam no Algarve, quando iam em trabalho”.

Ainda, relativamente à cave, especificou que “estavam lá parafusos, fechaduras, acessórios de canalização, coisas pequenas, materiais e ferramentas, para serem utilizados nas obras., eram coisa de reduzida importância. O acesso à área era restrito, o motorista, o canalizador, electricista”.

A documentação que lá estava, segundo disse, referia-se a “projectos executados há mais de 5 anos, que já se podiam ter posto fora”.

Pela testemunha H... , foi dito que trabalhou na construção da casa e que havia lá diversos materiais e ferramentas novas e dossiers que não cabiam no escritório e que os engenheiros dormiam lá, incluindo o filho do D... .

Os electricistas iam buscar materiais à cave.

Referiu que a última vez que esteve na casa foi há cerca de 5 anos, e disse não “saber com rigor o material que lá estava há 5 anos”.

Analisados estes depoimentos e demais referidos elementos probatórios, pensamos ser de sufragar, quase na totalidade, a conclusão a que se chegou na sentença recorrida.

A matéria de facto colocada em crise no presente recurso, a questão que, nesta sede, verdadeiramente, importa decidir é a de tentar determinar qual a utilização dada ao imóvel apreendido e descrito na respectiva verba n.º 162 e, designadamente, se tinha algo a ver com a prossecução da actividade da insolvente.

Como resulta dos depoimentos do Administrador da Insolvência e do gerente da insolvente, está demonstrada a matéria que consta dos itens 7.º, 9.º e 10.º.

Efectivamente, resulta do depoimento de F... , quais as pessoas que usavam e pernoitavam na casa em questão e em que condições, bem como quais as ferramentas e materiais que estavam guardadas na cave.

Quanto a tal, igualmente, relevante o depoimento do referido Administrador.

É, também, certo que tais ferramentas e materiais eram usadas nas obras da insolvente.

Todavia, como o referiu, de forma mais explícita o Administrador, tratava-se de bens de pequena dimensão (em número e em importância) no contexto do desenvolvimento societário da insolvente – “rotação lenta”, como o mesmo, assim, qualificou.

O que se compreende e corresponde à lógica e normalidade das coisas.

A insolvente possuía um estaleiro de grande dimensão, com cantina, oficinas, armazém de materiais, camarata e, escritórios, pelo que não se vislumbra a razão para que a cave da casa em questão fosse destinada a armazenar grandes quantidades de materiais e ferramentas, compreendendo-se melhor que ali estivessem algumas pequenas ferramentas, de uso não diário e alguns materiais, sendo o normal, neste tipo de situações que os materiais e bens de uso corrente estejam no estaleiro/armazém de materiais, de mais fácil acesso à generalidade dos trabalhadores e aos camiões/viaturas que os transportem.

Assim e no que concerne ao item 8.º, acrescenta-se, no final, a expressão: “em pequeno número e reduzida utilização”.

Consequentemente, nesta parte, procede, parcialmente, o recurso em apreço, alterando-se a redacção do item 8.º dos factos provados, nos moldes ora enunciados, mantendo-se inalterada toda a demais matéria de facto dada como provada em 1.ª instância.

B. Se deve ou não ser reconhecida a existência do privilégio imobiliário especial, incidente sobre o imóvel identificado na verba n.º 162, reconhecido aos trabalhadores da insolvente e respectivas consequências sobre o crédito da ora recorrente, que se fundamenta em hipoteca.

Estamos em presença de créditos reclamados por ex-trabalhadores da insolvente, com base no disposto no artigo 333.º, n.º 1, al. a) e b), do Código do Trabalho, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, de acordo com o qual:

«Os créditos emergentes de contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios:

Privilégio mobiliário geral;

Privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade».

«O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes dos créditos referidos no art. 748° do Cód. Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à Segurança que Social» - al.ª b) do n° 2 do mesmo artigo.

Ao invés do que anteriormente sucedia, com o aludido Código do Trabalho os créditos dos trabalhadores passaram a gozar de privilégio imobiliário especial, abandonando o legislador a atribuição do simples privilégio imobiliário geral. Dessa forma, ficaram tais créditos claramente abrangidos pela letra do art. 751° do Cód. Civil, na redacção dada pelo Dec.-Lei n° 38/2003, de 8 de Março, onde se estatui que «Os privilégios imobiliários especiais são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores».

A norma que veio criar o novo privilégio imobiliário especial para os créditos dos trabalhadores substituiu, portanto, o preexistente quadro do privilégio imobiliário geral que vigorava ao abrigo das Leis n°s 17/86, de 14 de Junho, e 96/2001, de 20 de Agosto (cfr. art. 4°, n° 4, b), deste último diploma), entretanto revogadas pelo art.º 21, nº 2 al.ªs e) e t) da Lei nº 99/2003, alargando-o a todos os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação.

Em confronto directo com o privilégio imobiliário especial conferido aos créditos laborais reclamados e reconhecidos está a garantia resultante do registo de hipoteca voluntária a favor da recorrente e que incide sobre o imóvel descrito na verba n.º 162 dos bens apreendidos para a massa.

Nos termos do art.º 712.º do CC, “Hipoteca voluntária é a que nasce de contrato ou de declaração unilateral.”.

E nos termos do disposto nos artigos 686.º, n.º 1 e 687.º, ambos do CC:

“A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.”.

A recorrente - sem pôr em causa a prevalência, em tese, do privilégio especial dos trabalhadores sobre a hipoteca – apenas quer questionar a possibilidade de os créditos de trabalhadores, reclamados e reconhecidos, aproveitarem do privilégio imobiliário especial do art.º 333, 1, do CT - pelo facto de, segundo alega não estar apurado o requisito da prestação da actividade do credor-trabalhador nos bens imóveis do empregador  - por não ter sido alegado nas supra referidas acções, qual o local onde exerciam funções, bem como que o imóvel em causa, não estava integrado, não fazia parte, da actividade produtiva da insolvente e, entendendo-se que assim é, então, a norma em causa, assim interpretada, viola os princípios constitucionais da igualdade e da segurança jurídica que se reconduz à protecção da confiança.

Importa, pois, desde logo, averiguar do âmbito/alcance do mencionado artigo 333.º, ao referir que o privilégio em causa incide sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade.

No que a tal respeita e em primeiro lugar – salvo aqui o respeito por entendimento diverso[1] - não se vê que o legislador tenha imaginado conceder o privilégio em questão relativamente ao imóvel ou imóveis nos quais, regular ou habitualmente, o trabalhador haja executado a sua prestação para a entidade patronal.

Desde logo é possível configurar um vastíssimo leque de empresas, nomeadamente tendo por objecto a realização de empreitadas de construção civil (como é o caso), com dezenas ou centenas de operários que desempenham as suas tarefas nas diversas obras para onde são chamados, localizadas em terrenos dos terceiro (donos da obra), no país ou no estrangeiro, que nunca podem prestar a sua actividade nos imóveis da entidade empregadora, quando esta, porventura, só é proprietária do valioso prédio onde está instalada a respectiva sede.

Depois há inúmeras situações de trabalhadores que, pela natureza das suas funções, têm de exercer a sua actividade necessariamente fora do imóvel ou imóveis em que se concentram o processo produtivo ou administrativo da empresa: veja-se o caso dos motoristas, dos trabalhadores de veículos de transporte, dos vendedores itinerantes, dos pescadores, dos trabalhadores agrícolas, dos funcionários de empresas de segurança, dos próprios vigilantes de entrada de pessoas nos edifícios da empresa, etc., todos eles naturalmente contratados para desempenharem tarefas no exterior dos imóveis em que eventualmente se posicionem as instalações da entidade empregadora.

Acresce que há trabalhadores que não têm um local – que pode ser ou não um imóvel – certo e pré-definido para exercerem as suas tarefas, porque são periodicamente deslocados pela entidade empregadora consoante as conveniências da produção.

Por fim, uma empresa de serviços pode funcionar com um escasso número de trabalhadores administrativos no único imóvel que lhe pertence e, ao mesmo tempo, trazer todo o restante pessoal – a esmagadora maioria do seu quadro - a trabalhar exteriormente.

A pergunta que intuitivamente se coloca respeita a saber se o legislador pretendeu excluir do privilégio imobiliário especial em questão todos os trabalhadores que desenvolvem as suas tarefas em locais que não pertencem à entidade empregadora, do mesmo passo que o quis conceder àqueles que, pelo mero acaso da natureza das respectivas funções, se encontravam a desempenhá-las em imóvel (ou imóveis) propriedade dessa mesma entidade, estabelecendo uma discriminação de todo incompreensível. Ou se porventura quis conceder privilégios de diferente valor, conforme o valor de cada imóvel em que o trabalhador se encontrava a prestar serviço no momento da cessação de funcionamento da falida.

Objecta-se que, a não ser feita a imputação do privilégio segundo o imóvel a que respeita o exercício laboral do credor-trabalhador, a exigência do art.º 333, nº 1 do CT é inútil, uma vez que haveria privilégio em relação a todos os imóveis da falida.

Ao que propendemos, o problema é tão só de interpretação do pensamento legislativo.

Nos termos do art.º 9, nº 3 do C.Civil "Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados".

Importa, pois, ir em busca da solução mais acertada.

Ao eliminar o privilégio imobiliário geral e criar o de tipo especial, o legislador significou que a organização produtiva da entidade empregadora deveria responder em primeira linha, quanto ao património imobiliário nela integrado, pelos créditos daqueles que prestaram a sua actividade laboral confiando em que esse património produtivo salvaguardaria o pagamento desses mesmos créditos (e não mais que isso). Daí que os imóveis laterais à dinâmica produtiva da entidade empregadora globalmente considerada, porque não objecto dessa regra de confiança, sejam os únicos que podem ser distraídos da previsão do privilégio legal. Assim sendo, hipóteses haverá – e não serão poucas – em que os imóveis da entidade empregadora, por estarem de fora do seu processo produtivo, não poderão ser objecto da preferência legal.   

A que há que acrescentar, por força do AUJ, de 23/02/16, Processo n.º 1444/08.TBAMT, a exclusão dos imóveis construídos por empresa de construção civil, destinados a comercialização.  

Em segundo lugar – discordando também da recorrente – não se adivinha como sendo a mais razoável a tese de que incumbe ao credor-trabalhador o ónus de alegar e, se necessário, provar quais os imóveis que eventualmente estiveram conexionados com a prestação da respectiva actividade.

Deverá, antes, partir-se do princípio oposto, isto é, de que se tem de presumir que os imóveis propriedade da falida integravam o processo da respectiva produção, a menos que o credor interessado em que o privilégio imobiliário não possa favorecer o credor-trabalhador demonstre que assim não é, ou que o tribunal tenha elementos para disso se convencer.

Na verdade, exigir a cada um dos trabalhadores reclamantes a oportuna alegação e prova de que prestou serviço neste ou aquele imóvel já nos pareceria excessivo, se mais não fosse pelas apontadas dificuldades que uma tal especificação pode acarretar; mas ainda se afigura violento que se requeira que cada um desses reclamantes discrimine qual ou quais dos imóveis da falida estiveram inseridos na respectiva actividade produtiva, sendo que os restantes credores ou o tribunal estarão melhor posicionados para fazer um tal escrutínio (nomeadamente, através do mecanismo excludente da descrição daqueles concretos imóveis que nada tiveram que ver com a organização produtiva da falida).

Assim sendo, no alinhamento acima proposto, há que tomar como bom o dado de que todos os imóveis apreendidos estavam inseridos na actividade produtiva da falida, independentemente de ser a sede e locais onde se desenvolvia a actividade da insolvente.

De resto, ainda que não directamente alegado o local exacto em que o trabalhador presta funções, sempre será de presumir que o faz em imóvel inserido no processo produtivo da empresa, designadamente quando se trata de um local fixo de trabalho, presunção que a este Tribunal é lícito extrair dos elementos constantes dos autos – cf. artigo 349.º CC.

Trata-se, pois, de averiguar se o imóvel em causa, integra ou não a organização empresarial da insolvente, se o mesmo era relevante para a prossecução do escopo societário da insolvente.

Como se refere na sentença recorrida, o entendimento do que se deve entender por “local onde o trabalhador exerce a actividade”, tem vindo a ser entendido de forma lata, abrangendo todos os imóveis da entidade patronal que estejam afectos à sua actividade empresarial, à qual os trabalhadores estão funcionalmente ligados, independentemente da localização, em concreto, do respectivo posto de trabalho, ficando, consequentemente, excluídos, os imóveis que embora pertença da entidade patronal não estivessem afectos ao escopo societário, à actividade empresarial da entidade patronal.

Ao invés, os seguidores do entendimento restritivo de tal noção, defendem que só gozam do privilégio ora em causa, os trabalhadores que fisicamente estivessem ligados a algum dos imóveis pertença da entidade patronal em que se desenvolvesse a sua actividade económica e aí os reclamantes exercessem a sua actividade.

Pelos motivos já acima expostos, somos de opinião que deve atender-se ao critério lato acima referido, por se mostrar o mais ajustado com a realidade das coisas, para além de que é o que, maioritariamente, se segue no STJ.

Neste sentido, por último o seu Acórdão de 30 de Maio de 2017, Processo n.º 4118/15.7T8CBR-B.C1.S1 e no qual se faz uma resenha jurisprudencial da questão ora em apreço.

Em face do ora exposto e por cotejo com a factualidade provada (ainda que sem a alteração aqui introduzida), salvo o devido respeito pelo entendido na decisão recorrida, somos de opinião que o imóvel em causa não se pode considerar como integrando, como estando afecto, à actividade empresarial da insolvente.

Esta, como resulta do item 1.º dos factos provados, tinha por objecto a indústria de construção civil, urbanização, obras públicas e empreitadas gerais.

Ora, o facto de, quando em serviço, os gerentes, engenheiros civis e contabilista da insolvente, ali pernoitarem quando se deslocavam ao Algarve e de na cave do imóvel em causa se encontrarem guardados os materiais e ferramentas mencionados no item 8.º, em pequeno número e reduzida utilização, bem como projectos de obras já elaborados, em nada contribui para a realização/execução das obras que a insolvente tinha a cargo.

Salvo o devido respeito, esta utilização em pouco ou nada releva para execução das obras a realizar.

Não é pelo facto de os engenheiros e demais pessoas referidas, pontualmente, ali pernoitarem que as obras foram levadas a cabo, bem como não o foram por ali se encontrarem as referidas ferramentas e bens.

Atendendo ao escopo da insolvente, não é pelo facto de numa cave de tal prédio se encontrarem algumas ferramentas e materiais, como referido no item 8.º, que se pode concluir que todo o imóvel estivesse afecto à respectiva actividade empresarial da insolvente.

A pernoita das pessoas acima referidas apenas se pode compreender como “rentabilização” da casa e inerente poupança de custos, mas sem que se possa concluir que estamos perante um imóvel afecto à actividade empresarial da insolvente.

Quanto aos materiais e ferramentas, por certo não se pode olvidar que o seu reduzido número acarreta a sua irrelevância para a realização das obras. A insolvente detinha um estaleiro, como acima referido e, naturalmente, era aqui que estavam os materiais e ferramentas utilizados na prossecução de tal fim.

Em resumo, entendemos, face ao exposto, que o imóvel descrito na verba n.º 162, não estava afecto à actividade empresarial da insolvente e, por consequência, não pode incidir sobre o mesmo o privilégio concedido aos créditos laborais em apreço.

Consequentemente, procede esta questão do recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a decisão recorrida, no que se refere ao produto da venda do imóvel relacionado na verba n.º 162, de que se exclui os créditos dos trabalhadores;

Mantendo-a, quanto ao mais.

Custas do presente recurso, a suportar pela massa insolvente.

Coimbra, 21 de Fevereiro de 2018.


[1] Cfr. uma certa orientação jurisprudencial  e, nomeadamente, o Ac. do STJ de 29 de Abril de 2008 in CJ, STJ, Tomo II, p. 43-44.