Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
161/08.0TBOFR-F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: MULTA PROCESSUAL
CONDENAÇÃO
ADMISSIBILIDADE
RECURSO
Data do Acordão: 06/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE OLIVEIRA DE FRADES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 27º, Nº 5 DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS (APROVADO PELO DEC. LEI Nº 34/2008, DE 26/02)
Sumário: I – Vinha sendo entendido, até à entrada em vigor, ocorrida em 20/04/2009, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26/02, que mesmo nos casos de condenação em multa, desde que não fosse por litigância de má fé, a admissibilidade do recurso estava sujeita ao disposto no artº 678º do Cód. Proc. Civil, nomeadamente ao respectivo nº 1.

II - Assim, não se enquadrando a situação em qualquer das previsões dos nºs 2 e 3 daquela disposição legal, a condenação, que não por litigância de má fé, em multa cível, só seria susceptível de recurso se o valor da causa fosse superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada fosse desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal. Ou seja, a recorribilidade da decisão dependeria não só do valor da causa – que teria de ser superior à alçada do tribunal recorrido – mas também do montante da multa aplicada, que corresponderia ao valor da sucumbência, e que teria de ser superior a metade da dita alçada.

III - Contudo, o nº 5 do artº 27º do Regulamento das Custas Processuais (RCP) veio estabelecer que “da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional fora dos casos legalmente admissíveis cabe sempre recurso, o qual, quando deduzido autonomamente, é apresentado nos cinco dias após a notificação do despacho que condenou a parte em multa ou penalidade”.

IV - Perante a redacção da norma do nº 5 do artº 27º do RCP, a expressão «fora dos casos legalmente admissíveis» só pode, a nosso ver, referir-se à condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional. E inculca, numa primeira abordagem, que no juízo sobre a admissibilidade do recurso esteja presente um juízo prévio sobre a procedência do mesmo.

V - Ou seja, se a condenação se situa fora dos casos legalmente admissíveis, há lugar a recurso, o qual, em princípio, precisamente porque a condenação se situa fora dos casos legalmente admissíveis, não deixará de obter provimento; se a condenação não se situa fora dos casos legalmente admissíveis, não há lugar a recurso, mas, se houvesse, o mesmo certamente teria de improceder.

VI - Esta interpretação apresenta-se-nos como pouco razoável, carecida de lógica, e esbarra abertamente na presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas (artº 9º, nº 3 do Cód. Civil)

VII - Com vista a conferir sentido útil à mencionada expressão «fora dos casos legalmente admissíveis», a interpretação que nos parece corresponder ao pensamento legislativo é a de que da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional cabe sempre recurso se tal condenação não assentar em qualquer disposição legal que a preveja, se não for abstractamente enquadrável na previsão de qualquer norma legal.

VIII - Sendo possível situar abstractamente a condenação no âmbito da previsão de qualquer norma legal, só haverá recurso nos termos gerais, ou seja, exceptuados os casos de litigância de má fé, em que é sempre admissível o recurso, se, cumulativamente, o valor da causa ultrapassar a alçada do tribunal de que se recorre e a sucumbência for de valor superior a metade da dita alçada.

IX - Não encontrando a condenação, ainda em termos abstractos, arrimo em qualquer disposição legal que a preconize, o recurso é sempre admissível, independentemente do valor da causa e da sucumbência.

Decisão Texto Integral:             Acordam em conferência na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            1. RELATÓRIO

            J… divorciado, operário, residente na Rua …, intentou, em 24/04/2008, acção de impugnação de paternidade contra M…, divorciada, residente em …, e ainda contra o menor, nascido em 15/05/2004, P…

            No artigo 21º da petição inicial alegou o A. que “é possível e desejável que sejam realizados exames de sangue, de ADN ou outros métodos cientificamente provados por através deles ser possível determinar, com uma pequena margem de erro, a paternidade em termos objectivos”.

            E concluiu do seguinte modo: “Termos em que, realizados os exames necessários à determinação da paternidade (…), ilidindo-se a paternidade presumida, “iuris tantum”, do autor em relação ao menor P…”.

            Houve contestação e réplica, após o que foi feito o saneamento e a condensação da acção.

            Ao ser designada data para julgamento (em 16/03/2010) foi também proferido despacho do teor seguinte:

            “Em face da posição assumida nos articulados da acção por ambas as partes, afigura-se já neste momento indispensável proceder-se ao competente exame de paternidade.

            Assim, determina-se a realização dos respectivos exames de sangue a que alude o art. 1801º do CC.

            Solicite ao INML a sua realização, com nota de urgência atenta a proximidade da audiência de julgamento já designada (…)”.

            De tal despacho foi pela R. interposto recurso, admitido como apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.

            Com data de 19/05/2011 foi proferido despacho em que se analisou a actuação da R. no tocante a sucessivas faltas de comparência nas datas designadas para o pretendido exame, concluindo-se do modo seguinte: “Posto isto, tendo em conta a importância dos interesses em causa e o facto de a Ré se ter furtado deliberadamente à sua mais recente marcação somos a julgar a sua falta como injustificada, condenando-a em multa processual, a qual se fixa em 2 UC, nos termos do art.º 519.º, n.º 1, do CPC”.

            Reagindo, a R., através de requerimento entrado em 26/05/2011, além de anunciar que iria recorrer, “informa o tribunal que frustrada a sua expectativa e as condições em que deu o seu assentimento à feitura daquele exame, com a prolação daquele despacho, não se disponibilizará a comparecer nem a fazer comparecer o menor para aquele efeito”.

Embora tenha interposto o anunciado recurso, esta Relação não tomou conhecimento do objecto do mesmo, pelas razões constantes dos despachos de fls. 107/108 e 109.

Na sessão da audiência de discussão e julgamento de 14/07/2011 foi proferido despacho em que, após análise da situação, se determinou, além do mais, a notificação pessoal da curadora especial do menor para, em período temporal que se indicou, se deslocar ao INML de Coimbra, acompanhada do dito menor, com vista à colheita do material biológico para a realização da perícia ordenada nos autos.

            A curadora especial, F…, avó materna do menor, através de requerimento de 20/07/2011, declarou: “informo que não consigo que se faça ao P… qualquer colheita em estabelecimento de saúde situado na área desta comarca, pois o menino tem mãe e só ela pode autorizar ou não se o filho vai fazer ou não qualquer exame”.

            Na sequência dessa posição da curadora, o Digno Magistrado do Ministério Público promoveu, ao abrigo do disposto no art.º 17º, nº 1 do CPC, “se determine a colheita de material biológico ao menor, em estabelecimento de saúde situado na área da sua residência, solicitando-se, para o efeito, a colaboração do INML – Delegação do Centro”.

            Por despacho de 22/09/2011, foi a referida promoção deferida, mandando-se oficiar “ao INML – Coimbra, à Directora de Turma do menor P… e ao estabelecimento de saúde da área da sua residência para que, em articulação, procedam à colheita de material biológico requerida (…)”.

            A R. arguiu a nulidade desse despacho e, face ao insucesso de tal iniciativa (despacho de 27/10/2011), recorreu para esta Relação[1].

            Entretanto, com data de 30/11/2011, foi proferido despacho do teor seguinte:

“Fls. 322 – 330, 337:

Encontra-se amplamente demonstrada nestes autos a atitude processual da Ré e qual o seu sentido: primeiro, pela apresentação de sucessivas justificações de falta a exames hematológicos ao menor legalmente ordenados e posterior volte face motivado pela não justificação de uma dessas faltas, percurso descrito no despacho a fls. 273.

Depois, tendo a Ré declarado abertamente não mais colaborar com o Tribunal na realização da diligência ordenada, em face dos mecanismos processuais accionados para possibilitar a realização do exame em causa seguiu-se uma verdadeira saga de cartas dirigidas aos colaboradores processuais, cuja participação foi suscitada por este Tribunal, comportamento patente e descrito a fls. 322 – 330, 337 e 340 – 344. Tais actos denotam, igualmente, falta de colaboração processual.

Mais, notificada a Ré para se pronunciar quanto ao teor das cartas dirigidas à escola do menor (a fls. 333) nada disse.

Os expedientes de que a Ré tem vindo a lançar mão a latere do tribunal perigam clara e manifestamente o princípio da igualdade de armas que cumpre fazer valer ao longo do processo, conforme art.º 3.º-A, do CPC.

Assim, tem este tribunal ao seu dispor mecanismos de sanção do comportamento da Ré manifestado nas fls. em epígrafe, os quais, aqui e adiante, terão de ser levados a efeito sob pena da Justiça nada poder e nada valer.

Procura-se neste autos a verdade material que, se não importa à Ré, preside à demanda do A e serve os interesses do menor. Interesses, esses, que a lei impõe – por impossíveis de acautelar pela parcialidade de A e R – sejam representados por Curador Especial (art.º 1846.º, n.º 3, do CPC).

Diz-nos o artigo 3.º-A já citado que “O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes designadamente (…) na aplicação de cominações ou de sanções processuais”, complementando o art.º 519.º, n.º 2, do mesmo Código que “aqueles que recusem a colaboração devida serão condenados em multa (…); se o recusante for parte, o tribunal apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios (…)”.

Face a todo o exposto, tendo em conta os normativos citados e o previsto no art.º 27.º, n.º 1 do RCP, condena-se a Ré em multa processual que se fixa em 4 (quatro) UC.

Notifique, incluindo o menor, representado pelo M.º P.º.”

Inconformada, a R. interpôs recurso, que veio a ser admitido como apelação, com subida em separado e efeito suspensivo da decisão de condenação em multa.

É esse – e apenas esse – o recurso de que aqui se cuida.

Na alegação apresentada a recorrente formulou as seguintes conclusões:

...

O Ministério Público respondeu, suscitando a questão da inadmissibilidade do recurso, “por não se verificar qualquer das situações previstas nos artigos 678º, nºs 2 a 6 e 456º, nº 3, ambos do C.P.C., tendo em conta o critério da sucumbência plasmado no artigo 678º, nº 1, do mesmo diploma legal”, e defendendo que, de todo o modo, a decisão recorrida não merece qualquer censura, devendo ser mantida.

O recurso foi admitido.

Já nesta Relação foi pelo Relator proferido o despacho de fls. 118 a 124 decidindo, com base na inadmissibilidade do recurso, não tomar conhecimento do mesmo e julgá-lo extinto.

A recorrente, inconformada, requereu que, nos termos do artº 700º, nº 3 do Cód. Proc. Civil, o caso seja submetido à conferência, a fim de sobre a matéria daquele despacho recair um acórdão.

            O Ministério Público e a parte contrária nada disseram.

            A questão que ao Tribunal é, por ora, colocada resume-se, pois, a saber se o recurso é ou não admissível e, consequentemente, se deve conhecer-se do seu objecto, como a recorrente pretende, ou se, pelo contrário, deve julgar-se extinto, como foi decidido pelo Relator.

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

A factualidade e incidências processuais relevantes para a decisão são as que decorrem do relatório antecedente, que aqui se dá por reproduzido.

            2.2. De direito

A fundamentação jurídica e a decisão do despacho ora submetido à conferência são as seguintes:

“Dado que o despacho da 1ª instância que admitiu o recurso não é vinculativo (artº 685º-C, nº 5 do Cód. Proc. Civil) e que quer a recorrente quer o Ministério Público se pronunciaram já sobre a questão da (in)admissibilidade, há que, antes de mais, apreciar e decidir essa questão suscitada pelo Ministério Público, só depois se justificando, caso tal questão prévia improceda, o prosseguimento do recurso.

            Vinha sendo entendido, até à entrada em vigor, ocorrida em 20/04/2009, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26/02, que, mesmo nos casos de condenação em multa, desde que não fosse por litigância de má fé, a admissibilidade do recurso estava sujeita ao disposto no artº 678º do Cód. Proc. Civil, nomeadamente ao respectivo nº 1[2]. Assim, não se enquadrando a situação em qualquer das previsões dos nºs 2 e 3 daquela disposição legal[3], a condenação, que não por litigância de má fé, em multa cível, só seria susceptível de recurso se o valor da causa fosse superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada fosse desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal. Ou seja, a recorribilidade da decisão dependeria não só do valor da causa – que teria de ser superior à alçada do tribunal recorrido – mas também do montante da multa aplicada, que corresponderia ao valor da sucumbência, e que teria de ser superior a metade da dita alçada.

            Contudo, o nº 5 do artº 27º do Regulamento das Custas Processuais (RCP) veio estabelecer que “da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional fora dos casos legalmente admissíveis cabe sempre recurso, o qual, quando deduzido autonomamente, é apresentado nos cinco dias após a notificação do despacho que condenou a parte em multa ou penalidade”[4].

            Confessamos desde já que temos grande dificuldade em interpretar a disposição legal aludida, cuja redacção, se bem vemos, não prima pela clareza.

            Na tarefa de interpretação que não poderemos deixar de enfrentar haverá que ter bem presentes as regras previstas no artº 9º do Cód. Civil. Ou seja, tomando como ponto de partida a letra da lei, que nunca poderá ser totalmente ultrapassada, e ponderando os elementos histórico, sistemático e teleológico, haverá que procurar alcançar o pensamento legislativo, presumindo sempre que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

            A dificuldade está em determinar o exacto sentido e alcance da expressão «fora dos casos legalmente admissíveis».

            O Conselheiro Salvador da Costa[5] escreveu que “a expressão fora dos casos legalmente admissíveis é desadequada porque é susceptível de levar a crer, sobretudo no caso da taxa sancionatória excepcional, que se reporta a cominações fora das espécies processuais a que se reporta o proémio do artigo 447º-B do Código de Processo Civil”. E prosseguiu, adoptando, se bem entendemos, a posição de que da norma em referência resultará que o recurso é sempre admissível, independentemente do valor da causa e da sucumbência.

            Contudo, a ser assim, a ser esse o pensamento legislativo, a expressão «fora dos casos legalmente admissíveis» seria uma completa e pura inutilidade, sem qualquer significado, cuja presença no texto da norma não só nada acrescenta como até atrapalha e confunde. E resultaria contrariada a presunção consagrada no artº 9º, nº 3 do Cód. Civil de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

            Não nos convence, portanto, com todo o respeito, tal interpretação.

            Perante a redacção da norma do nº 5 do artº 27º do RCP, a expressão «fora dos casos legalmente admissíveis» só pode, a nosso ver, referir-se à condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional. E inculca, numa primeira abordagem, que no juízo sobre a admissibilidade do recurso esteja presente um juízo prévio sobre a procedência do mesmo. Ou seja, se a condenação se situa fora dos casos legalmente admissíveis, há lugar a recurso, o qual, em princípio, precisamente porque a condenação se situa fora dos casos legalmente admissíveis, não deixará de obter provimento; e se a condenação não se situa fora dos casos legalmente admissíveis, não há lugar a recurso, mas, se houvesse, o mesmo certamente teria de improceder.

            Esta interpretação apresenta-se-nos como pouco razoável, carecida de lógica, e esbarra abertamente na presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas (artº 9º, nº 3 do Cód. Civil)

            Como habitualmente, “in medio virtus”, devendo a boa interpretação situar-se algures entre as duas soluções extremas atrás referidas.

            Com vista a conferir sentido útil à mencionada expressão «fora dos casos legalmente admissíveis», a interpretação que nos parece corresponder ao pensamento legislativo é a de que da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional cabe sempre recurso se tal condenação não assentar em qualquer disposição legal que a preveja, se não for abstractamente enquadrável na previsão de qualquer norma legal.

            Sendo possível situar abstractamente a condenação no âmbito da previsão de qualquer norma legal, só haverá recurso nos termos gerais, ou seja, exceptuados os casos de litigância de má fé, em que é sempre admissível o recurso, se, cumulativamente, o valor da causa ultrapassar a alçada do tribunal de que se recorre e a sucumbência for de valor superior a metade da dita alçada.

            Não encontrando a condenação, ainda em termos abstractos, arrimo em qualquer disposição legal que a preconize, o recurso é sempre admissível, independentemente do valor da causa e da sucumbência.

            Transpondo quanto fica dito para o caso concreto que nos ocupa, vejamos então se o recurso deve ou não ser admitido.

            A actuação da R. que interessa ter presente é a posterior ao despacho de 19/05/2011, já que nesse despacho foi sancionado, com a multa de 2 UC, o comportamento anterior.

            Após o aludido despacho, a R., numa atitude felizmente pouco comum, informou o tribunal “que frustrada a sua expectativa e as condições em que deu o seu assentimento à feitura daquele exame, com a prolação daquele despacho, não se disponibilizará a comparecer nem a fazer comparecer o menor para aquele efeito”.

            A R. esqueceu que não era ela pessoalmente que iria ser objecto do exame, caso em que, segundo alguma jurisprudência, a recusa seria possível. A colaboração que lhe estava a ser pedida tinha a ver tão-somente com a circunstância de o menor, cujo material biológico é indispensável à realização do exame, lhe estar entregue.

Mas o tribunal, sensatamente, procurando contornar a intransigência da R., tentou a colaboração da curadora especial que, por sinal, era a mãe da R., avó materna do menor.

Não é fácil separar a resposta dada ao tribunal pela curadora especial da actuação da R., embora se lhe não possa imputar a mesma directamente.

Mas, sendo suposto que tanto a R., mãe do menor, como a curadora especial, avó materna do mesmo, deveriam defender os direitos e interesses dele – que não passam seguramente pela indefinição da sua paternidade – recorreu-se ao Ministério Público, a quem a lei também incumbe da defesa daqueles direitos e interesses, e, na sequência da sua promoção, mandou-se oficiar “ao INML – Coimbra, à Directora de Turma do menor P… e ao estabelecimento de saúde da área da sua residência para que, em articulação, procedam à colheita de material biológico requerida (…)”.

            E, como decorre do despacho sob recurso e é expressamente admitido pela recorrente, esta dirigiu cartas aos colaboradores processuais cuja participação foi suscitada pelo Tribunal, procurando inviabilizar a colheita do indispensável material biológico e nenhuma explicação dando para tal actuação quando notificada para tanto.

            Convirá recordar, por um lado, que a colheita de material biológico para realização da almejada perícia relativa à paternidade do menor não tem necessariamente de passar pela recolha de sangue, sendo consabido que actualmente há outro material biológico mais fácil de colher e relativamente ao qual mal se perceberá que alguém oponha os obstáculos habitualmente opostos à aludida recolha de sangue; e, por outro, que a autorização para que a colheita do material biológico seja feita não compete apenas à mãe. O pai – e até que outra coisa seja decidida com trânsito em julgado o A. ainda o é – também tem uma palavra a dizer. Ao que acresce que, como é objectivamente o caso presente, havendo desacordo entre os pais, a decisão definitiva sempre acabaria por competir ao tribunal. Que, no caso, já a tomou repetidamente, apenas não tendo logrado executá-la devido à oposição injustificada e obstinada da R.

            Nestas circunstâncias, a actuação da R. enquadra-se totalmente na previsão do nº 2 do artº 519º do Cód. Proc. Civil[6], disposição legal que assim reza:

            1. (..).

            2. Aqueles que recusem a colaboração devida serão condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no nº 2 do artigo 344º do Código Civil.

            3. (…).

            4. (…).

            E não procede a defesa que a recorrente fez de que, sendo o recusante parte, não há lugar à aplicação de multa, ficando-se a sanção pelas consequências a nível probatório.

            A melhor interpretação da norma legal em causa é a de que a recusa da colaboração devida é, sem prejuízo dos meios coercitivos possíveis, sancionada com multa seja quem for o recusante: parte ou terceiro. E a essa sanção acrescem, sendo o recusante parte, as consequências para efeitos probatórios, referidas no segundo segmento da norma.

            Com efeito, como escreve e justifica Lebre de Freitas em anotação à disposição legal em análise[7], “não é (…) hoje defensável que a multa só é aplicável a terceiros, enquanto a parte só pode ficar sujeita a consequências probatórias; (…).

            De quanto fica dito ressalta que a condenação da recorrente em multa não está fora dos casos legalmente admissíveis, antes se situando no âmbito da previsão do artº 519º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, pelo que dela só caberia recurso se estivessem verificados os requisitos do artº 678º do mesmo diploma legal, nomeadamente se, como exige o nº 1, o valor da causa fosse superior à alçada do tribunal de comarca e a sucumbência, que aqui corresponde ao montante da multa, excedesse metade da dita alçada.

            Assim, sendo indiscutível que o valor da acção excede a alçada do tribunal de comarca, sucede, contudo, que o valor da multa/sucumbência (€ 408,00 = 4 x € 102,00) não excede a metade dessa alçada (€ 2.500,00 = € 5.000,00 : 2).

            Consequentemente, o recurso não é admissível.

            Tal inadmissibilidade obsta ao conhecimento do objecto do recurso.

            Face ao exposto, nos termos do artº 700º, nº 1, al. h) do Cód. Proc. Civil decide-se, dada a mencionada inadmissibilidade, não tomar conhecimento do objecto do recurso e julgá-lo extinto.

            As custas são a cargo da recorrente.”


***

            Concorda-se inteiramente com as transcritas fundamentação jurídica e decisão do despacho do Relator submetido à conferência, nada havendo a retirar ou acrescentar.

            Com efeito, pelas razões naquele despacho indicadas, o recurso interposto pela R. M… não é legalmente admissível, o que obsta ao conhecimento do seu objecto e, nos termos do artº 700º, nº 1, al. h) do Cód. Proc. Civil, conduz a que o mesmo seja julgado findo.

            3. DECISÃO

            Face ao exposto, acorda-se em, perfilhando e confirmando o despacho do Relator submetido à conferência, considerar o recurso inadmissível e, consequentemente, nos termos do artº 700º, nº 1, al. h) do Cód. Proc. Civil, julgá-lo extinto.

            As custas são a cargo da recorrente.


Artur Dias (Relator)
Jaime Ferreira
Joege Arcanjo

[1] Que, por acórdão de 07/02/2012 (fls. 111 a 116), negou provimento ao recurso.
[2] Cfr. decisão sumária de 05/07/2006, proferida no processo nº 127/06 e decisão do Ex.mo Presidente da Relação de 21/05/2007, proferida no processo nº 75/07, disponíveis em www.dgsi.pt.
[3] Na redacção dada pelo DL nº 303/2007, de 24/08.
[4]  Na redacção dada ao RCP pela Lei nº 7/2012, de 13/02, a norma referida passa a ser o nº 6 do artº 27º e o prazo para recorrer passa, em sintonia com o disposto nos nºs 2, al. c) e 5 do artº 691º do CPC, a ser de 15 dias.
[5] Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, Almedina, 2009, pág. 329.
[6] Com efeito, a R. não apenas recusou a colaboração devida, como até procurou impedir a concretização da perícia ordenada pelo tribunal.
[7] Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 409.