Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
861/10.5GBAGD-A.P1.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: CONVERSÃO DA MULTA EM PRISÃO
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PRISÃO SUBSIDIÁRIA
CASO JULGADO FORMAL
Data do Acordão: 05/20/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: AVEIRO (ÁGUEDA – INST. LOCAL – SECÇÃO CRIMINAL – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 49.º DO CP
Sumário: I - O despacho que procede, nos termos do n.º 3 artigo 49.º do CP, à revogação da suspensão da prisão subsidiária, impede nova decisão, no âmbito do mesmo processo e relativamente ao mesmo arguido, tendente a nova suspensão da prisão referida, tendo, antes, como efeito a execução desta.
II - Por outro lado, a impugnação do despacho que, na sequência da decisão, transitada em julgado, supra identificada, determina a emissão de mandados de detenção, caso não ocorra o pagamento da pena de multa correspondente, com vista ao cumprimento do remanescente da prisão subsidiária, entretanto revogada, não é susceptível de colocar em crise a anterior decisão que operou a revogação da prisão subsidiária.
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

      1.No âmbito do processo especial abreviado n.º 861/10.5GBAGD, a correr termos na Comarca de Aveiro – Águeda – Inst. Local – Secção Criminal – J1, por despacho judicial de 08.05.2014 foi determinada a emissão de mandados de detenção ao arguido A... , melhor identificado nos autos, com vista ao cumprimento de 92 dias de prisão subsidiária – [cf. fls. 112].

2. Inconformado com o decidido recorreu o arguido, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:

1.Vem o presente recurso do douto despacho proferido pelo Juízo de Instância Criminal – Juiz 2 – de Águeda da Comarca do Baixo Vouga, na medida em que decidiu do seguinte modo: “Nestes termos, determina-se a emissão de mandados de detenção em conformidade com o ali decidido”;

2. Ora, o douto despacho e a decisão nele contida afigura-se, desde logo, excessiva;

3. Na medida em que, o Arguido se encontra socialmente inserido, encontrando-se a trabalhar e vivendo com uma companheira, ou seja, tendo constituído família;

4. Sendo certo que só o Arguido é que se encontra a trabalhar e, como tal, é sobre ele que impende o dever de sustentar o seu agregado familiar, custeando todas as despesas inerentes à sua sobrevivência com o parco salário que aufere mensalmente do seu trabalho;

5. Pelo que, uma pena privativa da liberdade que recaia sobre o Arguido irá, inevitavelmente, atingir o seu agregado familiar;

6. Penalizando, desse modo, quem nada tem a ver com o comportamento do Arguido;

7. E, por outro lado, privando a família do convívio do Arguido e ficando sem qualquer possibilidade de auferir rendimento para as despesas básicas;

8. Daí que, tal facto deveria ter sido tido em consideração para a decisão de emissão de mandados para cumprimento da prisão subsidiária ora determinada pelo despacho ora recorrido, o que não veio a suceder;

9. Acresce ainda que o Arguido solicitou o cumprimento da pena de multa em que foi condenado fosse substituído por trabalho a favor da comunidade e cumpriu 80 horas dessa pena;

10. Justificou o não cumprimento integral de tais horas de trabalho de trabalho a favor da comunidade;

11. Em face desta situação, foi determinando o cumprimento da pena de multa através do efetivo pagamento do valor remanescente e que cifra num montante de 840 euros (oitocentos e quarenta euros);

12. Acontece, porém, que desde logo, o Arguido informou o Tribunal da sua impossibilidade para efetuar o pagamento de tal quantia, consideravelmente elevada, de uma só vez;

13. Na verdade, nesse momento o Arguido encontrava-se sem trabalho, e, como tal, desprovido de qualquer meio financeiro que lhe permitisse, o pagamento integral e de uma só vez da pena de multa em falta;

14. Tendo, nesse seguimento, em 18/03/2014 o Arguido veio requerer que lhe fosse concedida a possibilidade de efetuar o referido pagamento em prestações;

15. Tal requerimento foi apresentado pelo Arguido quando ainda decorria o prazo de recurso do despacho de 19/02/2014 que decidiu pelo cumprimento da prisão subsidiária em caso de não pagamento da multa em falta;

16. No seguimento de tal requerimento foi promovido pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público que, apesar de entender que já se encontrava ultrapassado o momento processual para o deferimento do requerimento de pagamento em prestações, deveria ser agendada data para audição do Arguido para eventual suspensão da pena de prisão subsidiária.

17. Todavia, tal não foi entendimento do Tribunal a quo, tendo decidido pura e simplesmente;

18. Devendo ter sido dada a possibilidade de prestar declarações por forma a provar que o não pagamento da pena de multa se deve a facto que lhe não é imputável para aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 49º do Código Penal;

19. Em face da situação devidamente exposta pelo Arguido, não foi, como deveria, tido em consideração pelo Tribunal a quo que a pena de prisão subsidiária poderia ser suspensa em face da falta de cumprimento da pena de multa ter ficado a dever-se a factos completamente alheios à vontade do Arguido;

20. Devendo, assim, ser revogado o douto despacho ora recorrido que decide pela emissão de mandados de detenção e que seja determinada data para audição do Arguido, conforme promovido pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público.

ESPERA DEFERIMENTO

FAZENDO V.EXAS A COSTUMADA JUSTIÇA.

3. Por despacho exarado em 23.06.2014 foi o recurso admitido, fixado o respetivo regime de subida e efeito.

4. Ao recurso respondeu a Exma. Procuradora-Adjunta, concluindo:

1. O arguido foi condenado por sentença transitada em julgado em 23/05/2012 em pena de multa 220 dias à taxa diária de seis euros, e foi-lhe já concedida a possibilidade de prestação de trabalho a favor da comunidade em regime de suspensão da execução da pena de prisão subsidiária de 146 dias, a qual foi determinada por falta de pagamento da pena de multa por despacho de fls. 185 e ss proferido em 14-01-2013;

2. Em 19-02-2014 foi proferido o despacho de fls. 223 que, em face do incumprimento da prestação de trabalho pelo arguido determinou a revogação da suspensão da pena, despacho que transitou em julgado;

3. Está há muito ultrapassado o prazo de pagamento voluntário previsto no artigo 489.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não sendo, assim, admissível o pagamento faseado da pena de multa, neste momento processual, pelo que bem andou a Mm.ª Juiz a quo ao indeferir, através do despacho recorrido, o requerimento de fls. 242 em que o arguido requeria a possibilidade de pagar o remanescente da multa em prestações, pelo que deverá o recurso improceder.

5. Remetidos os autos à Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer junto a fls. 131 a 132 dos autos, no qual, manifestando a sua inteira concordância com a resposta apresentada em 1.ª instância, se pronunciou no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.

6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP reagiu o recorrente, reiterando os fundamentos apresentados no requerimento de interposição do recurso.

7. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

       De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente ainda que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

No caso em apreço a questão a dirimir traduz-se em saber se uma vez transitada em julgado a decisão que, a coberto do artigo 49.º, n.º 3 do C. Penal, procedeu à revogação da suspensão da prisão subsidiária poderia o julgador, no âmbito do mesmo processo e relativamente ao mesmo arguido, voltar a proferir nova decisão no sentido da suspensão da dita prisão subsidiária.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar do despacho recorrido:

«Fls. 242: O que vem requerido pelo arguido é legalmente inadmissível, atento o estado dos autos e o período de tempo já decorrido desde a data de condenação (cujo trânsito em julgado ocorreu em 23/05/2012), tendo já sido concedida ao arguido a possibilidade de prestação de trabalho a favor da comunidade em regime de suspensão da execução da pena de prisão subsidiária de 146 dias, a qual foi determinada por falta de pagamento da pena de multa.

Mostra-se, assim, há muito ultrapassado o prazo de pagamento voluntário previsto no artigo 489.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não sendo, assim, admissível o pagamento faseado da pena de multa, neste momento processual.

Por outro lado, o nosso despacho de fls. 223/224, mediante o qual se revogou a suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, determinando-se o cumprimento de 92 dias de prisão subsidiária (tendo sido descontadas as horas de trabalho prestadas pelo arguido), mostra-se, já, transitado em julgado.

Nestes termos, determina-se a emissão de mandados de detenção em conformidade com o ali decidido.

Notifique.

D.N.».

3. Apreciação

De uma análise ainda que perfunctória das conclusões resulta inequívoco pretender o recorrente contrariar a decisão na parte em que determinou a passagem de mandados de detenção para cumprimento da prisão subsidiária.

Ora, o despacho em crise surgiu como resposta ao requerimento de 18.03.2014, por si apresentado, solicitando o pagamento da quantia em dívida «em suaves prestações», não tendo tido, pois, por objeto, um eventual pedido de suspensão da execução da prisão subsidiária, como sugere o ponto 19. das conclusões.

Por outro lado, parece ignorar o recorrente o teor do despacho prolatado em 19.02.2014, o qual, em tempo oportuno, não foi objeto de impugnação, tendo, antes, transitado em julgado, formando, assim, relativamente ao respetivo objeto, caso julgado formal, não assumindo qualquer relevância a circunstância de aquando da apresentação do requerimento de 18.03.2014 ainda não ter ocorrido o respetivo trânsito, verificado em 26.03.2014 [cf. a certidão junta a fls. 10 e ss.].

Com efeito, a decisão recorrida constitui a consequência lógica daquela outra proferida em 19.02.2014, a qual, em função do incumprimento dos deveres de conteúdo não económico a que ficou subordinada a suspensão da execução da prisão subsidiária, procedeu, em conformidade com o disposto no n.º 3, do artigo 49.º do Código Penal, à sua revogação, concedendo, contudo, ao arguido a possibilidade de proceder, dentro do prazo constante da guia emitida para o efeito, ao pagamento do remanescente da pena de multa [obtido após o desconto das horas de trabalho prestadas], o que não veio a ocorrer, tendo, antes, o mesmo pretendido ver-lhe concedida a possibilidade de proceder àquele pagamento em prestações, faculdade há muito precludida [cf. a data do trânsito da condenação e o disposto no artigo 47.º, n.º 3 do C. Penal], por um lado, e, por outro lado, desprovida de fundamento, desde logo em face do teor do já citado n.º 3 do artigo 49.º, enquanto dispõe: «Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período (…), desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridas, executa-se a prisão subsidiária (…)».

Por conseguinte, no estado dos autos, a almejada audição do recorrente com vista, a coberto do n.º 3 do artigo 49.º do C. Penal, à suspensão da prisão subsidiária transparece totalmente infundada, pois que se trata de fase já ultrapassada que, no caso, atingiu o seu epílogo com a respetiva revogação, à qual, em tempo oportuno, o arguido não reagiu.

Em síntese:

a. O despacho que procede, nos termos do n.º 3 artigo 49.º do C. Penal, à revogação da suspensão da prisão subsidiária impede nova decisão, no âmbito do mesmo processo e relativamente ao mesmo arguido, tendente à suspensão da dita prisão subsidiária, tendo, antes, como efeito a execução desta;

b. Por outro lado, a impugnação do despacho que na sequência da decisão, transitada em julgado, supra identificada determina a emissão de mandados de detenção, caso não ocorra o pagamento da pena de multa correspondente, com vista ao cumprimento do remanescente da prisão subsidiária, entretanto revogada, não é suscetível de colocar em crise a anterior decisão que operou a revogação da prisão subsidiária;

c. Certo, porém, que ultrapassado o período a que se reporta o n.º 3 do artigo 47º do C. Penal, precludida se mostra a faculdade de proceder ao pagamento da pena de multa em prestações.

III. Decisão

Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar improcedente o recurso.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 [três] Ucs.

Coimbra,  20 de Maio de 2015

[Processado e revisto pela relatora]

(Maria José Nogueira - relatora)

(Isabel Valongo - adjunta)