Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
512/08.8TTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
LESÃO CORPORAL
PRESUNÇÃO
Data do Acordão: 01/09/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 6º, Nº 5 DA LEI Nº 100/97, DE 13/09 (LAT); 7º DO DL Nº 143/99, DE 30/04.
Sumário: I – Nos termos do nº 5 do artº 6º da Lei nº 100/97, de 13/09, se a lesão corporal, perturbação ou doença for reconhecida a seguir a um acidente de trabalho presume-se consequência deste.

II – Provando-se que uma sinistrada, no exercício das suas funções de cozinheira, sofreu de prolapso uterino imediatamente depois de um esforço de pegar num tacho grande cheio de carne, deve presumir-se que a lesão foi consequência do evento.

Decisão Texto Integral:    Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Em processo emergente de acidente de trabalho, a autora intentou acção contra a ré pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe: pensão anual (ou o capital de remição) calculada em função de IPP a fixar por junta médica; indemnização diferencial, tendo em conta o valor já recebido da ré, por incapacidade temporária sofrida, de acordo com os períodos e desvalorização funcional que vierem a ser fixadas em exame por junta médica; a quantia de € 32,00 a título de despesas efectuadas com deslocações obrigatórias ao tribunal e ao Gabinete Médico-Legal; juros de mora à taxa legal sobre as prestações vencidas.

Alegou para tanto, em síntese, que foi vítima de um acidente de trabalho, tendo ficado afectada com incapacidade temporária absoluta e parcial e, a final, com incapacidade permanente parcial.

A ré contestou, defendendo que não aceita a caracterização do acidente como de trabalho e o nexo de causalidade entre as lesões apresentadas pela sinistrada e o acidente em causa, sendo as lesões resultado de uma doença natural de que a autora já era portadora à data do alegado acidente, não sendo responsável pelo pagamento de quaisquer indemnizações à mesma.

Concluiu pela improcedência da acção.


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Organizou-se apenso para determinação da incapacidade, onde teve lugar exame da sinistrada por junta médica, tendo sido proferida decisão fixando em 15% o grau de IPP para o trabalho.

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Prosseguindo o processo, veio a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente.
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Inconformada, a autora interpôs a presente apelação e, nas correspondentes alegações, apresentou as seguintes conclusões:

[...]

A ré apresentou contra-alegações, pugnando pela rejeição da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e pela manutenção do julgado.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-Geral Adjunto pela improcedência da apelação.


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II- OS FACTOS:

Do despacho que decidiu a matéria de facto é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:

[...]


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III. As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objecto do recurso, não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver, no âmbito das conclusões do recurso, se podem equacionar basicamente da seguinte forma:

-apreciação de alegada nulidade da sentença;

- apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e da questão prévia sobre a sua admissibilidade;

- saber se os factos considerados provados permitem concluir pela verificação de um acidente de trabalho reparável.

1- A questão da nulidade da sentença:

A apelante alegou que se verifica contradição entre os factos provados e a fundamentação em relação á decisão, sendo desta forma a sentença nula, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil (última conclusão do recurso).

Contudo e antes de mais, cumpre referir que a arguição da nulidade da sentença deve ter lugar no requerimento de interposição do recurso da forma imposta pelo art. 77º nº 1 do Código de Processo do Trabalho – expressa e separadamente.

Ora, a arguição da nulidade não teve lugar no requerimento de interposição do recurso dessa forma.

Como se sabe, a referida norma do Cód. Proc. Trabalho encontra a sua razão de ser na circunstância das nulidades serem, em primeira linha, dirigidas à apreciação pelo juiz pelo tribunal da 1ª instância e para que o possa fazer. Radica no “princípio da economia e celeridade processuais para permitir ao tribunal que proferiu a decisão a possibilidade de suprir a arguida nulidade” (v., por todos, Ac. Relação do Porto e 20-2-2006, in www.dgsi.pt. proc. n° 0515705 e jurisprudência ali citada).

O Ac. do Tribunal Constitucional n° 304/2005, DR, II Série de 05.08.2005 confirma esta doutrina: em processo do trabalho, o requerimento de interposição de recurso e a motivação deste, no caso de arguição de nulidades da sentença, deve ter duas partes, a primeira dirigida ao juiz da 1ª instância contendo essa arguição e a segunda (motivação do recurso) dirigida aos juízes do tribunal para o qual se recorre.

Por conseguinte, uma vez que o procedimento utilizado pela apelante, para a arguição da nulidade da sentença, não está de acordo com o legalmente exigido em processo de trabalho, não se devendo dela conhecer uma vez que, não tendo sido dado cumprimento ao estabelecido no art. 77º, nº 1, do CPT, a sua arguição é extemporânea.

Em todo o caso, diga-se que a alínea c) do artigo 668.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, reporta-se à situação em que os fundamentos estejam em oposição com a decisão.

Mas o que a autora parece querer alegar é que os factos considerados provados deveriam conduzir a outra decisão que não a tomada. Ora, essa é outra questão. Questão que se reporta a erros ocorrido na subsunção dos factos às normas jurídicas pertinentes. Tais situações reportam-se a erros de julgamento e não a nulidades (v. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª ed., pag. 53 e 54).

Por isso, improcede o recurso nesta parte.

2- Quanto à impugnação de facto:

Na impugnação da decisão proferida pela matéria de facto, sob pena da sua rejeição, incumbe ao recorrente cumprir o ónus previsto no artigo 685.º-B, n.º 1, al. a), do CPC, indicando quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados.

Ora, tal como a apelada sustentou nas contra-alegações do recurso, a apelante não indica expressamente por referência à Base Instrutória ou mesmo à decisão sobre a matéria de facto qual o quesito que entende incorrectamente respondido.

Contudo, só por um excessivo rigorismo podemos retirar dessa omissão a consequência da rejeição da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Percorridas as alegações e as conclusões do recurso, podemos extrair a segura indicação que o concreto ponto de facto que a autora considera incorrectamente julgado é o que se reporta ao quesito 1.º da Base Instrutória que se reporta ao nexo de causalidade entre o gesto da autora que se traduziu em pegar “num tacho grande cheio de carne” e o prolapso uterino verificado.

Tal quesito tem a seguinte redacção: “Como consequência directa e necessária do gesto mencionado em B), a A. sofreu um prolapso uterino ?”. Sendo que a referida alínea B) dos Factos Assentes tem a seguinte redacção, por sua vez: “A dada altura, quando pegava num tacho grande cheio de carne que se encontrava em cima do fogão para o colocar em cima da bancada, a A. sentiu de imediato uma fina dor no baixo-ventre e, bem assim, “qualquer coisa” a sair da vagina”.

Observada, pois, a impugnação da autora, não obstante as suas deficiências, entendemos que a matéria em causa poderá ser apreciada, por ser compreensível o seu objecto. A impugnação não será, por isso, de rejeitar.

Antes de analisar o detalhe das alegações, cumpre referir desde já que, como tem entendido a nossa jurisprudência, maioritariamente, só quando os elementos dos autos conduzam inequivocamente a uma resposta diversa da dada em 1.ª instância é que deve o tribunal superior alterar as respostas que ali foram dadas, situação em que estaremos perante erro de julgamento, que não ocorrerá perante elementos de prova contraditórios, caso em que deverá prevalecer a resposta dada em 1.ª instância, no domínio da convicção que formou com fundamento no princípio da sua livre convicção e liberdade de julgamento.

Vejamos, então:

Na audiência de julgamento, foi ouvido em primeiro lugar, como testemunha, o médico F..., com a especialidade de ortopedia, que presta serviços para a ré seguradora e que avaliou a situação da autora para a mesma ré, tendo ele afirmado que observou a mesma. Declarou excluir completamente a existência de nexo de causalidade entre o esforço laboral da autora e o prolapso uterino. Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o Sr. Juiz referiu não atribuir credibilidade a esta testemunha, dado que a sua especialidade não é da especialidade de ginecologia/obstetrícia e porque o seu depoimento não revelou isenção necessária. Ouvido este depoimento, podemos concordar com o juízo expresso pelo Sr. Juiz a quo.

Foi ouvido também, como perito, o médico D... que subscreveu o relatório do exame médico-legal na fase conciliatória dos autos e no qual afirmou ser de admitir o nexo causal. Nos esclarecimentos que prestou, o mesmo indicou que se baseou nas informações clínicas e nas queixas apresentadas pela autora. Declarou que, na sua opinião, um prolapso uterino pode ser causado, em grande parte, por um esforço, sendo que de acordo com a informação clínica que consultou a autora não apresentava anteriormente qualquer sintoma da sua existência.

Finalmente, foi ouvido como testemunha o médico E..., médico da especialidade de ginecologia e obstetrícia, que declarou acompanhar, nessa qualidade, a autora desde há muitos anos, talvez desde há vinte anos. Declarou que na última consulta do acidente (há menos de um ano), a mesma não apresentava quaisquer vestígios da existência de um prolapso uterino, sendo que tal (em qualquer grau) é facilmente detectável em exame médico. Considerou que é possível que um esforço seja apto a causar tal efeito.

O Sr. juiz a quo, na fundamentação da sua decisão, considerou o seu depoimento credível, mas considerou que o mesmo apenas admitiu que o esforço laboral da autora possa ter causado o prolapso, não podendo garantir a certeza dessa ocorrência causal, e, por isso, não se poderia considerar como provado que o mesmo prolapso tenha sido consequência imediata e necessária do pegar do tacho de carne.

Este juízo parece-nos adequado e não envolver qualquer erro de julgamento.

Tanto mais que, para além destes elementos, podemos observar que a junta médica reunida para avaliar do grau de incapacidade da autora, negou, por unanimidade, em resposta a quesito apresentado, a existência do dito nexo causal.
Assim, os elementos de prova, levam-nos a concluir que aqui não houve erro de julgamento, proferindo o Sr. Juiz a decisão no âmbito da sua livre convicção apoiada nos elementos com que foi confrontado.
Assim, nada nos cumpre alterar quanto à decisão sobre a matéria de facto, improcedendo a impugnação da autora.

3- Quanto à identificação de um acidente de trabalho:

Não estando provado o nexo de causalidade em questão, interessa, todavia, analisar se a pretensão reparatória da autora pode proceder, tratando-se de matéria relativa a direitos indisponíveis e, portanto, no quadro do conhecimento oficioso.

Vejamos:

O art. 6.º, n.º 1 da Lei n.º 100/97, de 13.09, (LAT), aplicável ao caso dos autos, contém a definição genérica de acidente de trabalho, dispondo que “ é acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo do trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte ”.

Ou seja, como tem apontado a nossa jurisprudência, para que se reconheça um acidente de trabalho importa verificar (a) um elemento espacial, em regra, o local de trabalho, (b) um elemento temporal, em regra, correspondente ao tempo de trabalho e (c) um elemento causal, ou seja, o nexo de causa e efeito entre, por um lado, o evento e a lesão, perturbação funcional ou doença e, por outro lado, entre estas situações e a redução da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
A provar-se um evento danoso que determinasse para a autora as lesões e sequelas registadas nos autos, a qualificação de acidente de trabalho não mereceria dúvidas.
A dificuldade está apenas em que se não provou nexo causal entre o evento danoso susceptível de ter causado tais lesões e sequelas.

Na verdade, apenas se provou que (facto 1. e 2.), que quando pegava num tacho grande cheio de carne que se encontrava em cima do fogão para o colocar em cima da bancada, a autora sentiu de imediato uma fina dor no baixo-ventre e, bem assim, “qualquer coisa” a sair da vagina, tratando-se de um prolapso uterino, que se consolidou em 29/5/2008, sendo que a autora, em consequência directa e necessária do prolapso uterino, apresenta, como sequela, histerectomia total, com uma Incapacidade Permanente Parcial de 15 %.
Ora, como já dissemos, o acidente de trabalho pressupõe a ocorrência de um evento e a verificação de uma cadeia de factos interligados por um nexo causal. A lesão corporal, perturbação funcional ou doença hão-de resultar desse evento; e a redução da capacidade de trabalho devem ser causadas pela lesão corporal, perturbação funcional ou doença.
Danos que têm que ter origem num evento exterior e súbito (v. Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª ed., pags. 35 e segs.).
Os factos que tão só foram provados dificultam-nos, assim, a tarefa de apurar de ocorreu um acidente de trabalho. Sendo certo que os requisitos de um acidente de trabalho hão-de ser provados, em regra, por quem reclama a sua reparação, por se tratarem de factos constitutivos do direito (art. 342.º, n.º 1 do Código Civil).
Mas será que se pode presumir a existência do nexo causal referido?
Perante a indefinição da situação de facto, a sentença da 1ª instância recusou a aplicação da presunção do n.º 5 do art.º 6.º da LAT que dispõe: “se a lesão, perturbação ou doença for reconhecida a seguir a um acidente presume-se consequência deste”. Bem como na estatuída no art. 7.º do DL n.º 143/99, de 30/4 (que aprovou o Regulamento da LAT) que dispõe que “a lesão constatada no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 6.º da lei presume-se, até prova em contrário, consequência de acidente de trabalho”.
Estará correcta esta posição?
O tema tem merecido controvérsia, sendo que, de algum modo e por exemplo, jurisprudência como a seguida pelo Acórdão desta Relação de 13-11-2007, in CJ, T. V, pág. 56, dá cobertura à posição do apelante.
No entanto, o Supremo Tribunal de Justiça firmou jurisprudência sobre a matéria (v. Acs. de 19-11-2008, 14-4-2010, in www.dgsi.pt, proc. nº 08S2466 e 459/05.0TTVCT.S1, respectivamente e entre outros) de acordo com a qual o sentido útil da presunção estabelecida no referido n.º 5 do art. 6.º da LAT é apenas o de libertar o sinistrado ou os seus beneficiários da prova do nexo de causalidade entre o evento (acidente) e as lesões, não os libertando do ónus de provar a verificação do próprio evento (acidente) causador das lesões. E tomando posição quanto à controvérsia de saber se o n.º 1 do art. 7.º do RLAT se limita a concretizar a presunção daquele n.º 5 ou se cria ele próprio uma distinta presunção, com alcance diverso e mais extenso.
Da controvérsia apontada, aliás, se deu nota na sentença recorrida.
Na verdade, uma corrente jurisprudencial tem defendido que o n.º 1 do art. 7.º vai mais longe, fazendo presumir a verificação do próprio acidente de trabalho quando a lesão é observada no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no n.º 2 do art. 6.º da LAT (p. ex., o Ac. do STJ de 28.01.2004, in www.dgsi.pt, proc. nº 03S3405; de salientar que essa orientação era apoiada por Vítor Ribeiro, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 1994, pág. 74, face à disposição do nº 1 do art. 12º do DL n.º 360/71).
O STJ (v. Acs. citados) passou a sustentar a posição segundo a qual, como a LAT só estabelece, no seu art. 6.° n.º 5, uma presunção de existência de nexo causal entre a lesão, perturbação ou doença e o acidente, o RLAT só podia - como será de entender que o fez em melhor interpretação - regulamentar essa presunção concreta e não inovar, acrescentando outra. Sob pena de se concluir que o DL n.º 143/99 (RLAT), ao alargar o âmbito das presunções legais estabelecidas pela Lei regulamentada, não se lhe subordinou como lhe imporia o art. 112.° n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
Independentemente das dúvidas que nos merecem os argumentos constitucionais de subordinação paramétrica do decreto-lei de desenvolvimento à lei regulamentada, na medida em que não se trata de matéria legislativa de competência reservada da Assembleia da República e uma nova presunção estabelecida por decreto-lei não colidiria frontalmente com a estatuída pela LAT (apenas a alargaria), ponderada a posição do nosso mais alto tribunal não podemos deixar de concordar, como já temos assinalado, que, na dúvida de interpretação, deve considerar-se que o RLAT nada mais fez do que explicitar o real conteúdo que resulta do art. 6.º n.º 5 da LAT. Na verdade essa dúvida de interpretação apenas nasce de uma expressão equívoca do RLAT (n.º 1 do art. 7.º), ao mencionar que a lesão se presume consequência de acidente de trabalho, em lugar da mais precisa formulação da LAT que se refere a um acidente de trabalho concreto. Se em lugar do “de” estivesse “do”, a controvérsia nunca teria tido lugar. Ora, os elementos apontados devem levar-nos a interpretar aquela norma como se ali estivesse “do acidente de trabalho” em lugar “de acidente de trabalho”.
Todavia, a nosso ver, o evento exterior, súbito e danoso (a situação geradora de danos) está provado.

Ou seja, está provado que a autora quando pegava num tacho grande de carne sentiu de imediato uma fina dor no baixo-ventre e, bem assim, “qualquer coisa” a sair da vagina. Nessa altura sofreu, portanto, o prolapso uterino que lhe determinou uma  IPP de 15 %.
Assim sendo, entendemos que a autora beneficia da presunção de causalidade em questão. Na verdade, o esforço que necessariamente a autora produziu ao pegar no dito tacho, seguido da dor, pode ser entendido como um evento súbito e danoso.
Essa presunção não foi ilidida pela ré, na medida em que se não provou que fosse devida a doença natural ou que já sofresse antes dessa patologia (v. resposta negativa ao quesito 7.º).
Daí que entendamos que o referido prolapso uterino seja de presumir como consequência do evento alegado pela autora.
E, assim sendo, verificamos a existência de um acidente de trabalho susceptível de reparação nas suas consequências.
Importa determinar as prestações a que a autora tem direito.

A autora reclamou, como vimos, pensão anual (ou o capital de remição) calculada em função de IPP a fixar por junta médica.

A IPP fixada foi de 15%, como já se disse. Nos termos do disposto no art. 17.º n.º 1 al. d) a sinistrada autora tem direito ao capital da remição de uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho. Assim, tendo em conta a retribuição anual da autora de € 700,00 x 14 meses (“transferida” para a ré seguradora – v. facto 4.), tem a autora direito ao capital da remição da pensão anual de € 1029,00.

Reclamou também a autora o pagamento pela ré, no que toca a incapacidades temporárias e tendo em conta o valor já recebido da ré, da diferença entre o valor que esta lhe pagou e o devido.

Sucede que se provou que a autora esteve apenas em situação de ITA até 29.05.2008, tendo a ré pago a indemnização correspondente (v. factos 3. e 4.). Não se provou que a autora tenha estado na situação de ITP como alegou de 30.05.2008 a 30-06-2008.

Pelo que não tem direito a qualquer quantia relativa à diferença reclamada.

Não tem direito também, por seu lado, às reclamadas despesas de transporte, uma vez que se não provaram (v. resposta negativa ao quesito 6.º).

Por tudo isto, terá a apelação de proceder e conformidade.


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Sumário (a que alude o artigo 713º nº 7 do C.P.C.):

- Nos termos do n.º 5 do art. 6.º da Lei n.º 100/97, de 13/9, se a lesão corporal, perturbação ou doença for reconhecida a seguir a um acidente de trabalho presume-se consequência deste;

- Provando-se que uma sinistrada, no exercício das suas funções de cozinheira, sofreu de prolapso uterino imediatamente depois de um esforço de pegar num tacho grande cheio de carne, deve presumir-se que a lesão foi consequência do evento.


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IV- DECISÃO

Em conformidade com o exposto, delibera-se julgar procedente a apelação, condenando-se a ré B...Seguros, SA a pagar à autora o capital da remição correspondente à pensão anual de € 1.029,00 (mil e vinte e nove euros), com juros de mora, à taxa legal, a incidir sobre os montantes (vencidos) da pensão a remir até à data designada para entrega do capital da remição, com efectivo pagamento, ou desde a mesma data sobre o capital em causa, caso o pagamento não seja efectuado e até que o seja.

Custas na acção e no recurso pela seguradora, sendo o valor da acção o resultante do legal regime.


Luís Azevedo Mendes (Relator)

Felizardo Paiva

Manuela Fialho