Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
190/10.4GAVFR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULO MOTORIZADO
CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 06/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL DE OVAR - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 69º, DO C. PENAL
Sumário: O facto de no n.º 2, do art.º 69º, do Código Penal, se afirmar que “a proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão…” não implica necessariamente o início do cumprimento da pena acessória com o trânsito em julgado da decisão.
Só assim sucederá se o título de condução se encontrar já apreendido à ordem do processo (n.º 3, do mesmo artigo), caso em que não faria sentido protelar, para além desse momento, o início do cumprimento da pena.
E, se porventura a carta de condução se encontrar apreendida à ordem de outro processo em que o condenado cumpra outra pena acessória de proibição de condução, esse documento não lhe é restituído findo o cumprimento da pena, antes transitando para o processo em que deverá cumprir nova pena.
Com efeito, se ao condenado tiverem sido impostas várias penas de proibição de conduzir veículos com motor, o respectivo cumprimento é integral para cada uma delas e deve fazer-se sucessivamente, uma vez que a lei não contempla o cúmulo jurídico de penas acessórias.
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO:

Nestes autos de processo comum que correram termos pelo Juízo de Instância Criminal de Ovar (Juiz 2), Comarca do Baixo Vouga, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência, foi proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos:
(…)
Pelo exposto julgo a acusação procedente por provada e em consequência decido:
I - Condenar o arguido RM..., pela prática, como autor material de um crime de violação de proibições ou interdições p. e p. pelo artigo 353º, do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão, suspensa por um ano sujeita à obrigação de o arguido durante esse período entregar a Santa Casa da Misericórdia de Ovar a quantia de € 1.000,00 (mil euros).
(…)

Inconformado, o arguido interpôs recurso, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões:
a) O tribunal “a quo” violou o princípio in dubio pro reo, enquanto princípio respeitante à matéria de facto, fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova;
b) Foi violado o disposto no nº 2 do art. 374º do CPP, por existir manifesta contradição entre os factos dados como provados e a motivação, para além de deficiente exame crítico das provas operado em primeira instância, manifestado através de erro notório na apreciação da prova;
c) Parece resultar evidente da acusação pública que o arguido veio acusado pela prática do aludido crime por, alegadamente, saber que se encontrava inibido de conduzir desde o dia 18 de Janeiro de 2010 e pelo período de 12 meses por força da sentença proferida nos autos de processo sumário nº 537/08.3PAESP, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Espinho e que tal facto não o impediu de conduzir nas aludidas circunstâncias de tempo e lugar referidos na acusação;
d) Tal matéria não ficou demonstrada em audiência de julgamento (vide factos provados sob os nºs 5, 6 e 7 da decisão recorrida), sendo certo que, se alguma coisa ficou demonstrada foi que o recorrente desconhecia relativamente a que processo é que (pretensamente) estaria inibido de conduzir;
e) Isto é, se alguma coisa se demonstrou em audiência de julgamento foi que o recorrente desconhecia, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na acusação, que se encontrava inibido de conduzir em violação da sanção acessória determinada, em 05/02/2010, nos autos de processo sumário nº 537/08.3PAESP, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Espinho desde o dia 18 de Janeiro de 2010 – Facto este de que foi acusado;
f) Sendo irrelevante a existência ou o conhecimento da existência de outras proibições de condução de veículos automóveis até porque, como resulta da lei, a execução das penas não é nem automática nem de iniciativa oficiosa do tribunal dado que nos termos do artigo 469º do CPP «compete ao Ministério Público promover a execução das penas ou das medidas de segurança».
g) Como demonstram os autos, a única (proibição de condução) que se encontrava em execução (conforme documento dos autos) era a que resultava do processo sumário nº 537/08.3PAESP, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal judicial de Espinho;
h) Contudo, não tendo sido notificado e, da mesma forma, não se encontrando transitado em julgado o despacho de 05/02/2010 que, no referido processo sumário nº 537/08.3PAESP determinou o período da proibição entre 18/01/2010 e 18/01/2011 no momento em que o arguido foi encontrado a conduzir (04/03/2010), tal decisão (imposição ou proibição) não era ainda exequível;
i) Sem pretender sacrificar a uma rigorosa hierarquização lógica das questões, resulta ser evidente um dos mais graves e comprometedores vícios de natureza processual e, por via disso, se reclama a sua urgente e inequívoca intervenção correctiva por parte deste tribunal;
j) Do que se expõe, verifica-se que estamos perante clara e chocante violação de lei que não permite valorar qualquer prova, desde logo, da própria lei constitucional (art. 32º, nº 2, da CRP), marco irredutível do processo penal de estrutura acusatória e, para além disso, o santo e a senha do processo penal dignos de um Estado de Direito e, mesmo, do legado civilizacional de que nos reivindicamos e orgulhamos;
k) A decisão ora recorrida violou o aludido princípio do “in dubio pro reo” porquanto, se o tribunal a quo tivesse procedido conforme a lei e o direito, teria, obrigatoriamente de absolver o recorrente, absolvição essa que se impõe no caso concreto;
l) A fundamentação é, em regra, o “sismógrafo” do bom ou mau julgamento da matéria de facto e, com o natural sentimento de respeito por opinião contrária, a decisão recorrida padece de muitos defeitos a este nível, não tendo o tribunal a quo andado bem nesta matéria;
m) É verdade que a apreciação da prova, sem prejuízo da prova vinculada, é livre – art. 127º, do CPP – porém não configura qualquer acto de fé ou de mero exercício de íntima convicção;
n) A matéria de facto dada como provada contém, em si mesma, insuficiências e contradições, constando dos presentes autos todos os elementos de prova que serviram de base à fixação da matéria de facto provada e não provada;
o) Porém, verifica-se que quanto a determinados pontos da matéria de facto julgados pelo tribunal a quo como matéria de facto provada na decisão recorrida, os mesmos elementos de prova impõem decisão diversa insusceptível de ser destruída por outras provas, pelo que se verifica o circunstancialismo previsto no art. 431º do CPP;
p) Não poderá, em sã consciência, do confronto entre a matéria provada em 5, 6 e 7, resultar também como provado a matéria em 3 e 4 daquela e no que diz respeito ao crime pelo qual o recorrente foi condenado, atento que nada poderá ser presumido do que não resulta provado;
q) A compatibilidade entre os aludidos factos da matéria de facto não é clara com a certeza que tem de ser encontrada na prova e determinação de um elemento central do tipo legal em causa;
r) Esta incompatibilidade intrínseca na lógica das correspondências e correlações factuais constitui, por um lado, insuficiência de factos para determinar a verificação dos requisitos legais para a existência do tipo legal de crime em causa e, por outro, revela um manifesto erro na apreciação da prova por parte do tribunal a quo;
s) A matéria considerada como provada em 3 e 4 da decisão recorrida deverá ser julgada como não provada, olhando aos documentos dos autos, nomeadamente de fls. 74, 75, 104 a 107 e certidão de fls. 123 a 127, assim como aos depoimentos das testemunhas TM... e BM..., ambos soldados da GNR, cujo depoimento se encontra registado digitalmente no sistema informático disponível no tribunal a quo conforme indicação na acta da audiência de julgamento de 02/11/2010;
t) O art. 32º, nº 2, da CRP impõe que o julgador valore a favor do recorrente um “non liquet” na decisão dos factos incertos;
u) E, ainda, que em processo penal não seja admitida a inversão do ónus da prova, a sua violação pode e deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova pelo que, ao existir, como existiu tal vício, resulta uma clara violação daquele princípio;
v) Todo o campo de possibilidade de recurso em matéria de facto não se limita aos vícios do nº 2 do art. 410º do CPP;
W) Estão neste âmbito todos os casos de erro, não notório, na apreciação da prova de que o tribunal ad quem se aperceba na reanálise dos pontos de facto apreciados e permitidos pelo recurso em matéria de facto;
x) Igualmente estão em causa os erros de julgamento, nos quais se incluem os erros na apreciação das declarações orais prestadas em audiência e devidamente documentadas e a não ponderação ou errada ponderação de qualquer prova que, não sendo notórios, impõem uma diversa ponderação;
y) Assim como o uso inadequado de presunções naturais, conhecimentos científicos, regras de experiência comum ou simples lógica;
z) O “erro notório na apreciação da prova” a que se reporta a alínea c) do art. 410º do CPP traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo;
aa) O “erro notório” consiste também num desacerto do raciocínio na apreciação das provas que ressalta de imediato patenteado numa simples leitura da decisão recorrida uma vez que as provas anunciam claramente um sentido e a decisão recorrida conclui em sentido contrário, o que aconteceu no caso dos autos;
bb) De facto, perante a prova testemunhal documental produzida em audiência de julgamento, é patente o erro do tribunal a quo para fundamentar a condenação do recorrente pelo crime em causa, por ser manifesta a falta de idoneidade dos aludidos meios probatórios para a suportar;
cc) O recorrente não cometeu o crime de que foi acusado pelo que se impõe a sua absolvição;
dd) Por isso e por tudo quanto antecede, sem prejuízo de tudo quanto doutamente e a favor do recorrente venha a ser tido em consideração (…) deverá ser concedido provimento ao recurso, deferindo-se a pretensão exposta.

O M.P. respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer sufragando a posição assumida pelo M.P. em 1ª instância pronunciando-se pela negação de provimento.
O recorrente respondeu, mantendo a posição antes assumida.
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões:
- Violação do princípio in dubio pro reo;
- Contradição entre os factos dados como provados e a motivação;
- Erro notório na apreciação da prova;
- Violação do princípio da livre convicção.

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II - FUNDAMENTAÇÃO:

Na sentença recorrida tiveram-se como provados os seguintes factos:
1- Por sentença proferida no Processo Sumário n.º 537/08.3PAESP do 2º Juízo do Tribunal de Espinho a 13 de Maio de 2008, devidamente transitada em julgado, o arguido, foi condenado pela prática de um crime condução de veículo em estado de embriaguez e consequentemente, na sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 12 meses.
3- A carta encontra-se apreendida à ordem desse processo desde o dia 18 de Janeiro de 2010.
2-O arguido, no dia 4 de Março de 2010, cerca das 22 horas, conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula …1 na Av. 29 de Março em Esmoriz, Ovar.
3-O arguido sabia que ao conduzir aquele veículo nas sobreditas circunstâncias, violava, como foi sua intenção, a proibição de conduzir veículos motorizados na via pública em que fora condenado por sentença transitada em julgado, a qual lhe foi pessoalmente comunicada.
4 - Determinou-se livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que praticava factos ilícitos e criminalmente puníveis.
5 - A carta do arguido foi remetida do processo nº 368/06.5GTAVR, do 1º Juízo de Espinho, onde o arguido se encontrava a cumprir a sanção acessória de inibição de conduzir veículos a motor pelo período de seis meses pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, para o Processo Sumário n.º 537/08.3PAESP do 2º Juízo do Tribunal de Espinho
6 - O despacho que ordenou a remessa da carta de o processo nº 368/06.5 GTAVR, para o no Processo sumário n.º 537/08.3PAESP do 2º Juízo do Tribunal de Espinho, não foi notificado ao arguido.
7 - O arguido foi notificado em 15/03/2010 do despacho proferido em 3/02/2010, no processo nº 537/08.3PAESP, do 2º Juízo do Tribunal de Espinho, que ordenou que a carta se mantivesse apreendida à ordem do processo até 18 de Janeiro de 2011.
8 - O arguido é solteiro.
9 - O arguido é mecânico, mas está desempregado, trabalhando esporadicamente, retirando em média a quantia de € 400,00 e € 500,00.
10 - O arguido vive em casa arrendada e paga de renda a quantia de € 360,00.
11 - A companheira está desempregada.
12 - O arguido tem o 6º ano de escolaridade.
13 - No processo nº 112/05.4 PWPRT, do 2º Juízo, do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, por factos praticados em 06/03/2005, o arguido foi condenado por sentença proferida em 07/03/2005 pela prática de um crime de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º e 69º, do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 5,00.
14 - No processo nº 830/05.7 PAESP, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Espinho, por factos praticados em 23/08/2005, o arguido foi condenado por sentença proferida em 11/10/2005, pela prática de um crime de desobediência p. e p. pelo artigo 348º, nº 2, do Código Penal e 153º, do Código da Estrada na pena de 130 dias de multa, à taxa diária de € 3,00.
15 - No processo nº 368/06.5 GTAVR, do 1º Juízo, do Tribunal Judicial da Comarca de Espinho, por factos praticados em 11/08/2006, o arguido foi condenado por sentença proferida em 28/11/2006 pela prática de um crime de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º e 69º, do Código Penal, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 4,00.
16 - No processo nº 371/07.8 PTPRT, do 3º Juízo, do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, por factos praticados em 25/03/2007, o arguido foi condenado por sentença proferida em 12/04/2007 pela prática de um crime de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º e 69º, do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 e na inibição de conduzir pelo período de 6 meses.
17 - No processo nº 537/08.3 PAESP, do 2º Juízo, do Tribunal Judicial da Comarca de Espinho, por factos praticados em 03/05/2008, o arguido foi condenado por sentença proferida em 13/05/2008 pela prática de um crime de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º e 69º, do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão suspensa por 1 ano e na sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 12 meses.
18 - No processo nº 805/08.4 PAESP, do 2º Juízo, do Tribunal Judicial da Comarca de Espinho, por factos praticados em 05/07/2008, o arguido foi condenado por sentença proferida em 14/07/2008 pela prática de um crime de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º e 69º, do Código Penal e um crime de violação de proibições p. e p. pelo artigo 353º, do Código Penal, na pena de 12 meses de prisão suspensa por 1 ano.
19 - No processo nº 1370/08.8 PAESP, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Espinho, por factos praticados em 11/11/2008, o arguido foi condenado por sentença proferida em 21/11/2008, pela prática de um crime de desobediência p. e p. pelo artigo 348º, nº 2, do Código Penal na pena de 1 ano e 2 meses suspensa por igual período sujeita à condição de o arguido comprovar nos autos que regularizou o registo automóvel do veículo e procedeu ao seu abate.

A convicção do tribunal recorrido quanto à matéria de facto foi fundamentada nos seguintes termos:
O tribunal formou a sua convicção com base na confissão parcial do arguido que admitiu que nesse dia conduziu esse veículo, em conjunto com sentença junta aos autos a folhas 33 a 38, que foi devidamente analisada em audiência de julgamento onde consta a condenação do arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos pelo período de 12 meses e a sua notificação pessoal ao arguido.
Quanto ao facto de a carta de condução se encontrar desde o dia 18 de Janeiro de 2010, junta ao processo para ser cumprida a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 12 meses, o tribunal teve em conta a certidão junta aos autos a folhas 32.
Em relação ao elemento subjectivo o arguido retira-o da conjugação dos factos provados com a conjugação das regras de experiência comum, pois o arguido foi notificado pessoalmente da sentença e sabia que após o trânsito desta não podia conduzir durante o período de 12 meses e que tinha que entregar a carta à ordem desse processo.
Ora o arguido não tinha a carta e não a entregou, porque esta se encontrava apreendida à ordem do processo nº 368/06.5GTAVR, do 1º Juízo do Tribunal de Espinho, para cumprir a respectiva sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de seis meses (cfr. documentos juntos aos autos pelo arguido a folhas 104 a 107 e certidão de folhas 123 a 127).
O arguido, sabia como qualquer cidadão médio sabe, que ao não ter a carta, porque estava apreendida à ordem de um processo, não podia conduzir o veículo.
O que se admite que o arguido podia não saber em 4 de Março de 2010, á à ordem de que processo é que se encontrava apreendida a carta, uma vez que o despacho proferido no processo nº nº 368/06.5GTAVR, do 1º Juízo do Tribunal de Espinho, que ordenou a remessa da carta para o processo nº 537/08.3 PAESP, do 2º Juízo de Espinho, não foi notificado ao arguido (cfr. consta da cópia da certidão junta aos autos a folhas 104).
O arguido foi notificado a 15/03/2010 do despacho proferido em 03/02/2010, no processo nº 537/08.3 PAESP, de que a carta se encontrava apreendida à ordem desses autos até ao dia 18 de Janeiro de 2010 (vide cópia da certidão junta aos autos a folhas 74 e 75).
Aliás os soldados da G.N.R., TM... e BM... que fiscalizaram o arguido no dia 4 de Março, foram peremptórios em referirem ao tribunal que o arguido não tinha a carta de condução e que este referiu que sabia que não podia conduzir, mas não sabia dizer era à ordem de que processo a carta estava apreendida, pois teria vários processos e ela estaria apreendida num por causa de uma multa de álcool.
Pelo que face à conjugação de todos estes elementos o tribunal deu como provado o elemento subjectivo, pois o arguido tinha plena consciência de que não podia conduzir o veículo automóvel e por esse motivo é que não tinha a carta.
Na situação sócio-económica e profissional do arguido atendeu-se as suas declarações, que nesta parte foram credíveis.
Nos antecedentes criminais teve-se em conta o certificado de registo criminal de folhas 83 a 89.

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Está em causa, nos presentes autos, o funcionamento do dispositivo relativo ao controle do cumprimento da sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor.
Como é sabido, às penas acessórias é assinalado um carácter de reforço da pena principal, visando a sua aplicação a diversificação e reforço do conteúdo sancionatório da condenação penal - Cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 181..
A pena acessória actualmente prevista no art. 69º do Código Penal, inexistente na versão original do Código, veio a ser introduzida fruto de necessidades político-criminais ditadas pela elevada sinistralidade rodoviária e apresenta-se indissociavelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente, assinalando-se-lhe ainda efeitos gerais de intimidação, legítimos, porque a considerar dentro do limite da culpa - idem, pág. 165.. Esta sanção acessória apresenta-se, assim, como uma verdadeira pena, com uma moldura penal específica, carecida de concretização casuística.
Estipula o nº 2 do art. 69º do Código Penal que “a proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria”. O nº 3 estatui que “no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo”. Por seu turno, o nº 4 do mesmo artigo dispõe que “a secretaria do tribunal comunica a proibição de conduzir à Direcção-Geral de Viação no prazo de 20 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, bem como participa ao Ministério Público as situações de incumprimento do disposto no número anterior”.
Estas normas são concordantes, aliás, com o disposto no art. 500º do Código de Processo Penal que, regulando a execução desta pena acessória dispõe nos seguintes termos:
“1 - A decisão que decretar a proibição de conduzir veículos motorizados é comunicada à Direcção-Geral de Viação.
2 - No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que a remete àquela, a licença de condução, se a mesma não se encontrar já apreendida no processo.
3 - Se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo com o disposto no número anterior, o tribunal ordena a apreensão da licença de condução.
4 - A licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição. Decorrido esse período a licença é devolvida ao titular.
5 - O disposto nos n.os 2 e 3 é aplicável à licença de condução emitida em país estrangeiro.
6 - No caso previsto no número anterior, a secretaria do tribunal envia a licença à Direcção-Geral de Viação, a fim de nela ser anotada a proibição. Se não for viável a apreensão, a secretaria, por intermédio da Direcção-Geral de Viação, comunica a decisão ao organismo competente do país que tiver emitido a licença.”

A análise conjugada destas disposições legais impõe a constatação de que o facto de no nº 2 do art. 69º do Código Penal se afirmar que “a proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão…” não implica necessariamente o início do cumprimento da pena acessória com o trânsito em julgado da decisão. Só assim sucederá se o título de condução se encontrar já apreendido à ordem do processo (nº 3 do mesmo artigo), caso em que não faria sentido protelar para além desse momento o início do cumprimento da pena. Em todos os demais casos, o cumprimento da pena acessória inicia-se com a entrega da licença de condução na secretaria judicial ou em posto policial, ou com a sua apreensão. E é assim porque o cumprimento daquela sanção pressupõe, sob pena de ineficácia por impossibilidade de fiscalização, o desapossamento do título que habilita ao exercício da condução de veículos com motor.
A referência ao trânsito em julgado da decisão como momento determinante para o início da pena acessória, constante do nº 2 do art. 69º do Código Penal, significa apenas e tão-só que antes desse momento não pode ter início o cumprimento da sanção, ainda que o título de condução esteja apreendido e, portanto, o período anterior a esse momento em que porventura o título tenha estado apreendido não contará para o cumprimento da pena acessória, assim como o condenado não poderá ser sancionado pelo exercício da condução antes do trânsito em julgado da sentença.
Não obstante, encontrando-se apreendido o título que habilita ao exercício da condução, o que determina o início do cumprimento da pena acessória é, como já se referiu e uma vez mais se repete, o trânsito em julgado da sentença condenatória, não se exigindo qualquer notificação adicional. Se porventura a carta de condução se encontrar apreendida à ordem de outro processo em que o condenado cumpra outra pena acessória de proibição de condução, esse documento não lhe é restituído findo o cumprimento da pena, antes transitando para o processo em que deverá cumprir nova pena. Com efeito, se ao condenado tiverem sido impostas várias penas de proibição de conduzir veículos com motor, o respectivo cumprimento é integral para cada uma delas e deve fazer-se sucessivamente, uma vez que a lei não contempla o cúmulo jurídico de sanções acessórias (art. 77º, nº 4, do Código Penal) - Cfr. o Ac. da Relação do Porto, de 11/10/2006, in CJ, ano XXXI, tomo 4, pág. 202..
No caso vertente, a carta de condução do arguido esteve apreendida à ordem do processo nº 368/06.5GTAVR, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Espinho e foi remetida ao proc. nº 537/08.3PAESP após o termo do cumprimento da sanção acessória que o arguido cumpriu naquele outro processo. Essa remessa ocorreu no momento em que findou o cumprimento daquela pena anterior (cfr. fls. 73 a 75) e destinou-se a assegurar o cumprimento da pena subsequente, em processo cuja condenação tinha já transitado em julgado.
A notificação a que o recorrente alude, que apenas lhe foi efectuada em 15/03/2010, não contende, pelas razões já expostas, com o cumprimento subsequente da pena acessória que lhe faltava cumprir, tendo função meramente informativa relativamente ao termo do cumprimento da sanção, em 18 de Janeiro de 2011 e ao destino ulterior da carta, que seria a remessa ao Governo Civil do Porto, para efeitos do disposto no art. 173º do Código da Estrada.
De resto, se há aspecto que resulta inequivocamente da sentença recorrida é que o ora recorrente, no momento em que foi surpreendido a conduzir, em 4 de Março de 2010, sem ser portador de título que o habilitasse a conduzir, tinha uma certeza: a de que conduzia encontrando-se proibido de o fazer. Independentemente de não haver que proceder aqui ao confronto dos depoimentos prestados em audiência, uma vez que o recorrente não deu cabal cumprimento ao disposto no art. 412º, nº 4, do CPP, indicando concretamente os segmentos em que baseia a afirmação constante do nº 9 da motivação do recurso, única referência que faz à prova gravada, mas aceitando-se, ainda assim, a correspondência daquela afirmação com a prova produzida – essa afirmação é concordante com a motivação do provado constante da sentença – é manifesto que naquela ocasião o arguido e ora recorrente sabia que a sua carta de condução estava apreendida à ordem de um processo judicial por força de condução sob influência de álcool. É indiferente que soubesse concretamente à ordem de que processo é que a carta estava apreendida, já que esse específico conhecimento não constitui elemento objectivo ou subjectivo do crime. O arguido tinha apenas que saber que estava legalmente impedido de conduzir por decorrência de sentença judicial – e isso, o recorrente sabia – sendo certo que o desconhecimento do concreto processo à ordem do qual cumpria a pena de proibição de condução só a si poderia ser imputado, já que foi notificado das sentenças condenatórias que lhe foram impostas.
Da sentença impugnada não decorre qualquer erro na apreciação da prova, assim como não se vê que ocorra qualquer vício na formação da convicção do tribunal recorrido. Também não ocorre contradição entre o provado e a respectiva motivação, que antes se afirmam pela respectiva concordância, atento o quadro legal que retratámos, assim como a decisão recorrida se não encontra contaminada por qualquer violação do princípio in dubio pro reo, impondo-se a confirmação da decisão recorrida.

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III – DISPOSITIVO:

Nos termos apontados, nega-se provimento ao recurso.
Por ter decaído integralmente no recurso que interpôs, condena-se o recorrente na taxa de justiça de 4 UC.

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Jorge Miranda Jacob (Relator)

Maria Pilar de Oliveira