Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
193/10.9TAMLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
BURLA
CONCURSO EFECTIVO
Data do Acordão: 06/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA MEALHADA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 256.º, N.º 1 E 217.º, N.º 1, DO CP
Sumário: A nova redacção conferida pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, ao n.º 1 do artigo 256.º do Código Penal, não invalida a jurisprudência firmada pelo Ac. do pleno das secções criminais do STJ n.º 8/2000, de 5 de Maio de 2000.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório:

1. No Tribunal Judicial da Mealhada, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o arguido A..., casado, psicólogo, nascido a 29.10.1955 em (...), Oliveira de Azeméis, filho de (...) e de (...) , Titular do C.C. n.º (...) e residente na Rua (...) , Santa Maria da Feira,

sob imputação, na acusação pública de fls. 212/217, da prática, em autoria material e em concurso efectivo, de um crime de falsificação de documento, de um crime de burla qualificada, de um crime de furto e de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, p. e p., respectivamente, pelos artigos 256.º, n.ºs 1 e 3, 218.º, n.º 1, 203.º e 359.º, n.º 2, todos do Código Penal.


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2. D..., Lda.” deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, solicitando a condenação deste a pagar-lhe, para ressarcimento de danos patrimoniais , a quantia de € 19998,66, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de € 2749,13, e vincendos até integral pagamento.
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3. Por sentença de 9 de Outubro de 2012, o tribunal proferiu decisão deste teor:
A) Condenou o arguido A..., pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, ambos do Código Penal, em concurso aparente com um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.ºs 1 e 3, do mesmo compêndio legislativo, e de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, p. e p. pelo artigo 359.º, n.º 2, ainda do referido diploma, nas penas de 9 meses de prisão (o primeiro dos dois ilícitos) e 3 meses de prisão (o outro crime);
B) Condenou o arguido A...na pena conjunta de 11 (onze) meses de prisão, declarada suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, com regime de prova.
II. Condenou o arguido/demandado no pagamento à sociedade “D..., Lda.” da  quantia de € 19.998,66 (dezanove mil novecentos noventa e oito euros e sessenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados, à taxa legal, desde a data da “citação” e até integral e efectivo ressarcimento.
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4. Inconformado, o Ministério Público interpões recurso, tendo extraído da motivação as seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª - Vem presente recurso interposto da sentença proferida nos presentes autos na parte em que considerou que o crime de burla, p. e p. no art. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, do Código Penal, e o crime de falsificação de documento, p. e p. no art. 256.º, n.ºs 1 e 3, do mesmo diploma, se encontram numa relação de concurso aparente, sendo o segundo consumido pelo primeiro.

2.ª - Invocando o tribunal a quo como fundamento da sua decisão a jurisprudência uniformizada pelo Acórdão do STJ n.º 8/2000.

3.ª - Ora, da mera leitura da fundamentação expendida pelo tribunal a quo para fundar a sua decisão resulta que o mesmo fez uma errada interpretação da doutrina vertida no referido aresto, escudando-se nessa errada interpretação para fundar a sua decisão e acabando por desaplicar tal jurisprudência uniformizada.

4.ª - De facto, de tal fundamentação resulta que, na perspectiva do tribunal a quo, o mencionado aresto distinguiria duas situações: aquela em que o crime de falsificação se autonomiza face ao crime de burla (concurso real ou efectivo) e aquela em que a prática do crime de falsificação é apenas o meio de burlar alguém (concurso aparente).

5.ª - Entendendo o tribunal a quo que o caso dos autos se integrava nesta segunda situação.

6.ª - Ora, uma leitura avisada do mencionado aresto e do Acórdão do STJ de 19 de Fevereiro de 1992, publicado no DR 1.º série-A, de 9 de Abril de 1992, cuja doutrina foi declarada vigente pelo primeiro aresto, leva-nos a concluir que a interpretação feita não encontra nos referidos arestos qualquer sustentação.

7.ª - Na verdade os referidos arestos afirmam, de forma peremptória, a existência de concurso real ou efectivo entre os aludidos crimes, não distinguindo qualquer situação como pretende fazer crer o tribunal a quo.

8.ª - Esta errada interpretação conduziu a que o tribunal a quo, em clara contradição, desaplicasse a jurisprudência uniformizada no Acórdão do STJ n.º 8/2000.

9.ª - Embora a jurisprudência uniformizada não seja obrigatória, tem-se entendido que os tribunais apenas deverão desaplicar jurisprudência uniformizada quando a mesma se mostre ultrapassada, quer porque surgiu alteração doutrinal, jurisprudencial ou legal relevante nesse sentido ou porque surgiu argumento novo relevante que não foi ponderado aquando da prolação do aresto que uniformizou jurisprudência.

10.ª - O tribunal a quo não invocou nenhuma das aludidas situações para justificar o afastamento de jurisprudência uniformizada, talvez, como supra se aludiu, porque não teve intenção, de forma directa, de afastar a referida jurisprudência, julgando erroneamente que a sua decisão estava conforme a tal jurisprudência.

11.ª - De qualquer forma sempre diremos que, na nossa perspectiva, a doutrina consagrada pelo Acórdão do STJ n.º 8/2000 se mantém actual e se encontra ainda reforçada e legitimada pelo teor da alteração legislativa levada a cabo pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, que, na nossa perspectiva, consagrou, de forma expressa, a referida jurisprudência uniformizada.

12.ª - Ora, a consagração expressa na letra da lei de que “Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime (…) (negrito nosso) afasta definitivamente o argumento da instrumentalidade invocado pelos apologistas da existência de concurso aparente entre o crime de burla e de falsificação e também propugnado na sentença recorrida.

13.ª - Ao decidir da forma descrita, violou o tribunal a quo o disposto nos arts. 30.º, 217.º, 218.º e 256.º, do Código Penal, e ainda desaplicou, sem fundamento sério e válido, jurisprudência uniformizada no Acórdão do Supremo Tribunal n.º 8/2000.

14.ª - Face ao exposto, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que condene, para além do mais, o arguido na prática do crime de burla p. e p. no art. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, e do crime de falsificação de documento, p. e p. no art. 256.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código Penal, em concurso real ou efectivo, tal como constava da acusação.

Decidindo nestes termos, far-se-á justiça.


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6. O arguido respondeu ao recurso, conclusivamente nestes termos:

1. O tribunal a quo fez “…uma errada interpretação do referido aresto e do Acórdão do STJ de 9 de Abril de 1992 e, consequentemente, ter proferido decisão contrária à jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça”.

2. “Ao decidir da forma descrita violou o tribunal a quo o disposto nos arts. 30.º, 217.º, 218.º e 256.º, do Código Penal, e ainda desaplicou, sem fundamento sério e válido, jurisprudência uniformizada no Acórdão do Supremo Tribunal n.º 8/2000”.

3. Termina o recorrente concluindo que: “Face ao exposto, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que condene, para além do mais, o arguido na prática do crime de burla p. e p. no art. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, e do crime de falsificação de documento, p. e p. no art. 256.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código Penal, em concurso real ou efectivo, tal como constava da acusação”.

4. Ora, salvo o devido respeito, a decisão proferida pelo tribunal a quo é integralmente acertada.

5.ª - Verifica-se, in casu, uma situação de concurso aparente entre os dois crimes em questão (burla e falsificação de documento).

6.ª - Com efeito, a conduta do arguido, no que concerne ao crime de falsificação, constituiu um meio para chegar a um fim, subsumível no crime de burla de que foi acusado.

7.ª - Não se verificando qualquer autonomia entre os dois crimes supra referidos mas sim uma relação de dependência entre os mesmos.

8.ª - Na verdade, como já se referiu, a conduta subsumível pelo crime de falsificação de documento foi o instrumento, privilegiado, para levar ao erro e, consequentemente, para atingir o fim a que se propôs.

9.ª - Não se pode afirmar, salvo melhor opinião, que o crime de burla teria sido consumado e bem sucedido se o arguido não tivesse utilizado um instrumento para induzir em erro, instrumento esse que está na origem do crime de falsificação de documento.

10.ª - A falsificação de documento fez parte integrante e indissociável do logro levado a cabo para atingir o fim proposto.

11.ª - Por conseguinte, não se pode defender a sua autonomização criminal mas sim a sua relação de interdependência que levará, salvo melhor opinião, a um concurso aparente entre os crimes.

12.ª - Pelo exposto, considerando que o crime de falsificação de documento fez parte integrante do crime de burla e que, por esse motivo, não poderá ser autonomizado, o primeiro terá, forçosamente, que ser consumido pelo segundo.

13.ª - Se isso não acontecer, verifica-se uma clara violação do princípio constitucional de non bis in idem.

14.ª - Porquanto o arguido estaria a ser julgado e condenado pelo mesmo crime duas vezes.

15.ª - Pelo que a douta sentença a quo procedeu ao correcto e criterioso enquadramento jurídico-penal da matéria de facto ali dada como provada e, consequentemente, não violou, interpretou ou aplicou qualquer norma legal em desconformidade com o ordenamento jurídico-penal, processual ou constitucional, devendo ser integralmente mantida.

Em consequência, deverá o presente recurso ser rejeitado, porque manifestamente improcedente, nos termos das conclusões enunciadas, devendo ser integralmente mantida a douta sentença a quo, assim se fazendo inteira e sã justiça!


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6. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em parecer de fls. 364/367, manifestou-se no sentido da procedência do recurso.
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Notificado, nos termos e para os efeitos consignados no art. 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido não exerceu o seu direito de resposta.
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7. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

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II. Fundamentação
1. Poderes cognitivos do Tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:

Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995).
No caso concreto, o recorrente circunscreve o recurso que interpôs no domínio deste processo a uma única questão, consistente em saber se o arguido deve ser também condenado pela prática de um crime de falsificação de documento, por entre este e o de burla existir uma relação de concurso efectivo, e não meramente aparente como foi considerado na sentença sob recurso.

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2. Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:

1. Em data não concretamente apurada, mas que se situa antes de 29/07/2010, o arguido apropriou-se do cheque n.º (...) que pertencia ao seu filho C....

2. Em 29/07/2010, C... apercebendo-se de que lhe faltavam três cheques, um dos quais o referido em 1), da conta bancária por si titulada domiciliada no Banco E..., informou o extravio dos mesmos à referida instituição bancária, solicitando o respectivo cancelamento.

3. Em data que igualmente não foi possível apurar, mas antes de 16/08/2010, o arguido assinou o cheque referido em 1).

4. No dia 16/08/2010, na posse do referido cheque, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento comercial da ofendida D..., Lda., sito na D..., nesta comarca, a fim de adquirir um veículo usado.

5. Nesse mesmo dia e no referido local, o arguido e ofendida celebraram um contrato de compra e venda do veículo ligeiro de passageiros marca Saab, modelo 9-3sw, 1.9 Tdi Linear, matrícula (...) pelo preço de €19.980,00.

6. Invocando que não dispunha de cheques próprios, referiu o arguido a B... gerente da ofendida, que pagaria o preço acordado através de cheque de conta titulada pelo seu filho C..., solicitando àquele que o cheque fosse pós-datado, com pelo menos mais de trinta dias.

7. B... anuiu ao pedido do arguido.

8. Assim, nesse mesmo dia e local, o arguido recebeu o veículo identificado em 5) e preencheu e entregou a B... gerente da ofendida, para pagamento do mesmo, o cheque n.º 0073707.1 (o qual se encontrava assinado), sacado sobre o Banco E..., da conta bancária titulada por C..., no montante de €19.800,00, com a aposição da data de 21/09/2010 e emitido à ordem da queixosa, fazendo crer que tal cheque se encontrava assinado pelo legítimo titular da conta.

9. Apresentado o cheque referido em 8) a pagamento, foi o mesmo devolvido na compensação em 23/09/2010 com a menção “extravio”.

10. Posteriormente, no dia 12/04/2011, no âmbito dos presentes autos, o arguido foi ouvido na qualidade de arguido pela PSP – Esquadra de Santa Maria da Feira.

11. Ao ser constituído como arguido foi expressamente advertido de que, no caso, era obrigado a responder com verdade às perguntas que lhe iam ser feitas sobre os seus antecedentes criminais.

12. Ora, quando lhe foi perguntado, pelo agente da PSP que procedeu à diligência, sobre se alguma vez tinha sido condenado em processo-crime, pelo arguido foi dito que não.

13. No entanto, o arguido já foi condenado no âmbito do processo comum singular n.º 4054/07.0MTS do 4.º Juízo Criminal de Matosinhos, por sentença transitada em julgado em 09/03/2010, na pena de 260 dias de multa, pela prática em 20/09/2007, de um crime de burla e um crime de falsificação de documento.

14. O arguido agiu sempre deliberada, livre e conscientemente.

15. Bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

16. O arguido ao utilizar artificiosamente o cheque supra referido como meio de pagamento, actuou com o propósito de prejudicar a D..., Lda., pretendendo conseguir, como efectivamente conseguiu, um lucro ilícito de €19.980,00.

17. O arguido quis falsificar o cheque supra referido, bem sabendo que com tal conduta punha em perigo a segurança e a credibilidade geralmente associada à emissão e ao pagamento por meio de cheque.

18. O arguido, ao responder que jamais tinha sido condenado em processo-crime, queria e sabia que faltava à verdade por já ter sido anteriormente condenado nessa sede.

19. Tinha também o arguido perfeita consciência do dever de verdade a que se encontrava sujeito e das consequências penais do seu comportamento.

20. Com a devolução do cheque supra referido, a demandante suportou o valor de €18,66.

21. O arguido é licenciado em Psicologia e encontra-se, actualmente, desempregado.

22. O arguido é casado e vive com a esposa e um filho maior.

23. A sua esposa é professora e aufere cerca de €1.800,00 mensais.

24. Paga de renda mensal pela casa em que habita €600,00 mensais.


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3. Relativamente aos factos não provados, está escrito na sentença:

25. O arguido assinou o cheque referido em 1) imitando a assinatura do seu filho, C....

26. B... referiu ao arguido que a declaração de venda do veículo para efeitos de registo automóvel, que se encontrava assinada pela anterior proprietária do veículo, a leiloeira F..., S.A., apenas seria entregue ao arguido após boa cobrança do cheque que o mesmo entregaria para pagamento.

27. No mesmo circunstancialismo espácio-temporal supra referido, mais se apoderou o arguido da declaração de venda referida em 7) que se encontrava no escritório do estabelecimento comercial da ofendida, levando-a consigo e fazendo-a coisa sua.

28. Ao actuar da forma descrita, quis o arguido fazer sua a declaração de venda de que se apoderou, bem sabendo que a mesma lhe pertencia e que actuava sem e contra a vontade da sua legítima proprietária.

Mais se diga que não resultaram provados quaisquer outros factos, nomeadamente do pedido de indemnização cível, com interesse para a decisão da presente causa.


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4 Mérito do recurso
H) Sendo certo que a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida integra (também) o tipo de crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.ºs 1, alínea b), e 3, do Código Penal [a aposição de assinatura não identificada, do sacador, ou do próprio agente num cheque que este sabe não ser seu, para os apontados fins, é, claramente, um acto de falsificação material, melhor, de alteração do documento, expressamente prevista naquele normativo, já que o título de crédito em causa só pode ser assinado pelo titular da respectiva conta[1]; por outro lado, os factos consubstanciadores da falsificação dizem respeito a cheque], há que ver que tipo de relação se verifica entre este ilícito e o crime de burla, nos casos, como o dos autos, em que o primeiro se manifesta como meio de execução do segundo: de concurso efectivo, como defende o recorrente, ou, pelo contrário, de concurso aparente, como foi considerado pelo julgador do tribunal da 1.ª instância.
Com uma excepção que se conhece[2], sempre o Supremo Tribunal de Justiça considerou existir concurso real entre os crimes de falsificação e de burla, quer perante a versão original do Código Penal de 1982 quer no âmbito do Código Penal de 1995, tendo fixado a seguinte jurisprudência (cfr. Acórdão n.º 8/2000, de 4/05/2000, proferido no proc. n.º 1141/99, publicado no DR série I-A, de 23/05/2000): «No caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 256.º, n.º 1, alínea a), e do artigo 217.º, n.º 1, respectivamente, do Código Penal, revisto pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, verifica-se concurso real ou efectivo de crimes»[3].
É de seguir, sem qualquer reserva, a jurisprudência fixada sobre a matéria em debate, dando valor acrescido, conforme relatório preambular do DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, à «normal autoridade e força persuasiva da decisão do Supremo Tribunal de Justiça».
Até porque não se antevêem (novos) argumentos susceptíveis de fundamentar convincentemente divergências relativas à jurisprudência já fixada.
E como regularmente vem acentuando o STJ, a propósito do texto-norma do artigo 445.º, n.º 3, do CPP, a lei indica com suficiente clareza que os Acórdãos para fixação de jurisprudência, ainda que não sejam obrigatórios para os tribunais judiciais já que o STJ não “faz lei”, têm um peso próprio que lhes é conferido pelo facto de provirem do Pleno das Secções Criminais daquele Tribunal Superior. Daí que haja uma presunção de que foram lavrados após ponderação exaustiva, face à legislação, à doutrina e à jurisprudência existente sobre o assunto.
Deste modo, embora os tribunais sejam livres de seguirem a jurisprudência que julgam mais adequada, parece descabido tomar outro caminho que não o acolhido no Pleno do STJ, a não ser que se invoquem argumentos novos, não considerados na decisão que fixa a jurisprudência, que se nos afigura não existirem, ou que, considerando a legislação no seu todo, a jurisprudência fixada se mostra já ultrapassada[4], situação que não ocorre no presente caso.
E não se diga que a nova redacção do artigo 256.º fez caducar a doutrina fixada no referido acórdão do STJ.
Com a reforma introduzida pelo Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, o tipo legal de crime de falsificação de documento, agora epigrafado de “Falsificação ou contrafacção de documento”, sofreu alterações na sua estrutura normativa, tendo-se alargado a tutela penal de modo a abranger situações que antes não estavam expressamente previstas.
Destaca-se, na fenomologia revelada pelos autos, o segmento final do n.º 1 do artigo 256.º, com o conteúdo que se assinalará a negrito: «Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime: (…)».
Mas essa alteração não é apta a pôr em causa os fundamentos e a decisão do referido aresto fixador de jurisprudência.
Seguindo o recente Ac. do STJ de 26 de Outubro de 2011, proferido no processo n.º 1441/07.8JDLSB.L1[5], «ao alargar a acção típica aos segmentos “ou preparar, facilitar, executar ou encobrir outros crimes”, o legislador apenas terá pretendido incluir condutas que, até aí, não estavam previstas, por forma a abranger aquelas situações em que o agente pudesse não ter tido intenção de causar prejuízo a outrem ou ao Estado, ou de obter, para si ou para outrem, benefício ilegítimo, mas apenas tivesse a intenção de preparar, facilitar ou encobrir outro crime.
Assim se justifica, na redacção actual da norma, a conjunção ou que antecede o novo segmento do texto e o pronome outro que precede a palavra crime.
Esse alargamento (…) em nada afecta ou contende com a dimensão normativa dos preceitos penais em causa, uma vez que o que releva nesta sede é a natureza distinta dos bens jurídicos tutelados pelas respectivas normas incriminatórias, e essa natureza não foi beliscada pela alteração legislativa introduzida».
E, como é sabido, o crime de burla tutela o património, enquanto o crime de falsificação, diversamente, dá protecção à fé pública do documento ou, como entende mais recentemente alguma doutrina, a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que se respeita à prova documental[6].
Esta é também a posição preconizada por Maia Gonçalves[7], sintetizada neste extracto: «Este crime concorre (concurso real) com o de burla, quando no processo de execução da burla o agente usa documento falso. Foi a orientação que sempre sustentámos a partir da entrada em vigor do Código, em face da não existência de dispositivo correspondente ao do § do art. 451.º do CP de 1886 e dos diferentes valores protegidos por cada uma das infracções (…). Cremos que a revisão do Código operada pelo diploma referido supra, anotação 1, não colidiu, directa ou indirectamente, com esta orientação»[8].
Em síntese conclusiva: a conduta em causa nos autos, integradora do crime de falsificação de documento (versão actualmente em vigor) é punida autonomamente em relação ao crime de burla, por existir entre ambos um concurso efectivo.
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Sobre a problemática da inconstitucionalidade dos artigos 256.º e 217.º, n.º 1, com a interpretação definida por este Tribunal da Relação, já se pronunciou, pelo menos por duas vezes, o Tribunal Constitucional, tendo concluído que aquelas normas, nesse quadro interpretativo, no sentido da punição em concurso efectivo pelos crimes de burla e falsificação de documento, assente na distinção dos bens jurídicos tutelados pelos respectivos tipos legais, não ofende a Constituição, nomeadamente o n.º 5 do artigo 29.º[9].
Merecendo a nossa inteira concordância, é referido, a dado passo, no Ac. n.º 375/05, «sendo radicalmente diferentes os bens jurídicos tutelados pela burla e pela falsificação, é óbvio que o concurso entre tais tipos penais é real - e não meramente aparente - não se vendo em que medida é que tal conclusão pode violar normas ou princípios da Lei Fundamental: carece, na verdade, de sentido a invocação do princípio ne bis in idem na medida em que a determinação do tipo de conexão que existe entre dois tipos penais nada tem que a ver com a proibição do duplo julgamento pela prática do mesmo crime (cfr. acórdão n.º 303/05)».
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Importa agora definir a pena concreta do crime de falsificação de documento praticado, em concurso efectivo com os crimes de burla e de falsidade de declaração, e, afinal, determinar a pena conjunta decorrente desses três ilícitos penais.
A tal crime corresponde a moldura penal abstracta de prisão entre seis meses e cinco anos ou multa com o mínimo de 60 dias e o máximo de 600 dias.
Nestes termos, impõe-se verificar se, no caso concreto, se justifica a aplicação de pena de multa.
Na sindicância do critério de escolha da pena previsto no artigo 70.º, o princípio legal a seguir é simplesmente este: o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa (de multa) sempre que verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa se revele adequada e suficiente à realização das finalidades da punição.

O que o mesmo é dizer que a aplicação de uma pena alternativa à pena de prisão, no caso a pena de multa, depende tão somente de considerações de prevenção especial, sobretudo de prevenção especial de socialização, e de prevenção geral sob a forma de satisfação do «sentimento jurídico da comunidade».
Postos estes considerandos, ainda que não se detectem particulares exigências de prevenção especial ou de socialização, a gravidade objectiva do crime, nas específicas circunstâncias em que foi praticado, e o facto de o arguido já ter sido condenado, em data anterior à dos factos agora em apreciação, pela prática de um crime de falsificação e de um crime de burla, acentua fortemente as necessidades de prevenção geral positiva ou de integração, traduzidas na manutenção ou mesmo reforço das expectativas comunitárias na validade e força persuasiva da norma jurídica in casu violada.
Perante estes fundamentos, a opção tem de recair na pena de prisão.

Preceitua o art. 40.º, do Código Penal, que «a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (n.º 1), sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa» (n.º 2).

Abstractamente a pena é definida em função da culpa e da prevenção, intervindo, ainda, circunstâncias que não fazendo parte do tipo, atenuam ou agravam a responsabilidade do agente - art. 71.º, n.ºs 1 e 2, do CP.

A função primordial de uma pena, sem embargo dos aspectos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.
O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da medida da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham.

O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.
Dentro destes dois limites, situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.

Como refere Claus Roxin, em passagens escritas perfeitamente consonantes com os princípios basilares no nosso direito penal, «a pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou de intimidação revelem como desenlace uma detenção mais prolongada.

A sensação de justiça, à qual corresponde um grande significado para a estabilização da consciência jurídico-penal, exige que ninguém possa ser castigado mais duramente do que aquilo que merece; e “merecida” é só uma pena de acordo com a culpabilidade.

Certamente a pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, que também limita a pena pela medida da culpabilidade, mas que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva.
A pena serve os fins de prevenção especial e geral. Limita-se na sua magnitude pela medida da culpabilidade, mas pode fixar-se abaixo deste limite em tanto quanto o achem necessário as exigências preventivas especiais e a ele não se oponham as exigências mínimas preventivas gerais».[10]
Ao definir a pena o julgador nunca pode eximir-se a uma compreensão da personalidade do arguido, afim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a desconformação com a personalidade suposta pela ordem jurídico-penal, exprimindo a medida dessa desconformação a medida da censura pessoal do agente, e, assim, o critério essencial da medida da pena[11].
A submoldura da prevenção geral é fortemente influenciada pela importância dos bens jurídicos a proteger, desempenhando uma função pedagógica através da qual se procura dissuadir as consequências nocivas da prática de futuros crimes e conseguir o reforço da crença colectiva na validade e eficácia das normas, em ordem à defesa da ordem jurídica penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva.
Por sua vez, a prevenção especial positiva ou de socialização responde à necessidade de readaptação social do arguido.

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Passemos então à concretização destes enunciados, sendo certo que, para o efeito, o tribunal deverá atender “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele” (artigo 71.º, n.º 2, do CP).

No caso, relevam sobretudo necessidades de prevenção geral, que são elevadas, atendendo às específicas circunstâncias em que o crime foi perpetrado.

Por outro lado, a gravidade do crime é manifesta, sendo acentuado o grau de ilicitude dos factos, porquanto o arguido provocou elevado prejuízo patrimonial à ofendida.  

A culpa também se revela intensa, visto que o arguido sempre se comportou com dolo directo, para obtenção de vantagens patrimoniais indevidas.

Acresce ainda o passado criminal do arguido, acima concretizado.

Em favor do arguido, apenas detectamos o aceitável patamar de inserção social.

Tudo ponderado, afigura-se-nos justa e adequada a pena de 13 (treze) meses de prisão.


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 M) A moldura abstracta da pena do concurso tem como limite máximo a soma das penas de prisão concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos de prisão, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos crimes em causa (art. 77.º, n.º 2, do CP).
Dentro da moldura encontrada, é determinada a pena do concurso, para a qual a lei estabelece que se considere, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (art. 77.º, n.º 1, do CP), sem embargo, obviamente, de se terem também em conta as exigências gerais da culpa e da prevenção a que manda atender o art. 71.º, n.º 1 do CP, bem como os factores elencados no n.º 2 deste artigo, referidos agora à globalidade dos crimes.

Essencial na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade». A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares.

Será, deste modo, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.

Na avaliação da personalidade - unitária - do agente, reproduzindo as palavras autorizadas do Prof. Figueiredo Dias[12], «revelará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade; só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta».

No fundo, é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio, pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade que deve ser ponderado.

Seguindo o mesmo autor, de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

Um dos critérios fundamentais reportado à globalidade dos factos assenta na determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo inquestionável que assume um significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos de natureza pessoal ligados ao núcleo de bens essenciais em relação à ofensa de outros valores de menor dimensão ético-jurídica[13].
Vistos estes postulados, no caso, é acentuada a gravidade do ilícito global. Embora o crime de falsificação de documento surja como meio de consumação do crime de burla, há que contar com o específico circunstancialismo em que os factos ilícitos ocorreram.

No contexto da personalidade unitária do arguido, os elementos conhecidos permitem dizer que a globalidade dos factos não traduz um desvalor que radica numa personalidade manifestamente desconforme aos valores sociais que o direito penal tutela.

Pelo que fica exposto, afigura-se-nos justa e adequada a pena única de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.


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Estatui o artigo 50.º do CP (redacção da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro):
«1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.

3 - Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.

4 – (…).

5 - O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão».
E o art. 53.º, n.º 1, do mesmo diploma:
«O tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a facilitar a reintegração do condenado na sociedade».

A apreciação e a decisão sobre a medida de substituição que a suspensão da execução da pena constitui é uma faculdade vinculada, necessariamente dependente do poder-dever da sua aplicação, desde que verificados os pressupostos exigidos na supra citada norma.

Para se optar pela suspensão da execução da pena exige a lei, como pressuposto formal, que ao agente deva ser concretamente aplicada pena de prisão até ao limite de 5 anos.

No que tange ao pressuposto material, o critério legal a seguir é simplesmente este: o tribunal deve preferir a pena de substituição em causa sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, ela se revele adequada e suficiente à realização das  finalidades da punição.

O que o mesmo é dizer que a suspensão da execução da pena depende tão-somente de considerações de prevenção especial, sobretudo de prevenção especial de socialização, e de prevenção geral sob a forma de satisfação do «sentimento jurídico da comunidade».

«(...) O tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena (...) de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação», a dita pena de substituição «se revele mais adequada e suficiente na realização das finalidades da punição. O que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena (...) de substituição e a sua efectiva aplicação.
Bem se compreende que assim seja: sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie da pena. Por outras palavras: a função da culpa exerce-se no momento da determinação quer da medida da pena de prisão (necessária como pressuposto da substituição), quer da medida da pena alternativa ou de substituição; ela é eminentemente estranha, porém, às razões históricas e político-criminais que justificam as penas (...) de substituição, não tendo sido em nome de considerações de culpa, ou por força delas, que tais penas se constituíram e existem no ordenamento jurídico.

«(...) Desde que impostas ao aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena de substituição só não será aplicada se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias»[14].

Por outro lado, é conveniente esclarecer que o que está em causa no instituto da suspensão da execução da pena não é qualquer «certeza», mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser conseguida. O tribunal deve correr risco “prudencial” (fundado e calculado) sobre a manutenção do agente em liberdade.
Como já se registou, o arguido detém ainda um aceitável quadro de inserção social.  
Porém, como se colhe da matéria de facto provada, tem uma condenação anterior, em pena de multa, pelo cometimento de um crime de falsificação de documento e de um crime de burla.
Transitada em julgado a sentença condenatória, em 09-03-2010, quando estavam decorridos, após essa data, menos de 4 meses, o arguido “reincidiu” no cometimento dos crimes versados nos autos, realidade que acentua acrescidas necessidades de prevenção geral positiva ou de integração.

Embora não seja fácil, à luz das exigências contidas na prevenção a nível geral, o justo equilíbrio entre a aplicação de uma pena de prisão e o juízo positivo sobre a suficiência da advertência contida na suspensão da execução,  afigura-se-nos, ainda assim, e não obstante a condenação já sofrida pelo arguido, que o circunstancialismo envolvente da prática dos crimes - embora graves, vistos os factos típicos em causa -, não apresentam contornos de gravidade acrescida e especial donde se conclua pela insuficiência da pena de substituição no cumprimento das exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.

Dizendo de outro modo: tendo em conta as especificidades do caso concreto, as elevadas exigências em termos de prevenção geral ainda suportam, sem afectação, a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena.

Assim, nos termos dos artigos 50.º, do Código Penal, decide-se pela suspensão da pena de prisão pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, acompanhada de regime de prova, nos termos definidos na sentença recorrida.


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III. Dispositivo:
Posto o que precede, acordam na 5.ª Secção deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso, ficando o arguido A... condenado, na parte estritamente penal, nos seguintes termos:
a) Pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão;
b) Pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artigo 256.º, n.ºs 1, alínea b), e 3, do Código Penal, na pena de 13 (treze) meses de prisão;
c) Pela prática de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, p. e p. pelo artigo 359.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão;
d) Na pena conjunta de 18 (dezoito) meses de prisão, declarada suspensa na sua execução por igual período de tempo, acompanhada de regime de prova, como definido na sentença recorrida.
Sem tributação.
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 (Alberto Mira - Relator)
 (Elisa Sales)


[1] Em casos, tidos como crime de falsificação, em que o arguido apõe a sua assinatura num módulo de cheque que sabe não ser seu, consultar o Ac. do STJ de 26-02-2002, proc. n.º 04P254, e a vasta jurisprudência nele citada. Numa situação, também considerada integradora do dito crime, traduzida na circunstância de o agente apor uma assinatura ilegível no título, no lugar destinado ao sacador, leia-se o Ac. da Relação do Porto de 27-05-2009, publicado na Colectânea, tomo III, pág. 225.
[2] Ac. do STJ de 03-12-98, CJ/STJ, Ano VI, Tomo III, pág. 231.
[3] No mesmo sentido, veja-se o Ac. do plenário das secções criminais do STJ de 19/02/1992, publicado no DR, I-A série de 09/04/1992.
[4] Cfr. Acórdão do STJ de 05-11-2009, proc. n.º 418/07.8PSBCL-A.S1, publicado em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, entre muitos, vide Ac. do mesmo Tribunal, de 20-04-05, CJ, tomo II, 181.
[5] Publicado no sítio www.dgsi.pt.
[6] Cfr. Helena Moniz, O crime de falsificação de documentos, 1999, 41 e seguintes.
[7] In Código Penal Português, 18.ª edição, 2007, em anotação ao artigo 256.º.
[8] No mesmo sentido, destacamos ainda, a título meramente exemplificativo, os Acs. do STJ de 18-10-2007, proc. n.º 07P3185; 05-12-2007, proc. n.º 07P3989; e 04-12-2008, proc. n.º 08P3552; da Relação do Porto de 13-07-2011, proc. n.º 53/08.3PBMAL.P1; da Relação de Lisboa de 15-12-2011, proc. n.º 29/04.0JDLSB.L1.5; da Relação de Coimbra de 28-09-2011, proc. n.º 2510/09.5TACBR.C1; e da Relação de Guimarães de 18-02-2013, proc. n.º 1202/11.0PBBRG.G1.
[9] Acórdãos n.º 303/05, de 8 de Junho de 2005 (proc. 242/05) e n.º 375/05, de 7 de Julho de 2005 (proc. n.º 337/05), ambos publicados in www.tribunalconstitucional.pt.
[10] Derecho Penal - Parte General, Tomo I, Tradução da 2.ª edição Alemã e notas por Diego-Manuel Luzón Penã, Miguel Díaz Y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal, Civitas), págs. 99/101 e 103.
[11] Prof. Figueiredo Dias, Liberdade, Culpa, Direito Penal, pág. 184.
[12] Direito Penal Português - Parte Geral II - As Consequências Jurídicas do Crime, ed. Aequitas - Editorial Notícias - 1993, § 421, págs. 291 e 292.)
[13] Cfr. acórdão do STJ de 11-02-2009, proc. n.º 08P4131, publicado em www.dgsi.pt, que de muito perto vimos seguindo.
[14] Jorge de Figueiredo Dias, As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, § 497 e 498, 499 e 500, págs. 331/333.