Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
306/04.0TBSEI.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GONÇALVES FERREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
BANCO
FUNCIONÁRIO BANCÁRIO
COMITENTE
DANO
Data do Acordão: 09/28/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SEIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.165, 483, 500, 562, 563, 566, 762, 800 CC
Sumário: 1. Os bancos são civilmente responsáveis, nos termos dos artigos 165.º e 500.º do Código Civil, pelos danos sofridos pelos clientes com a actuação ilícita dos seus funcionários.

2. Assim sucede, por exemplo, se o funcionário convence o cliente a adquirir um produto bancário inexistente, com vista a utilizar o dinheiro entregue para tal fim em proveito próprio.

3. O dano, nesse caso, não se mede pelo lucro que o funcionário prometeu ao cliente, que corresponderia, no fundo, ao cumprimento do negócio, mas pelo rendimento que o cliente obteria com a aplicação lícita do capital.

Decisão Texto Integral: I. Relatório:

            A (…) e mulher, M (…), residentes em (…) concelho e comarca de Seia, intentaram acção declarativa comum, com forma de processo ordinário, contra Banco (…), S.A. (actualmente, (…), S.A.), com sede (…) , em Lisboa, alegando, em resumo, que:

Enquanto emigrantes em Inglaterra, depositaram parte das suas poupanças na sucursal de Londres do banco ora réu.

Quando regressaram a Portugal, continuaram a trabalhar com o mesmo, através da sua agência de Seia, sendo o respectivo gerente, (…), quem os orientava, indicava quais os produtos disponíveis no banco e os aconselhava naqueles que mais rentabilidade produziam.

Como empregado do banco réu, (…) aconselhou-os a subscreverem Obrigações do Tesouro 1994/2000, 1ª Série, com capitalização, no montante de 50.000.000$00, à taxa líquida de 14%, rendendo no final do período 109.790.200$00.

De tal aplicação, em Março de 1999 resgataram 25.000.000$00, o que originou que a mesma tivesse rendido 87.526.169$00.

Dessa importância, foram aconselhados, mais uma vez, a subscrever Obrigações do Tesouro 2000/2003, 4ª Série, aceitando depositar, em 15.11.2000, a importância de 25.000.000$00 (€ 124.699,47), pelo período de três anos, com vencimento em 15 de Novembro de 2003, à taxa de juro de 14%, o que originaria, naquele período, o montante de 35.500.000$00 (€ 177.073,25). 

Em Setembro de 2003, foram informados que a dita aplicação Obrigações do Tesouro 2000/2003, 4ª Série, não existia, e que a quantia de 25.000.000$00, por eles entregue ao gerente (…), não constava dos registos do Banco.

No período da vigência daquela subscrição (24.07.2003) e para fazer face a necessidades financeiras, pretenderam resgatar parte da subscrição em causa junto do mesmo gerente, mas foram informados por ele que o resgate, naquela altura, originava uma penalização elevada, até porque o seu termo já se encontrava próximo, tendo sido pelo mesmo aconselhados a fazer um empréstimo no montante de € 40.000,00, à taxa de 4%, sem qualquer exigência de garantia, o que fizeram no mesmo dia.

Pretendem os autores fazer uma compensação do crédito de € 177.073,25, que detêm sobre o réu e o montante de € 40.000,00 e demais encargos, mantendo-se, depois disso, um crédito a seu favor, no montante de € 136.873,25.

Concluíram, pedindo a condenação do réu a entregar-lhes o montante da subscrição de Obrigações do Tesouro efectuada em 15.11.2000, acrescida de juros à taxa contratada no abatido do capital (€ 40.000,00), juros e demais encargos do empréstimo que lhes foi concedido por aquele e objecto da alegada compensação, ou seja, a entregar-lhes o montante de € 136.873,25, acrescido de juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, bem como a importância de € 20.000,00 a título de danos morais.
Regularmente citado, o réu contestou da seguinte forma: 
Os seus serviços, no mês de Setembro de 2003, detectaram um conjunto de irregularidades e de ilícitos praticados pelo seu funcionário (…), à data a desempenhar as funções de director na agência de Seia, que, com a promessa de taxas de juro elevadas, convenceu diversos clientes do banco a constituir supostas aplicações nas sucursais de Londres e do Luxemburgo, utilizando em seu proveito os montantes entregues e forjando documentos com o nome do ....
Os autores não fizeram qualquer prova, nem a mesma consta dos registos do banco, do depósito de 25.000.000$00 (€ 124.699.47).
As obrigações do Tesouro 2000/2003 nunca existiram e nunca quaisquer obrigações foram remuneradas a 14% ao ano, com capitalização, sendo de 3,5% ao ano a taxa média, nesse ano, em Portugal.
O crédito concedido aos autores foi normal e implicou a prestação de uma garantia, traduzida na subscrição de uma livrança, sendo abusivo e ilegal a tentativa de compensação pretendida.
Terminou pela absolvição do pedido

Os autores replicaram, mantendo o já afirmado na petição inicial, impugnando alguns dos factos alegados na contestação e acrescentando desconhecerem a alegada falsificação de documentos efectuada por (…) no exercício da sua função, bem como se as taxas de juro que lhes foram oferecidas pelo mesmo responsável da agência bancária eram ou não as praticadas naqueles períodos, concluindo como na petição inicial.

            No despacho saneador foram declaradas a validade e a regularidade da lide.

            A selecção da matéria de facto não foi alvo de reclamação.

            Realizado o julgamento – no decurso do qual os autores ampliaram o pedido em € 40.000,00, ampliação que foi admitida – e fixada, sem reparos, a matéria de facto, foi proferida sentença, que julgou a acção totalmente improcedente, em razão do que absolveu o réu do pedido.

            Inconformados, os autores interpuseram recurso e apresentaram a sua alegação, que concluíram assim:

            1) Ao subscreverem Obrigações do Tesouro inexistentes, estavam convencidos de que a subscrição era verdadeira e válida, de acordo com as informações prestadas pelo funcionário (…), na qualidade de comissário do banco réu, no qual depositavam toda a confiança;

2) Através da presente acção não vêm exigir o cumprimento de um contrato bancário vinculativo para o réu;

3) O que vêm é reclamar uma indemnização com fundamento na responsabilidade pelo risco, prevista no artigo 500.º do Código Civil, decorrente de uma actuação ilícita e com abuso de funções, por parte do funcionário (…), actuando como comissário do banco réu;

4) A responsabilidade do comitente não é afastada pelo facto de o comissário ter actuado em proveito próprio;

5) A indemnização a atribuir deve ser calculada de acordo com o disposto no artigo 566.º, n.º 1, do Código Civil, considerando todos os danos causados pelo facto lesivo, a partir da sua ocorrência;

6) O primeiro facto que deu origem à actuação do comissário (…), foi a entrega da quantia de 50.000 contos que fizeram em Março de 1994, sendo esse o principal facto lesivo dos seus interesses, que deu origem, posteriormente, a outros factos ilícitos cometidos pelo mesmo comissário, que vêm devidamente descritos na sentença recorrida.

7) A indemnização, em princípio, deve proporcionar aos lesados o gozo dos bens que fruiriam se não fosse a lesão. Não sendo possível a reconstituição natural, deve a indemnização ser fixada em dinheiro, considerando que eles (autores) são detentores de uma expectativa jurídica, tutelada por lei, de recebimento de uma quantia resultante das informações que lhes foram sendo prestadas, ao longo de vários anos, pelo funcionário do banco réu, (…);

8) Sofreram danos susceptíveis de indemnização (considerando, também, os danos morais e os lucros cessantes):

9) Deve, ainda, operar-se a compensação de créditos, relativamente ao empréstimo que contraíram, nos termos inicialmente peticionados;

10) Foram violados os artigos 500.º, n.ºs 1 e 2, 496.º, n.º 1, 483.º, n.ºs 1 e 2 e 562.º do Código Civil;

11) A decisão recorrida deve ser modificada, no sentido de condenação do réu, nos termos constantes da petição inicial.

O réu respondeu à alegação dos autores, pugnando pela confirmação da sentença apelada.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

A questão que requer resolução é a de saber se os autores têm direito a haver do réu a importância que peticionam a título de indemnização.

II. A matéria de facto:

Na sentença recorrida foram dados por assentes os seguintes factos:

1) Os autores detiveram uma aplicação na sucursal de Londres do banco réu, liquidada em 12.11.1998, e são titulares de uma conta aberta no balcão de Seia do mesmo banco, com o n.º 13191324/001 – Al. A).

2) Em 25 de Março de 1994, os autores entregaram a (…) a quantia de 50.000.000$00 – Al. B).

3) Em Março de 1999, (…) entregou aos autores a quantia de 25.000.000$00 – Al. C).

4) Os autores subscreveram, em 13.11.2000, Obrigações de Caixa do ..., no valor de 5.012.050$00, e, em 16.11.2000, unidades do Fundo ... Tesouraria, no montante de 29.999.720$00 – Al. D).

5) Os autores transferiram, em 27.11.2000, 10.000.000$00, para a sua conta a prazo n.º 13191524/301 – Al. E).

6) Em 24.07.2003, os autores contraíram junto do réu (agência de Seia) um empréstimo no valor de € 40.000,00, pelo prazo de seis meses, com vencimento em 24.02.2004 – Al. F).

7) No mês de Setembro de 2003, os autores e outras pessoas foram convocados para comparecer em reunião realizada na agência de Seia do réu, onde lhes foi dito que o gerente/director respectivo ((…)) havia sido suspenso, porque tinha desviado, em proveito próprio – depósito em contas bancárias suas, domiciliadas, pelo menos, no (…)a Covilhã, no (…)de Seia e na (…) de Gouveia (conta da sua filha menor) –, verbas que clientes lhe haviam confiado, na sua qualidade de representante do réu, aliciando clientes deste a constituírem supostas aplicações nas sucursais de Londres e do Luxemburgo, a troco de taxas de juros muito elevadas, mediante a entrega de documentos forjados, com o nome do réu – Al. G).

8) Na referida reunião, também lhes foi comunicado que a aplicação «Obrigações do Tesouro 2000-2003, 4ª série», não existia – Al. H).

9) O réu apresentou, em Setembro de 2003, participação criminal contra o dito (…) – Al. I).

10) Os autores, por carta registada com aviso de recepção de 23.02.2004, dirigida ao réu e que este recebeu, invocaram a compensação de um seu crédito, no valor de € 177.073,25, sobre o réu, com o montante de € 40.000,00 e demais encargos, relativos ao empréstimo assente em A), o que o réu rejeitou – Al. J).

11) (…) fazia parte do grupo de amigos dos autores – Al. K).

12) Os autores, em Setembro de 2003, manifestaram ao referido (…) estar dispostos a ajudá-lo – Al. L).

13) Os autores gratificaram, algumas vezes, (…) – Al. M).

14) Os autores conheceram (…) por volta de 1992/1993, o qual, na altura, exercia funções de empregado do réu na agência de Seia – Quesitos 5º e 6º.

15) Desde então, os autores passaram a ser atendidos pelo dito (…), nas instalações do réu, em Seia, e era ele quem lhes indicava os produtos disponíveis por parte da réu e lhes aconselhava os mais rentáveis – Quesitos 7º e 8º.

16) Por força do contacto com o referido (…), os autores transferiram para o réu quantias aplicadas noutras instituições bancárias – Quesito 9º.

17) O dito (…) enquanto funcionário bancário, aconselhou os autores a subscreverem Obrigações do Tesouro 1994-2000, 1ª série, com capitalização, no montante de 50.000.000$00, à taxa líquida de 14%, a qual, no final do período, totalizaria a importância de 109.790.200$00 – Quesitos 10º, 11º e 12º.

18) Em 25.03.1994, foi emitido, por débito da conta dos autores, no balcão de Seia do réu, um cheque bancário, no valor de 50.000.000$00, à ordem do (…) – Quesito 13º.

19) A que corresponde a entrega dada por assente em B) – Quesito 14º.

20) O dito (…) entregou aos autores cartas forjadas, pretensamente da autoria do Departamento de Títulos do réu, e que seriam o comprovativo da aplicação dos referidos 50.000.000$00 em «Obrigações do Tesouro 1994-2000, 1ª série», à taxa líquida de 14% ao ano e com capitalização – Quesito 15º.

21) Os autores fizeram uma aplicação na sucursal de Londres do réu, entre 13.04.1998 e 13.07.1998, a uma taxa de 4,08% – Quesito 16º.

22) As ditas «Obrigações do Tesouro 1994-2000, 1ª série» nunca existiram – Quesito 17º.

23) As Obrigações do Tesouro nunca foram remunerados com a taxa de juro de 14% ao ano, com capitalização – Quesito 19º.

24) No ano de 2000, a taxa média remuneradora dos depósitos bancários a prazo em Portugal foi de 3,5 % ao ano – Quesito 20º.

25) E as «Obrigações do Tesouro», lançadas em 1999/2000 (O.T. 1999/2004 e 2000/2005), apresentavam taxas de 3,625% e de 5,25 % ao ano – Quesito 21º.

26) Os autores aplicaram dinheiro no produto “Poupança Supersatisfação, entre 14.05.2002 e 13.08.2002, a uma taxa de 5% m – Quesitos 22º, 23º e 24º.

27) Os autores aplicaram dinheiro no produto “...Multiobrigações”, em 15.05.2002 e 27.08.2002, cujo resgate ocorreu a 13.03.2003, com uma rentabilidade anualizada de 2,68183% – Quesitos 25º a 28º.

28) A taxa média líquida remuneradora dos depósitos a prazo praticada pelo réu foi, em 2000, de 2,3% ao ano – Quesito 29º.

29) - Em 2001, foi de 3,5% ao ano, em 2002, foi de 3,25 % ao ano e, em 2003, foi de 2,00% ao ano – Quesitos 30º, 31º e 32º.

30) - Em Novembro de 2000, as «Obrigações de Caixa» obtiveram uma taxa remuneratória de 0,849% e em Novembro de 2000 o «Fundo ... Tesouraria» obteve uma taxa remuneratória de 3,09607% – Quesitos 33º e 34º.

31) Dos referidos 50.000.000$00, os autores, em Março de 1999, resgataram a importância de 25.000.000$00, tratando-se da quantia referida na Al. C) – Quesito 35º.

32) A entrega dos 25.000.000$00 assente em C), foi-o, em 29.03.1999, através de cheque bancário emitido pelo BES/Covilhã, por débito da conta de (…) e depósito na conta dos autores, domiciliada no balcão de Seia do réu – Quesito 36º.

33) Em 2000, a aplicação dos referidos 50.000.000$00, subtraídos dos 25.000.000$00 resgatados em Março de 1999, ascenderia a um valor não inferior a 82.200.000$00, à taxa de juro e com capitalização, referidos por (…) aos autores – Quesito 37º.

34) Em 13/10/2000, (…) depositou na conta dos autores, domiciliada no balcão de Seia do réu, a quantia de 57.200.000$00, através de cheque bancário emitido pelo BES/Viseu, por débito da conta domiciliada no balcão de Seia do réu – Quesitos 38º, 65º e 66º.

35) O dito Camilo Coelho, na sua qualidade de funcionário bancário do réu, aconselhou nessa altura os autores a subscreverem Obrigações do Tesouro 2000/2003, 4ª série – Quesito 39º.

36) O que justificou com base no facto de a taxa de juro remuneratória se manter nos 14%, continuando a aplicar em Obrigações do Tesouro 50% do capital de subscrição inicial de 50.000.000$00 – Quesito 40º.

37) Pelo que os autores subscreveram as tais Obrigações do Tesouro 2000/2003, 4ª série, em 15.11.2000, com 25.000.000$00, tendo em conta que tal montante seria o remanescente do montante referido no quesito 37º, que nunca foi entregue aos autores por (…), tencionando este, com esta nova aplicação, justificar a inexistência do rendimento da anterior – Quesito 41º.   

38) O vencimento seria a 15.11.2003, à taxa de juro de 14%, capitalizável ao ano, sendo o rendimento tributado pelo imposto de capitais, à taxa de 20%, nos termos consignados no documento junto aos autos a fls. 13, cujo teor se dá por integralmente reproduzido – Quesitos 42 a 46º.

39) Documento esse que foi entregue aos autores, por Camilo Coelho, dias após a questionada subscrição, em Novembro de 2000 – Quesito 47º.

40) Os autores entregaram a (…) o original do documento de fls. 13, a seu pedido – Quesito 48º.

41) Com vista a este pedir o resgate da aplicação, no princípio de Setembro de 2003 – Quesito 49º.

42) O documento de fls. 13 corresponde à cópia que, no momento, os autores tiraram às ditas «Obrigações do Tesouro 2000-2003, 4ª série», que nunca existiram – Quesitos 50º e 51º.

43) Nos registos do réu não existem quaisquer elementos que indiciem a dita aplicação de 25.000.000$00 – Quesito 52º.

44) O documento de fls. 13 é uma fotomontagem, estando forjada a assinatura do responsável pelo Departamento de Títulos do réu e tendo sido entregue ao réu pelo próprio (…), após este último ter descoberto o referido em G) – Quesitos 53º, 54º e 55º.

45) Em Novembro de 2000 ou em qualquer outra data, a conta dos autores no réu não registou qualquer depósito/aplicação de 25.000 contos, nem a saída da mesma conta, por qualquer forma, de tal importância – Quesitos 56º e 57º.

46) No início do mês de Novembro de 2000, a conta dos autores apresentava um saldo credor de cerca de 42.000 contos – Quesito 58º.

47) As unidades do Fundo ... Tesouraria, no montante de 29.999.720$00, assentes em D), foram reembolsadas em 14.05.2001, pelo valor de 30.451.682$00 – Quesito 59º.

48) No final de Novembro de 2000, a referida conta passou a apresentar um saldo credor de, apenas, 120.000$00, por força das subscrições e das transferências assentes em D) e E), respectivamente – Quesito 60º.

49) Os autores recebiam mensalmente extractos da sua (referida) conta – Quesito 61º.

50) Em 23.05.2001, os autores entregaram ao dito (…) 15.000.000$00, titulados por cheque sacado sobre a conta à ordem dos autores no réu e que foi depositado por Camilo Coelho numa sua conta domiciliada no (…)/Covilhã – Quesitos 62º, 63º e 64º.

51) Em 6 de Junho de 2003, (…) depositou na conta dos autores, domiciliada no balcão de Seia do réu, € 85.000,00, através de cheque bancário emitido pelo (…)/Porto, por débito da sua conta domiciliada no (…)/Covilhã – Quesitos 67º e 68º.

52) Tendo sido o resgate de aplicação financeira efectuada em 15 de Maio de 2001, em Londres, no montante de 15.000.000$00, à taxa acordada de 7% – Quesitos 69º e 70º.

53) A referida aplicação financeira de Maio de 2001 foi efectuada através do réu, na pessoa de (…) – Quesito 71º.

54) Os autores, em 24.07.2003, dirigiram-se ao dito (…), para resgate de parte dos referidos 25.000.000$00 aplicados em Novembro de 2000 – Quesito 72º.

55) Nessa altura, pelo referido (…)foi-lhes dito que o resgate naquele momento originaria uma penalização elevada, atenta a proximidade temporal do terminus da aplicação – Quesito 73º.

56) Pelo que seria melhor contraírem um empréstimo pelo montante necessário, razão pela qual os autores contraíram o empréstimo assente em F), tendo sido de 4%) a taxa de juro acordada – Quesitos 74º, 75º e 76º.

57) O empréstimo assente em F) foi concedido aos autores sem exigência de quaisquer outras garantias que não fosse a assinatura dos primeiros, atentas as aplicações dos autores no réu (Seia) – Quesitos 77º e 78º.

58) Os autores tiveram que subscrever uma livrança, a propósito do referido empréstimo – Quesito 79º.

59) Devido ao facto de o réu rejeitar a compensação proposta pelos autores, assente em J), estes últimos andam apreensivos e angustiados – Quesito 80º.

60) O réu já celebrou acordos de regularização com alguns dos clientes envolvidos no esquema montando por (…), referido em G) – Quesito 83º.

61) (…) era visita assídua da casa dos autores e era convidado para festas na casa destes – Quesitos 84º e 85º.

62) Na primeira semana de Setembro de 2003, os autores deram uma festa na casa que estavam a reconstruir em Coimbra, em que (…), à semelhança de outros convidados, recebeu e levou consigo, no final da festa, sobras da mesma, ofertadas pelos autores – Quesitos 86º e 87º.

63) – Os autores ainda lhe ofereciam, na altura do Natal, designadamente, toalhas de renda e colchas, por si comercializadas no supermercado que exploram – Quesito 88º.

64) O autor marido entregou a (…) o cheque de que se encontra cópia a fls. 88, cujo teor se dá por integralmente reproduzido – Quesito 89º.

65) Após a descoberta do referido em G), (…) encontrou os autores e deu-lhes conhecimento de que iria deixar o banco – Quesito 90º.

66) Os cheques bancários acima questionados foram emitidos em nome do autor marido, mas os autores nunca os viram, nem o autor marido apôs a sua assinatura neles – Quesitos 92º, 94º e 95º.

67) Os créditos em conta questionados em 36°, 65° e 67° estão identificados, nos extractos da dita conta dos autores, com os dizeres «DEP. VALORES» – Quesito 96º.

68) Enquanto que o reembolso/venda de obrigações é sinalizado nos extractos de conta com os dizeres «Reemb. Obrig. a débito» ou «Reembolso de Ob.», mais o nome da emissão – Quesito 97º.

69) Em 15.11.2000, (…) não se encontrava colocado no balcão de Seia do réu, mas antes na Direcção Comercial de Empresas de Coimbra do mesmo, onde desempenhava as funções de gestor de empresas. – Quesitos 98º, 99º e 100º.

70) (…) passou a desempenhar as funções de director do balcão de Seia do réu em 02.05.2001, sendo pessoa de trato afável, pelo que conseguiu estabelecer amizade com a generalidade dos clientes do réu – Quesitos 101º, 102º e 103º.

71) As gratificações assentes em M) foram-no por causa da atenção que o (…) prestava às contas dos autores – Quesitos 106º e 107º.

72) Enquanto trabalhador do réu, (…) ascendeu na carreira de bancário até à categoria de gerente de balcão – Quesitos 109º e 110º.

III. O direito:


A questão, tal como foi apresentada, desenha-se de uma forma relativamente simples:

Os autores, a conselho de (…), gerente da agência do réu de Seia, subscreveram, pelo montante de 50.000.000$00, um produto que este disse chamar-se Obrigações do Tesouro 1994-2000, 1.ª série, com capitalização, render uma taxa líquida de 14% e totalizar o valor de € 109.790.200$00 no final do período da aplicação.

Em Março de 1999, os autores resgataram daí 25.000.000$00, paga por um cheque do próprio gerente, pelo que, por via disso, a aplicação, no fim do prazo, atingiria, apenas, o valor de 82.2000.000$00, do qual os autores vieram a receber 57.200.000$00.

Os restantes 25.000.000$00 foram aplicados, a conselho, ainda, do mesmo gerente, num produto pretensamente idêntico ao anterior (Obrigações do Tesouro 2000-2003, 4.ª série).

Nenhum dos produtos tinha existência real, tendo sido forjados os documentos que o gerente do réu entregou aos autores em função deles.

A pretensão dos autores, estribada nas relações comitente/comissário (regime do artigo 500.º do Código Civil), é a de que o réu lhes devolva o mencionado montante de 25.000.000$00, acrescido da remuneração que o gerente (…) garantira, num total de 35.500.000$00, ou seja, € 177.073,25.

Na sentença (excelentemente fundamentada, saliente-se), discorreu-se assim:

A responsabilidade do comitente tem por base três pressupostos: 1) que o comissário actue por conta e sob a direcção do comitente, numa relação de dependência; 2) que o facto ilícito tenha sido praticado pelo comissário no quadro das competências ou dos poderes que lhe foram conferidos pelo comitente, ainda que com abuso de funções; 3) que o dano se deva a culpa do comissário, ou seja, que sobre este recaia a obrigação de indemnizar, nos termos gerais.

Verificam-se, em princípio, os requisitos da obrigação de indemnizar a cargo do comitente, mas não o requisito geral previsto no n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil, que é como quem diz, a ocorrência de danos susceptíveis de indemnização, pois que:

A subscrição das supostas Obrigações do Tesouro não constitui verdadeiro contrato bancário, susceptível de vincular o réu, pelo que só pode ter lugar a aplicação das regras gerais que regem a obrigação de indemnização.

O dever de indemnizar compreende o prejuízo sofrido – dano emergente – e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão – lucro cessante.

Dano emergente não existe, porque os autores receberam do gerente (…) a importância que entregaram para a pretensa aplicação (50.000.000$00).

Lucro cessante, também não, uma vez que receberam mais do que o que receberiam por uma aplicação licitamente efectuada; é que a taxa de juro remuneratório mais alta, praticada pelo réu, não ia além de 5,25% ao ano, o que daria, no período de imobilização dos 50.000.000$00, um rendimento de 11.812.500$00.

Ora, os autores receberam um total de 82.200.000$00 (25.000.000$00 em 29.03.1999 e 57.200.000$00 em Outubro de 2000), o que quer dizer que a remuneração foi superior em 20.387.500$00 ao que conseguiriam obter se tivessem investido o seu dinheiro em produto idêntico junto do banco réu.

Por outro lado, e relativamente à segunda subscrição, o montante de 25.000.000$00 nunca existiu, tratando-se de dinheiro fictício, a que os autores não tinham direito, pois que a primeira subscrição havia sido remunerada em mais do que o devido.

Os danos de natureza não patrimonial, por fim, também se não configuram, dado que se provou, apenas, que os autores andavam apreensivos e angustiados com o facto de o réu rejeitar a compensação proposta por eles, quando não ocorre o direito que os traz angustiados e apreensivos, ou seja, a compensação de créditos.

Os autores concordam, no essencial, com o teor da sentença, no que se refere à aplicabilidade e aos requisitos da responsabilidade do comitente, discordando, apenas, da parte em que se toma a posição de que não existem danos susceptíveis de indemnização.

Na sua óptica, não interessa saber se a quantia de 25.000.000$00 foi, ou não, entregue ao comissário ((…)); o que importa é que estavam convencidos de que todas as aplicações eram verdadeiras e, sendo-o, teriam de receber, no final do período, as quantias prometidas pelo empregado do réu. O seu prejuízo é esse, pois era a expectativa de lucro que tinham, para além de que sempre poderiam ter aplicado os 50.000.000$00 iniciais de uma outra forma, nomeadamente em aplicações reais em outra instituição de crédito.

Também o recorrido deu a sua adesão – no que para o caso releva, pelo menos – à fundamentação da sentença; entendeu, é certo, que a taxa de juro atendida para calcular o lucro cessante deveria ter sido mais baixa, mas isso em nada contende com o quadro legal da situação a que a decisão chegou.

Vistas as explanadas posições, poderemos assentar, desde já, em que só uma questão foi trazida a debate: a existência, ou não, de danos indemnizáveis.

O tema que seria, porventura, de mais melindrosa dificuldade, ou seja, o regime legal a aplicar, que, na sentença, se considerou ser o da responsabilidade civil extracontratual objectiva, nos precisos termos do artigo 500.º do Código Civil, e não o da responsabilidade contratual derivada do incumprimento, não deu azo a discordâncias – os autores referiram expressamente que “o que está em causa, nos presentes autos, não é o cumprimento ou incumprimento de contratos, mas sim a indemnização por factos ilícitos praticados pelo comissário, com abuso de funções e em seu benefício pessoal” –, o mesmo se passando, aliás, com a verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar a cargo do réu, salvo no que respeita à existência de danos.

De resto, a aplicabilidade do regime acolhido na sentença e pacificamente aceite pelas partes parece não sofrer contestação na nossa jurisprudência. O assunto foi tratado, muito recentemente, a propósito de caso idêntico (acontecimentos em tudo semelhantes, ocorridos com outras pessoas na mesma agência do réu e com o mesmo gerente), tanto por esta Relação (acórdão de 06.10.2009, CJ, Ano XXXIV, Tomo IV, pág. 31), como pelo Supremo Tribunal de Justiça (acórdão de 21.04.2010, processo n.º 642/04.5, disponível em www.dgsi.pt), que confirmou a decisão das instâncias.

Aí se disse, no fundamental, que, em casos como estes, em que são ilícitos os actos praticados pelo representante da pessoa colectiva, este deixa de actuar dentro dos limites dos seus poderes e, por isso, os respectivos efeitos não se repercutem na esfera jurídica do representado; os bancos existem para prosseguir actividades e fins lícitos, pelo que “em princípio, só os actos compreendidos nesse âmbito de actuação os vinculam, escapando a essa vinculação aqueles em que inexista de todo a vontade da pessoa colectiva” (citado acórdão do Supremo); como a actividade do funcionário do réu, na sua relação com os clientes foi dirigida a fins ilícitos, susceptíveis, mesmo, de integrar ilícitos criminais (de facto, o gerente (…) foi condenado em pena de prisão efectiva pela prática dos crimes de burla, falsificação de documentos e abuso de confiança, como se vê do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, certificado a folhas 922 e seguintes), afastada está a responsabilidade negocial por incumprimento, fundada nos artigos 762.º e seguintes e 800.º do Código Civil, que pressupõe, sempre, a existência de um vínculo obrigacional, para dar lugar à responsabilidade civil por facto de outrem (extracontratual ou delitual), baseada no risco, conforme os artigos 165.º, 998.º, n.º 1, e 500.º, todos do Código Civil.

Assente, portanto, a aplicação ao caso do regime jurídico da responsabilidade pelo risco e indiscutidos os demais requisitos da obrigação de indemnizar, debrucemo-nos, então, sobre a problemática dos danos.

Em sede de obrigação de indemnização o princípio base é a reconstituição natural (“quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, reza o artigo 562.º do Código Civil, designado, de futuro, abreviadamente, CC).

“O fim precípuo da lei nesta matéria é, por conseguinte, o de prover à directa remoção do dano real à custa do responsável, visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes. Se o dano (real) consistiu na destruição ou no desaparecimento de certa coisa (veículo, quadro, jóia, etc.) ou em estragos nela produzidos, há que proceder à aquisição de uma coisa da mesma natureza e à sua entrega ao lesado, ou ao conserto, reparação, ou substituição da coisa por conta do agente” (Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume I, 7.ª edição, pág. 902).

A indemnização por equivalente (artigo 566.º do CC) é a excepção.

Só quando a reposição em espécie não for possível, seja por razões materiais (morte da pessoa ou destruição de coisa não fungível), seja por questões de insuficiência (porque não cobre todos os danos, por exemplo), seja por via da sua inadequação (em casos de excessiva onerosidade para o devedor), é que se recorre à indemnização em dinheiro, a calcular em função da chamada “teoria da diferença”: diferença entre a situação (real) em que o lesado se encontra devido ao facto lesivo e a situação (hipotética) em que se encontraria se não tivesse sofrido o dano (Prof. Antunes Varela, ob. cit., pág. 902 e seguintes).

A indagação, em cada caso, sobre se deve ter lugar a restauração natural ou a indemnização por equivalente tem a ver com a melhor forma de satisfazer o interesse do lesado (não o do lesante), sendo a alternativa estabelecida em seu favor; o lesante apenas poderá discutir se a restauração natural é excessivamente onerosa para si, podendo, também, discutir o montante da indemnização em dinheiro, se for esta a opção seguida (acórdão do STJ, de 19.03.2009, processo n.º 09B0520, acessível em www.dgsi.pt).

Apelando às regras do ónus da prova estabelecidas no artigo 342.º do CC, ao credor cabe a prova do princípio (restauração natural) e ao devedor a prova da excepção (que a restauração natural é excessivamente onerosa para si – não, apenas, mais onerosa, mas excessivamente onerosa).

Em qualquer caso, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão e compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (artigos 563.º e 564.º do CC).

Voltando ao Prof. Antunes Varela, o agente só será obrigado a reparar os danos que não se teriam verificado sem o facto e que, abstraindo dele, seria de prever que não se tivessem produzido, desde que respeitem aos bens ou direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão e aos benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão (ob. cit., pág. 897 e 593).

Sendo a indemnização em dinheiro, a sua medida é a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (artigo 566.º, n.º 2, do CC).

Nas palavras, ainda, daquele mestre, do que se trata é da diferença entre a situação (real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido (ob. cit., pág. 906).

Como se disse na sentença, é fácil o apuramento dos prejuízos, se tivermos em conta a finalidade visada pelos autores com a entrega de valores pecuniários ao funcionário do réu: a subscrição de Obrigações do Tesouro, que lhe proporcionariam um determinado rendimento.

Reconstituir o património dos autores, supostamente lesado pelo réu (pelo seu empregado), passa por chegar ao valor que aqueles obteriam se tivessem subscrito, na realidade, o produto designado Obrigações do Tesouro; dito de outro modo, o montante do prejuízo corresponderá à soma das quantias entregues, acrescida dos juros que renderiam no período da aplicação.

A única quantia entregue pelos autores ao gerente da agência do réu que não teve aplicação lícita foi a de 50.000.00$00, no ano de 1994 (houve outras entregas, é certo, como resulta dos factos provados, mas aplicadas em produtos comercializados pelo réu, que, por isso, não estão aqui em causa).

Em 1994 não existia o produto Obrigações do Tesouro, nem o réu praticava taxas de juro da ordem que o seu funcionário prometeu aos autores.

Em 1999/2000 é que foram lançadas Obrigações do Tesouro, com taxas de 3, 625% e 5,25% ao ano (ponto 25 da matéria de facto).

De qualquer modo, mesmo considerando aquela taxa mais elevada, uma aplicação, em 1994, de 50.000.000$00 renderia, até 2000 (altura em que os autores receberam o capital), 11.812.500$00, como, em termos matemáticos, se demonstrou na sentença.

Ora, o que acontece é que é que os autores receberam muito mais do que isso: em 29.03.1999, o gerente do réu entregou-lhes 25.000.000$00 e, em Outubro de 2000, 57.200.000$00, o que dá um total de 82.200.000$00, mais 20.387.500$00, por conseguinte, do que o que obteriam se tivesse aplicado licitamente o capital inicial.

Prejuízo, não se vê onde esteja. Claro que não é de enjeitar a possibilidade da obtenção de lucros mais elevados em outras aplicações, designadamente em diferentes instituições de crédito, como afirmam os autores na sua alegação de recurso. Mas para que tal pudesse relevar, era necessário que tivessem alegado, em concreto, onde aplicariam o dinheiro e em que termos. É o que dizem as regras do ónus da prova (artigo 342.º, n.º 1, do CC). Não o fizeram, pelo que o esforço agora canalizado é absolutamente inglório.

Insistem, no entanto, os autores em que o prejuízo corresponde à diferença entre o que receberam e o que deviam ter recebido se tivessem sido reais os negócios estabelecidos com o gerente do réu; teriam, assim, direito ao rendimento, à taxa de 14%, quer relativamente à entrega efectiva de 50.000.000$00 em 1994, quer no que toca à pretensa aplicação de 25.000.000$00, efectuada em 15.11.2000.

Vistas bem as coisas, o que, afinal, pretendem é, como, argutamente, observa o réu na sua contra-alegação, o cumprimento dos contratos bancários, como se os mesmos fossem vinculativos para as partes, em aberta e frontal contradição com tudo o que afirmaram antes acerca da aplicação ao caso do regime da responsabilidade pelo risco.

Não pode ser. Uma tal tese conduziria, na prática, a validar uma conduta civil e criminalmente ilícita.

E a lei não quer, com certeza, que, à sua sombra, se obtenham dividendos resultantes da sua própria violação.

Concorda-se, mais uma vez, com a sentença, quando diz que o facto de determinada pessoa ser vítima de um crime não pode, nem deve, prejudicá-la, mas não pode, nem deve, também, beneficiá-la e que a pretensão dos autores daria origem a um autêntico lucro ou enriquecimento ilegítimo à custa do réu, que a lei não pode tutelar, em nome da justiça e da equidade.

Importará reparar em que o montante de 25.000.000$00, relativamente ao qual os autores almejam rendimentos na exorbitante percentagem de 14% ao ano, nunca saiu do seu bolso, não passando de uma ficção entrelaçada na emaranhada teia de expedientes urdidos pelo gerente do réu para se apropriar de dinheiros que sabia não lhe pertencerem.

A única quantia que, efectivamente, despenderam foi a de 50.000.000$00, da qual obtiveram um lucro muito superior ao que obteriam se o seu interlocutor junto do banco a tivesse aplicado em produtos comercialmente lícitos.

O acto gerador de responsabilidade não lhes ocasionou prejuízo algum, senão que benefícios avultados.

Danos patrimoniais passíveis de indemnização, por consequência, não existem.

No tocante aos danos não patrimoniais, é evidente, também, a sua falta de razão. A este respeito, provou-se, tão-só, que, “devido ao facto de o réu rejeitar a compensação proposta pelos autores, assente em J), estes últimos andam apreensivos e angustiados”.

Esclareça-se que a compensação proposta era entre o lucro que a fictícia aplicação de 25.000.000$00 em Obrigações do Tesouro inexistentes traria aos autores e um empréstimo de € 40.000,00, por eles contraído junto do banco.

Não tendo os autores direito nem ao capital nem aos juros, como antes referido, é óbvio que não são credores do réu e, nessa medida, nada podem compensar (artigo 847.º do CC).

Apreensão e as angústias derivadas de um direito que se não tem não geram obrigação de indemnizar (artigo 483.º, n.º 1, do mesmo diploma).

 

 Em suma, a sentença impugnada decidiu com toda a correcção, ao considerar que os autores não sofreram danos indemnizáveis por lei, pelo que haverá de ser integralmente confirmada.

IV. Síntese final:

1) Os bancos são civilmente responsáveis, nos termos dos artigos 165.º e 500.º do Código Civil, pelos danos sofridos pelos clientes com a actuação ilícita dos seus funcionários.

2) Assim sucede, por exemplo, se o funcionário convence o cliente a adquirir um produto bancário inexistente, com vista a utilizar o dinheiro entregue para tal fim em proveito próprio.

3) O dano, nesse caso, não se mede pelo lucro que o funcionário prometeu ao cliente, que corresponderia, no fundo, ao cumprimento do negócio, mas pelo rendimento que o cliente obteria com a aplicação lícita do capital.


V. Decisão:

Em face do exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e em confirmar, portanto, a sentença recorrida.
Custas pelos autores/recorrentes.




GONÇALVES FERREIRA ( Relator )
VIRGÍLIO MATEUS
CARVALHO MARTINS