Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
758/94.4JGLSB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ABÍLIO RAMALHO
Descritores: APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
REGIME CONCRETAMENTE MAIS FAVORÁVEL
PRAZO DE PRESCRIÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 11/03/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 2º,122.º, 123.º, 125.º E 126.ºDO CP
Sumário: 1.Tendo sido ponderada e decidida – em conformidade com o disposto no n.º 4 do art.º2.º do CP – a aplicabilidade, ao caso, da versão do Código Penal aprovada pelo art.º1.º do DL n.º 48/95, de 15/03 – em bloco –, em detrimento da vigente à época da prática dos factos, aprovada pelo art.º1.º do DL n.º 400/82, de 23/09, tida por mais desfavorável ao arguido e tendo tal decisão sido confirmada em recurso, formou-se, a propósito, caso-julgado.
2. Assim, no caso, a aferição, no âmbito processual, da incidência do instituto prescricional da pena far-se-á, necessariamente, pela interpretação e aplicação das regras da versão do C. Penal de 2005, ínsitas nos arts. 122.º, 123.º, 125.º e 126.º, e não da do de 1982.
3.Para a contagem do prazo prescricional da pena o que releva é a pena aplicada na condenação, sendo irrelevante a posterior redução da pena em razão da aplicação do perdão, estabelecido no n.º 1 do art.º1.º da Lei n.º 29/99, de 12/05.
4 A declaração de contumácia do condenado determina ao mesmo tempo a interrupção e a suspensão do prazo prescricional da pena; tal prazo volta a correr de novo e por inteiro, apenas a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO

1 – Pugnando pela revogação da decisão judicial (exarada no despacho documentado na peça de fls. 1327/1328), que considerou extinto, por prescrição, o residual – 4 (quatro) anos de prisão, não perdoado (em observância do comando normativo do art.º 1.º, n.º 1, da Lei n.º 29/99, de 12/05)da reacção penal de 5 (cinco) ANOS DE PRISÃO, que, em 27/02/1998, fora cominada ao cidadão F – melhor id.º nos autos, ausente em parte incerta e, dessarte, jurídico-processualmente contumaz –, por acórdão do Tribunal de Círculo de Alcobaça, confirmado por acórdão do STJ, de 29/10/1998, transitado-em-julgado em 09/11/1998 – a título punitivo da pessoal autoria comissiva dum crime de furto qualificado, consumado em 22/06/1994 –, dela interpôs o MINISTÉRIO PÚBLICO o recurso ora analisando, de cuja motivação (ínsita na peça junta a fls. 1332/1338) extraiu o seguinte quadro-conclusivo:
«1.º - O prazo de prescrição da pena estabelece-se por referência à pena efectiva aplicada ao arguido e não à pena residual, após a dedução decorrente do perdão;
2.º - A pena a considerar é a de 5 (cinco) anos de prisão e o prazo prescricional é de 15 (quinze anos);
3.º - Da condenação resulta que ao arguido foi aplicada a versão introduzida pelo Dec-Lei 48/95, de 15/03 do referido Código, a qual se apresentou como mais favorável e que deve ser aplicada em bloco;
4.º - A declaração de contumácia do arguido deveria ter sido tida em conta, uma vez que face à redacção do Código Penal de 1995, a prescrição do procedimento criminal interrompe-se com a declaração de contumácia.
5.º - A decisão recorrida deve ser revogada na íntegra.»

2 – Respondeu o id.º sujeito-recorrido (pelo seu Ex.mo defensor, bem-entendido) propugnando a rejeição do recurso, em razão de suscitada inobservância do ónus postulado pela al. a) do n.º 2 do art.º 412.º do CPP, (vide referente peça processual – de resposta –, a fls. 1352/1353, cujo teor identicamente se tem por reproduzido).

2 – Nesta Relação foi emitido parecer por Ex.ma PGA em sentido concordante com a tese recursória, em cujo âmbito houve por oportuno suprir a apontada lacuna jurídico-processual da motivação recursória, pela indicação das normas jurídicas tidas por violadas na sindicada decisão: art.º 121.º, n.º 1, al. c), do C. Penal, na redacção decorrente do DL n.º 48/95, de 15/03, e arts. 121.º, ns. 1, al. b), e 3, e 122.º, ns. 1, al. b), e 2, do mesmo compêndio legal, na versão actualmente vigente, resultante da Lei n.º 59/2007, de 04/09, (vd. peça de fls. 1368).

3 – Exercitando a faculdade prevenida no n.º 2 do art.º 417.º do CPP, reiterou o dito sujeito a sua argumentação opositiva, (vd. peça de 1371/1372).


II – FUNDAMENTAÇÃO

§ 1.º – QUESTÃO PRÉVIA


Não obstante se reconheça a suscitada (pelo recorrido) deficiência técnico-legal do segmento conclusivo da motivação recursiva, mormente por inobservância do ónus processual definido pelo art.º 412.º, ns. 1 e 2, al. a), do CPP, afigura-se-nos já bastantemente integrada a respectiva lacuna, em razão do atinente esclarecimento operado pela Ex.ma representante do M.º P.º (recorrente) nesta Relação – na peça de parecer de fls. 1368 –, assim, afinal, antecipando e esvaziando de sentido e utilidade o virtual/concernente convite disciplinado pelo n.º 3 do 417.º dispositivo do mesmo compêndio legal – na versão decorrente da Lei n.º 48/2007, de 29/08, aplicável à presente instância recursória, (cfr. art.º 5.º, n.º 1, do CPP).

Crê-se, por conseguinte, impersistir já a apontada razão jurídico-processual de rejeição do recurso, a cuja cognoscibilidade, dessarte, nada obsta.

§ 2.º


Com vista à cabal aferição da legalidade do sindicado acto decisório importa reter a respectiva essencialidade:
« Tendo-me sido entregues para assinatura os mandados de detenção internacional para cumprimento, pelo arguido F, da pena de quatro anos de prisão efectiva, verifico que:
- Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça transitado em julgado em 09-11-1998, foi o arguido condenado na pena de 150 dias de multa à taxa diária de 10.000$00, pela prática de um crime de falsificação na forma continuada, e na pena de cinco anos de prisão pela prática de um crime de furto;
- Por despacho proferido em 14 de Outubro de 2004 (Cfr. fls. 1180), ao abrigo do disposto no artigo 1.º, da lei n.º 29/99, de 12-05, e artigos 127.º e 128.º, n.º 2, do Código Penal, foi julgado extinto, por amnistia, um ano da pena de prisão aplicada ao arguido, restando por cumprir quatro anos de prisão, e o pagamento da multa;
- Por despacho proferido em 03-10-2008 (Cfr. fl. 1289 e 1290), foi julgada extinta a pena de multa aplicada ao arguido, por se encontrar a mesma prescrita;
- Por despacho proferido em 03-10-2008 (Cfr. fl. 1289 e 1290) foi o arguido declarado contumaz e foi ordenada a passagem de mandados de detenção.
Não obstante não sejamos alheios a jurisprudência em sentido diverso, entendemos que o prazo de prescrição da pena se estabelece por referência à gravidade da pena concreta que o arguido terá de cumprir após a dedução decorrente da amnistia ou perdão, pelo que, para efeitos de prescrição terá de considerar-se a pena concreta que o arguido tem para cumprir, ou seja, quatro anos de prisão efectiva (Cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Portuguesa, p. 336).
Assim, tendo em conta quer a redacção actual do artigo que estabelece os prazos de prescrição das penas (artigo 122.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal), quer a redacção em vigor à data da prática dos factos (em 1994, correspondia ao artigo 121.º, n.º1, alínea c) do Código Penal), o prazo de prescrição das penas iguais ou superiores a dois anos de prisão é de dez anos.
Atenta a data do trânsito em julgado da sentença (09-11-1998), e considerando que o arguido tem para cumprir quatro anos de prisão, encontra-se esta pena prescrita, pelo que a declaro extinta.
[…]
Não obstante por despacho de fls. 1325, proferido em 15-09-2009, se tenha ordenado informar o Gabinete Nacional Sirene de que a declaração de contumácia do arguido constituía causa de suspensão e de interrupção da prescrição da pena, verifico agora que, tendo os factos ocorrido no ano de 1994, é aplicável aos presentes autos o Código Penal de 1982, ao abrigo do qual, e nos termos do artigo 123.º e 124.º, a declaração de contumácia não constituía causa de suspensão ou interrupção da prescrição da pena (como, aliás, veio a ser decidido no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 5/2008, DR 92 SÉRIE I de 2008-05-13, segundo o qual no domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, nas suas versões originárias, a declaração de contumácia não constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal).
Assim, com cópia deste despacho informe o Gabinete Nacional Sirene que no caso sub judice não se verificou qualquer causa de suspensão ou interrupção da prescrição da pena por força da declaração de contumácia.
[…]»

§ 3.º


Apreciando:

1 – Como bem observa a Ex.ma magistrada recorrente, aquando da formulação do juízo – deliberativo – condenatório do id.º cidadão F, (documentado pelo acórdão do Tribunal de Círculo de Alcobaça, publicado em 27/02/1998, junto a fls. 1037/1043), foi ponderada e decidida – em conformidade com o comando normativo estabelecido no n.º 4 do respectivo art.º 2.º – a aplicabilidade, ao caso, da versão do Código Penal aprovada pelo art.º 1.º do DL n.º 48/95, de 15/03 – em bloco –, em detrimento da vigente à época da então avalianda consumação delitiva, (aprovada pelo art.º 1.º do DL n.º 400/82, de 23/09), tida por mais desfavorável ao id.º sujeito-arguido, (cfr. fls. 1041/1042).

Ora, havendo tal acto deliberativo sido confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, (cfr. acórdão de fls. 1092/1104), formou-se, a propósito, caso-julgado, (cfr. arts. 671.º, n.º 1, e 673.º, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicáveis, ex vi do art.º 4.º do C. P. Penal).

Decorrentemente, a aferição, no âmbito processual, da incidência do instituto prescricional da pena haver-se-á que necessariamente fazer pela interpretação e aplicação das referentes regras da versão do C. Penal de 2005 (ínsitas nos arts. 122.º, 123.º, 125.º e 126.º) e não da do de 1982.

2 – Doutro passo, como constitui predominante entendimento doutrinal e jurisprudencial, repercutindo-se o direito-de-graça, máxime o instituto do perdão genérico, tão-só na extensão da efectividade da sanção penal punitiva de determinado comportamento criminal, de cuja especificidade se abstrai, em nada contende com as regras regentes do instituto prescricional da própria pena, pelo que o respectivo prazo (geral) se haverá, incontornavelmente, que correlacionar com a específica reacção penal definida/cominada pelo concernente acto judicial-decisório (sentença/acórdão), e não já com qualquer eventual redução por efeito de medida de clemência – de perdão ou indulto[1]. Tal é, ademais, como é bom-de-ver, o que claramente resulta do texto normativo do n.º 2 do art.º 122.º do C. Penal (3ersão decorrente do DL n.º 48/95, de 15/03), postulante do cômputo do prazo prescricional da pena – do correspondentemente definido nas diversas alíneas do antecedente n.º 1, bem-entendido – a partir do dia (inclusive) do trânsito-em-julgado da decisão que a (pena) tiver aplicado[2].

2 – Assim, dado que o id.º sujeito fora condenado à pena de 5 (cinco) anos de prisão, de harmonia com o disposto no art.º 122.º, n.º 1, al. b), do C. Penal, na versão decorrente do DL n.º 48/95, de 15/03, o concernente prazo prescricional traduz-se, inequívoca e imodificavelmente, em 15 (quinze) anos [aliás igual ao que, na versão do DL n.º 400/82, de 23/09, já se definira no respectivo art.º 121.º, n.º 1, al. b)[3]], cujo termo inicial se localizou em 09/11/1998 – data do trânsito-em-julgado do acórdão (do STJ) de tal condenação confirmativo –, de todo para o efeito irrelevando a posterior redução da pena (a quatro anos), em razão da incidência do perdão (de um ano) estabelecido no n.º 1 do art.º 1.º da Lei n.º 29/99, de 12/05.

Por conseguinte, e dado que, pelas razões supra ajuizadas, tal prazo prescricional de 15 (quinze) anos se terá por legalmente interrompido em 03/10/2008, com a declaração de contumácia do dito condenado[4], e desde então suspenso como estatuído, respectivamente, pelos comandos normativos ínsitos nos arts. 126.º, n.º 1, al. b), e 125.º, n.º 1, al. b), da referida/aplicável versão de 2005 do Código Penal –, havendo que, de novo, voltar a correr, por inteiro, apenas a partir do dia em que cessar a causa da suspensão – por força do preceituado no n.º 2 de cada um dos referidos arts. 125.º e 126.º[5] –, torna-se evidente o desacerto jurídico do sindicado despacho e, por tal sorte, o bem-fundado do avaliando recurso, dessarte inexoravelmente procedente.


III – DISPOSITIVO


Destarte – sem outras considerações por despiciendas –, delibera-se:

– A concessão de provimento do recurso do Ministério Público, revogando-se, por consequência, o sindicado despacho – exarado a fls. 1327/1328 –, cuja substituição por outro, ordenativo dos subsequentes/pertinentes termos processuais, se determina.


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Sem tributação.

***
Acórdão elaborado pelo relator, (art. 94.º, n.º 2, do C. P. Penal).

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Coimbra, 3 de Novembro de 2010.

Os Juízes-desembargadores:


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(Abílio Ramalho, relator)


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(Luís Ramos)


[1] Vide, a propósito, por todos, Dias, Jorge Figueiredo, in Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do Crime, máxime a pags. 687/698, 702 e 714/715; e Ac. do STJ, de 01/06/2006 (relatado pelo Ex.mo conselheiro Pereira Madeira), disponível/consultável em http://www.dgsi.pt/jstj.
[2] Artigo 122.º (Prazos de prescrição das penas)
1 - As penas prescrevem nos prazos seguintes:
a) 20 anos, se forem superiores a 10 anos de prisão;
b) 15 anos, se forem iguais ou superiores a 5 anos de prisão;
c) 10 anos, se forem iguais ou superiores a 2 anos de prisão;
d) 4 anos, nos casos restantes.
2 - O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena. 
[3] Artigo 121.º (Prazos de prescrição)
1 - As penas prescrevem nos prazos seguintes:
[…]
b) 15 anos, se forem iguais ou superiores a 5 anos de prisão;
[…]
[4] Cfr. fls. 1289/1290.
[5] Artigo 125.º (Suspensão da prescrição)
1 - A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
[…]
b) Vigorar a declaração de contumácia;
[…]
2 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.
*
Artigo 126.º (Interrupção da prescrição)
1 - A prescrição da pena e da medida de segurança interrompe-se:
[…]
b) Com a declaração de contumácia.
2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
[…]