Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
98/21.8T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
VALOR DA ACÇÃO
INÍCIO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
JUNÇÃO PARCIAL DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
ACTO INÚTIL
Data do Acordão: 11/17/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DA GUARDA DO TRIBUNAL DA COMARCA DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 296.º DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL
ARTIGOS 98.º-I, N.º 4, ALÍNEA A), 98.º-J, Nº 3, ALÍNEAS A) E B), 98.º-P, N.º 2 DO CÓDIGO DO PROCESSO DE TRABALHO
Sumário: I) Na acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, o valor da acção não é determinado tendo por referência, exclusiva ou sequer principalmente, o valor da indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos na decisão final, antes é determinado pelo valor económico dos pedidos deduzidos.

II) Caso o valor da indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos na decisão final (v.g. € 5.000 euros) seja inferior ao da utilidade económica dos pedidos deduzidos inicialmente pelo trabalhador (v.g. 7.500 euros), o valor da acção deve corresponder ao da mencionada utilidade.

III) No caso de o valor da indemnização, créditos e salários reconhecidos na decisão final exceder o da utilidade económica dos pedidos inicialmente deduzidos, o valor da acção deve ser determinado tendo em conta, para lá da referida utilidade económica, o valor global da indemnização, créditos e salários que tenham sido efectivamente reconhecidos na decisão final, designadamente a diferença entre o valor assim reconhecido e o reclamado inicialmente pelo trabalhador.

IV) O acto que marca o início do procedimento disciplinar é a decisão do empregador de promover a abertura do procedimento contra dado trabalhador.

V) Por regra, na acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do estabelecimento, o empregador deve juntar todo o procedimento disciplinar, não estando na disponibilidade do empregador escolher, das peças que integram o procedimento disciplinar, aquelas que pretende ou não juntar.

VI) Apesar do empregador não ter junto algumas peças que integram o procedimento disciplinar, como por exemplo a decisão de suspensão preventiva do trabalhador, não deve aplicar-se o regime sancionatório do art. 98.º-J, n.º 3, alíneas a) e b) do Código do Processo de Trabalho quando a junção das peças em falta redundar num acto perfeitamente inútil e se a junção parcial do procedimento disciplinar satisfizer a motivação que subjaz à exigência legal de junção à acção do procedimento disciplinar movido pelo empregador ao trabalhador.

Decisão Texto Integral:







Acordam na 6.ª secção social do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

O autor propôs contra a ré a presente acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, mediante apresentação do correspondente formulário legal, no qual conclui requerendo que se declare a ilicitude ou a irregularidade do despedimento de que foi alvo por parte da ré, com as legais consequências.

A ré apresentou articulado motivador do despedimento, sustentando que o despedimento do autor foi lícito, porque decidido com fundamento em factos integradores de justa causa subjectiva de despedimento, no termo de um procedimento disciplinar regularmente tramitado para o efeito.

O autor contestou e deduziu reconvenção no qual concluiu pela forma seguidamente transcrita:

Conclusão Um. Deve o douto Tribunal:

a) Condenar a RÉ, EE, a reintegrar o AUTOR no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;

b) Condenar a RÉ, EE, no pagamento das retribuições que o AUTOR deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento;

c) Ordenar a notificação do AUTOR para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione quaisquer outros créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação, incluindo a indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 389.º do Código do Trabalho.

SEM PRESCINDIR:

Conclusão Dois. Deve o douto Tribunal:

a) Decretar a nulidade do procedimento disciplinar e da decisão de despedimento;

b) Condenar a RÉ, EE, a reintegrar o AUTOR no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;

c) Condenar a RÉ, EE, no pagamento das retribuições que o AUTOR deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento;

d) Ordenar a notificação do AUTOR para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione quaisquer outros créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação, incluindo a indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 389.º do Código do Trabalho.

SEM PRESCINDIR:

Conclusão Três. Deve o douto Tribunal:

a) Decretar que os factos dados como provados não são suficientemente graves nem têm consequências suficientes para colocarem em causa a relação laboral;

b) Condenar a RÉ, EE, a reintegrar o AUTOR no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;

c) Condenar a RÉ, EE, no pagamento das retribuições que o AUTOR deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento;

RECONVENÇÃO:

Conclusão Quatro. Deve o douto Tribunal:

a) Condenar a RÉ, EE, no pagamento duma indemnização de 3.000,00€, pelos danos não patrimoniais já verificados;

b) Condenar a RÉ, EE, no pagamento duma indemnização de 500,00€ por cada mês pelo qual perdure a medida disciplinar de despedimento, quanto aos danos não patrimoniais futuros – a liquidar;

AINDA, RECONVENÇÃO:

Conclusão Cinco. Deve o douto Tribunal:

a) Condenar a RÉ, EE, no pagamento duma indemnização de 3.625,55€, pelos danos patrimoniais já verificados;

b) Condenar a RÉ, EE, no pagamento duma indemnização equivalente às retribuições a partir de 03/03/2021, aos correspondentes dias de Subsídio de Natal de Natal, aos correspondentes dias de Subsídio de Férias e às férias proporcionais a tais dias, quanto aos danos patrimoniais futuros – a liquidar.”.

Sustentou, em resumo, que se verifica a falta de junção do procedimento disciplinar por parte da ré, que o procedimento disciplinar é nulo e que não ocorre justa causa subjectiva que suporte o despedimento de que foi alvo por parte da ré.

A acção prosseguiu os seus regulares termos, tendo sido proferida sentença de cujo dispositivo consta, designadamente, o seguinte:

Por todo o exposto, julgo improcedente a presente acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, intentada pelo trabalhador, ora autor, José Carlos Ribeiro Silva, contra a entidade empregadora, ora ré, A… e absolvo esta última dos pedidos efetuados pelo primeiro.
Custas pelo autor, atenta a improcedência da acção e o disposto no art. 527.º do CPC.”.
No tocante ao valor da acção, decidiu-se na sentença em causa pela sua fixação em €2.000.

Não se conformando com o assim decidido, apelou o autor, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:

*
II - Principais questões a decidir

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex-vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir:
1ª) saber se a sentença recorrida fixou indevidamente o valor da acção;
2ª) saber se a matéria de facto foi incorrectamente julgada, devendo ser alterada;
3ª) se a ré não cumpriu a obrigação de juntar aos autos o procedimento disciplinar pela circunstância de aquele que juntou não conter a decisão de suspensão preventiva do autor;
4ª) se o procedimento disciplinar é nulo pela circunstância de não existir notícia da infracção reduzida a escrito;
5ª) se o autor incorreu em comportamento integrador de justa causa subjectiva de despedimento.
*
III – Fundamentação

A) De facto

Factos provados

O tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos:

1. O trabalhador desempenhava funções no sector administrativo da ré A…, sendo o seu local de trabalho um gabinete no rés-do-chão da sede.
2. No dia 21 de Setembro de 2020, o trabalhador foi chamado à sala de reuniões da Mesa Administrativa, estando presentes o Dr. B…, que presidia, C…, D… e E…, para aí discutir com eles assuntos de trabalho.
3. Tinha sido o trabalhador a pedir para ser ouvido sobre essas questões.
4. Chegado o trabalhador à sala, e depois de ter exposto algumas dessas questões, foi-lhe pedido por vários membros da Mesa que pusesse a sua máscara de protecção facial pois não a tinha colocada.
5. Nesse momento o trabalhador disse “Foda-se!” e, dirigindo-se aos membros da mesa administrativa, “Sois todos uma cambada!” e “Ide todos à merda!”.
6. Logo de seguida, o trabalhador saiu da sala e bateu a porta com força.
7. No dia seguinte, aquando da entrega ao trabalhador, na sede da empregadora, da comunicação de suspensão preventiva e de lhe ser pedido que abandonasse as instalações ele recusou-se a fazê-lo, acedendo a sair apenas alguns minutos depois, quando foi chamada a PSP e saindo poucos segundos antes de os agentes chegarem.
8. Quando se foi entregar ao trabalhador a notificação de prevenção preventiva este estava sem máscara, mantendo-se sem ela até ao momento em que abandonou as instalações.
9. Sabia e sabe o trabalhador que tem por obrigação tratar com respeito todos os funcionários da entidade empregadora e todos os seus superiores hierárquicos, assim como sabia e sabe que tem de manter a máscara de protecção facial colocada sempre que esteja dentro das instalações da A….
10. Tinha já o trabalhador sido condenado em três processos disciplinares nas sanções de repreensão escrita (em 26 de Janeiro de 2017 por ter chamado uma colega de “burra” e de lhe ter dito “vá à merda”), de perda de dois dias de férias (em 1 de Junho de 2017, também por violação do dever de respeito) e de 7 dias de suspensão (em 21 de Julho de 2017 por, ao ter-lhe sido entregue a segunda nota de culpa ter dito “foda-se, estou farto disto tudo).
11. Foi emitida nota de culpa pela empregadora, tendo a sua ilustre mandatária da altura solicitado por e-mail de 9 de Outubro de 2020 ao instrutor que lhe remetesse o processo disciplinar em pdf, por email, de modo a evitar-lhe a deslocação à A….
12. Em resposta, datada de 13 de Outubro de 2020, o instrutor remeteu a ficha de funcionário e os antecedentes disciplinares do arguido, esclarecendo serem esses os elementos constantes do processo, uma vez que a participação e a nomeação como instrutor foram verbais.
13. O trabalhador respondeu à nota de culpa, pedindo a inquirição de testemunhas (sobre a matéria da defesa) que foram ouvidas em 24 de Novembro de 2020.
14. Juntou três documentos com a resposta à nota de culpa.
15. Em 7 de Dezembro de 2020 foi proferido relatório final, sendo comunicada ao trabalhador a decisão de o despedir com justa causa e efeitos imediatos em 15 de Dezembro de 2020, por ofício acompanhado do relatório final.

*
16. A ré não juntou aos autos a missiva pela qual suspendeu preventivamente o autor.
17. No caso dos autos, a notícia da infracção não foi reduzida a escrito
18. A ré tem a incumbência legal de promover o uso da máscara e não proibiu o acesso do autor às suas instalações pelo não uso da máscara.
19. O autor entrou na reunião com a máscara colocada, a qual começou a escorregar, durante a exposição que estava fazendo e acabou por retirá-la.
20. O autor utilizou um impropério e dirigiu-se à Mesa com expressões inadequada.
21. O autor havia visto o seu desempenho profissional colocado em causa, sem motivo, quanto à sua pontualidade e ao seu desempenho.
22. O autor, no dia seguinte, na sede da ré, no momento em que lhe foi entregue a comunicação da suspensão preventiva, recebeu um pedido para abandonar as instalações, tendo recusado fazê-lo de imediato.
23. “Caindo em si”, ainda antes da recepção da comunicação da suspensão preventiva, dirigiu ao Exmo. Sr. Vice-Provedor e aos membros da Mesa Administrativa da ré, um pedido de desculpas, que não foi tomado em consideração como circunstância atenuante.
24. A ré declarou o autor como um funcionário meritório, aumentando-lhe a sua retribuição regular em 9,52% (de 1.050,00€ para 1.150,00€).
25. À data do despedimento trabalhava na ré há quase 23 anos.
26. É, reconhecidamente, pela ré, um trabalhador competente, tendo esta lhe cometido funções elevadas e somente confiáveis a quem seja de confiança, como as relativas à Protecção de Dados.
27. É, reconhecidamente, pela ré e pelos colegas, um trabalhador competente e empenhado.
28. Sempre actuou de uma maneira profissional, dando prioridade ao trabalho relativamente ao lazer, chegando a trabalhar nas férias para que o trabalho não se atrasasse e de forma a que fossem evitados erros nas conciliações bancárias, sendo que quando o fez a própria Mesa Administrativa lhe concedeu um prémio de 2 dias de férias, reconhecendo desta forma o seu profissionalismo.
29. Sempre realizou trabalho extraordinário (parcialmente não remunerado, porque o autor, por vezes, prescindiu da remuneração a que tinha direito) em situações de encerramento de contas, havendo situações em que chegava a trabalhar todos os fins-de-semana dos meses de Janeiro e de Fevereiro.
30. Sempre colocou à vontade os seus colegas e os seus superiores para o poderem contactar, com vista à resolução de quaisquer problemas que surgissem, mesmo quando estivesse de férias, contactos que aconteceram.
31. A reunião em que ocorreram os acontecimentos que motivaram o processo disciplinar tinha sido solicitada pelo autor, com vista a que os seus superiores hierárquicos tomassem medidas:

- Quanto à emissão de recibos (o autor é o Técnico de Contabilidade Principal da ré), que, frequentemente, estavam sendo passados com erros, o que denegria a imagem da ré.
- Quanto à protecção de dados, de que o autor era o responsável, estavam sendo tiradas cópias de Cartões de Cidadãos de Utentes da ré, sem que estes o autorizassem.
- Quanto aos registos de saída dos stocks, eles estavam a ser inseridos com diferenças temporais muito grandes em relação aos factos, o que provocava problemas contabilísticos.
- Quanto à organização dos documentos de compras por ordem e dentro das respectivas datas, a mesma não era feita, o que provocava problemas contabilísticos.
- Quanto ao registo dos cheques emitidos pela ré, os mesmos eram, na óptica contabilística, indevidamente datados no programa “tesouraria”, o que provocava problemas contabilísticos.
- Quanto às facturas lançadas, muitas enfermavam de erros, quanto a datas, valores, números de identificação fiscal.
- Quanto à criação de contas de “clientes/utentes” novos no programa de contabilidade, e quanto às contas-correntes dos funcionários novos, havia vários erros e faltas de lançamentos, o que provocava problemas contabilísticos.
- Quanto aos Fundos de Compensação estavam sendo pagos valores indevidos, por falta de “baixa” no sistema dos ex-trabalhadores, o que provocava prejuízos imediatos à Ré.
- Encontravam-se valores registados em duplicado na tesouraria, detectados na conciliação bancária, o que provocava problemas contabilísticos.
32. O autor visava apresentar aos seus superiores hierárquicos várias sugestões de melhoria de funcionamento da ré.
33. O autor está a sofrer com a medida de despedimento adoptada pela ré.
34. A medida de despedimento privou o autor das suas retribuições de 17 dias em Dezembro de 2020 (651,67€), das suas retribuições de Janeiro, de Fevereiro e de 3 dias de Março de 2021, correspondentes a 62 dias (2 376,67€), dos correspondentes 79 dias de Subsídio de Natal de 2020 e de 2021 (252,36€), dos correspondentes 79 dias de Subsídio de Férias de 2020 e de 2021 (286,77€) e das férias proporcionais a tais 79 dias (286,77€), num total actual de 3.625,55€;
35. A medida de despedimento privará o autor das suas retribuições a partir de 03/03/2021, dos correspondentes dias de Subsídio de Natal de Natal, dos correspondentes dias de Subsídio de Férias e das férias proporcionais a tais dias, a liquidar.”.
*
B) De Direito



Primeira questão: saber se a sentença recorrida fixou indevidamente o valor da acção.

Sobre esta temática escreveu-se o seguinte na sentença recorrida: “De acordo com o artigo 98.º-P do Código de Processo do Trabalho:

Para efeitos de pagamento de custas, aplica-se à acção de impugnação judicial de regularidade e licitude do despedimento o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 12.º do Regulamento das Custas Processuais.

E o valor da causa é sempre fixado a final pelo juiz tendo em conta a utilidade económica do pedido, designadamente, o valor de indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos.

Importa sublinhar que o valor da indemnização, créditos e salários reconhecidos ao trabalhador constitui apenas um dos fatores a considerar para efeitos de determinação do valor da causa, não excluindo outros fatores.

Desde logo porque poderá suceder que não sejam reconhecidos quaisquer créditos ao trabalhador.
No caso vertente, uma vez que não foram fixados quaisquer montantes, fixo o valor da causa em €2.000,00, nos termos da disposição supra referida que remete para o art. 12.º, 1, al. e) do Regulamento das custas processuais.
Nos termos do art. 296º/1 do NCPC, “A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica do pedido.”.
Assim, o critério geral para a determinação do valor de uma acção coincide, pois, com a utilidade económica imediata que pela acção se pretende obter.
 Por seu turno, prescreve o art. 98º-P/2 do CPT que “O valor da causa é sempre fixado a final pelo juiz tendo em conta a utilidade económica do pedido, designadamente o valor de indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos.”.
Resulta do normativo acabado de transcrever que na determinação do valor da acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento deve ser levado em consideração a utilidade económica dos pedidos que tenham sido deduzidos, atendendo-se, designadamente, ao valor de indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos.
Ou seja, o valor da acção não é determinado tendo por referência, exclusiva ou sequer principalmente, o valor da indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos na decisão final, antes é determinado pelo valor económico dos pedidos deduzidos, sendo que há pedidos que podem ser deduzidos pelo trabalhador e que nada têm que ver com créditos indemnizatórios e salariais, mas que também podem e devem ter um valor autónomo para efeitos de fixação global do valor da acção – por exemplo, o pedido de declaração de ilicitude do despedimento, o de reintegração do trabalhador no seu posto de trabalho.
E compreende-se que também tenha de atender-se ao valor da indemnização, créditos e salários que sejam reconhecidos na decisão final, pois que a grandeza quantitativa de alguns deles pode ser determinada/alterada, também, pelo próprio tempo de duração da acção (v.g., o valor das retribuições intercalares, o montante da indemnização por antiguidade substitutiva da reintegração), a qual pode fazer variar, assim, os montantes devidos ao trabalhador por referência àqueles que seriam devidos à data da proposição da acção.
Assim, caso o valor da indemnização, créditos e salários que tenham sido reconhecidos na decisão final (v.g. € 5.000 euros) seja inferior ao da utilidade económica dos pedidos deduzidos inicialmente pelo trabalhador (v.g. 7.500 euros), o valor da acção deve corresponder ao da mencionada utilidade - assim se respeita o determinado na primeira parte do citado normativo.
Nem podia ser de outro modo, sob pena de em caso de improcedência de todos os pedidos deduzidos em matéria de indemnização, créditos e salários (v.g 5.000 euros) se considerar que tais pedidos não poderiam ser atendidos para efeitos de fixação do valor da acção; nesse caso e entendimento, estando em causa uma acção em que apenas tenham sido deduzidos pedidos dessa natureza, chegar-se-ia à conclusão insustentável de que a acção teria como valor o de 0 euros.
No caso de o valor da indemnização, créditos e salários reconhecidos na decisão final exceder o da utilidade económica dos pedidos inicialmente deduzidos, o valor da acção deve ser determinado tendo em conta, para lá da referida utilidade económica, o valor global da indemnização, créditos e salários que tenham sido efectivamente reconhecidos na decisão final, designadamente a diferença entre o valor assim reconhecido e o reclamado inicialmente pelo trabalhador - assim se respeita o determinado na segunda parte do citado normativo.
Assim, por exemplo, se  aos pedidos formulados pelo autor tiver sido atribuída uma utilidade económica inicial de 5.000 euros, neles se incluindo pedidos iniciais de indemnização, créditos e salários no valor de 3.000 euros e pedidos de declaração de ilicitude do despedimento e de reintegração do autor no seu posto de trabalho, a que se tenha atribuído 2.000 euros de utilidade económica, no caso de procedência destes dois últimos formulados pelo autor e de reconhecimento de indemnização, créditos e salários no valor global de 4.500 euros, o valor da acção deve ser fixado em 6.500 euros [5.000 + (4.500 – 3000].
No caso em apreço, o trabalhador pediu reconvencionalmente o seguinte:
Conclusão Três. Deve o douto Tribunal:
a) Decretar que os factos dados como provados não são suficientemente graves nem têm consequências suficientes para colocarem em causa a relação laboral;
b) Condenar a RÉ, EE, a reintegrar o AUTOR no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
c) Condenar a RÉ, EE, no pagamento das retribuições que o AUTOR deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento;
RECONVENÇÃO:
Conclusão Quatro. Deve o douto Tribunal:
a) Condenar a RÉ, EE, no pagamento duma indemnização de 3.000,00€, pelos danos não patrimoniais já verificados;
b) Condenar a RÉ, EE, no pagamento duma indemnização de 500,00€ por cada mês pelo qual perdure a medida disciplinar de despedimento, quanto aos danos não patrimoniais futuros – a liquidar;
AINDA, RECONVENÇÃO:
Conclusão Cinco. Deve o douto Tribunal:
a) Condenar a RÉ, EE, no pagamento duma indemnização de 3.625,55€, pelos danos patrimoniais já verificados;
b) Condenar a RÉ, EE, no pagamento duma indemnização equivalente às retribuições a partir de 03/03/2021, aos correspondentes dias de Subsídio de Natal de Natal, aos correspondentes dias de Subsídio de Férias e às férias proporcionais a tais dias, quanto aos danos patrimoniais futuros – a liquidar.
A final, improcederam todos os pedidos formulados pelo autor.
Assim sendo, o valor da acção deve ser calculado, na situação em apreço, pelo correspondente à utilidade económica dos pedidos deduzidos pelo autor, apesar destes terem improcedido integralmente.
No que concerne ao pedido de reintegração do autor, a sua utilidade económica deve ser aferida pelo valor correspondente à da indemnização por antiguidade que é sucedânea da dita reintegração (art. 391º/1 do CT/09).
Assim sendo, considerando a antiguidade do autor de pelo menos 22 anos (ponto 25º dos factos provados), o seu salário base de 1.150 euros que se extrai do ponto 24º dos factos provados e proporcionalmente da matéria de facto descrita no ponto 34º dos factos provados, e o limite máximo que poderá atingir o critério legal de quantificação da indemnização (45 dias de retribuição por cada ano de antiguidade – art. 391º/1 do CT/09), temos que esta indemnização poderia atingir um valor de 37.950 euros.
A significar que o valor da presente acção nunca poderia ter sido fixado em medida inferior aos 36.625,56€ oferecidos pelo autor na reconvenção e pelos quais pugna novamente nas alegações.
Procede, assim, a pretensão recursiva do apelante e à qual este tribunal se encontra tematicamente vinculado no sentido de à presente acção ser fixado um valor de 36.625,56€.

*
Segunda questão: saber se a matéria de facto foi incorrectamente julgada, devendo ser alterada.

(…)
*
Terceira questão: se a ré não cumpriu a obrigação de juntar aos autos o procedimento disciplinar pela circunstância de aquele que juntou não conter a decisão de suspensão preventiva do autor.

A respeito desta questão revelam os autos que: i) o autor foi suspenso preventivamente no dia 22/9/2020, anteriormente à dedução de nota de culpa, nos termos e para os efeitos do art. 354º/2 do CT/09; ii) em momento posterior ao da suspensão preventiva, já em Outubro de 2020, a ré deduziu contra o autor a nota de culpa em que imputou a este os factos com base nos quais, posteriormente e em sede de decisão final do procedimento disciplinar, decidiu despedi-lo com invocação de justa causa subjectiva; iii) o procedimento disciplinar junto pela ré aos autos não continha a decisão de suspensão preventiva referida em i).

Neste específico enquadramento, não acompanhamos a ré no entendimento que sustenta de que o procedimento disciplinar se inicia com o inquérito prévio ou com a nota de culpa, razão pela qual a decisão de suspensão preventiva do trabalhador não integra formalmente o procedimento disciplinar.

Na verdade, como escreve Pedro Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, 2012, Principia, págs. 200-201), “Em rigor, o procedimento não se inicia com a nota de culpa, nem com a respectiva elaboração, nem com a sua comunicação ao trabalhador, embora seja este último momento que a lei toma como referência para a contagem.
(…)
Pensamos que o ato que marca o início do procedimento de despedimento é a decisão do empregador – ou do superior hierárquico com competência disciplinar – de promover a abertura do procedimento contra dado trabalhador.

É certo quer se pode dizer que esta decisão em si não faz parte do procedimento, pois parece situar-se a montante do mesmo, só tendo o procedimento início quando é praticado algum ato subsequente, como por exemplo a nomeação do instrutor ou a realização por este de alguma diligência preparatória da nota de culpa. Contudo, tendo presentes as razões que estão por detrás da imposição dos prazos do procedimento – evitar que a inação do empregador se mantenha, depois de ter conhecimento que certo trabalhador praticou determinada infracção grave, suscetível de inviabilizar a prossecução da relação de trabalho –, julgamos que se deve entender que, em regra, este se inicia no momento em que é tomada a decisão de instaurar o procedimento.

Note-se que a instauração de um procedimento prévio de inquérito, nos termos do artigo 352.º, também pressupõe que o procedimento de despedimento se iniciou. Assim o indica a letra do preceito, ao referenciar ao inquérito a elaboração da nota de culpa. E o mesmo sucede com a decisão de suspender preventivamente o trabalhador quando tomada antes da notificação da nota de culpa, nos termos do artigo 354.º, 2.”.

A significar, por reporte ao caso dos autos, que o procedimento disciplinar instaurado pela ré ao autor iniciou-se, pelo menos, com a comunicação ao autor da decisão da sua suspensão preventiva.

Pois bem, essa decisão não consta do procedimento disciplinar junto pela ré com o articulado motivador do despedimento com vista à satisfação da exigência formal decorrente das disposições conjugadas dos arts. 98º-I/4/a e 98º-J/3 do CPT.

Por outro lado, também não acompanhamos a ré no seu entendimento de que existe “liberdade de decisão por parte da empregadora quanto às peças que … devem integrar ...” o procedimento disciplinar.

Na verdade, ao invés do assim sustentado pela ré, ao reportarem-se ao procedimento disciplinar, os arts. 98º- I, nº 4, e 98º-J, nº 3 fazem-nos por reporte a todo ele, integrado por todos os actos que hajam sido levados a cabo, não estando na disponibilidade do empregador escolher, das peças que integram o procedimento disciplinar, aquelas que pretende ou não juntar – acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 3/6/2019, proferido no processo 1558/18.3T8VLG-A.P1, do Tribunal da Relação de Évora de 16/1/2014, proferido no processo 187/13.2TTPTM-A.E1, deste Tribunal da Relação de Coimbra de 25/9/2020, proferido no processo 6841/19.8T8CBR.C1, subscrito como adjuntos pelos aqui relator e primeira-adjunta.

Como assim, não tendo a ré junto aos autos a decisão de suspender preventivamente o autor, dir-se-ia que não cumpriu a mesma a obrigação que sobre si impendia de junção integral do procedimento disciplinar a que acabou de aludir-se, com as consequências legalmente associadas a tal omissão.

Porém, importa não olvidar que a exigência legal de junção do procedimento disciplinar tem a sua justificação nos seguintes motivos:

1) Determinar a exclusão ab initio do prosseguimento da acção naqueles casos em que o despedimento tenha sido proferido sem precedência do procedimento disciplinar,  pois que o despedimento seria sempre ilícito (art. 381º/c do CT/2009);

2) Existindo o procedimento disciplinar e tratando-se de um documento já previamente elaborado, deve o mesmo ser entregue a fim de:

a) Permitir ao trabalhador a consulta do mesmo e o acesso a toda a informação relevante para organizar a sua defesa;

b) Permitir ao juiz, nos limites que à sua actividade cognitiva e decisória são impostos pelos princípios do dispositivo e do pedido, a verificação da legalidade dos actos praticados no procedimento, nomeadamente, se a decisão disciplinar e o articulado inicial se situaram dentro dos limites dos factos elencados na nota de culpa.

Ora, no caso específico dos autos, no dia imediato ao da prática dos factos que justificaram a actuação disciplinar da ré sob escrutínio, foi comunicada ao autor, pela ré, a decisão de suspensão preventiva (ponto 22º dos factos provados), razão pela qual o autor logo naquele dia ficou a conhecer aquela decisão de suspensão e que a ré tinha decidido actuar disciplinarmente contra si.

A significar que logo no início do procedimento disciplinar e mesmo antes da instauração da presente acção o autor ficou na posse da decisão de suspensão preventiva e dos seus fundamentos, estando por isso na posse de todos os elementos necessários para, com base na mesma e nos seus fundamentos, exercer o direito de defesa nos termos que entendesse como os mais adequados.

Por outro lado, foi a ré quem alegou nos autos, pela primeira vez, que o autor tinha sido sujeito à medida cautelar de suspensão preventiva (art. 8º do articulado motivador), sendo que, como visto, o autor já estava e mesmo antes de ter sido notificado da nota de culpa, na posse dessa decisão de suspensão e dos seus fundamentos.

De tudo flui, assim, que o autor estava na posse, mesmo antes da instauração desta acção, de toda a informação relativa ao único acto praticado no procedimento disciplinar cujo suporte físico não consta do procedimento disciplinar que a ré remeteu a estes autos, estando integralmente garantido o direito de defesa que o autor pretendesse exercer a partir desse acto e dos seus fundamentos.

Aliás, foi o autor quem tomou a iniciativa de juntar aos autos essa decisão de suspensão preventiva, sendo que não foi por ele deduzida qualquer pretensão de apreciação da (i)licitude da decisão de suspensão preventiva sobre a qual o tribunal tivesse que se pronunciar, estando excluída qualquer possibilidade de apreciação oficiosa dessa (i)licitude.

Finalmente, não foi arguida qualquer situação de caducidade ou de prescrição de entre as cominadas no art. 329º do CT/09, matéria que também não é de conhecimento oficioso.

Assim, com a junção do procedimento disciplinar feita pela ré ficou preenchida integralmente a motivação que subjaz à exigência legal de junção à presente acção do procedimento disciplinar movido pelo empregador ao trabalhador.

A significar que para efeitos do cabal exercício do direito de defesa por parte do autor e da apreciação jurisdicional, processualmente possível, da legalidade dos actos praticados no procedimento, a junção aos autos, com o procedimento disciplinar apresentado pela ré, do suporte físico da decisão de suspensão preventiva representava um acto excrescente, inútil e, por isso, proibido por lei (art. 130º do NCPC).
Acresce que a aplicação na situação em apreço do regime sancionatório do art. 98º-J/3/a/b do CPT com o fundamento de que não foi junto aos autos algo que, porém, seria inútil e proibido juntar, materializaria uma solução interpretativa e decisória: i) de concretização da prevalência absoluta da forma sobre a substância que o legislador processual vem postergando desde a reforma processual civil de 1995, com particular ênfase na reforma introduzida pelo actual CPC; ii) lesiva do princípio da proporcionalidade[1], uma vez que a aplicação daquele regime sancionatório é completamente desadequada e destituída de racionalidade, logo arbitrária, excessiva e constitucionalmente vedada, numa situação, como a dos autos, em que mesmo sem a junção do suporte material da decisão de suspensão preventiva do autor está completamente satisfeita a motivação subjacente à exigência legal de junção de procedimento disciplinar e a cuja violação está associado aquele regime; iii) que excederia, por reporte ao caso dos autos e ao objecto do processo delimitado a que o tribunal está vinculado, no qual não se integra qualquer questão de apreciação referente à decisão de suspensão preventiva do autor, o direito de acesso aos tribunais do autor reconhecido no art. 20º/1 da CRP, o qual lhe garante o direito a deduzir junto de um órgão independente e imparcial com poderes decisórios uma dada pretensão com base na qual se delimita o objecto do processo equitativo através do qual se pretende o reconhecimento daquela pretensão, processo esse que deve ser  justo na sua conformação legislativa e tem de ser materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais.

Termos em que se conclui no sentido de que na particular situação concreta em apreço foi satisfeita a exigência legal de junção aos autos pela empregadora do procedimento disciplinar movido pelo empregador ao trabalhador, não obstante a ré não ter junto a decisão de suspensão preventiva do trabalhador a que o sujeitou.

É negativa, assim, a resposta a esta questão.

*
Quarta questão: se o procedimento disciplinar é nulo pela circunstância de não existir notícia da infracção reduzida a escrito.

Independentemente de se saber se o procedimento disciplinar devia ou não iniciar-se, obrigatoriamente, através de uma notícia da infracção reduzida a escrito, importa ter em consideração que estando em causa um procedimento disciplinar visando o despedimento do trabalhador, as causas de invalidade de tal procedimento estão taxativamente enunciadas no art. 382º/2 do CT/09 – no sentido da afirmada taxatividade podem consultar-se, por exemplo, os acórdãos do STJ de 14/4/2008, de 7/7/2010 e de 4/4/2014, proferidos nos processos 08S643, 123/07.5TTBGC.P1 e 553/07.2TTLSB.L1.S1 (à luz do CT/03), da Relação do Porto de 14/3/2016, proferido no processo 1097/15.4T8VLG-A.P1, de 10/9/2012, proferido no processo 448/11.5TTVFR-A.P1, da Relação de Coimbra de 7/2/2013, proferido no processo 1004/11.3T4AVR.C1 e relatado pelo aqui segundo adjunto, da Relação de Évora de 14/1/2016, proferido no processo 642/15.0T8EVR.E1, e de 23/6/2016, proferido no processo 642/15.0T8EVR.E1.

Como assim, face ao estatuído naquele artigo 382º/2 do CT/09, a invalidade do procedimento disciplinar só pode ser declarada se: faltar a nota de culpa ou se esta não estiver escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador (alínea a); faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa (alínea b); se não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo ou a responder à nota de culpa ou o prazo para resposta à nota de culpa (alínea c); a comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, se a decisão invocar factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade, ou se a mesma se não mostrar elaborada com ponderação das circunstâncias relevantes para o caso, entre as quais se contam, exemplificativamente, as previstas no nº 3 do art. 351º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, caso tenham sido emitidos (alínea d).

Flui de quanto acaba de referir-se que não figura entre as causas taxativas de invalidade do procedimento disciplinar a omissão de uma notícia da infracção reduzida a escrito que dê origem ao procedimento disciplinar.

Consequentemente, sem necessidade de outras considerações, responde-se negativamente à questão em apreciação.


*
Quinta questão: se o autor incorreu em comportamento integrador de justa causa subjectiva de despedimento.

Conformando-se com a garantia constitucional da estabilidade no emprego e da proibição dos despedimentos sem justa causa decorrente do art. 53º da Constituição da República Portuguesa (CRP), prescreve o art. 338º CT/2009 que “É proibido o despedimento sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.”, estatuindo o nº 1 do art. 351º do mesmo diploma que “Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
Por sua vez, no nº 2 da mesma disposição legal, a título exemplificativo, o legislador concretizou alguns dos comportamentos do trabalhador que poderão constituir, eventualmente, justa causa de despedimento.
Os nºs 1 e 2 do art. 351º do CT/2009 correspondem, no essencial, aos nºs 1 e 3 do art. 396º do CT/2003, bem como aos nºs 1 e 2 do art. 9º da anterior Lei dos Despedimentos (DL 64-A/89, de 27/02), pelo que mantiveram actualidade a doutrina e jurisprudência anteriores, relativas à justa causa de despedimento.
Ora, segundo tem sido doutrina e jurisprudência pacíficas, a existência de justa causa de despedi­mento nos termos do citado preceito, exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
1) um, de natureza subjectiva, traduzido num comportamento ilícito[2] e culposo do trabalhador, que não tem de ser praticado no local de trabalho[3], mas que tem de traduzir-se num incumprimento[4] grave dos deveres contratuais[5] do trabalhador;
2) outro, de natureza objectiva, que se traduz na impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação de trabalho;
3) e, ainda, a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade de subsistência da relação laboral.
Assim, para que se esteja perante justa causa de despedimento torna‑se necessário que haja um comportamento culposo do trabalhador e que a sua gravidade seja de tal ordem que torne impossível, do ponto de vista prático e imediato, a subsistência da relação de trabalho.
A justa causa do despedimento pressupõe uma acção ou uma omissão imputável ao trabalhador a título de culpa[6], e violadora dos deveres principais, secundários ou acessórios de conduta a que o trabalhador, como tal, está sujeito, deveres esses emergentes do vínculo contratual, cuja observância é requerida pelo cumprimento da actividade a que se obrigou, pela disciplina da organização em que essa actividade se insere, ou, ainda, pela boa-fé que tem de registar-se no cumprimento do contrato.
Não basta, porém, aquele comportamento culposo do trabalhador. É que, sendo o despedimento a mais grave das sanções, para que o comportamento do trabalhador integre a justa causa é ainda necessário que seja grave em si mesmo e nas suas consequências[7], de modo a tornar prática e imediatamente impossível a subsistência da relação laboral[8].
E a gravidade do comportamento do trabalhador não pode aferir‑se em função do critério subjectivo do empregador, devendo atender‑se a cri­térios de razoabilidade, considerando a natureza da relação laboral, o grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, o carácter das relações entre as partes e demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes – nº 3 do art. 351º do Código do Trabalho/2009.
Tanto a gravidade como a culpa hão‑de ser apreciadas em termos objectivos e concretos, de acordo com o entendimento de um bom pai de família ou de um empregador normal, em face do caso concreto, e segundo critérios de objectividade e razoabilidade (cfr. art. 487º/2 CC), sendo certo que o comportamento culposo do trabalhador apenas constitui justa causa de despedimento quando determine a impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação laboral.
Por isso se pode afirmar que existe justa causa de despedimento quando o estado de premência do despedimento seja de julgar mais importante que os interesses opostos na permanência do contrato, só se podendo concluir pela existência de justa causa, quando, em concreto e tendo em conta os factos praticados pelo trabalhador, seja inexigível ao empregador o respeito pelas garantias da estabilidade do vínculo laboral.
Assim, existirá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral sempre que, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele importa, sejam de forma a ferir, de modo exagerado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador, ou seja, sempre que a continuidade do vínculo represente uma insuportável e injusta imposição ao empregador (cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 8.ª edição, vol. I, págs. 461 e segs; Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, 1991, págs. 822; Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 1992, págs. 488; Jorge Leite e Coutinho de Almeida, em Colectânea de Leis do Trabalho, 1985, págs. 249).
E porque o despedimento é sempre um facto socialmente grave por lançar o trabalhador no desemprego e atendendo a que tal sanção é a mais grave do elenco das sanções disciplinares previstas no CT/2009, a justa causa só deve operar quando o comportamento do trabalhador é de tal modo grave em si mesmo e nas suas consequências, que não permite, em termos de razoabilidade, a aplicação de sanção viabilizadora da manutenção da relação de trabalho, não esquecendo que a sanção disciplinar deve ser sempre proporcionada à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor (princípio da proporcionalidade – art. 330º/1 do CT/2009).
Este princípio da proporcionalidade[9], que é comum a todo e qualquer direito punitivo, implica uma dupla apreciação: a determinação da gravidade da falta e a graduação das sanções.
A primeira resultará da apreciação do facto delituoso em si, das circunstâncias em que ocorreu a sua prática, das suas consequências, da culpabilidade e dos antecedentes disciplinares do arguido.
A segunda justifica-se na medida em que apenas se deverá aplicar uma sanção mais grave quando sanção de gravidade menor não for suficiente para defender a disciplina dentro da empresa - Pedro Sousa Macedo, Poder Disciplinar Patronal, págs. 55/ 56.
Cabe, agora, apreciar a situação em apreço.

Fazendo-o, diremos, desde já, que ao tal como decidido pelo tribunal recorrido, consideramos que assistia à ré o direito de despedir o autor com justa causa.
Com efeito, o trabalhador deve “Respeitar e tratar o empregador … com urbanidade e probidade;” (art. 128º/1/a do CT/09).
Foi esse dever de respeito que o trabalhador violou ao actuar pela forma que se encontra descrita nos pontos 4º) e 5º) dos factos descritos como provados.
Por outro lado, o trabalhador deve “Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias;” – art. 128º/1/e do CT/09.
Foi esse dever de obediência que o autor violou ao protagonizar o referido nos pontos 7º) e 8º) dos factos provados, desobedecendo a uma ordem legítima dada por responsáveis hierarquicamente superiores no sentido de sair das instalações da ré depois de suspenso preventivamente (ponto 7º dos factos provados), e recusando a utilização de máscara em circunstâncias em que sabia da obrigação de a usar (pontos 8º e 9º dos factos provados).
Ao actuar pela forma aí descrita, o autor assumiu, de forma dolosa e por isso particularmente censurável, comportamentos que prejudicam a disciplina absolutamente necessária para o bom funcionamento de qualquer organização e, por essa via, para a sua produtividade.
Ora, é compreensível que os empregadores, no caso a ré, tenham especiais interesses em impedir comportamentos indisciplinados por parte dos seus trabalhadores, sendo mesmo essencial que não admitam qualquer tipo de manifestação de indisciplina no contexto de trabalho, sob pena de se criar ou poder criar, no âmbito da empresa, um ambiente incompatível com o ambiente de trabalho que nela deve reinar em nome do seu bom funcionamento.
Com efeito, em condições de normalidade, nenhuma entidade empregadora pode permitir que os seus trabalhadores passem a adoptar no local de trabalho actos de desobediência e desrespeitosos em relação aos legais representantes daquela, sob pena da indisciplina e o desrespeito rapidamente se generalizarem e prejudicarem, definitivamente, um sadio ambiente de trabalho sem o qual ficará necessariamente prejudicada ou mesmo inviabilizada a produtividade e a continuidade de qualquer organização.
Por outro lado, permitir a permanência do autor nos quadros da ré, seria sinalizar aos demais trabalhadores dela que estavam habilitados a adoptar comportamentos indisciplinados e desrespeitosos para com os legais representantes da ré, o que, de todo, é absolutamente inaceitável no quadro de um ambiente de trabalho que em qualquer empresa tem de ser pautado por valores como os de respeito recíproco sem observância dos quais nenhuma empresa resiste.
Acresce que dos factos provados resulta inequivocamente uma predisposição do autor para assumir reiteradamente comportamentos violadores do dever de respeito, pois que além daquela a que os autos respeitam o autor já tinha sido disciplinarmente sancionado, por três vezes, pela autoria de comportamentos lesivos daquele dever (ponto 10º dos factos provados).
Acresce que com a violação plural e multifacetada dos deveres de obediência e de respeito a que estava obrigado para com a ré, o autor também minou a confiança sem a qual não pode subsistir uma relação de trabalho e, por essa via, violou o dever de lealdade a que estava obrigado para com a ré.
Com efeito, é sabido que a confiança entre o empregador e o trabalhador desempenha um papel essencial nas relações de trabalho, tendo em consideração a forte componente fiduciária daquelas; com efeito, a relação juslaboral pressupõe a integridade, lealdade de cooperação e absoluta confiança da/na pessoa contratada.
Do mesmo modo, sabe-se que a subsistência daquela confiança pressupõe a observância do mencionado dever de lealdade do trabalhador para com o empregador, pois que aquela será sempre afectada, podendo mesmo ser irremediavelmente destruída, quando se fere o mencionado dever, sendo que a observância deste é fundamental para o correcto implemento dos fins prático-económicos a que o contrato se subordina.
 “Em geral, o dever de fidelidade, de lealdade ou de “execução leal” tem o sentido de garantir que a actividade pela qual o trabalhador cumpre a sua obrigação representa de facto a utilidade visada, vedando-lhe comportamentos que apontem para a neutralização dessa utilidade ou que, autonomamente, determinem situações de “perigo”(-) para o interesse do empregador ou para a organização técnico-laboral da empresa(-)…”, sendo que “…o dever geral de lealdade tem uma faceta subjectiva que decorre da sua estreita relação com a permanência de confiança entre as partes (nos casos em que este elemento pode considerar-se suporte essencial de celebração do contrato e da continuidade das relações que nele se fundam)…” e que, encarado de um outro ângulo, “… apresenta também uma faceta objectiva, que se reconduz à necessidade do ajustamento da conduta do trabalhador ao princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações…”, “… com o sentido que lhe é sinalizado pelo art. 119.º/1 CT…”, donde promana, “… no que especialmente respeita ao trabalhador, o imperativo de uma certa adequação funcional — razão pela qual se lhe atribui um cariz marcadamente objectivo — da sua conduta à realização do interesse do empregador, na medida em que esse interesse esteja “no contrato”, isto é, tenha a sua satisfação dependente do cumprimento (e do modo do cumprimento) da obrigação assumida pela contraparte.” – Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, pp. 231 a 234.
O “… dever de lealdade manifesta-se hoje, basicamente, nos deveres de não concorrência e de sigilo profissional, sendo expressão da boa-fé contratual e significando que o trabalhador não deverá aproveitar-se da posição funcional que ocupa na empresa em detrimento do empregador (desviando a sua clientela, revelando segredos à concorrência, etc.)” - Leal Amado, Contrato de Trabalho, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 386.
Trata-se, conforme o exposto, de um dever que numa vertente objectiva se traduz na necessidade do trabalhador ajustar o seu comportamento ao princípio da boa-fé no cumprimento do contrato, e numa vertente subjectiva se reconduz à relação de confiança entre as partes que impõe que a conduta do trabalhador não seja susceptível de abalar tal confiança e, assim, criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura do comportamento do trabalhador – cfr. acórdãos do STJ de 14/4/1999, Acs Dout. do Supremo Tribunal Administrativo, Ano XXXVIII, N.º 456, p. 1653, de 17/04/1996 e de 14/01/1998, proferidos, respectivamente, nos processos 4429 e 110/97.
Como assinala Joana Vasconcelos, em artigo que publicou sobre “O conceito de justa causa de despedimento”, é necessário fazer “um juízo de prognose, de probabilidade sobre a viabilidade futura da relação de trabalho” – Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, Vol. II, Almedina, pp. 33/34.
Naturalmente que esse dever de lealdade não apresenta, sempre, o mesmo conteúdo; ao invés, este varia em função da natureza das funções do trabalhador, sendo mais acentuado quanto mais qualificadas forem as funções desempenhadas pelo trabalhador na organização técnico-laboral do empregador; coerentemente com o acabado de afirmar, o juízo de censura dirigido ao trabalhador não tem de ser sempre igual, devendo ser tanto mais severo quanto mais elevado for o grau de confiança estabelecido entre as partes, objectivado nas funções confiadas ao trabalhador na respectiva estrutura organizativa da empresa – no caso note-se que o autor era gerente da dependência do réu onde levou a efeito as condutas ilícitas supra referidas, desempenhando funções qualificadas na estrutura organizativa do réu e sendo, por isso, merecedor de um juízo de censura particularmente severo.
Atente-se, no entanto, em que dado o carácter absoluto do dever de lealdade e a consequente impossibilidade de gradações na perda da confiança[10] (v.g., acórdãos do STJ de 22/1/1992, Ac. Dout. 373º, p.108, de 20/3/96, Ac. Dout. 416º-417º, p.1069, e de 18/12/91, BMJ 412, p. 342, acórdãos da Relação do Porto de 10/6/97, CJ, 1997, T. 4, p. 256, de 5/12/11, proferido na apelação 513/10.6TTMAI.P1, de 12/9/2011, proferido na apelação 787/10.2TTPRT.P1, de 21/5/2012, proferido no âmbito da apelação 1212/09.7TTGMR.P1, da Relação de Lisboa de 8/2/2012, proferido no âmbito da apelação 3061/03.7TTLSB.L1-4, de 26/9/2012, proferido no âmbito da apelação 1004/10.0TTLRS.L1, de 15/1/03, proferido no processo 7777/02; na doutrina pode consultar-se, por exemplo, Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, pp. 826 a 828, Lobo Xavier, Da Justa Causa de Despedimento no Contrato de Trabalho, p. 19, e José Andrade Mesquita, Direito do Trabalho, 2ª edição, 2004, p. 556), a diminuição de confiança resultante da violação deste dever não está dependente da verificação de prejuízos materiais, nem da existência de culpa grave do trabalhador: por isso, a simples materialidade desse comportamento lesivo do dever em apreço, aliado a um moderado grau de culpa do trabalhador pode, em determinado contexto, levar a um efeito redutor das expectativas de confiança (acórdão do STJ de 11/10/95, publicado na CJ, tomo III, p. 277).
Como decidiu o STJ no acórdão de 03/04/1987, “Ainda que o prejuízo da entidade patronal seja pequeno, mais que isso releva a quebra de confiança que o comportamento do trabalhador provoca.” (BMJ, n.º 366, p. 425).
Como ensina Júlio Gomes (Direito do Trabalho, vol. I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, p. 951), no tocante às consequências da conduta do trabalhador, “…estas deverão consistir num prejuízo grave para o empregador, embora tal prejuízo não seja necessariamente de ordem patrimonial. Com efeito, as consequências perniciosas podem consistir em minar a autoridade do empregador (ou do superior hierárquico), lesar a imagem da empresa ou num dano por assim dizer “organizacional”. Referimo-nos, com isto, ao que vulgarmente se refere pela perda de confiança no trabalhador.”.
Tudo visto, conclui-se que a violação do dever de lealdade e a consequente violação da relação de confiança que é fundamento nuclear da subsistência do vínculo de trabalho subordinado constituirá justa causa de despedimento, por comprometer de forma prática e irremediável a subsistência da relação de trabalho, se não for possível reconstituir no empregador a confiança perdida.
Ora, como dito, o autor violou por diversas vezes o dever de respeito a que estava obrigado, assim como violou o dever de obediência que sobre ele impendia, sempre de forma dolosa e por isso particularmente censurável.
Assim sendo, não pode deixar de concluir-se, globalmente, no sentido de que o autor também violou a confiança nele depositada pela ré e, consequentemente, o dever de lealdade a que estava obrigado para com ela.
Na verdade, como resulta do já exposto, esse dever impede que o trabalhador assuma comportamentos de que resultem situações de perigo para o interesse do empregador ou para a organização técnico-laboral da empresa.
Foi esse perigo que, justamente, o autor criou ao assumir todos aqueles comportamentos de reiterada violação do dever de respeito e violação do dever de obediência.
Assim sendo, ao proceder como procedeu, o autor minou irremediavelmente, pela gravidade intrínseca dos seus comportamentos, a relação de confiança que tinha de existir entre ele e a ré como pressuposto de manutenção da relação de trabalho, em consequência do que ficou prática e irremediavelmente comprometida a subsistência da relação de trabalho entre o autor e a ré.
Na verdade, tendo em conta os concretos comportamentos de relevância disciplinar do recorrente que estão em causa nestes autos e aqueles outros pelos quais o autor já foi sancionado e que revelam uma tendência comportamental acintosa e desrespeitadora por parte do mesmo, entendemos que está inviabilizada de forma incontornável uma prognose favorável à restauração de uma relação de confiança entre o autor e a ré e que o primeiro lesou intencionalmente, ficando irremediavelmente comprometida a necessária relação de confiança sem a qual não pode subsistir a relação de trabalho entre ambos.
Por tudo quanto supra se deixa exposto e apesar da antiguidade do autor e da sua reputação e qualidades profissionais, é forçoso concluir-se no sentido de que nas circunstâncias concretas em apreciação, a permanência do contrato do autor e das relações pessoais e patrimoniais que ele importava feririam, de modo exagerado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador, ou seja, que a continuidade do vínculo representaria uma insuportável e injusta imposição à ré.
Bem andou a ré ao sancionar o autor com o despedimento ora impugnado.

*
IV- DECISÃO

Acordam os juízes que integram esta sexta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar a apelação parcialmente procedente, fixando-se o valor da acção em 36.625,56€; no mais, improcede a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante e pela apelada, na proporção de 1/5 para esta e de 4/5 para aquele.
Coimbra, 17/11/2021.

.....................................
(Jorge Manuel Loureiro)

........................................
(Paula Maria Roberto)

.................................
(Ramalho Pinto)

Sumário:

Acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento

Valor da acção

Início do procedimento disciplinar

Junção parcial do procedimento disciplinar

Acto inútil


[1] O princípio da proporcionalidade está consagrado no artº 18º/2 da Constituição e analisa-se em três subprincípios: necessidade (ou exigibilidade), adequação e racionalidade (ou proporcionalidade em sentido restrito).
A falta de necessidade ou de adequação traduz-se em arbítrio. A falta de racionalidade traduz-se em excesso – cfr. Jorge Miranda/Rui Medeiros, CRP Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p. 148-163, Gomes Canotilho/Vital Moreira, CRP Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, p. 144-154, Santiago Mir Puig, O princípio da proporcionalidade enquanto fundamento constitucional de limites materiais do Direito Penal, publicado na RPCC, Ano 19, nº 1, Janeiro-Março 2009, Coimbra Editora, p. 7-38.
[2] “A exigência de ilicitude do comportamento do trabalhador não resulta expressamente do art. 351º, nº 1, mas constituiu um pressuposto geral do conceito de justa causa para despedimento, uma vez que, se a atuação for lícita, ele não incorre em infração que possa justificar o despedimento.” - Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3ª edição, pp. 900/901; no mesmo sentido, Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, Abril 2002, pp. 851/852, António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, 1994, pp. 820/821.
[3] Menezes Leitão, Direito do Trabalho, 2ª edição, p. 481.
[4] Não cumprimento definitivo, simples mora ou mero cumprimento defeituoso.
[5] Principais, secundários ou meramente acessórios.
[6] Devendo aqui ser relevadas e valoradas, sendo o caso, as circunstâncias atenuantes e as causas de exclusão da culpa que no caso se tenham registado – v.g. o estado de necessidade desculpante, o erro, a falta de consciência da ilicitude do facto, a anomalia psíquica ou obediência desculpante.
[7] Como escreve Maria Palma Ramalho, a gravidade pode ser reportada ao comportamento em si mesmo ou às consequências que dele decorram para o vínculo laboral - Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3ª edição, p. 902.
[8] Não se trata aqui de uma impossibilidade material, estando em causa, ao invés, uma situação de inexigibilidade decorrente da inverificação das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura, a ser aferida através de um juízo de probabilidade, de prognose, sobre a viabilidade da relação de trabalho.
[9] Cfr. acórdão do STJ de 8/1/2013, proferido no processo 447/10.4TTVNF.P1.S1.
[10] A confiança existe ou deixa de existir. Deixando de existir, não há o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento da relação laboral.