Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
18/17.4T8CVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
Data do Acordão: 01/04/2019
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – J. L. CÍVEL DA COVILHÃ – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 281º, Nº 5 E 351º, Nº 1 DO NCPC .
Sumário: Se a parte der início ao apuramento dos herdeiros da parte falecida - v.g., requerendo a notificação da parte sobreviva para fornecer nos autos os elementos necessários a ser promovida a habilitação – mas, ante a passividade do notificado, que nada junta aos autos ou informa, não mostrar uma conduta diligente no sentido de fazer cessar a suspensão da instância – v.g. requerendo, em caso de inércia da parte sobreviva em fornecer nos autos os elementos necessários a ser promovida a habilitação, a concessão de prazo para tentar obtê-los ela própria, por outra via, ou, ainda, a colaboração do Tribunal na recolha desses elementos -, para que se venha a atingir tal escopo e, se assim, a suspensão vier, em razão dessa sua negligente inércia processual, a prolongar-se por mais de seis meses, o destino inexorável da instância será o da respectiva extinção, por deserção.
Decisão Texto Integral:




O recurso é o próprio, foi admitido no modo de subida correcto e na espécie  devida.
Decisão sumária (Art.ºs 656º, 652º nº 1, al c), ambos do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06):
I - 1) Nos autos de execução ordinária, para pagamento de quantia certa, que a “C..., S.A.”, com sede em (...), instaurou contra R... e I..., a  correr termos no Juízo Local Cível da Covilhã - Juiz 1, foi proferido o seguinte despacho, datado de 21/03/2018:
«[…] Requerimento datado de 2018/03/19 do p.e.: Do teor do assento de óbito que antecede, resulta comprovado o óbito do co executado I...
Face ao exposto, e ao abrigo do estipulado nos artigos 269º, nº 1, al. a) e 270º d o  C.P.C., decide-se suspender   a  presente  instância        executiva.
Notifique.
                      Sem prejuízo do despacho supra, notifique o executado R... para, em 10 dias, juntar nos autos os documentos solicitados pela exequente no requerimento mencionado em epígrafe.
                      Sem prejuízo do despacho supra, aguardem os autos a eventual habilitação dos sucessores do co- executado falecido, sem prejuízo do disposto no art. 281º, nº 5 do C.P.C., na redação da Lei nº 41/2013, de 26.06. uma vez decorrido o prazo aí previsto.
             Notifique, incluindo o(a) Exmo(a) Agente de Execução. […]»;
2) - Tal despacho foi notificado, por cartas enviadas em 22/3/2018, aos Ilustres Advogados das partes representadas em juízo;
3) - Em 03/10/2018 foi proferida a sentença da qual se transcreve o seguinte extracto:
«[…] Os presentes autos encontram-se parados há mais de seis meses por negligência das partes em impulsionar os mesmos, tendo as partes sido notificadas para dar o respetivo impulso processual, sob pena de os autos ficarem a aguardar o decurso do prazo previsto no artigo 281.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, nada tendo dito até à presente   data .
Como decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-06-2016, no processo n.º 1390/10.2TJPRT.P1, Relator José Igreja Matos, acessível in www.dgsi.pt “I – Nos termos do artigo 281.º, nº 1 do Código do Processo Civil, a instância é considerada deserta quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses. II O despacho a decretar a deserção da instância por força da aplicação de tal preceito não tem que ser, obrigatoriamente, precedido da audição prévia das partes nos casos em que, em algum momento nos autos, as mesmas tenham sido alertadas para as consequências da omissão do impulso processual   pelo   prazo   de   deserção.”.
Face ao exposto, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, estando o presente processo, por negligência das partes, a aguardar impulso processual há mais de seis meses, determina-se a extinção da execução por deserção (artigos 277.º, c) do Código de Processo  Civil). […]».
II - Inconformada com o assim decidido, a Exequente, apelou para este Tribunal da Relação, terminando a respectiva alegação recursiva com as seguintes     conclusões:
«1.ª- A declaração da deserção da instância, nos termos do n.º 5 do artigo 281.º do CPC, nunca poderá ser automática, devendo, antes de ser proferido o despacho de deserção, ser ouvida a parte de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável a comportamento negligente, bem como, que na concretização do dever de cooperação e do cumprimento do contraditório, dê às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre esta matéria. (artºs 3º nº3 e 7º nº1, do CPC).
2.ª- Somente depois de ouvir as partes, nomeadamente a exequente, é que eventualmente deveria o Tribunal “a quo”, tendo em conta fundamentos substanciais e materiais, e não meramente formais, emitir despacho adequado.
3.ª- Subjacente à norma jurídica supra aludida está o conceito “negligência das partes”, que determina a  apreciação  e  valoração  de um comportamento omissivo dos sujeitos processuais, considerando- se a falta de um impulso processual necessário. Ou seja, tem que se verificar inequivocamente que tenha ocorrido no processo desleixo, descuido na acção, merecedor daquela punição prevista na lei.
4.ª- Desleixo ou descuido esse que não aconteceu no caso concreto, pois que, em primeiro lugar, em 19/03/2018 a exequente praticou um acto com vista a promover a habilitação processual e assim dar impulso aos autos, pelo que não decorreu o prazo de 6 meses a que se refere o artigo 281º nº 5 do CPC e, em segundo lugar, para que houvesse descuido ou desleixo seria necessário que a parte tivesse conhecimento que estaria a correr prazo de deserção por falta de impulso, o que não se verifica porque a exequente nunca foi notificada da resposta à notificação do co-executado ordenada por despacho de 21/03/2018, nem nunca foi notificada da ausência de resposta  para  que  pudesse  impulsionar   os   autos.    […]».
Terminou pugnando para que se desse provimento ao recurso e, em consequência, que fosse revogada a sentença posta em crise, substituindo-a por outra que determine o prosseguimento dos autos em conformidade.
III - Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do NCPC, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal. Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que “questões”,    para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações,   “considerações,   argumentos,   motivos,   razões   ou juízos de valor produzidos pelas partes”3 e que o Tribunal, embora


possa abordar para um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a apreciar.
E a questão a solucionar é a de saber se se verificam os pressupostos legais que habilitavam o Tribunal “a quo” a declarar a deserção da   instância.
IV A) - O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir são os enunciados em I “supra”;
B) – O art. 351.º, n.º 1 do NCPC preceitua: “A  habilitação  dos   sucessores da parte falecida na pendência da causa, para com eles prosseguirem os termos da demanda, pode ser promovida tanto por qualquer das partes que sobreviverem como por qualquer dos sucessores  e  deve  ser  promovida  contra  as  partes sobrevivas e contra os sucessores do falecido que não forem requerentes.”.
Assim, a habilitação de herdeiros, por morte do Executado I..., com    vista   a   fazer cessar a suspensão da instância que esse óbito gerou e, por essa via, possibilitar o prosseguimento da execução, tanto podia ser promovida pela Exequente como pelo co-executado R..., sendo, porém, a “C..., S.A.”, que, enquanto Exequente, tem  o  ónus  de              impulsionar o          processo.
Atente-se o que, citando o Prof. Manuel de Andrade, escreveram a este propósito, à luz da correspondente legislação processual pretérita, Ary de Almeida Elias da Costa, Fernando Carlos Ramalho da Silva Costa e João A. Gomes Figueiredo de Sousa4: «[…] Embora irrelevantes no ponto de vista do formalismo processual, importa realmente ter em consideração se se trata de habilitação activa ou passiva. «Assim, normalmente, quando falece o autor, a habilitação é promovida  pelo  próprio  habilitando  (ou  ainda  pelo  comparte do falecido quando o haja): - como o autor é em regra, quem tem interesse no andamento e conclusão final do processo para obter a modificação do estado   de  facto que lhe é desfavorável, compreende-se que os seus sucessores tenham idêntico interesse e que, portanto, venham alegar e provar a sua qualidade a fim de serem admitidos a promover o prosseguimento da causa. Se morre o réu, já não são normalmente os seus herdeiros e representantes quem têm interesse no prosseguimento da causa, visto que, em regra, disfrutam uma situação de facto favorável - de modo que deixar-se-ão ficar inactivos, tendo o autor de vir habilitá-los a fim de que o processo possa,  com  ele;  chegar  ao  seu  termo»  […]».
O regime de suspensão da instância e, em particular, o que se encontra previsto no nº 3 do artº 270º e nos nºs 1 e 2 do artº 275º, ambos do NCPC, não abarca, evidentemente, todos os actos das partes cujo escopo útil seja o de fazer com que a causa da suspensão cesse, ou seja, no caso, todos os actos tendentes a conseguir que sejam habilitados os herdeiros do falecido Isidro Gonçalves (cfr. artº 276º, nº 1, alínea a), do NCPC).
Os actos que estão vedados, enquanto a instância se encontra suspensa por óbito de uma das partes, são salvaguardados os actos urgentes destinados a evitar dano irreparável os actos mediante os quais se pretenda, directamente, dar andamento ao processado na acção, não os actos que se destinem a fazer com que a suspensão da instância cesse, designadamente, os tendentes a habilitar nos autos os sucessores da parte falecida.
A propósito   das  normas correspondentes do CPC de 1939, dizia o Prof. José Alberto dos Reis5: «[…] a lei quere que, suspensa a instância, as  partes sejam diligentes em remover a causa da suspensão, para que o processo não fique parado, eternamente.


Como acima frisamos, à força retardadora, que faz suspender a instância, contrapõe-se a força aceleradora ou propulsiva, que actua no sentido de fazer chegar o processo ao fim, o mais depressa possível. O equilíbrio das duas forças obtém-se deste modo: a instância fica parada durante a suspensão, mas as partes hão-de empregar esforços no sentido de remover rapidamente o obstáculo determinante da suspensão.
As partes não podem mostrar-se activas em fazer seguir o processo principal durante o período da suspensão, porque lho veda o artigo 288.°; mas hão-de exercer a sua actividade em ordem a fazer cessar a suspensão, quando a cessação dependa de acto ou facto seu. Se, em vez de se mostrarem diligentes neste sentido, se mantiverem inertes, a inércia  produz o efeito definido nos artigos 290.° e 296.º.
O que acabamos de expor não contraria a regra formulada no artigo 288.° O que a lei proíbe é que se pratiquem actos na instância suspensa; não proíbe, antes quere, que se pratiquem actos tendentes a fazer cessar, o mais depressa possível, a suspensão. […]».
Assim, se o falecido era réu, ou executado nos autos, e pelos seus herdeiros, ou pelo seu comparte (co-réu, co-executado, etc.), a quem pode interessar a inércia do processo, não for suscitada a habilitação, a parte contrária (autor, exequente, etc.), que tem o ónus de impulsionar os autos, o que tem a fazer, perante essa inércia alheia, é, ela própria, promover esse incidente, o que começará, em regra, caso os desconheça, pelo  apuramento  dos  elementos  essenciais a suscitar a habilitação.
Neste caso, se a parte der início a esse apuramento - v.g., requerendo a notificação da parte sobreviva para fornecer nos autos os elementos necessários a ser promovida a habilitação mas, ante a passividade do notificado, que nada junta aos autos ou informa, não mostrar uma conduta diligente no sentido de fazer cessar a suspensão da instância v.g. requerendo, em caso de inércia da parte sobreviva em fornecer nos autos os elementos necessários a ser promovida a habilitação, a concessão de prazo para tentar obtê-los ela própria, por outra via, ou, ainda, a colaboração do Tribunal na recolha desses elementos -, para que se venha a atingir tal escopo e, se assim, a suspensão vier, em razão dessa sua negligente inércia processual, a prolongar-se por mais de seis meses, o destino inexorável da instância será o da respectiva extinção, por deserção.
Efectivamente, o nº 1 do  artº  281º  do  NCPC  preceitua:  “Sem  prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual  há  mais  de  seis  meses.”.
Por sua vez, de acordo com o nº 5 desse mesmo artº 281.º “no  processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual  há  mais  de  seis  meses”.
Desaparecida, com o NCPC, a interrupção da instância por ausência de impulso processual das partes, a anteceder a deserção da mesma, interrupção essa que logo as alertava para a futura ocorrência daquela no caso de o processo (ou o incidente) não vir a ser impulsionado, entende-se que o prazo curto de 6 meses agora consagrado no nº 1 do citado artº 281º, as consequências gravosas - para o Autor, em regra - da deserção da instância, bem assim, como, a necessidade de verificação segura de que a ausência de impulso processual há mais de seis meses se deve a negligência das partes, impõem que o Tribunal, antes de proferir uma tal decisão e na concretização do dever de cooperação e do cumprimento do contraditório, dê às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre essa matéria (artºs 3º, nº 3 e 7º, nº 1, do NCPC).
Porém, no presente caso, a Exequente, quando foi notificada do despacho que declarou a suspensão da instância, foi desde logo advertida, nesse mesmo despacho, de que os autos aguardariam “...a eventual habilitação dos sucessores do co executado falecido, sem prejuízo do disposto no art. 281º, nº5 do C.P.C., na redação da Lei nº 41/2013, de 26.06. uma vez decorrido o prazo aí previsto.”.7
Portanto, no caso, se no período de seis meses subsequente à notificação desse despacho, não fosse promovido o incidente de habilitação ou não fosse requerido algo que, efectivamente, se apresentasse como idóneo para que esse incidente pudesse vir a ser suscitado, a instância deveria, face a essa inércia, ser declarada extinta, por deserção, sem que a esse respeito, previamente, fosse necessário proceder à audição das partes.
A Exequente defende que, previamente a esse despacho, que declarou a instância suspensa, em 19/03/2018, requereu que “...fosse notificado o co-executado R..., filho do de cujus, para, ao abrigo do princípio da colaboração, juntar aos autos a Habilitação de Herdeiros ou identificar todos os herdeiros para que a recorrente pudesse proceder à habilitação  processual  de    herdeiros.”.
Sustenta, ainda, que, em conformidade com o requerido, nesse despacho em que se suspendeu a instância, foi também determinada notificação desse executado para, em 10 dias, juntar nos autos os documentos necessários a que pudesse suscitar a habilitação, sendo que, argumenta a Exequente, além de se ter verificado essa sua conduta tendente a fazer cessar a suspensão da instância, nunca foi notificada da resposta à notificação do co-executado ordenada por esse despacho de 21/03/2018, nem nunca foi notificada da ausência de resposta para que pudesse impulsionar os autos.
Ora, o Tribunal tem que notificar a parte dos actos praticados no processo pela parte contrária (caso a notificação não ocorra entre os respectivos Mandatários), não tendo, em contrapartida, o dever de notificar a parte de uma conduta omissiva da parte contrária, ou seja, no caso, de que o co-executado, R..., notificado nos termos requeridos, nada tinha junto ou declarado nos autos quanto       aos   documentos   em   causa.
Salvo o devido respeito, a Exequente, não tendo sido notificada de qualquer requerimento ou junção de documentos efectuada pelo referido executado, deveria assumir que a ausência dessa notificação significava que aquele executado nada havia junto ou requerido nos autos a propósito da dita habilitação, cabendo a ela, em face disso, diligenciar, junto do Tribunal, o que tivesse por bem v.g., requerendo nova notificação do tribunal ao referido executado, para, sob pena de multa, efectuar a junção dos elementos em causa, requerendo que o Tribunal procurasse obter, junto das entidades oficiais, os referidos elementos (v.g., aos serviços tributários, atenta a participação a efectuar nos termos do artº 26º do CÓDIGO DO IMPOSTO DO SELO, etc) para poder suscitar o incidente da habilitação.
Assim, a Exequente nem requereu a habilitação de herdeiros, nem, devendo ficar ciente de que o co-executado não satisfizera o que lhe foi solicitado na notificação do despacho de 21/03/2018, requereu fosse o que fosse em ordem a poder, subsequentemente, suscitar o incidente de habilitação dos sucessores do falecido executado, inércia esta, que, só podendo ser apodada de negligente, conduziu a que, efectivamente, o processo tenha estado, desde a prolação do despacho que declarou suspensa a instância, a aguardar impulso processual por mais de seis meses, daí resultando, como acertadamente se decidiu, a deserção da instância e consequente extinção desta.
V - Decisão:
Em face do exposto, decide-se julgar a Apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.
Coimbra, 04 de Janeiro de 2019
O Relator, Luiz José Falcão de Magalhães


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