Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
90/15.1GATND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: FURTO
CONSUMAÇÃO
Data do Acordão: 06/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (TONDELA – INST. LOCAL – SEC. COMP. GEN. – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ART. 203.º DO CP
Sumário: I - Dispensando a consumação do crime de furto a detenção da coisa de forma pacífica, em tranquilidade ou sossego, aquela verifica-se quando a coisa entra, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infração.

II - Mesmo a considerar-se que, ao retirarem as placas do telhado e ao amontoá-las no chão junto ao aviário - donde nunca saíram, - o arguido já tivesse entrado na detenção daqueles objectos, nessa situação, não decorreu lapso temporal necessário a criar o mínimo de estabilidade indispensável ao seu efetivo domínio, aspecto que afasta a consumação do crime de furto.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo sumário n.º 90/15.1GATND da Comarca de Viseu, Tondela – Inst. Local – Sec. Comp. Gen. – J1, mediante acusação pública, foram os arguidos A... , B... , C... e D... , melhor identificados nos autos, submetidos a julgamento, sendo-lhes, então, imputada a prática, em coautoria material e na forma tentada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, n.ºs 1, 204º n.º 1 alínea a), 202º, alínea a), 22º e 23º, todos do Código Penal.

2. Realizada a audiência de discussão e julgamento, por sentença de 03.07.2015, o tribunal decidiu:

«Por tudo o exposto o tribunal julga procedente a acusação formulada pelo Ministério Público contra os arguidos, e por isso condena:

A. A... , pela prática em coautoria material e na forma consumada, um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, praticado no dia 4 de Junho de 2015, entre as 03h00 e as 05h30, nos aviários da M(...) , propriedade de N(...) , S.A., na localidade de Pedronhe, Concelho de Tondela, na pena de 1 ano e seis meses de prisão efetiva;

B. B... , pela prática em coautoria material e na forma consumada, um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, praticado no dia 4 de Junho de 2015, entre as 03h00 e as 05h30, nos aviários da M(...) , propriedade de N(...) , S.A., na localidade de Pedronhe, Concelho de Tondela, na pena de 1 ano e seis meses de prisão, suspensa na execução por igual período;

C. C... , pela prática em coautoria material e na forma consumada, um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, praticado no dia 4 de Junho de 2015, entre as 03h00 e as 05h30, nos aviários da M(...) , propriedade de N(...) , S.A., na localidade de Pedronhe, Concelho de Tondela, na pena de 1 ano e seis meses de prisão, suspensa na execução por igual período;

D. D... , pela prática em coautoria material e na forma consumada, um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, praticado no dia 4 de Junho de 2015, entre as 03h00 e as 05h30, nos aviários da M(...) , propriedade de N(...) , S.A., na localidade de Pedronhe, Concelho de Tondela, na pena de 1 ano e seis meses de prisão, suspensa na execução por igual período;

E. Condena os arguidos nas custas do processo fixando-se em 4 Uc a cada um, tendo em conta o tempo gasto – artigo 513º, n.º 1 do Código de Processo Penal, artigo 8.º do RCP e tabela III.»

3. Inconformados com a decisão recorreram os arguidos A... , C... , B... e D... , extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:

(i) A...

I. Invoca-se, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por o Acórdão recorrido, sendo condenatório, não conter os factos necessários para a decisão sobre a pena, nomeadamente os elementos pessoais do arguido, ora recorrente.

II. Não procurando obter outros meios de prova que obviassem à falta do relatório social, o Tribunal a quo incorreu num vício cuja cominação é o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do artigo 426.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.

III. Ademais, entende o recorrente não terem sido levadas em consideração todas as circunstâncias relevantes para a boa decisão da causa, sendo que a decisão da sua condenação na pena de um (01) ano e seis (06) meses de prisão efetiva se revela desnecessária e prejudicialmente severa, bem como desproporcional.

IV. Condenado o arguido na pena de prisão em que condenou, atentos os argumentos expendidos aquando da fundamentação do presente recurso, violou o Acórdão recorrido o disposto nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, bem como os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.

V. O arguido ora recorrente interiorizou o desvalor da sua conduta e está a tentar conduzir a sua vida de acordo com o Direito e as normas sociais vigentes.

VI. Por força dos princípios da adequação, necessidade, proporcionalidade, e em respeito pelas exigências de prevenção quer geral, quer especial que se verificam in casu, sempre deverá a pena aplicada ao arguido A... ser mais atenuada e suspensa na sua execução.

VII. Para além da análise do registo criminal do recorrente nenhuma diligência de prova foi efetuada nos presentes autos que determine a aplicação ao recorrente, de pena de prisão efetiva.

VIII. Pelo que, não existindo relatório social atualizado, não pode o Tribunal a quo afirmar, categoricamente, que já estão frustradas as finalidades que subjazem à suspensão da pena aplicada ao recorrente.

IX. Ao não aplicar o artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal da maneira que o fez, o Tribunal a quo não assegurou a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos do recorrente, cidadão, assim exercendo a sua função jurisdicional em violação do previsto no artigo 202.º, n.º 2 da Constituição República Portuguesa.

X. A decisão recorrida é, por isso, desadequada, desnecessária e desproporcional.

XI. Assim deve a pena aplicada ao arguido, ora recorrente ser suspensa na sua execução. A suspensão da pena a aplicar ao recorrente pode ser subordinada ao cumprimento de deveres e/ou à observância de regras de conduta, ou acompanhada de regime de prova, nos termos do disposto nos artigos 50º, n.º 1, 51º e 52º, todos do Código Penal.

XII. Ainda que assim não se entenda, em observância aos referidos artigos 70º do Código Penal e ao artigo 204º, nº 1 do Código de Processo Penal, deverá a pena de prisão que foi aplicada ao arguido ser substituída por multa.

XIII. Ainda que assim não se entendesse, atendendo a que a pena aplicada ao arguido recorrente não é superior a dois (02) anos de prisão, sempre o Tribunal a quo deveria ter substituído a mesma por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do artigo 58º do Código Penalo que se requer.

XIV. Assim, adequada, justa e proporcional seria a pena aplicada ao arguido ser mais próxima do respetivo limite mínimo previsto por lei e suspensa na sua execução ou substituída por uma pena não privativa da liberdade – como é de Justiça!

Termos em que,

Deve o presente Recurso ser considerado provido nos termos enunciados nas conclusões, como é de

Direito e Justiça.

(ii) C...

1. Escapa ao entendimento do ora Recorrente como é que o Tribunal «a quo» dá como assente a materialidade descrita nos pontos 1, 2, 3, 4, 7, 8, 9 e 10 da matéria de facto provada tanto mais que, conforme resulta da própria motivação de facto, as testemunhas, nada viram e nada esclareceram quanto à referida matéria. Não existindo nos autos quaisquer outros elementos probatórios para o Tribunal 2ª quo” dar como provada tal matéria.

2. A referida materialidade de facto dada como provada assume incontestável relevo para a decisão da causa, bastando para tanto atentar que a mesma serviu, no essencial, para o Tribunal “a quo” concluir que a conduta do ora Recorrente preencheu, como coautor, a prática, na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º n.º 1 alínea a) do CP.

3. Entende o ora Recorrente que, da prova produzida em audiência de julgamento não ficou minimamente demonstrada a factualidade dada como provada nos pontos 1, 2, 3, 4, 7, 8, 9 e 10 dos factos provados, ou seja, não ficou provado que o ora Recorrente, de acordo com um plano previamente estabelecido e em execução do mesmo, no dia 4 de Junho de 2015, cerca das 05h30m, juntamente com os arguidos A... , B... e D... , se tivesse dirigido aos aviários da M(...) , sitos na localidade de Pedronhe, freguesia de Campo de Besteiros, concelho de Tondela, a fim de subtrair objetos de valor que ali encontrassem (ponto 1 dos factos provados).

4. Assim como não ficou demonstrado que, chegado ao local, o ora Recorrente com os demais arguidos tivesse subido ao telhado do pavilhão industrial/aviário aí existente, de modo não concretamente apurado e que retirasse várias chapas em alumínio do telhado do mesmo, e que transportasse as referidas peças em alumínio ou que fosse surpreendido pelos elementos do Núcleo de Investigação Criminal da GNR de Santa Comba Dão, que foram seguido pelos elementos daquele referido NIC que poucos metros depois procederam à sua detenção, e que pretendia procederem ao carregamento das referidas chapas, num veículo pesado de mercadorias marca Mitsubishi, modelo Canter, de matrícula (...) UB, que ali se encontrava estacionado para esse efeito, retirando-as daquele local, conforme plano previamente delineado (pontos 2, 3 e 4 dos factos provados).

5. Assim como não resultou provado que as chapas que se encontravam no chão junto dos aviários, foram retirados do telhado pelo ora Recorrente, juntamente com os demais arguidos e tinham um valor superior a 3.000,00 € e para a sucata o valor aproximado de 923,00 € (ponto 4 dos factos provados).

6. Também não foi feita prova de que a mochila que foi encontrada no jardim de uma residência em Pedronhe pertencia aos arguidos, assim como não se provou que os utensílios serviram ou serviriam para proceder ao desmantelamento das chapas dos telhados dos aviários (pontos 7 e 8 dos factos provados).

7. Também não se provou que o ora Recorrente, juntamente com os demais arguidos (…) agiram de forma concertada, em comunhão de esforços e de acordo com um plano previamente delineado, de forma livre, voluntária e consciente, sabendo e querendo fazer das mencionadas peças de alumínio coisas suas, cientes que as mesmas não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e sem o consentimento do seu dono, apenas não tendo levado para onde queriam, por circunstâncias alheias à sua vontade, nomeadamente por terem sido surpreendidos pelos elementos do Núcleo de Investigação Criminal da GNR de Santa Comba Dão que se deslocaram ao local, nem que sabiam que a sua conduta era proibida e punida criminalmente (pontos 9 e 10 dos factos provados).

8. O ora Recorrente crê que os pontos n.º 1, 2, 3, 4, 7, 8, 9 e 10 da matéria de facto constante da douta sentença foram incorretamente julgados, pois deveriam ter sido dados como não provados, não existindo nos autos elementos probatórios que possam concluir o inverso.

9. A impor que os pontos 1, 2, 3, 4, 7, 8, 9 e 10 da douta sentença recorrida sejam dados como não provados, destaca-se o depoimento das seguintes testemunhas:

Testemunha – F... – que reside próximo dos aviários da M(...) e que apenas referiu, que cerca das 03:30h ouviu barulhos, e depois telefonou para a GNR. E que não viu nada. Ou seja, não presenciou qualquer dos factos pelos quais o ora Recorrente foi condenado.

Nesse sentido analise-se o depoimento no sistema integrado de gravação digital da referida testemunha, destacando-se as seguintes passagens: - vide ata dos autos de 25.06.2015 – gravação de 15:28:11 a 15:42.06, referência 20150625152810_2871979:

[Segue-se a transcrição]

Testemunha – G... – Administrador da N(...) , que referiu que não viu nada. Foi chamado pela GNR, tendo comparecido nos aviários da M(...) , já de manhã. Afirmou que os pavilhões foram construídos há 40 anos e que se encontravam desativados há vários anos e que o pavilhão estava aberto. Não se tendo pronunciado quanto ao valor das chapas. E também não presenciou qualquer dos factos pelos quais o ora Recorrente foi condenado.

Nesse sentido analise-se o depoimento no sistema integrado de gravação digital da referida testemunha, destacando-se as seguintes passagens: - vide ata dos autos de 25.06.2015 – gravação de 15:42:52 a 16:09:45, referência 20150625154252_2753608_2871979:

[Segue-se a transcrição]

Testemunha – H... – militar da GNR, a prestar funções no NIC de Santa Comba Dão, que apenas auxiliou na elaboração do expediente, reportagem fotográfica, auto de reconstituição. Afirmou que não viu nada. Não tendo perseguido, nem detido o ora Recorrente, nem qualquer dos outros arguidos. Também não presenciou qualquer dos factos pelos quais o ora Recorrente foi condenado.

Nesse sentido analise-se o depoimento no sistema integrado de gravação digital da referida testemunha, destacando-se as seguintes passagens: - vide ata dos autos de 25.06.2015 – gravação de 16:10:21 a 16:23:32, referência 200150625161020_2753608_2871979:

[Segue-se transcrição]

Testemunha I... – militar da GNR, a prestar funções no posto de Campo de Besteiros, que referiu que foi chamado apenas para recolher uma mochila que se encontrava no jardim de uma habitação sita nas imediações dos aviários, mas que não sabe a quem pertence. Também não presenciou qualquer dos factos pelos quais o ora Recorrente foi condenado.

Nesse sentido analise-se depoimento no sistema integrado de gravação digital da referida testemunha, destacando-se as seguintes passagens: - vide ata dos autos de 29.06.2015 – gravação de 15:03:00 a 15:11:32, referência 20150629150257_2753608_2871979:

[Segue-se transcrição]

Testemunha – J... – militar da GNR, a prestar funções no posto de Campo de Besteiros, que referiu que viu quatro indivíduos num arruamento, próximo dos aviários, e que os mesmos quando viram os militares desataram a correr. Viram as chapas nos aviários, no entanto não viu o ora Recorrente a subir nenhum telhado, a retirar ou transportar chapas. E em nenhum momento viu o ora Recorrente na posse de qualquer chapa. Não viu o ora Recorrente com nada na mão - Afirma que quem deteve os arguidos, não foram os agentes do Núcleo de Investigação Criminal de Santa Comba Dão, mas os militares da GNR a prestar funções no Campo de Besteiros.

Nesse sentido analise-se o depoimento no sistema integrado de gravação digital da referida testemunha, destacando-se as seguintes passagens: - vide ata dos autos de 29.06.2015 – gravação 15:12:05 a 15:29:22, referência 20150629151202_2753608_2871979:

[Segue-se transcrição]

Testemunha – L... – militar da GNR, a prestar funções no posto de Campo de Besteiros, que referiu que viu quatro indivíduos num arruamento, próximo dos aviários, mas não dentro do pavilhão dos aviários e que os mesmos quando viram os militares desataram a correr. No entanto não viu o ora recorrente a subir a nenhum telhado, a retirar ou transportar chapas. E em nenhum momento viu o ora Recorrente na posse de qualquer chapa ou com nada na mão. Também confirma que quem deteve os arguidos não foram os agentes do Núcleo de Investigação Criminal de Santa Comba Dão, mas os militares da GNR a prestar funções no Campo de Besteiros.

Nesse sentido analise-se o depoimento no sistema integrado de gravação digital da referida testemunha, destacando-se as seguintes passagens: - vide ata dos autos de 29.06.2015 – gravação de 15:29:57 a 15:42:30, referência 20150629152956_2753608_2871979:

[Segue-se a transcrição]

Testemunha – M... – comissionista da área da sucata. Tem conhecimento dos preços que a ele são praticados na venda da sucata. Sendo a única testemunha que alude aos preços do alumínio, no que respeita a sucata, tendo feito referência a valores entre 0,50 a 0,60 €/quilo.

Nesse sentido analise-se o depoimento no sistema integrado de gravação digital da referida testemunha, destacando-se as seguintes passagens: - vide ata dos autos de 29.06.2015 – gravação de 16:03:18 a 16:18:24, referência 20150629160316_2753608_2871979:

[Segue-se transcrição]

10. Do exposto decorre que os pontos 1, 2, 3, 4, 7, 8, 9 e 10 da matéria de facto não poderiam ter sido dados como provados, uma vez que contende com a prova produzida em audiência, quando analisadas à luz das regras da experiência e do princípio in dubio pro reo.

11. Atendendo aos depoimentos das testemunhas prestados em audiência de julgamento, apenas se provou que o ora Recorrente, foi visto, juntamente, com os demais arguidos, num arruamento, que dá acesso aos aviários da M(...) , porém ninguém o viu a fazer fosse o que fosse, nomeadamente a retirar chapas metálicas dos telhados dos aviários da ofendida, ou transportá-las, ou na posse das mesmas. Quando foi visto pelos militares, não trazia nada nas mãos.

Não tendo sido produzida qualquer prova sobre as circunstâncias em que o ora Recorrente foi visto num arruamento próximo aos aviários da ofendida.

12. Ao contrário do referido na douta sentença, provou-se que o pavilhão dos aviários estava aberto, e que as chapas que foram encontradas, atendendo ao seu estado, apenas tinham valor como sucata, sendo que somente a testemunha M... aludiu ao preço do alumínio, no que respeita a sucata, tendo feito referência a valores entre 0,50 a 0,60 €/quilo.

13. Não resulta assim da prova testemunhal produzida – quer globalmente considerada, quer apreciada individualmente atento o facto de que as testemunhas nada terem esclarecido quanto à mesma – suficiente matéria para se concluir aquela que ora se impugna e que permite a conclusão de que o Recorrente cometeu em coautoria o aludido crime de furto qualificado, na forma consumada, conforme foi considerado pela douta decisão recorrida.

14. A referida prova produzida impõe assim decisão diversa daquela obtida e pela qual concluiu o tribunal «a quo», tendo-se indicado os mencionados depoimentos nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 412.º n.º 3 alíneas a) e b) e n.º 4 do CPP.

15. Por tudo o referido, requer-se seja reapreciada a prova gravada, nomeadamente o que respeita ao depoimento das testemunhas: F... , G... , H... , I... , J... , L... , M... , devendo a factualidade constante da sentença recorrida ser alterada, dando-se como não provados os factos constantes dos pontos 1, 2, 3, 4, 7, 8, 9 e 10, da douta sentença, absolvendo-se, em resultado disso, o ora Recorrente do crime pelo qual veio condenado.

16. Na verdade o Tribunal “a quo” condenou o ora Recorrente sem que tivesse sido produzida, em sede de audiência de julgamento, qualquer prova efetiva e objetiva de que este participou, juntamente com os restantes arguidos nos factos constantes da acusação.

17. Ora o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, não permite ao julgador decidir com base numa apreciação inteiramente arbitrária e subjetiva da prova, pois a constituição e a lei, à qual o juiz se encontra estritamente vinculado, exigem-lhe que assente (e fundamente) a sua convicção em factos objetivos que tenham sido colhidos na prova legalmente produzida, de acordo com as regras da lógica formal.

18.No caso sub judice o Tribunal “a quo” julgou unicamente com base na sua convicção subjetiva, violando princípios e regras estabelecidos no código de processo penal quanto à valoração das provas e atribuindo validade a provas meramente circunstanciais.

19. Não é suficiente a mera indicação das provas, sendo necessário revelar o processo racional que conduziu à expressão da convicção, que salvo melhor opinião, não se vislumbra na douta sentença recorrida, pois

20. A exigência normativa do exame crítico das provas torna suficiente a referência àquilo em que o tribunal se baseou, tornando-se necessário saber o porquê, a razão de ser da formação da convicção do Tribunal.

21. Analisada a exposição dos motivos probatórios exarada na sentença, verifica-se, salvo melhor opinião que o Tribunal não expôs satisfatoriamente os motivos de facto que fundamentaram o decidido, pois limitou-se a uma simples enunciação dos meios de prova que considerou relevantes, mas não procedeu a uma análise, a uma fundamentação crítica das provas.

22. A sentença proferida afirma que o Tribunal a quo formou também a sua convicção num conjunto de factos que, sendo meramente circunstanciais, não constituem elementos de prova suficientemente sólidos para sustentarem a condenação do ora Recorrente.

23. Senão vejamos, as testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento não presenciaram os factos pelos quais o ora Recorrente foi condenado, tendo este se remetido ao silêncio.

24. Por todo exposto, é evidente que o Tribunal a quo julgou unicamente com base na sua convicção subjetiva, violando assim os princípios e regras estabelecidas no código de processo penal quanto à valoração das provas e atribuindo excessiva validade a provas meramente circunstanciais.

25. Outro princípio estruturante do processo penal é o de que para a condenação se exige um juízo de certeza e não de mera probabilidade, na ausência desse juízo de certeza (segundo a fórmula tradicional, para além de toda a dúvida razoável), vale o princípio de presunção de inocência do arguido (art. 32.º, n.º 2, da CRP) e a regra, seu corolário, in dubio pro reo.

26. Neste sentido, e em situações semelhantes, podem ver-se, igualmente, entre outros, os acórdãos da Relação do Porto de 11 de janeiro de 2012, proc. n.º 136/06.4, de 16 de janeiro de 2013, proc. n.º 4/02.9, e de 23 de outubro de 2013, proc. n.º 2020/10.8PBMTS relatados por Pedro Vaz Pato e acessíveis in www.dgsi.pt.

27. Ora, tendo em conta que não existe qualquer prova de que o ora Recorrente praticou, juntamente, com os demais arguidos, o crime de furto pelo qual foi condenado e tendo em conta o princípio in dubio pro reo, outra alternativa não restará que não seja, a de julgar procedente o presente recurso e absolver o ora Recorrente da prática do crime em que foi condenado.

28. Até porque, se relativamente à autoria, a própria sentença recorrida, refere que: “não se encontra qualquer explicação para os arguidos terem sido vistos num arrumamento, próximo dos aviários da M(...) , deveria ter sido absolvido o ora Recorrente, tendo em conta o princípio in dubio pro reo.

29. O Facto do ora Recorrente se encontrar, juntamente, com os demais arguidos, num arruamento, próximo dos aviários da ofendida quando foi avistado pelos elementos da GNR do Campo de Besteiros, e de ter desatado a correr quando os avistou, não indicia que ele retirou as chapas dos telhados de tal aviário, que teve a posse das mesmas, ou se apoderou delas, ou que as mesmas estiveram na sua disponibilidade nas condições definidas pelo artigo 203º do Código Penal, já que nenhuma das testemunhas presenciou qualquer facto que permitisse ao Tribunal “a quo” retirar tal conclusão.

30. Não se tendo verificado, como vem referido na douta sentença recorrida, o flagrante delito, pois não se verificou qualquer das situações previstas no artigo 256º do Código de Processo Penal, já que o ora Recorrente não foi visto a cometer o crime, nem a acabar de o cometer, e quando foi avistado pelos militares da GNR não trazia consigo quaisquer objetos ou sinais do crime.

31.Assim, o facto de o ora Recorrente ter sido encontrado num arruamento próximo do aviário, e saliente-se sem nenhum objeto na sua posse, não será, por si só, suficiente para sustentar a sua condenação. Ou seja a prova produzida «não permite a conclusão, para além de toda a dúvida razoável, de o ora Recorrente ter sido coautor do crime de furto qualificado por que foi condenado, devendo a referida factualidade (pontos 1, 2, 3, 4, 7, 8, 9 e 10) ser levada à matéria de facto não provada.

II. ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA

32. Sem prescindir, entende o ora Recorrente que a douta sentença recorrida, também padece de erro notório na apreciação da prova, ou seja, de vício de raciocínio da apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura da decisão (previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. c) do CPP), porquanto como pode ler-se da douta sentença recorrida, o Tribunal “a quo”: para julgar como provados os factos, fundou a sua convicção no conjunto de provas produzidas em audiência de discussão e julgamento”.

33. No que respeita à fundamentação da decisão da matéria de facto, resulta da própria sentença recorrida, relativamente aos depoimentos prestados pelas testemunhas F... , G... , H... , I... , J... , L... , M... , que as mesmas não presenciaram qualquer dos factos que o Tribunal considerou como provados, para dar como provada a prática, em coautoria, do crime de furto qualificado, na forma consumada pelo ora Recorrente, sendo manifesto que não tinha outros elementos de prova.

34. Sendo que até resulta da própria motivação de facto, que as testemunhas, nada viram e nada esclareceram quanto à matéria de facto dada como provada e indicada nos pontos 1, 2, 3, 4, 7, 8, 9 e 10. Veja-se neste sentido a fundamentação da decisão da matéria de facto do douto Tribunal “a quo” que se passa a transcrever (sendo o sublinhado nosso):

[Segue-se a transcrição da fundamentação da decisão da matéria de facto até à consideração dos antecedentes criminais].

35. Do que se extraí da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, patente na douta sentença recorrida, é que tais depoimentos não carrearam aos autos qualquer prova que permita fundamentar os factos dados como provados na douta decisão recorrida.

36. Aliás na fundamentação da decisão da matéria de facto, e no que respeita à autoria, resulta da douta sentença recorrida que “Com efeito, não se encontra qualquer explicação para o comportamento dos arguidos …” Ora não existe qualquer explicação, até porque os arguidos não a deram…”

37. E quanto ao valor dos metais, a douta sentença recorrida, fundamenta a decisão da matéria de facto do seguinte modo: [Segue-se a transcrição da parte correspondente da fundamentação da decisão de facto].

38. Donde se conclui, como resulta da fundamentação da decisão da matéria, que não foi produzida prova suficiente para determinar o valor das chapas – valor superior a 3.000,00 € -, não se vislumbrando como o Tribunal alcançou tal valor. Além disso o Tribunal, para determinar o valor da sucata, recorreu, incorretamente, ao valor da bolsa da NY da matéria-prima alumínio à data de 01.07.2015, sendo que os factos remontam a 04.06.2015, e por força do disposto no artigo 202º do C.P. a avaliação dos objetos têm que remontar à data da prática dos factos.

39. Ora a fundamentação da sentença é determinada nos termos do artigo 374º n.º 2 do CPP e é integrada pela enumeração dos factos provados e não provados; por uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão e pela indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

40. A sentença, para além de dever conter a indicação dos factos provados e não provados e a indicação dos meios de prova há-de conter, também, os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, permitiram que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação, ou seja, um exame crítico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal num determinado sentido.

41. Entende o ora Recorrente que o exame crítico das provas tem de assentar em critérios de razoabilidade, de forma completa e clara, que permita avaliar o processo lógico efetuado pelo tribunal na ponderação e corelacionamento das provas, no sentido de objetivamente se poder credibilizar a decisão de facto tomada nos termos em que ficou decidida.

42. Não basta no entender do Recorrente que (e relativamente a si) a motivação da decisão de facto aponte que o apuramento dos factos se formou com base na referência (identificação) genérica aos elementos de prova indicados sem que (como acontece na decisão censurada) fosse feito o seu corelacionamento com os (concretos) factos apurados.

43. Na verdade, o Tribunal “a quo” na douta sentença recorrida alude ao depoimento de cada uma das testemunhas, para fundamentar a decisão sobre a matéria de facto que considera provada, porém não é feito o seu corelacionamento com os factos concretos que considera apurados, violando assim os artigos 61º, n.º 1, al. d) e 374º, n.º 2, ambos do C.P.P.

III – QUALIFICAÇÃO JURIDICA DOS FACTOS

A) Quanto à subsunção dos factos no crime de furto qualificado

44. Sem prescindir, ainda que assim se não entenda, ou seja, que o Recorrente deva ser absolvido, em face da prova produzida em audiência de julgamento, nunca o Tribunal “a quo” poderia ter qualificado os factos como crime de furto qualificado na forma consumada. Vejamos:

45. A prova produzida em audiência de julgamento, no que respeita ao elemento essencial do valor, não permite a decisão que foi tomada pelo tribunal a quo quanto à subsunção no tipo legal agravado, decisão com reflexos substanciais na medida da pena, pois não ficou demonstrado o valor exato das chapas metálicas, nem sequer se provou que as chapas tinham um valor superior a 3.000,00 € e que para sucata um valor aproximado de € 923,00.

46. Até porque, como resulta da própria motivação da decisão da matéria de facto constante da douta sentença recorrida, quanto a esta questão, apenas a testemunha M... fez alusão ao valor das chapas, como sucata, pois apenas serviam para tal.

47. A douta sentença na determinação do valor das chapas, refere o seguinte: “Quanto ao valor dos metais no depoimento de M... …, o qual referiu os preços que a ele são praticados na venda da sucata, tendo este referido que já havia ido ao local, aviários da M(...) por entender que estariam abandonados e pretendia comprar a sucata. No entanto os valores referidos por este quanto ao alumínio € 0,60/quilo, não são consentâneos com o esforço desenvolvido pelos arguidos que daria um valor de € 522,00, que a dividir por quatro seria, depois de deduzidas as despesas de transporte, menos de € 100,00 a cada um.

Por outro lado o tribunal procedeu à consulta da cotação na bolsa de NY da matéria-prima alumínio que no dia 1.07.2015 se encontrava ao preço de USD 0,76/Lbs, sendo que uma libra corresponde a 0,453 Kg e que o € 1,00 corresponde a USD 1,108, na mesma data na bolsa de valores, ou seja um quilo de alumínio, na bolsa de NY custa € 1,06. Sabendo que as chapas pesam em média 6,50 kg cada uma, correspondem as 134 ao valor de € 923,26”.

48. Para determinação do elemento essencial do valor, o Tribunal tem que fixar um valor concreto, não podendo concluir por valores indefinidos como o fez na douta sentença – “valor superior a 3.000,00 € “e”para sucata o valor aproximado de € 923,00”. Além disso, o tribunal fixou tais valores sem qualquer suporte probatório.

49. Diga-se ainda que o Tribunal “a quo” não andou bem ao concluir por um valor das chapas por referência à bolsa de NY no dia 01.07.2015, pois na audiência de julgamento, nenhuma das testemunhas aludiu a valores com referência à bolsa, além de que para determinação do valor dos objetos, tem que se atender ao valor dos mesmos reportado à data da prática dos factos, e nos presentes autos, a data da prática dos factos reporta-se a 04.06.2015 e não a 01.07.2015.

50. Não tendo sido apurado o valor das chapas, há uma dúvida insanável sobre um facto importante para a decisão, que é o valor dessas mesmas coisas. Não se podendo, sem violação do princípio da legalidade atribuir um valor a tais objetos. O princípio in dubio pro reo manda que finda a valoração da prova, a dúvida insanável sobre os factos deve favorecer o arguido. “Na dúvida insanável sobre a verificação de um facto que exclui ou atenua a responsabilidade criminal, o tribunal deve decidir-se pela sua verificação: Na dúvida insanável sobre a verificação dos factos que qualificam o crime, o Tribunal deve decidir-se pela verificação dos factos do crime simples”.

51. No uso de um tal princípio, o tribunal a quo deveria ter considerado que as chapas tinham um valor nunca superior a uma unidade de conta e, em consequência entender não proceder à qualificação do crime de furto, por aplicação do princípio in dubio pro reo – vide Ac. do STJ de 23.06.2010, Rel. Conselheiro Henriques Gaspar, proc. n.º 246/09.6GBLLE.S1 e Ac. do STJ de 12.11.1997, in CJ, Acs. do STJ, V, 3, 232 – já que na dúvida sobre o valor das coisas subtraídas entende-se que esse valor é inferior a 102,00 €- valor da UC à data da prática dos factos e, portanto é um valor diminuto.

52. Nesta conformidade, os factos provados apenas permitem a subsunção no tipo legal de furto simples, uma vez que por efeito do disposto no n.º 4 do artigo 204º do mesmo diploma, não tem lugar a qualificação do crime.

53. Mas ainda que assim se não entenda e que se considere que foi produzida prova quanto ao valor das chapas – o valor fixado pelo Tribunal nunca poderá superior a 522,00 € atendendo ao depoimento de M... , única testemunha que depôs com conhecimento pleno sobre a matéria (valor dos metais enquanto sucata).

54. No entanto, e quanto ao elemento essencial do valor é de referir ainda o seguinte: dispõe o artigo 202º do CP que valor elevado é aquele que exceder 50unidades de conta; valor consideravelmente elevado é aquele que exceder 200 unidades de conta; valor diminuto é aquele que não exceder 1 unidade de conta, valor qualquer deles, sempre reportado ao momento da prática do facto (não sendo aplicável a lei posterior que venha a aumentar o valor da UC, entendimento que o TC decidiu através do Ac. 527/2006 não ser inconstitucional).

55. Considerando-se valor residual, normal ou comum, que não dá origem a qualificação ou privilegiamento, aquele que se não comporta em alguma das definições referidas no artigo 202.º do CP. Veja-se nesse sentido Manuel Maia Lopes Gonçalves, in Código Penal Português anotado, 15.ª edição – 2002, pág. 639.

56. Ora está-se perante um crime de furto simples, quando o valor dos objetos é inferior a elevado, e não concorre qualquer circunstância qualificativa.

57. Ora da prova produzida em julgamento, e mesmo da douta sentença recorrida, não resulta que o valor das chapas tenham um valor que exceda as 50 unidades de conta, mas apenas pode concluir-se que as chapas terão o valor de 522,00 € atendendo ao depoimento de M... .

58. Mas ainda que se considere que as chapas têm um valor superior a 3.000,00 € e para a sucata o valor aproximado de € 923,00 – o que no entanto não se concebe – não se tendo verificado, como resulta da douta sentença recorrida, qualquer circunstância qualificativa do crime de furto, o Tribunal a quo deveria ter subsumido os factos, no crime de furto simples, pois tais valores são residuais, inferiores ao valor elevado, por força do disposto no artigo 202º do CP.

59. Pelo que o Tribunal a quo andou mal, quando fez a subsunção dos factos provados ao crime de furto qualificado nos termos do artigo 204.º nº 1, alínea a) já que os factos dados como provados apenas permitem a sua subsunção ao crime de furto simples previsto e punido pelo artigo 203º do CP.

B) Quanto à subsunção dos factos no crime de furto consumado

60. Em face da prova carreada as autos, apenas se apurou que quando intercetado pelos agentes policiais, num arruamento próximo dos aviários da ofendida, o ora Recorrente não trazia consigo quaisquer objetos propriedade da ofendida, e que as chapas metálicas encontravam-se no interior dos aviários daquela, ou seja, os objetos pertencentes à ofendida nunca saíram do domínio de facto da mesma, não tendo sequer saído fisicamente dos seus aviários, local onde se encontravam.

61. A douta sentença recorrida refere que a subtração implica a colocação da coisa na disponibilidade fáctica do agente. No entanto, refere também que desconhece-se quem empilhou e desmontou as chapas. Ora o facto do ora Recorrente ter sido encontrado num arruamento próximo dos aviários da ofendida, não prova que este tivesse a disponibilidade fáctica das chapas que foram encontradas no chão dos aviários. Não se tendo provado que as chapas foram deslocadas pelo ora Recorrente. Os bens propriedade da ofendida nunca chegaram a entrar na esfera na esfera patrimonial do Recorrente, que em momento algum os chegou a deter e poder dispor livremente dos mesmos.

62. Não pode, por isso, falar-se de furto no caso em apreço, na forma consumada, mas apenas e tão só na forma tentada – nesse sentido vide o Ac. do STJ de 16/1/2008, proferido no processo n.º 073485, disponível in www.dgsi.pt e Ac. da Relação do Porto de 14/5/2008, proferido no processo n.º 0841211, disponível in www.dgsi.pt.

63. A não se entender deste modo – o que não se concede e apenas por hipótese se refere – sobraria muito pouco (ou mesmo nenhum) espaço para a figura jurídica da tentativa nos crimes de furto, o que claramente não foi o desiderato que o legislador pretendeu alcançar.

64. O crime de furto consuma-se quando o agente tira ou subtrai a coisa da posse do respetivo dono ou detentor, contra a vontade deste, e a coloca na sua própria posse, substituindo-se ao poder de facto sob o qual ela se encontrava” (Ac. STJ de 1990/Nov./21, BMJ 401/234)., precisando-se “Comete um crime de furto, na forma tentada, o agente que entra numa ourivesaria, se apodera de vários objetos que retira de cima e do interior do balcão e os mete num saco que levava, mas, em virtude de se ter apercebido da presença de agentes da GNR, deixou ficar o saco junto ao balcão, dirigindo-se para a saída, onde foi detido” (Ac. TRCoimbra de 1985/Nov./06, CJ V/48).

65. Assim, não basta tocar na coisa ou mesmo o seu apoderamento material sem disponibilidade, em virtude do agente ter sido surpreendido in fragrante. E isto mesmo que o agente consiga fugir, desde que seja desde logo perseguido, mantendo-se essa perseguição ininterrupta e de modo que o mesmo não tenha a disponibilidade efetiva, ainda que momentânea, dos objetos de que se pretende apropriar.

66. A ser assim, podemos concluir que o ora Recorrente não chegou a consumar o crime de furto simples pelo qual foi sentenciado, mas apenas realizou a tentativa de o efetuar.

67. Não chegou a existir qualquer consumação do crime de furto, pelo que face ao supra exposto, a não se entender que há lugar à absolvição, o Recorrente apenas poderia ter sido condenado pela prática de um crime de furto simples na forma tentada.

III – MEDIDA DA PENA

68. Face ao supra exposto, e perante a prova efetivamente produzida em audiência de julgamento, e caso se não entenda que há lugar à absolvição do ora Recorrente, este apenas poderá ser condenado pela prática de um crime de furto simples na forma tentada, condenação que tem imediatos reflexos na medida da pena a aplicar, a qual tem necessariamente que ser especialmente atenuada.

69. Pelo que entende o ora Recorrente que a medida da pena que lhe foi aplicada é inadequada, por excessiva, pelos motivos que infra se explanará.

70. Na determinação da medida concreta da pena, deve o julgador atender à culpa do agente, às exigências decorrentes do fim preventivo especial, ligadas à reinserção social daquele e ainda às exigências decorrentes do fim preventivo geral, atendendo aos critérios previstos nos art.ºs 40.º e 71.º do Cód. Penal.

71. Considera o Recorrente, no seu modesto entendimento, que a pena que lhe foi aplicada é injusta, por exagerada, atento, nomeadamente, a prova produzida e o fim ressocializador das penas, porquanto resultou provado que o ora Recorrente:

- não possui antecedentes criminais (ponto 13);

- vive na companhia dos pais que o sustentam (ponto 22)

- possui como escolaridade o 12º Ano e encontra-se a concluir um curso profissional de gestão desportiva (ponto 23), estando bem integrado social e familiarmente.

- tinha 20 anos à data da prática dos factos.

- as chapas foram todas recuperadas, tendo estas um valor residual.

72. No seguimento do disposto no n.º 2 do art.º 71º do Cód. Penal, na determinação da medida concreta da pena, deve ainda o Tribunal atender às circunstâncias que depuserem a favor do agente, como sejam as supra transcritas, sendo que as mesmas, não fazendo parte do tipo de crime, depõem, naturalmente, a favor do Recorrente, pelo que face ao supra exposto e conjugando os factos dados como provados acima explanados, conclui-se que são diminutas as exigências de prevenção especial no que diz respeito ao ora Recorrente, sendo ainda de concluir que uma pena fixada no limite mínimo da moldura penal abstrata de cada tipo legal, seria suficiente para se atingir os fins insertos nas normas incriminadoras, bem como a ressocialização do Recorrente.

73. Tendo em conta que no caso em apreço a moldura penal para tal tipo de crime prevê a pena de multa, recorrendo ao critério previsto no art.º 71º, nº 1 do Código Penal e atentas as necessidades de prevenção geral e especial e o fim inserto na norma incriminadora, verifica-se que a pena de multa assegura perfeitamente as finalidades de punição.

74. Dando concretização aos vetores enunciados, o n.º 2 do artigo 71º do CP, torna-se evidente que a pena aplicada é demasiadamente pesada violando a douta sentença o disposto nos artigos 70º e 71º do CP, pois no seguimento da orientação inserta no artigo 70.º do Código Penal deve dar-se preferência à pena de multa em detrimento da pena de prisão, sendo que o Tribunal a quo deveria ter preferido uma pena alternativa (de multa) à pena privativa da liberdade (ainda que suspensa na sua execução), uma vez que a pena de multa se revela, no caso dos autos adequada e suficiente à realização das finalidades de punição, já que o quadro factológico provado não aponta minimamente no sentido de o ora Recorrente estar carecido de socialização.

75. Sendo que a ausência de antecedentes criminais leva à conclusão de que a conduta do ora Recorrente radicou numa situação de mera ocasionalidade, pelo que a não se entender que o Recorrido deva ser absolvido do crime por que foi condenado, deverá a douta sentença ser alterada, no sentido de lhe ser aplicada uma pena de multa, devendo esta ser especialmente atenuada por aplicação regime especial para jovens, previsto no D.L. 401/82, de 23 de setembro.

76. Para além de tudo o que se vem de referir, não pode o ora Recorrente deixar de discordar frontalmente da não aplicação nos presentes autos do regime penal especial para jovens, previsto no D.L. n.º 401/82, de 23 de setembro, porquanto no caso em apreço uma vez que o ora Recorrente tinha apenas 20 anos, afigura-se que teria sido adequado fazer apelo ao regime especial para jovens e atenuar especialmente a pena, pena essa que deverá ser de multa, pois não foram provados quaisquer factos que demonstrem que o ora Recorrente não possui aquela natural capacidade de regeneração.

77. Está patente na douta sentença recorrida, que o Tribunal “a quo”, na determinação da medida da pena, penalizou o ora Recorrente, por este se ter remetido ao silêncio, quando tal lhe estava vedado, violando assim o disposto no artigo 61º, nº 1, al. d) do C.P.

78. Em face de todo o exposto, a douta sentença recorrida violou as normas do artigo 32º, nº 2 da CRP; dos artigos 61.º, n.º 1, al. d); 127.º, 256º e 374º, nº 2 do CPP; dos artigos 22º, 23º, 40º, 70º, 71º, 202º, 203º, 204º, nº 1 al. a) do Código Penal, e o Regime Especial para Jovens Delinquentes, previsto no D.L. n.º 401/82, de 23 de setembro.

79. Devendo ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que altere a matéria de facto, julgando não provados os factos descritos nos pontos 1, 2, 3, 4, 7, 8, 9, 10 da douta sentença, e consequentemente absolva o ora Recorrente do crime de que foi condenado, ou caso assim não se entenda, deverá ser condenado, apenas, pelo crime de furto simples, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 203º do C.P., devendo a pena de prisão (ainda que suspensa na sua execução) que lhe foi aplicada ser substituída por uma pena de multa especialmente atenuada, por aplicação do regime penal especial para jovens, previsto no D.L. 401/82, de 23 de Setembro.

80. Requerendo-se a V.ªs Exªs que seja reapreciada a prova gravada, nomeadamente o que respeita aos depoimentos das testemunhas F... , G... , H... , I... , J... , L... , M... .

Termos em que

Deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a douta sentença recorrida por outra que absolva ora Recorrente do crime de que foi condenado, ou caso assim não se entenda, deverá ser condenado pelo crime de furto simples, na forma tentada, devendo a pena de prisão (ainda que suspensa na sua execução) que lhe foi aplicada ser substituída por uma pena de multa especialmente atenuada por aplicação do regime penal especial para jovens delinquentes, previsto no D.L. n.º 401/82, de 23 de Setembro.

Com o que V.ªs Ex.ªs farão a acostumada Justiça.

Mais se requer a V.ªs Ex.ªs a não transcrição do douto Acórdão para o registo criminal do ora Recorrente atendendo que este não tem antecedentes criminais.

(iii) B...

A. O Ministério Público submeteu o arguido B... a julgamento com processo sumário, acusando-o da prática dos factos constantes da douta acusação e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

B. O tribunal a quo proferiu sentença, condenando o ora recorrente pela prática em coautoria material e na forma consumada de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1 e 204º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal.

C. Inconformado, o arguido recorre e alega:

- Insuficiência da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova (artigo 410.º, n.º 2, alíneas a) e c), do CPP).

- Erro na qualificação jurídica dos factos.

- Inadequação na escolha e medida da pena aplicadas.

D. O presente recurso incide sobre a matéria de facto (art. 412.º, n.º 2 e 3, do CPP), sobre os vícios previstos no art. 410.º, do CPP, e sobre a qualificação jurídica dos factos que dele faz o tribunal a quo.

E. O tribunal a quo qualificou o crime de furto simples pela circunstância qualificadora prevista no artigo 204.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

F. Para a determinação do valor dos objetos furtados, a sentença dá como provado que “No chão, junto dos aviários, encontravam-se já 134 (cento e trinta e quatro) chapas de cobertura em alumínio, que haviam sido retiradas do telhado pelos arguidos, de valor superior a 3.000,00 €, e para a sucata o valor aproximado de € 923,00 (tendo em conta a cotação de hoje da Bolsa de NY para o alumínio matéria prima – USD 0.76/lbs o que corresponde a € 1,04/kg cotações de hoje para as moedas)…”

G. O tribunal não deu relevo ao depoimento da testemunha qualificada para avaliar os objetos do furto, M... , comissionista da área da sucata, o qual apontou para um valor € 0,60/quilo, perfazendo € 522,00 (134 chapas “6,5 quilos” € 0,60).

H) O tribunal a quo socorreu-se da cotação do alumínio na bolsa de NY no dia 1-07-2015 e apontou para dois valores distintos (€ 923,26 e € 3.000,00), acabando por fixar, sem fundamentação, a quantia de € 3.000,00 como o valor definitivo.

I) O valor apurado pelo tribunal para qualificar o crime de furto é ininteligível e obscuro.

J. O meio de prova utilizado e o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido para determinar o valor dos objetos é inexistente.

K. Da sentença não resulta qualquer destaque ou discriminação que permita ao recorrente concluir por qualquer dos valores apontados.

L. Não conhecendo os pressupostos probatórios, de facto e de direito, não está o recorrente em condições de aquilatar a respetiva certeza, por erro notório na apreciação da prova e insuficiência da matéria de facto provada.

M. A sentença é, ao abrigo do artigo 379º, nº 1, alínea a) e b), do Código de Processo Penal, nula, porquanto, não logrando a sentença fundamentar o valor dos objetos furtados por erro e insuficiência da matéria de facto provada, tal constitui violação dos artigos 203º, nº 1, 204º, nº 4, ambos do Código Penal, e do artigo 374º, nº 2, do Código de processo Penal.

N. O tribunal a quo violou a norma contida no artigo 3.º, do Código Penal, porquanto os factos ocorreram em 4 de Junho de 2015 e o tribunal fixou um valor de € 923,26 por referência à cotação do alumínio da bolsa de NY em 1 de Julho de 2015, ou seja, em data posterior à data da prática dos factos, sendo certo que o valor de € 3000,00, valor apurado para os mesmos factos, também não tem qualquer suporte no tempo.

O. O tribunal a quo errou na qualificação jurídica dos factos que deu como provados.

P. Qualquer um dos valores que o tribunal a quo registou para valorizar os objetos furtados (€ 923,26 e € 3.000,00), não permitem a qualificação do crime de furto a coberto dos artigos 204º, nº 1, alínea a), e 202º, alínea a), ambos do Código Penal.

Q. Para os efeitos previstos no artigo 412.º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Penal, a conduta do recorrente preenche o tipo de crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203º, n.º 1, do Código Penal.

R. Salvo o devido respeito, a aplicação ao recorrente de uma pena privativa da liberdade, ainda que suspensa na sua execução, é inadequada no caso vertente.

S. A pena aplicada é desproporcional relativamente à conduta do recorrente que, conforme alegado, configura um crime de furto simples.

T. Ainda que houvesse qualificação do crime de furto, tal desproporcionalidade não se dissiparia, porquanto o juízo de censura que uma pena privativa da liberdade encerra é manifestamente inadequado às circunstâncias concretas do recorrente.

U. A doutrina (vide, por todos, Figueiredo Dias) e a jurisprudência apontam para que se tenha em linha de conta o princípio da preferência pelas reações não detentivas, e do qual resulta, desde logo, a exigência de preterição da aplicação da pena de prisão em favor de penas não detentivas, sempre que estas se revelam suficientes no caso concreto, para a realização das finalidades da punição.

V. O recorrente não tem antecedentes criminais, está socialmente integrado, vive em casa dos pais, possui como habilitações académicas o 12º ano em estudos europeus e trabalha num projeto agrícola em fase de aprovação para produção de frutos vermelhos com destino à exportação.

W. Por conseguinte, a sentença viola os artigos 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal.

X. Foram violados os artigos 3.º, 40.º, 70.º, 71.º, 202.º, alínea a), 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, alínea a), todos do Código Penal, e o artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

Nestes termos,

E nos mais de direito, sempre do douto suprimento desse Venerando Tribunal, deverá o presente recurso merecer provimento e, em consequência:

a) Ser a sentença declarada nula e o recorrente absolvido, com fundamento na insuficiência da matéria de facto provada e em erro notório na apreciação da prova;

Ou, se assim não se entender,

b) Ser declarado o erro na qualificação jurídica dos fatos, e, uma vez improcedendo as razões aduzidas para a absolvição, deve a pena de prisão ser substituída por pena não detentiva,

Como é de inteira Justiça.

(iv) D...

a) O Tribunal ad quo no segundo despacho proferido na audiência do dia 29 de Junho de 2015 quanto à alteração da qualificação jurídica de factos, não refere quais os factos que mereceram nova valoração e muito menos permite o prazo mínimo doutrinalmente estabelecido de 5 dias para a defesa se pronunciar pois a dia 03 de Julho proferiu de imediato Sentença ao arrepio do Acórdão de Fixação de Jurisprudência STJ n.º 11/2013;

b) Foi violado o princípio da estrutura acusatória do processo ao alargar-se o âmbito da aplicação do instituto à alteração da qualificação jurídica dos factos não se bastando aqui com o conhecimento dos factos descritos na acusação, sendo necessário o conhecimento por parte do arguido das disposições legais com base nas quais este irá ser julgado (as disposições legais é que definem e estabelecem a natureza jurídica do facto, o tipo de culpa exigido para o seu preenchimento e demais elementos constitutivos, as sanções aplicáveis e outros elementos essenciais para a correta e adequada defesa), devendo-se ter em vista que a própria tramitação processual depende da qualificação jurídica, sendo o que acontece com a forma do processo, a competência do tribunal e o modo de exercício e a extensão do direito de recurso, violando tal conduta o artigo 32º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa;

c) Para além disso, a alínea b) do art.º 379º torna nula a Sentença quando o tribunal altere a qualificação jurídica dos factos sem que comunique corretamente essa alteração ao arguido e lhe conceda, o prazo estritamente necessário e nunca inferior a 5 dias para preparar a defesa.

d) Há consumação do crime de furto quando o agente passa a ter, direta ou indiretamente, a disponibilidade da coisa subtraída.

e) Assim, não basta tocar na coisa ou mesmo o seu apoderamento material sem disponibilidade, mesmo fugindo com o objeto do furto e desde que se mantenha essa perseguição ininterrupta e de modo que o mesmo não tenha a disponibilidade efetiva, ainda que momentânea, dos objetos de que se pretende apropriar.

f) A análise desta realidade fica clara na matéria de facto dada como provada nos pontos 3 e 4 conjugada com depoimento do próprio Militar da GNR, N... inquirido pela Digna Magistrada do Ministério Público, no sistema Habilus, CD, minutos 06:39 a 06:47: “(…) Onde estavam as chapas? As chapas estavam entre os dois aviários (…).

g) O referido militar e aqui testemunha à pergunta se era possível transportar as chapas à mão? A resposta é contundente: - “(…) Uma a uma ou duas a duas era, mais do que isso não, pois elas tinham certas dimensões (…)”.

h) Daqui se alcança que as chapas nunca saíram da esfera jurídica da ofendida e o seu transporte/deslocação espacial – telhado – chão do aviário – nunca daria origem a uma nova disposição sobre as coisas.

i) Assim, foram erradamente dados como provados os pontos 3 e 4 da matéria de facto, pois a subsunção realizada pelo Tribunal ad quo perante o conceito de consumação que este adotou viola os artigos 22º e 203º nº 2 do C.P., o que por este meio se invoca, não podendo determinar a alteração à qualificação jurídica realizada;

j) Existe matéria probatória que determina ainda a desqualificação das alegadas condutas nos termos do art.º 204º n.º 1 a), desde logo pela circunstância de o Tribunal ad quo não fixar o valor concreto dos bens objeto da tentativa de furto ou se entender o contrário, não se encontrar devidamente fundamentada;

k) Quando pelo Tribunal ad quo não é devidamente fixado o valor dos bens, objeto da tentativa outra alternativa não resta senão aplicar o princípio in dubio pro reo desqualificando na totalidade nos termos do n.º 4 do art.º 204 do C.P.

l) Deve por isto este Venerando Tribunal julgar inconstitucional a norma retirada do n.º 1 do artigo 203º do Código Penal na relação desta com o número 1 do artigo 204.º do C.P. quando interpretada no sentido de nela se poder ancorar a construção da figura do furto qualificado, sem que seja possível subsumir a conduta do agente a qualquer das alíneas do n.º 2 por violação dos princípios constitucionais da legalidade e da tipicidade penais, garantidos pelo artigo 29º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa;

m) O Tribunal ad quo não deveria ter decidido como decidiu o ponto 4 da matéria de facto dada como provada assim como não poderia concluir, como em douta Sentença, página 8: “(…) No entanto os valores referidos por este quanto ao alumínio € 0,60/quilo, não são consentâneos com o esforço desenvolvido pelos arguidos que daria um valor de € 522,00, que a dividir por quatro seria, depois de deduzidas as despesas de transporte, menos de € 100,00 a cada um (…)”;

n) Conforme refere a testemunha M... cujo depoimento ficou registado no sistema habilus a minutos 04:50 a 04:59 “(…) Para si é chapa zincada e não alumínio? Sim (…)”.

E mais acrescenta quando inquirido a minutos 06:40 a 06:49 à questão do valor de chapas de 45 anos? “É sucata”.

o) Qual o valor dessa sucata perguntou o “Tribunal ad quo” a minutos 07:00 a 07:12: “O valor da chapa zincada atual é de € 0,10 / 0,11Kg”.

p) Quando inquirido a minutos 08:59 a 09:06 sobre quantos quilos pesam 134 chapas, pela testemunha foi referido “(…) Posso-lhe dar apenas de uma chapa e depois multiplicar. 6kg a 6,5kg (…)”;

q) Quando muito estaremos na presença de 134 chapas x 6 kg = 804 kg com o valor de mercado de € 0.11Kg o que dá o total de € 88,44;

r) Razão pela qual o Tribunal ad quo ao decidir que o valor em causa – objeto alegadamente tentados furtar – seria superior a € 3.000 decidiu sem qualquer fundamento técnico/ científico credível o que por este meio se invoca;

s) Por conseguinte, o crime de furto tentado é desqualificado, nos termos do artigo 23.º e 203.º n.º 2 e 204.º n.º 4 e alínea c) do artigo 202.º do Código Penal, pelo que terão de ser reanalisadas a escolha e medida das penas aplicadas aos arguidos.

t) O processo criminal assegura todas as garantias de defesa do arguido, sendo a interpretação aqui veiculada pelo Tribunal ad quo em douta Sentença, pág. 15 – quanto à valoração do silêncio do arguido na escolha da pena é inconstitucional por violação dos artigos 61º nº 1 d) do C.P.P. conjugado com o artigo 32.º n.º 1 da C.R.P.

Nestes termos julgando-se procedente por provado o presente recurso deve a decisão quanto a D... , ser arquivada, ou, quando muito revista, para uma pena de multa.

4. Foi proferido despacho de admissão dos recursos.

5. Reagindo aos recursos, concluiu o Ministério Público:

I. O Tribunal “a quo” condenou os arguidos/recorrentes pela prática do crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal.

II. No entanto, no ponto quatro dos factos dados como provados, considerou que o valor das chapas de alumínio furtadas era de 3.000,00 e para sucata o valor aproximado de 923,00 €.

III. Tal valor não é suficiente para qualificar o furto, atento o referido nos artigos 203º, nº 1 e 204º, n.º 1, alínea a) e 202.º, alínea a), todos do Código Penal.

IV. O valor em causa para que se possa qualificar o crime tem de ser superior a 5.100,00 €, ou seja, o que corresponde a um valor superior a 50 unidades de conta.

V. Sendo o valor apurado e dado como provado de 3.000,00 €, valor inferior a 5.100,00 €, impedia o tribunal de qualificar o crime como sendo o crime de furto qualificado.

VI. Perante a desqualificação do crime de furto qualificado para crime de furto simples sempre o tribunal 2ª quo” deveria proceder à alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, dando-se cumprimento ao disposto no artigo 358º, nº 1 e 3, do Código de Processo Penal, o que não se verificou, o que consubstancia uma nulidade.

VII. Atento o referido, a sentença violou o disposto nos artigos 203º, nº 1, 204º, n.º 1 alínea a) e, ambos do Código de Processo Penal.

VIII. Em face dos motivos que ficaram enunciados, entendemos que o recurso interposto pelos recorrentes/arguidos deverá merecer provimento, e, em consequência, deverão os autos baixar para que o tribunal “a quo” proceda à alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, dando-se cumprimento ao disposto no artigo 358.º, nºs 1 e 3, do Código de processo Penal, para posterior condenação dos mesmos, caso não se verifique nenhuma situação que impeça tal decisão (eventual desistência de queixa).

A verificar-se a procedência da questão ora apreciada, ficam, em nosso modesto entendimento, comprometidas as demais questões suscitadas.

IX. Foram violadas as normas legais contidas nos artigos 203º, nº 1, 204º, n.º 1, alínea a), 202.º, n.º 1, do Código Penal e 358º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Penal.

X. Relativamente à alteração da medida da pena requerida pelos recorrentes/arguidos, sempre se dirá que, a verificar-se a alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, ou seja, do crime de furto qualificado para o crime de furto simples, cujas molduras penais são muito diferentes, fica prejudicada tal questão.

XI. Atenta a matéria de facto dada como provada, em nosso entender é insindicável, em virtude do que falecem, necessariamente, os argumentos invocados pelos recorrentes/arguidos pela aplicação do princípio do in dubio pro reo.

XII. Ora, dos termos da própria sentença, quer da matéria de facto dada como provada, quer da motivação do tribunal, resulta, de forma inequívoca e significativa que não houve dúvidas no espírito do tribunal da autoria por parte dos arguidos/recorrentes do crime de furto.

XIII. Limitou-se, pois, o tribunal a fazer uso do princípio da livre apreciação da prova, que se encontra previsto no artigo 127.º, do Código de Processo Penal.

IX. Pelo que, concedendo-se provimento ao recurso interposto pelos recorrentes/arguidos

Vªs. Exªs. farão a costumada Justiça.

6. Remetidos os autos à Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de, «(…) por ter condenado os recorrentes (…) por factos diversos dos descritos na acusação e fora dos casos e das condições previstos no art. 358º, n.º 1 e n.º 3, do Cod. Proc. penal», padecer a sentença da nulidade prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 379.º do CPP, defendendo, para o caso de assim não ser entendido, não haver o tribunal a quo incorrido em erro na apreciação da prova, sendo que «teve a preocupação de proceder a uma reconstituição dos factos (nos limites e nos termos em que esta é permitida ao julgador), tendo posteriormente procedido a um juízo apreciativo dos mesmos».

7. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, reagiu o recorrente A... , o que fez anuindo ao parecer do Ministério Público.

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto dos recursos

      De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões, sem prejuízo das questões que importe oficiosamente conhecer ainda que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

       À luz de semelhantes limites cabe, pois, decidir:

       (i) Recurso de A... :

        - Padece a sentença recorrida do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [artigo 410.º, n.º 2, alínea a) do CPP];

        - A pena aplicada, por excessiva, revela-se desadequada;

        - Deveria ter sido aplicada uma pena de substituição não detentiva.

        (ii) Recurso de C... :

         - É nula a sentença;

         - Ocorre erro de julgamento;

         - Enferma a sentença do vício de erro notório na apreciação da prova [artigo 410.º, n.º 2, alínea c) do CPP];

         - Foi violado o princípio in dubio pro reo;

         - Verifica-se erro de direito relativamente à qualificação jurídico-penal dos factos;

         - Deveria o recorrente beneficiar do Regime Penal dos Jovens;

         - Encontra a pena de multa adequação.

    

         (iii) Recurso de B...

         - É nula a sentença;

         - Ocorre erro de julgamento;

         - Verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

        - Enferma a sentença do vício de erro notório na apreciação da prova;

        - Foi feita uma errada qualificação jurídico-penal dos factos;

        - Revela-se desadequada a espécie e medida da pena.

       

        (iv) Recurso de D...

       - É nula a sentença;

       - Ocorre erro de julgamento;

       - Verifica-se errada qualificação jurídico-penal dos factos

       - Resulta desadequada a espécie e medida da pena.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar da sentença recorrida [transcrição parcial]:

II – Fundamentação:

Da audiência de discussão e julgamento resultaram os seguintes:

Factos provados:

1.De acordo com um plano previamente estabelecido e em execução do mesmo, no dia 4 de Junho de 2015, cerca das 05h30m, os arguidos A... , B... , C... e D... , dirigiram-se aos aviários da M(...) , sitos na localidade de Pedronhe, freguesia de Campo de Besteiros, concelho de Tondela, a fim de subtrair objetos de valor que ali encontrassem.

2.Chegados a este local, os arguidos, subiram ao telhado do pavilhão industrial/aviário aí existente, de modo não concretamente apurado e retiraram várias chapas de alumínio do telhado do mesmo.

3.Quando os arguidos, se encontravam a transportar as referidas peças em alumínio, foram surpreendidos pelos elementos do Núcleo de Investigação Criminal da GNR de Santa Comba Dão, tendo de imediato começado a correr, afastando-se do local, seguidos pelos elementos daquele referido NIC que poucos metros depois procederam à sua detenção.

4.No chão, junto dos aviários, encontravam-se já 134 (cento e trinta e quatro) chapas de cobertura em alumínio, que haviam sido retiradas do telhado pelos arguidos, de valor superior a 3.000,00€, e para sucata o valor aproximado de €923,00 (tendo em conta a cotação de hoje na Bolsa de NY para o alumínio matéria prima – USD 0.76/lbs o que corresponde a €1,04/kg cotações de hoje para as moedas), para posteriormente procederem ao seu carregamento, num veículo pesado de mercadorias marca Mitsubishi, modelo Canter, de matrícula (...) UB, que ali se encontrava estacionado para esse efeito, retirando-as daquele local, conforme plano previamente delineado.

5.O telhado de um dos aviários apresentava-se já praticamente desmantelado.

6.O arguido A... trazia consigo no momento da detenção uma mochila contendo no seu interior: duas aparafusadoras, uma turquês, e quatro baterias.

7.Foi encontrada ainda outra mochila no jardim de uma residência em Pedronhe, perto dos referidos aviários, contendo no seu interior: uns calções, uma camisola de malha polar, duas aparafusadoras, três baterias, uma navalha, seis euros em moedas, uma bisnaga de soro fisiológico e três bits para aparafusadoras, pertencente aos arguidos.

8.Estes utensílios serviram ou serviriam para proceder ao desmantelamento das chapas do telhado dos aviários.

9.Os arguidos A... , B... , C... e D... agiram de forma concertada, em comunhão de esforços e de acordo com um plano previamente delineado, de forma livre, voluntária e consciente, sabendo e querendo fazer das mencionadas peças em alumínio coisas suas, cientes que as mesmas não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e sem o consentimento do seu dono, apenas não tendo levado para onde queriam, por circunstâncias alheias à sua vontade, nomeadamente por terem sido surpreendidos pelos elementos do Núcleo de Investigação Criminal da GNR de Santa Comba Dão que se deslocaram ao local.

10.Mais sabiam que a sua conduta era proibida e punida criminalmente.

Além da acusação provou-se que:

11.O arguido A... , foi condenado por sentença de 01-07-2013, na pena de 6 meses de prisão suspensa na execução com regime de prova, pela prática em 3003-2012, de um crime de roubo.

12.O arguido A... , foi condenado por sentença de 05-02-2015, na pena de 200 dias de multa, pela prática em 23-08-2013, de um crime de recetação.

13.O arguido C... não possui antecedentes criminais.

14.O arguido B... não possui antecedentes criminais.

15.O arguido D... , foi condenado por sentença de 17-09-2010, na pena de 60 dias de multa, pela prática em 19-08-2010, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, que foi substituída por admoestação.

16.O arguido D... , foi condenado por sentença de 12-07-2011, na pena de 120 dias de multa, pela prática em 11-07-2011, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, que se encontra extinta pelo pagamento.

17.O arguido D... , foi condenado por sentença de 19-04-2013, na pena de 100 dias de multa, pela prática em 06-04-2013, de um crime de detenção ilegal de arma, que foi substituída por admoestação.

18.O arguido A... , vive conjuntamente com os pais que o sustentam, possuindo como habilitações académicas o 9º ano de escolaridade.

19.O arguido B... vive em casa dos pais, possui como habilitações académicas o 12º ano em estudos europeus.

20.Declarou ter um projeto agrícola em fase de aprovação, para produção de frutos vermelhos com destino à exportação.

21.Não tem filhos nem despesas, por serem os pais que o sustentam.

22.O arguido C... vive na companhia dos pais que o sustentam, não possuindo filhos, ou despesas.

23.Possui como escolaridade o 12º Ano e encontra-se a concluir um curso profissional de gestão desportiva.

24.O arguido D... , trabalha com o pai numa sucateira, não auferindo salário.

25.O arguido D... vive na companhia dos pais que o sustentam, não possuindo filhos, ou despesas.

Factos não provados:

Não se provou que as chapas metálicas tivessem um valor de €20.000,00 no estado em que se encontravam, sendo esse o valor do custo de reposição da cobertura do pavilhão industrial destinado a aviário, nele se incluindo as chapas de isolamento, mão-de-obra e materiais novos.

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

Fundamentação da decisão da matéria de facto:

 Para Julgar como provados os factos que antecedem o tribunal fundou a sua convicção no conjunto das provas produzidas em audiência de discussão e julgamento, conjugadas com as regras da experiência comum a saber:

No depoimento de F... , casado, residente em (...) , Caramulo, residente próximo dos aviários da N(...) , na zona da M(...) , e que relatou os barulhos que ouviu durante a noite, que lhe pareceram umas chapas metálicas a serem mexidas cerca das 3:30 horas e que depois telefonou para a GNR.

Tal depoimento foi corroborado pelo depoimento de J... , e L... , militares da GNR a prestar funções no posto de Campo de Besteiros, que relataram ter recebido a comunicação e de se deslocaram ao local, tendo parado a alguma distância e ouvido o barulho de chapas metálicas, tendo-se deslocado para outra zona e nessa darem conta que alguém provinha do local onde tinham ouvido o barulho, e esperado escondidos junto a um muro e apareceram quatro indivíduos – os aqui arguidos – e que ao serem surpreendidos pelos militares da GNR desataram em fuga.

No depoimento de B... , militar da GNR, a prestar funções no NIC de Santa Comba Dão, que foi chamado ao local pelos colegas da GNR e ter auxiliado na elaboração do expediente, reportagem fotográfica, auto de reconstituição, e na captura do arguido D... . 

Estas testemunhas relataram factos que presenciaram, tendo seguido os arguidos na fuga, e tendo procedido à detenção.

Nesse momento o arguido A... tinha na sua posse a mochila descrita a fls. 74, na qual se encontravam ferramentas necessárias para a desmontagem das chapas metálicas.

Pela testemunha L... foi referido que os arguidos apresentavam as mãos sujas de terem estado a manipular algo.

Foi também referido por estas testemunhas que apenas detiveram três arguidos, à exceção do arguido D... , e que após terem os restantes junto à carrinha, convenceram um dos arguidos a telefonar a este, que fugiu numa direção diferente dos restantes e para a floresta, e o arguido D... apareceu junto à carrinha.

No depoimento da testemunha I... , militar da GNR a prestar funções no posto de Campo de Besteiros, que durante o dia foi chamado a recolher uma mochila que se encontrava no jardim de uma habitação nas imediações dos aviários, zona por onde os arguidos haviam fugido, cuja descrição consta a fls. 117.

Tais depoimentos foram prestados de forma espontânea cheios de detalhes coincidentes entre eles, o que só é possível por as testemunhas terem presenciado os factos. 

No auto de apreensão de fls. 74 e documentos do veículo de fls. 76, dos quais resulta ser o veículo propriedade do pai do arguido D... , cujas características se encontram descritas e das mesmas resulta que a mesma estava adaptada a transporte de sucata, munida de grua.

 No depoimento de G... , casado, engenheiro e administrador de empresas, residente no Caramulo, administrador da N(...) e que relatou quais os materiais (metais) que eram compostas as chapas, referiu que os pavilhões se encontram construídos há cerca de 40 anos, sendo a cobertura a original em alumínio, devido à necessidade de resistir à corrosão, referiu a área do pavilhão, o custo de reparação, e que apesar de se encontrarem desativados, estes estavam aptos a serem colocados em funcionamento sempre que fosse necessário.

 Tais conhecimentos decorrem das funções que exerce, não havendo qualquer dúvida sobre a isenção do mesmo, sendo que é consabido que a chapa de ferro zincada é facilmente corroída pela acidez dos vapores do galinhaço.

No depoimento de E... , serralheiro civil, residente em (...) – Tondela, que avaliou as chapas usadas conforme fls. 80, sendo que o preço a que chegou é referente a metal ferroso, e não a alumínio, referindo este que as chapas em alumínio são mais caras.

Tais depoimentos são consentâneos com os elementos documentais dos autos, fotografias de fls. 10 a 12; autos de apreensão de fls. 74, 75, 117; ficha de avaliação do veículo de fls. 77 a 79, auto de exame direto e avaliação de fls.80, 82 e 83, auto de entrega de fls. 84.

Quanto à autoria, não pode deixar o tribunal de afirmar o plano previamente elaborado pelos arguidos.

Com efeito, não se encontra qualquer explicação para o comportamento dos arguidos, todos residentes em Águeda, que se deslocaram a mais do que 40 km, em grupo, munidos de ferramentas, camião de transporte, estavam na zona do furto, tinham as mãos sujas, fugiram ante a polícia, não há motivos de interesse para que aquela hora da noite estivessem no local, e que iriam abandonar quando o dia clareava, pois estamos numa época do ano que por volta das cinco e trinta da manhã começa a clarear.

Ora, não existe qualquer explicação, até porque os arguidos não a deram, não criando quaisquer dúvidas, decorrente do silêncio, para estarem no local com os objetos com que foram apanhados, não sendo plausível que viessem ao desconhecimento ou ao engano, manipulado por alguém.

 Tendo o tribunal que concluir pela existência de flagrante delito (O art. 256º do CPP prevê 3 situações distintas: flagrante delito em sentido estrito (está cometendo); quase flagrante delito (acabou de cometer); e presunção legal de flagrante delito (o agente é perseguido ou, mesmo não sendo perseguido é encontrado - já não no local do crime - acompanhado de objetos ou sinais do crime). Integra-se na segunda categoria o caso em que, sendo a GNR chamada ao local de um acidente onde depara com o veículo acabado de se despistar, ali detém o arguido, dono do automóvel e que se identifica como seu condutor, ainda que este, após o embate, se tivesse ausentado momentaneamente do local, onde voltou durante o tempo em que a GNR esteve a proceder, sem interrupção, ao levantamento dos dados relativos ao acidente. Não definindo a lei um limite temporal para “acabou de cometer” e sendo o interesse protegido não a perceção do crime pelos agentes da autoridade, mas a “proximidade e relação evidente com o caso”, ainda que possa ter decorrido algum tempo entre o acidente e a detenção, durante o qual os agentes estiveram a proceder ao levantamento de dados, não existe obstáculo à verificação de flagrante delito, por se tratar de prolongamento da diligência. Ac. TRC de 16-03-2005, www.dgsi.pt).

Quanto ao valor dos metais no depoimento de M... , divorciado, comissionista da área da sucata, residente em Espinho, o qual referiu os preços que a ele são praticados na venda de sucata, tendo este referido que já havia ido ao local, aviários da M(...) por entender que estariam abandonados e pretendia comprar a sucata. 

No entanto os valores referidos por este quanto ao alumínio €0,60/quilo, não são consentâneos com o esforço desenvolvido pelos arguidos que daria um valor de €522,00, que a dividir por quatro seria, depois de deduzidas as despesas de transporte, menos de €100,00 a cada um.

 Por outro lado o tribunal procedeu à consulta da cotação na bolsa de NY da matéria-prima alumínio que no dia 1-07-2015 se encontrava ao preço de USD 0,76/Lbs, sendo que uma libra corresponde a 0,453kg, e que o €1,00 corresponde a USD1,108, na mesma data na mesma bolsa de valores, ou seja um quilo de alumínio, na bolsa de valores de NY custa €1,06. 

Sabendo que as chapas pesam em média 6,50 kg cada uma, correspondem as 134 ao valor de € 923,26, de acordo com tais cotações.

Quanto aos antecedentes criminais o CRC dos autos.

Quanto às condições económicas e socais nos arguidos no depoimento dos mesmos.

Quanto aos factos relativos à personalidade do arguido C... no depoimento de O... , comerciante de automóveis, residente em Aguada de Cima – Águeda e P... , comerciante de automóveis, residente em Aguada de Cima – Águeda, pai e tio do arguido que abonaram a seu favor, relatando que nunca o mesmo deu problemas, ajudando no Stand da família, onde durante as férias trabalha na limpeza e reparação de automóveis.

Tais testemunhas depuseram de forma emocionada relativamente a um familiar direto, sendo patente o afeto que têm pelo mesmo e o choque dos factos de que o mesmo se encontra acusado.

Quanto aos factos não provados pelos motivos supra expostos.

3. Apreciação

a.

Da nulidade da sentença [recurso dos arguidos C... , B... e D... ]

a.a.

Nos pontos 20., 21., 39., 40., 41, 42. e 43. das conclusões, alegando falta de exame crítico da prova, diz o recorrente C... enfermar a sentença de nulidade.

Vício, igualmente, sustentado pelo recorrente B... «porquanto, não logrando a sentença fundamentar o valor dos objetos furtados por erro e insuficiência da matéria de facto provada» (sic.) resultaria comprometido/violado o n.º 2 do artigo 374.º do CPP [cf. ponto M. das conclusões].

Conforme decorre da lei, o dever constitucional de fundamentação da sentença, basta-se com a exposição dos motivos de facto e de direito que suportam a decisão, bem como com o exame crítico das provas de que o tribunal se socorreu para formar a sua convicção, incluindo os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios de lógica, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção se formasse em determinado sentido, ou a que o julgador valorasse de determinada forma os meios de prova produzidos e analisados em audiência – [cf. vg. o acórdão do STJ de 14.06.2007, proc. n.º 1387/07 – 5.ª].

Ora, perscrutada a decisão constata-se revelar a mesma a explicitação objetiva e motivada do processo de formação da convicção do julgador, resultando claro não só o acervo probatório em que a mesma assentou, bem como o processo lógico desenvolvido para o tribunal chegar onde chegou, nomeadamente da valoração efetuada dos meios de prova disponíveis.

Processo de formação, esse, onde, naturalmente, não deixaram de relevar as presunções naturais produto das regras de experiência que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido, quando um facto é a consequência típica de outro, não resultando, igualmente, desprezadas – como ademais se impunha - as «provas circunstanciais», as quais, conjugadas entre si, contribuíram, no caso, para a formação do juízo de culpabilidade.

Votada ao insucesso surge a alegada falta de correlação entre cada um dos meios de prova e cada um dos pontos de facto, exercício que a lei não impõe, revelando-se, antes, pacífico o entendimento no sentido de não exigir o dever de fundamentação a «indicação individualizada dos meios de prova relativamente a cada elemento de facto dado como provado (acórdão do TC n.º 258/2001, e acórdão do STJ, de 9.1.1997, in CJ, Acs. do STJ, 5, 1, 172) …» - [cf. Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, 4.ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, pág. 968].

Também desprovida de sustentação se apresenta a invocada violação do dever de fundamentação quanto ao valor dos «objetos furtados», matéria sobre a qual o julgador se debruçou, explicitando o critério seguido para concluir como concluiu.

Se a conclusão, desde logo em face da prova produzida, se revela acertada é questão tributária de uma outra realidade, que não já do dever de fundamentação.

Concluindo, não ocorre, por omissão do dever de fundamentação, a arguida nulidade da sentença.

a.b.

Idêntico vício vem imputado à sentença pelo recorrente D... .

Decorreria o mesmo da circunstância de na mesma se ter decidido no sentido da condenação dos arguidos pela prática, em coautoria, na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea a) do C. Penal, enquanto, nos termos da acusação pública, a imputação se quedara pela tentativa, sem que, para tanto, o tribunal tivesse observado o disposto no artigo 358.º do C.P.P.

Se a constatação, nos dois identificados momentos [acusação/sentença], de uma diferente qualificação jurídico-penal dos factos não merece contestação, já não colhe a afirmação de surgir a dita alteração à margem do quadro legal.

Com efeito, estando em causa a alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação – não resultando alteração de factos com relevância na dicotomia crime tentado/crime consumado – o comando normativo a acionar, como o foi no caso concreto, é o do artigo 358.º do CPP.

A este propósito ficou a constar da ata de audiência de julgamento do dia 29.06.2015: Dos factos constantes da acusação, de acordo com algumas correntes doutrinárias jurisprudenciais são passíveis de ser integrados na figura do crime consumado e não tentado tal qual se encontra descrito na acusação.

Atendendo ao disposto no art.º 358º, n.º 3, do C.P. Penal, comunica-se a possibilidade de alteração da qualificação jurídica dos factos à defesa.

Notifique

E no seguimento: Dos antecedentes despachos foram os presentes notificados, dizendo ficar cientes.

Perante semelhante quadro, afigura-se-nos manifesta a falta de razão do recorrente, sendo impensável, de tão singela que se apresenta, não ter entendido o sentido da comunicação que, na presença do seu ilustre mandatário, lhe foi feita, simplisticamente, assim traduzida: O mesmo crime, os mesmos tipos legais, os mesmos factos - agora suscetíveis de ser encarados como integrando a forma consumada e não já tentada, consoante consta da acusação.

Isto é, a comunicação foi feita de acordo com o n.º 3 do artigo 358.º do CPP e nenhum dos arguidos/recorrentes requereu tempo para a preparação da defesa, não podendo, por conseguinte, imputar, agora, uma eventual inércia da sua parte ao tribunal, que fez aquilo que tinha a fazer.

Ainda destituída de fundamento surge a invocada violação da jurisprudência fixada no Acórdão Supremo Tribunal de Justiça n.º 11/2013, publicado no DR, 1.ª série – N.º 138, de 19 de julho de 2013, cuja base de incidência não encontra paralelo com o caso dos autos.

Na verdade, no identificado aresto de valor reforçado o que se diz é estar vedado, em sede de audiência de discussão e julgamento, a alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, ou da pronúncia, sem que previamente tenha ocorrido produção de prova, circunstância que não se coloca quando, como foi o caso, a comunicação da alteração da qualificação jurídica vem a ter lugar após a realização daquela.

Porventura, o equívoco do recorrente reside na circunstância de fazer equivaler a produção de prova a que se reporta o AFJ – para o efeito da alteração da qualificação jurídica sempre necessária – àquela outra, agora facultativa, na dependência do impulso do arguido, a que se reporta o n.º 1 do artigo 358.º do CPP ao aludir ao tempo estritamente necessário para a preparação da defesa, realidades, contudo, insuscetíveis de ser confundidas.

Não se verifica, pois, a invocada nulidade [artigo 379.º, n.º 1, alínea b) do CPP], tão pouco qualquer afetação dos direitos de defesa [artigo 32.º, n.º 1 do CRP].

a.c.

 Sustentada, agora, num erro de direito, traduzido na insusceptibilidade do valor dos objetos subtraídos – tal como ficou a constar da sentença - integrar a qualificativa da alínea a), do n.º 1, do artigo 204.º do C. Penal, circunstância que conduziria à subsunção dos factos ao crime de furto simples do artigo 203.º do C. Penal, defende o Ministério Público incorrer a sentença na nulidade da alínea b), do n.º 1, do artigo 379.º do CPP.

Não revestindo, embora, a posição de recorrente, tratando-se de matéria de conhecimento oficioso, não deixaremos de enfrentá-la para dizer, salvo melhor opinião, não colher a objeção.

Assim é porque a decisão recorrida – mal ou bem, é assunto a dirimir em momento oportuno – acabou por condenar os arguidos, onde se inclui o recorrente, pelo crime [ressalvada a operada alteração da qualificação jurídica, devidamente comunicada] imputado na acusação, acrescendo que, conforme ata da audiência de discussão e julgamento de fls. 166 e ss – nunca questionada –, decorreu a alteração produzida relativamente ao valor das coisas de factos alegados pela defesa, circunstância que, à luz do n.º 2 do artigo 358.º do CPP, sempre dispensaria a comunicação.

Ademais, ainda que se decidisse pela verificação do crime de furto simples, e não já qualificado, em função do valor dos objetos subtraídos não ser suscetível de integrar o «valor consideravelmente elevado», única circunstância que surge a suportar a agravação, de acordo com o que entendemos constituir a melhor jurisprudência, por estarmos perante um minus relativamente aos factos e ilícito acusado, nunca haveria lugar à aplicação do preceito em questão.

Neste sentido se pronunciou o acórdão do STJ de 07.11.2002, proc. n.º 02P3158 onde se lê «que se a alteração resulta da imputação de um crime simples, ou “menos agravado”, quando da acusação ou da pronúncia resultava a atribuição do mesmo crime, mas em forma mais grave, por afastamento do elemento qualificador ou agravativo inicialmente imputado, não há qualquer alteração relevante para este efeito, pois que o arguido se defendeu em relação a todos os factos, embora venha a ser condenado por diferente crime (…). O mesmo se diga quando a alteração da qualificação jurídica é trazida pela defesa, pois que também aqui se não verifica qualquer elemento de surpresa que exija a atribuição ao arguido de maior latitude de defesa».

Também assim o entenderam, entre outros, os acórdãos do STJ de 21.03.90, proc. n.º 40.743), de 16.10.96 (proc. 46.087), 06.04.2006, proc. n.º 658/06-5.º, 12.09.2007 (proc. n.º 07P2596).

Com efeito, há muito que o Supremo Tribunal de Justiça vem defendendo que não há alteração, substancial ou não, da acusação, não sendo como tal necessário fazer qualquer comunicação ao arguido, quando os factos provados representam um minus relativamente aos incluídos no libelo acusatório.

Temos para nós que a comunicação prevista no preceito em questão [artigo 358.º], ressalvado o caso do n.º 2, apenas deverá ocorrer quando se tratar de uma alteração não substancial relevante, não sendo o caso quando a factualidade dada como provada consiste numa redução daquela que foi indicada na acusação ou pronúncia, por não se terem dados como assentes todos os factos aí descritos. O mesmo se diga quando os factos aditados se traduzem em meros factos concretizantes da atividade imputada sem repercussões agravativas ou diminuição das garantias de defesa.

Em suma, não ocorre a arguida nulidade da sentença.

b.

Do erro de julgamento [recurso dos arguidos C... , B... e D... ]

Questionam os recorrentes o acervo factual dado por assente, dissentindo o arguido C... do que consignado ficou nos pontos 1, 2, 3, 4, 7, 8, 9 e 10 [factos provados], insurgindo-se o arguido B... com o valor fixado à coisa objeto de subtração [ponto 4. dos factos provados], aspeto que, a par do que decorre do ponto 3. [factos provados], mereceu, igualmente, a reação do arguido D... .

Tendo sido documentadas, através de gravação, as declarações prestadas oralmente na audiência de julgamento pode, efetivamente, este tribunal conhecer de facto [cf. artigos 363.º e 428.º do CPP], posto que se mostrem cumpridos os ónus previstos no artigo 412.º do CPP.

Nos termos do n.º 3 do citado preceito, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente especificar:

a. Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b. As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; e, eventualmente

c. As provas que devem ser renovadas [sublinhados nossos], dispondo, por seu turno, o n.º 4 [artigo 412.º do CPP] que «Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação».

Semelhante nível de exigência do recurso em sede de matéria de facto, reforçado com a Reforma de 2007, tem de ser lido à luz do entendimento, sistematicamente, afirmado pelos tribunais superiores, de que os recursos constituem remédios jurídicos destinados a corrigir erros de julgamento, não configurando, como tal, o recurso da matéria de facto para a Relação um novo julgamento em que este tribunal aprecia toda a prova produzida na 1.ª instância como se o julgamento ali realizado não existisse [cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 15.12.2005, 09.03.2006 e 04.01.2007, proferidos respetivamente nos procs. n.º 05P2951, n.º 06P461, n.º 4093/06 – 3.ª].

A especificação dos “concretos pontos de facto” só se mostra cumprida com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida … que considera incorretamente julgado, sendo insuficiente a alusão a todos ou parte dos factos compreendidos em determinados números ou itens da sentença, sendo que A exigência legal de especificação das “concretas provas” só se queda satisfeita com a indicação do conteúdo específico do meio de prova [cf. acórdão do TRC de 22.10.2008, proferido no proc. n.º 1121/03.3TACBR.C1].

Significa, pois, que « … o labor do tribunal de 2.ª Instância num recurso da matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a repetir toda a prova (…), mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova (e eventualmente a partir dos) nos pontos incorretamente julgados, segundo o recorrente, e a partir das provas que, no seu entender, impõem decisão diversa da recorrida - [cf. Acórdão do STJ de 24.10.2002 (proc. n.º 2124/2)] (destaque nosso).

Aspeto que não se confunde com a eventualidade de uma outra aproximação à prova, pois caso a mesma consinta duas ou mais decisões de facto e o julgador, fundamentadamente, optar por uma delas em detrimento das outras, a decisão que proferir sobre a matéria de facto é, em princípio, inatacável.

A não observância nem nas conclusões nem na correspondente motivação, na dimensão legalmente exigível, dos ónus de impugnação [cf. n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do CPP], inviabiliza o «convite ao aperfeiçoamento», pois tal conduziria à distorção/violação do equilíbrio/paridade processual, traduzida na faculdade de o sujeito processual «incumpridor» vir a apresentar um novo recurso, sabido como é que a motivação constitui o limite do aperfeiçoamento [cf. vg. os Acórdãos do TC n.ºs 259/2002, DR, II. S., de 13.12 e 140/2004, DR, II S, de 17.04, bem como, entre outros, ao Acórdãos do STJ de 17.02.2005 (proc. n.º 05P058), 09.03.2006 (proc. n.º 06P461), 28.06.2006 (proc. n.º 06P1940), de 04.01.2007 (proc. n.º 4093/06.3.ª)]

Vejamos, pois, se cada um dos recorrentes observou os ditos ónus.

Iniciando pelo recurso de C... , cuja impugnação se apresenta com maior dimensão, exceção feita à matéria inscrita no ponto 4. dos factos provados na parte respeitante ao valor das chapas de alumínio – relativamente à qual é ainda possível individualizar a concreta prova que indica como impondo decisão diversa da recorrida – tudo o mais se traduz num ataque generalista à convicção do tribunal.

Ignorando, por um lado, que em sede de apreciação pelo tribunal superior, o recorrente não lhe poderá opor a sua convicção e reclamar que por ela opte ou a sufrague, em detrimento e atropelo do princípio da livre apreciação da prova, olvidando que «Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova» - [cf. Acórdão do STJ de 27.05.2010, proc. n.º 11/04.7GCABT.C1.S1], desprezando, por outro lado, que na livre convicção, subordinada à razão e à lógica, desempenham um papel relevante as presunções naturais – que mais não são do que «o produto das regras da experiência que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido, quando um facto é a consequência típica de outro» - [cf. Acórdão do STJ de 09.02.2005, proc. n.º 04P4721], não sendo demais assinalar o que a propósito vem decidindo o Supremo Tribunal de Justiça, tal como, a título exemplificativo, decorre do Acórdão de 23.11.2006 [proc. n.º 06P4096] ao dispor que «As normas dos artigos 126º e 127º do CPP podem ser interpretadas de modo a que possam ser provados factos sem que exista prova direta deles. Basta a prova indireta, conjugada e interpretada no seu todo», acrescentando que tal interpretação «não ofende quaisquer princípios constitucionais, como o da legalidade, ou das garantias de defesa, ou da presunção de inocência e do contraditório, consagrados no art. 32º, n.ºs 1, 2, 5 e 8 da Constituição da República Portuguesa, desde que haja uma fundamentação crítica dos meios de prova e um grau de recurso em matéria de facto para efetivo controlo da decisão».

Ao centrar a impugnação na convicção do tribunal, reproduzindo de uma assentada parte substancial da prova relativamente a um conjunto amplo de factos, ressalvado o ponto acima identificado, por inobservância, na dimensão legalmente exigida, dos ónus que sobre si impendiam – aspeto transversal quer às conclusões quer à motivação – comprometeu o recorrente a sindicância daqueles outros, impondo-se, nessa parte, a rejeição do recurso.

Também o recorrente B... se insurge contra a matéria que consignada vem em 4. dos factos provados, no segmento relativo ao valor das chapas de alumínio, ponto relativamente ao qual também reagiu D... .

Todos eles indicam como impondo decisão diversa da recorrida o depoimento de M... , comissionista na área das sucatas, enquanto reportando-se às chapas em questão, após confrontado com os elementos constantes dos autos, esclareceu constituírem as mesmas sucata – natureza que assumem a partir dos 15 anos de vida e, por maioria de razão, quando, como era o caso, já possuíam entre 40 a 45 anos – valendo, assim, por kg cerca de 0,60€ (valor pelo qual eram comercializadas no mercado interno).

Assiste-lhes, ainda, razão quando dizem ter sido esta a única testemunha que se pronunciou sobre semelhante aspeto – quer quanto à consideração das chapas como sucata, quer quanto ao respetivo valor -, cujo depoimento, não obstante, foi desconsiderado pelo tribunal.

E – perguntamos nós – porquê?

A resposta encontra-se em sede de fundamentação da convicção, quando relativamente ao valor das chapas de alumínio, se mostra consignado: «Quanto ao valor dos metais no depoimento de M... , (…), comissionista da área da sucata, residente em Espinho, o qual referiu que os preços que a ele são praticados na venda de sucata, tendo este referido que já havia ido ao local, aviários da M(...) por entender que estariam abandonados e pretendia comprar sucata.

No entanto os valores referidos por este quanto ao alumínio € 0,60 / quilo, não são consentâneos com o esforço desenvolvido pelos arguidos que daria um valor de € 522,00, que a dividir por quatro seria, depois de deduzidas as despesas de transporte, menos de € 100,00 a cada um.

Por outro lado o tribunal procedeu à consulta da cotação na bolsa de NY da matéria - prima alumínio que no dia 1-07-2015 se encontrava ao preço de USD 0,76Lbs, sendo que uma libra corresponde a 0,453 Kg, e que o € 1,00 corresponde a USD1,108, na mesma data na mesma bolsa de valores, ou seja um quilo de alumínio, na bolsa de NY custa € 1,06.

Sabendo que as chapas pesam em média 6,50 Kg cada uma, correspondem as 134 ao valor de € 923,26, de acordo com tais cotações.»

Ora, com o devido respeito, posto que nenhum reparo vem feito à credibilidade da testemunha, ao respetivo conhecimento na área ou a qualquer outra circunstância relevante capaz de abalar a sua idoneidade, realçando sempre tratar-se de pessoa que opera no ramo no mercado nacional, comercializando material da mesma natureza, não nos parece curial, exclusivamente em função da estranheza provocada pela obtenção de um ganho pouco significativo por parte dos arguidos, ignorar o dito depoimento, sobrepondo-lhe um critério que, para além de não se reportar ao custo do alumínio à data da prática dos factos, indica o valor da matéria-prima numa bolsa internacional que valendo, embora, a este nível, não reflete necessariamente a realidade local mas, essencialmente, a compra e venda entre entidades que negoceiam o metal, no plano global.

Contudo, já no que concerne ao material de que eram feitas as ditas chapas, acabando a testemunha M... , após haver sido confrontada com os elementos, designadamente fotográficos, existentes nos autos, por dizer – no que corroborou o depoimento da testemunha G... na parte em que explicou, de forma convincente, a natureza do dito material [no caso alumínio] – tratarem-se de chapas de alumínio, não é de acolher a alegação do recorrente D... na parte em que se reporta ao respetivo valor porquanto corresponde o mesmo a «chapas zincadas» e não já a «chapas de alumínio».

Impõe-se, assim, proceder à alteração do ponto 4. da matéria de facto, do qual passa a constar: «No chão, junto dos aviários, encontravam-se já 134 (cento e trinta e quatro) chapas de cobertura de alumínio, que haviam sido retiradas do telhado pelos arguidos, de valor para sucata aproximadamente de € 522,60 (quinhentos e vinte e dois euros e sessenta cêntimos – correspondentes a 134 chapas, com 6,50 kg cada, com o preço de € 0,60 €/ / kg), para posteriormente procederem ao seu carregamento, num veículo pesado de mercadorias marca Mitsubishi, modelo Canter, de matrícula (...) UB, que ali se encontrava estacionado para esse efeito, retirando-as do local, conforme plano previamente delineado».

Por fim, o recorrente D... indica como incorretamente julgado o ponto 3. da matéria de facto no segmento: «Quando os arguidos, se encontravam a transportar as referidas peças em alumínio», indicando como impondo decisão diversa da recorrida o depoimento de N... , militar da GNR, o qual, quando inquirido sobre «Onde estavam as chapas?» respondeu: «As chapas estavam entre os dois aviários» e, mais adiante, perguntado sobre se era possível transportar as chapas à mão, retorquiu: «(…) Uma a uma ou duas a duas era, mais do que isso não, pois elas tinham certas dimensões (…)».

Se as passagens evidenciadas encontram correspondência no registo áudio, o certo é que se mostram apoiadas por vários depoimentos, entre os quais o da testemunha G... , legal representante da empresa proprietária dos aviários, ao referir que ao deslocar-se ao local, encontrou as chapas no chão, caídas no interior do pavilhão, admitindo que algumas pudessem ter sido deslocadas para o exterior do pavilhão.

No mesmo sentido depôs o militar da GNR H... , quando transmitiu ao tribunal ter deparado com as ditas chapas junto ao aviário.

Se a tal acrescentarmos o facto de o veículo identificado no ponto 4. dos factos provados se mostrar estacionado, na estrada principal, a cerca de 500/600 metros do local onde ocorreram os factos [cf. depoimento de H... ], não há como negar razão ao recorrente.

 Passa, assim, a constar, em substituição, do ponto 3. dos factos provados: «Os arguidos foram surpreendidos pelos elementos do Núcleo de Investigação Criminal da GNR de Santa Comba Dão, tendo de imediato começado a correr, afastando-se do local, seguidos pelos elementos daquele referido NIC que poucos metros depois procederam à sua detenção».

 c.

Dos vícios do n.º 2, alíneas a) e c) do artigo 410.º do CPP [Recurso dos arguidos A... , C... , B... ]

Ainda em sede de matéria de facto, alegadamente por a sentença não conter factos necessários para a determinação da pena, nomeadamente os elementos pessoais, invoca o recorrente A... o vício da insuficiência, para a decisão, da matéria de facto provada.

Também o vício de erro notório na apreciação da prova, com fundamento na circunstância das testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento, de acordo com a própria motivação da convicção, não haverem presenciado os factos, é convocado pelo recorrente C... .

Por seu turno, sustentando-os na indefinição dos pressupostos probatórios que conduziram à fixação do valor das placas de alumínio em questão, diz o recorrente B... enfermar a decisão dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e, bem assim, de erro notório na apreciação da prova.

Começando pelo último, independentemente da apreciação sobre a suscetibilidade da questão assim colocada configurar, ou não, os ditos vícios, em função da modificação produzida na matéria de facto, perdeu o assunto relevância.

Relativamente ao erro notório na apreciação da prova [recorrente C... ], tendo presente a valia da prova indireta, circunstancial e o funcionamento das presunções naturais manifesto se torna não encerrar a decisão juízos ilógicos, irrazoáveis, de todo improváveis, violadores das regras da experiência comum.

É quanto basta para afastar o dito vício.

Sem razão, ainda, a alegada insuficiência da matéria de facto no que respeita à ausência de elementos para a determinação da pena, conforme defende o recorrente A... .

Com efeito, da conjugação dos pontos 18. 11. e 12. é possível apreender os aspetos relevantes, quer no que respeita à sua conduta anterior aos factos, quer quanto à sua integração familiar e habilitações académicas, quer, finalmente, em relação ao desempenho, ou não, de uma atividade laboral.

São dados que, não sendo exaustivos, ainda assim transmitem uma imagem suficientemente esclarecedora sobre a personalidade do arguido.

Não padece, assim, a sentença do vício em referência.

d. Violação do princípio in dubio pro reo [Recurso do arguido C... ]

Apela o recorrente C... ao pro reo, sustentando haver o tribunal, na dúvida, decidido contra si.

Como ensina o Professor Cavaleiro de Ferreira, «Lições de Direito Penal», I, pág. 86, respeita o princípio in dubio por reo ao direito probatório, implicando a presunção de inocência que, sendo incerta a prova, não se use um critério formal para decidir da condenação do arguido, decisão que terá sempre de assentar na certeza dos factos probandos.

O julgador deve decidir a favor do arguido se, face ao material probatório produzido em audiência, tiver dúvidas sobre qualquer facto.

Todavia, não é qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma decisão favorável ao arguido. Na realidade, a dúvida tem de assumir uma natureza irredutível, insanável, sem esquecer que, nos atos humanos, nunca se dá uma certeza contra a qual não haja alguns motivos de dúvida – [cf. Cristina Líbano Monteiro, “In Dubio Pro Reo”, Coimbra Editora, 1997].

Ou seja, «Uma vez verificado que o tribunal recorrido formulou a sua convicção relativamente à matéria de facto com respeito pelos princípios que disciplinam a prova e sem que tenham subsistido dúvidas quanto à autoria dos factos submetidos à sua apreciação, não tem cabimento a invocação do princípio in dubio pro reo, que como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor deste» [cf. acórdão do TRC de 09.09.2009, proc. n.º 564/07.8PAVCD.P1].

Sucede que, no caso, a invocada preterição do princípio in dubio pro reo não pode deixar de ser votada ao insucesso pois que não resulta do texto da decisão recorrida – nem se vê, à luz da respetiva fundamentação, se quisermos, ainda, reforçada com a audição levada a efeito, por este tribunal, dos registos de prova, razão para que assim devesse ter sido – que o julgador face ao material probatório produzido tivesse mergulhado num estado de dúvida, muito menos irredutível, sobre os factos que conformam a responsabilidade do recorrente e, persistindo nele, haja contra si decidido.

Com efeito, se decorre da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, haver a testemunha F... , que habitava nas imediações dos aviários, ouvido, de madrugada, um barulho em tudo semelhante a martelos a bater em chapas; se na sequência alertou, telefonicamente, a GNR que se deslocou ao local; se tendo os militares, à aproximação dos aviários [a cerca de 80 metros], ouvido barulhos de chapas a cair no chão; se os ditos militares, ao percecionarem os quatro arguidos a deslocarem-se na sua direção, se abrigaram, vindo a abordá-los; se, então, os arguidos fugiram; se, de imediato, foram perseguidos, e três deles, pouco depois, encontrados, escondidos nuns arbustos; se o arguido que fugiu numa outra direção compareceu no local onde se encontravam, já detidos, os outros três, o que sucedeu na sequência de uma chamada telefónica que lhe foi feita por um dos primeiros; se na ocasião um deles trazia uma mochila [apreendida nos autos – cf. fls. 74], contendo vários berbequins/aparafusadores, diversas baterias e uma turquês em ferro; se o veiculo identificado no ponto 4. da matéria de facto, propriedade do pai do arguido D... , se encontrava estacionado nas imediações, a não mais de 500/600 metros do local onde ocorreram os factos; se mais ninguémpara além dos arguidosfoi encontrado no local, que dúvida se poderia ter suscitado no espírito do julgador quanto à sua participação nos factos?

Sustentável, nenhuma!

Na verdade, sendo incontroverso que em processo penal não basta a probabilidade de que os factos tenham ocorrido por a tal obstar o princípio da culpa e da presunção de inocência, no caso em apreço, com base nos meios de prova efetivamente produzidos, mesmo que versando sobre factos indiciários ou indiretos, demonstrados e relevantes à luz das regras da experiência, o tribunal decidiu à margem da dúvida razoável.

É assim por demais evidente não ocorrer violação do princípio em referência.

Como manifesto se torna haver sido a prova apreciada, de acordo com um processo, no essencial, sustentado, com base na livre convicção, à luz das regras da experiência comum, o que vale dizer em conformidade com o disposto no artigo 127.º do CPP.

Em suma, do que se vem de expor, com as alterações produzidas nos pontos 3. e 4. dos factos provados, tem-se por definitivamente fixada a matéria de facto.

e.

Da qualificação jurídica dos factos [Recurso dos arguidos C... , B... , D... ]

Furto simples ou furto qualificado?

 Manifestam-se os recorrentes contra a qualificação jurídico-penal dos factos levada a efeito na sentença recorrida, enquanto os subsumiu ao crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea a), ambos do C. Penal.

Podemos desde já adiantar assistir-lhes razão.

Efetivamente, ainda que não se tivesse procedido à alteração da matéria de facto [cf. o ponto 4. dos factos provados], tendo presente o que ficou a constar da decisão e o que a propósito do valor elevado dispõe o artigo 202.º, alínea a) do mesmo diploma, é óbvio que nunca com base no montante mais alto, na mesma considerado, se poderia ter como integrado o dito valor [elevado].

Na verdade, quando se diz que o valor das chapas em questão era sempre superior a 3.000,00 €, sem que se estabeleça, por não ter sido possível encontrá-lo, o limite máximo, o único entendimento possível, compatível com o princípio in dubio pro reo, seria o de não ultrapassar o mesmo 3.000,01€ [três mil euros e um cêntimo].

 Com efeito, desconhecendo-se o valor exato dos bens objeto de furto, não sendo possível, no caso, determiná-lo, tratando-se de um elemento de facto, a questão só pode ser solucionada a favor do arguido, em obediência, ao pro reo.

Como escreve Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1981, Vol. I, pág. 215, relativamente ao “facto” sujeito a julgamento, o princípio in dubio pro reoaplica-se sem qualquer limitação, e, portanto, não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também às causas de exclusão da ilicitude (…), de exclusão da culpa (…) e de exclusão da pena (…), bem como às circunstâncias atenuantes, sejam elas «modificativas» ou simplesmente «gerais». Em todos estes casos, a persistência da dúvida razoável após a produção da prova tem de atuar em sentido favorável ao arguido, e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado prova completa da circunstância favorável ao arguido».

E se assim é, por maioria de razão, perante a modificação introduzida no ponto 4. dos factos provados, ainda mais definitiva se torna a desqualificação do furto, arredada que está a subsunção dos factos à alínea a), do n.º 1, do artigo 204.º do C. Penal, única circunstância qualificativa agravante, convocada na sentença e, antes disso, na acusação pública.

Significa, pois, que - não já em função do valor em questão (como defendem alguns recorrentes) poder ser encarado como diminuto, consideração que a própria sentença recorrida, bem como a alteração, entretanto, produzida, não consente - por via, desde logo, do que na decisão ficou consignado e, mais expressivamente, da alteração por este tribunal produzida, o crime, no qual, em coautoria material, incorreram todos os arguidos se reconduz ao furto simples, previsto no artigo 203.º do C. Penal.

Crime consumado ou crime tentado?

É matéria que igualmente suscita a reação dos recorrentes [ C... e D... ], defendendo – ao invés da sentença recorrida - não ter o mesmo ultrapassado a fase da tentativa.

Vejamos.

Constituem elementos constitutivos do crime de furto: (i) A subtração de uma coisa móvel alheia; (ii) a ilegítima intenção de apropriação para si ou para outrem da coisa.

A subtração como elemento constitutivo do crime não se esgota com a mera apreensão da coisa alheia. Necessário se torna que o agente subtraia a coisa da posse exercida pelo lesado e a coloque à sua disposição ou à disposição de terceiro.

Como refere Beleza dos Santos a subtração consiste “na violação do poder de facto que tem o detentor de guardar o objeto do crime ou de dispor dele, e a substituição desse poder pelo agente” – cf. RLJ, n.º 58, pág. 252.

Imprescindível, pois, se torna que o agente subtraia a coisa do domínio de facto anteriormente exercido sobre ela e a coloque sob o seu domínio, à sua disposição ou de terceiro, consumando-se o crime com a entrada da coisa subtraída na esfera patrimonial do agente ou de terceiro, bastando-se o tipo com a consumação formal ou jurídica, não sendo de exigir a posse pacífica – [cf. os acórdãos do STJ de 26.01.95, CJ, ASTJ, T. I, pág. 190 e de 22.05.97, CJ, ASTJ, T. II, pág. 224].

Contudo, dispensando a consumação a detenção da coisa de forma pacífica, em tranquilidade ou sossego, necessário se torna a transferência da disponibilidade da coisa do seu titular para o agente.

Como diz Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial – T. II, pág. 49, § 69., o furto consuma-se quando a coisa entra, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infração.

A mesma ideia se retira do ensinamento de Eduardo Correia (BMJ 182/314), enquanto considera que não basta privar o dono da coisa do seu gozo. É preciso que ela saia da esfera patrimonial do ofendido e entre na esfera patrimonial de outrem, em regra na do próprio agente. Havendo apenas apropriação material da coisa sem disponibilidade, estar-se-ia perante a tentativa.

Passando ao caso em apreço, ficou provado que os arguidos já haviam retirado do telhado do aviário várias chapas de alumínio, as quais colocaram no chão junto ao dito pavilhão [aviário] com vista a serem posteriormente transportadas para o interior de uma carrinha, circunstância, contudo, que não veio a ocorrer.

Com efeito, as chapas de alumínio ficaram sempre no local, sem que alguma vez hajam sido transportadas e menos ainda colocadas no interior do identificado veículo. Assim é que quando os arguidos foram surpreendidos pelos agentes de autoridade já alguns metros distanciados do local do furto – eventualmente em direção à dita viatura - nenhuma placa transportavam consigo, permanecendo as mesmas – aquando da respetiva apreensão - no chão junto ao pavilhão, donde nunca chegaram a sair.

É, por isso, para nós claro que, mesmo a considerar-se que ao retirarem as placas do telhado e ao amontoá-las no chão junto ao aviário – donde nunca saíram, enfatiza-se - os arguidos já tivessem entrado na sua detenção, no caso concreto, não decorreu aquele lapso temporal necessário a criar o mínimo de estabilidade necessário ao seu efetivo domínio, aspeto que afasta a consumação do crime.

Concluindo, dir-se-á como no acórdão do TRP de 16.5.2012, CJ, T. II, pág. 241, que o crime de furto só se consuma quando a coisa sai da esfera de domínio do seu dono e o agente adquire um mínimo de estabilidade no domínio de facto correspondente ao seu apossamento – uma estabilidade que lhe assegure a possibilidade plausível, ainda que não absoluta, de fruição e disposição da coisa subtraída», estádio que no presente caso não ocorreu.

Do exposto resulta haverem os arguidos incorrido na prática, em coautoria material e na forma tentada, de um crime de furto, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º, n.ºs 1 e 2, 22.º, 23.º e 73.º do C. Penal, conclusão que naturalmente se impõe relativamente a todos eles, mesmo quanto àqueles que não elegeram a matéria como objeto do seu recurso – [artigo 402.º, n.º 2, alínea a) do CPP].

f.

Alterado que foi o enquadramento jurídico-penal dos factos, estando, agora, em causa um crime de furto simples, na forma tentada, há que reequacionar relativamente a todos os arguidos, coautores materiais do ilícito típico em questão, a matéria relativa às penas, perdendo acuidade, nesta parte, os recursos.

Ao crime de furto simples corresponde a moldura penal abstrata de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias, penas estas que, na forma tentada, passam a ser de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias – [cf. artigos 23.º, n.º 2, 73º, n.º 1, als. a), b) e c), do Código Penal].

Cabe, assim, iniciar por decidir se deve ser dada preferência à pena não detentiva prevista em alterativa à prisão.

O artigo 70.º do C. Penal dispõe que “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, preceituando o artigo 40.º do citado diploma que com a aplicação das penas e medidas de segurança se visa a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo, em caso algum, a pena ultrapassar a medida da culpa.

São, assim, finalidades de prevenção geral positiva de integração (proteção de bens jurídicos) e de prevenção especial (integração e socialização do agente) que pontificam na escolha da pena.

Escreve, a propósito, Figueiredo Dias «a questão é a de saber se, por baixo da aparente multiplicidade e diversidade de critérios legais, se consegue ainda divisar um critério geral de escolha e de substituição da pena. Uma resposta afirmativa impõe-se. Um tal critério é, em toda a sua simplicidade, o seguinte: o tribunal deve preferir à pena privativa da liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respetivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efetiva aplicação» – [cf. “As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, pág. 331].

Adianta ainda o Ilustre Professor que «em primeiro lugar, o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa (…) quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária, ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas; coisa que só raramente acontecerá se não se perder de vista o caráter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração» [ob. cit., pág. 333].

Já quanto à prevenção geral acrescenta o Autor «deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à atuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa só não será aplicada se a execução da prisão se mostrar indispensável para que não seja posta irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafática das expetativas comunitárias»

Aplicados os princípios ao caso dos autos não pode deixar de se considerar, em função da forte expansão que em todo o território nacional assumem os crimes de furto, as significativas exigências de prevenção geral.

Quanto às necessidades de prevenção especial, não se revelam de igual pendor relativamente a todos os arguidos.

Assim, no que concerne aos arguidos A... e D... terão de ser ponderadas as condenações sofridas, registando o primeiro uma condenação de 01.07.2013 pela prática, em 30.03.2012, de um crime de roubo na pena de seis meses de prisão, suspensa na execução mediante regime de prova e, ainda, uma condenação em 05.02.2015 pela prática, em 23.08.2013, de um crime de recetação em pena de multa, tendo o segundo [ D... ] sido condenado por sentença de 17.09.2010 pela prática, em 19.08.2010, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de admoestação, bem como sofrido condenação, em 12.07.2011 pela prática, em 11.07.2011, de idêntico crime, em pena de multa, registando, por fim, nova condenação de 19.04.2013, pela prática, em 06.04.2013, de um crime de detenção ilegal de arma, em pena de admoestação.

Já os arguidos C... e B... não possuem antecedentes criminais.

Neste quadro, sopesadas as significativas exigências de prevenção especial, decorrentes, desde logo da natureza dos crimes pelos quais sofreu condenação, aliadas às fortes necessidades de prevenção geral, entende-se ser de afastar a aplicação da pena de multa relativamente ao arguido A... por ser de considerar não satisfazer a mesma, de forma adequada e suficiente, as sobreditas finalidades da punição.

Com efeito, para além da estreita relação, quanto aos bens jurídicos protegidos, entre os crimes anteriores e o ora em questão, o certo é que se trata de condenações – uma delas em pena de prisão suspensa – não muito longínquas, apontando, assim, para alguma dificuldade, por parte do arguido, na adoção de uma conduta conforme ao direito.

Em relação aos demais arguidos, incluindo o D... – cujas condenações anteriores o foram por crimes de diferente natureza (duas condenações sem habilitação legal; uma condenação por detenção ilegal de arma, sendo que em dois casos lhe foi aplicada uma pena admoestação e noutro pena de multa) -, afigura-se-nos ser a pena não detentiva, prevista em alternativa, capaz de responder de forma adequada e suficiente às finalidades da punição.

Isto dito, vejamos agora a determinação da medida concreta das penas.

Antes, contudo, convém esclarecer [vide as respetivas conclusões de recurso] que, pese embora, à data da prática dos factos, o arguido C... ainda não tivesse completado os 21 anos, é de excluir, em função da pena escolhida, a aplicação do Regime Penal relativo a Jovens [D.L. 401/82, de 23.09], «legislação que tem como principal fundamento o reconhecimento da especificidade da delinquência dos jovens adultos, consagrando a ideia de evitar na maior medida possível, a aplicação de pena de prisão a jovens adultos». Assim «A necessidade de recorrer às possibilidades abertas pelo diploma, e, consequentemente, a exigência sobre a formulação de um juízo sobre as vantagens em recorrer às medidas previstas para evitar a aplicação, tanto quanto possível, de penas de prisão a jovens adultos, só se justifica, pois, quando o tribunal entender que apenas uma sanção desta natureza é adequada para satisfazer as necessidades da punição». Por isso, «Nos casos em que o tribunal considere que uma pena de prisão não é necessária para satisfazer as necessidades das penas, e aplique uma pena de multa, não há que fazer apelo, no momento da condenação, ao regime penal dos jovens (…)» - [cf. acórdão do STJ de 09.03.2005, proc. 05P060].

Detenhamo-nos, pois, no artigo 71.º do C. Penal enquanto dispõe que «A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção», ponderadas todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra o agente.

Concretizando:

Considerando o modo de execução do crime, perpetrado pelos quatro arguidos, de madrugada, implicando a necessidade de subir ao telhado do aviário, donde retiraram uma quantidade bastante significativa de placas de alumínio, o grau de ilicitude apresenta-se elevado.

A culpa, manifestada na modalidade mais gravosa do dolo, é intensa.

De ponderar ainda neste domínio a logística montada para o sucesso da apropriação, que passava pela colaboração de um veículo com as caraterísticas indicadas nos factos provados.

Não se mostra, contudo, irrelevante a juventude dos arguidos, com idades – por ocasião dos factos – compreendidas entre os vinte e os vinte cinco anos.

Relevante a integração familiar de todos os arguidos, sendo que B... e D... desempenham uma atividade laboral. Já os arguidos A... e C... são sustentados pelos pais. Contudo, encontra-se o último a concluir um curso profissional de gestão desportiva.

A considerar, no que concerne aos arguidos C... e B... , a ausência de antecedentes criminais e no que respeita aos arguidos A... e D... as condenações já supra identificadas, as quais, - sobretudo no caso do primeiro pela similitude dos bens jurídicos violados – tornam reais as exigências de prevenção especial.

Por fim, neste domínio da criminalidade, são muito expressivas as necessidades de prevenção geral.

Neste contexto, entende-se adequadas e proporcionais as seguintes penas:

(i) A... - (5) meses de prisão;

(ii) B... – 160 (cento e sessenta) dias de multa;

(iii) C... – 160 (cento e sessenta) dias de multa;

(iv) D... – 190 (cento e noventa) dias de multa.

Sendo o montante diário correspondente à pena de multa fixado entre € 5,00 e € 500 em função da situação económica e financeira do condenado e seus encargos pessoais [artigo 47.º, n.º 2 do C. Penal], mostra-se adequado fixá-las em € 6,00 (seis euros) relativamente a cada um dos arguidos.

Da eventual aplicação ao arguido A... de uma pena de substituição.

No caso concreto afigura-se-nos não ser de substituir a pena de prisão aplicada em tempo inferior a um ano pela pena de multa, porquanto sobretudo exigências de prevenção especial levam a que se considere não responder esta, de forma adequada e suficiente, às finalidades da punição [artigo 43.º do C. Penal].

No seio das penas de substituição não detentivas, importa, então, apurar se é de suspender a execução da prisão.

São considerações ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, que interferem na decisão sobre a aplicação da pena de substituição em questão.

Como escreve Figueiredo Dias, «A finalidade politico-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, e não qualquer correção ou melhora das conceções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como se exprime Zift, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa». [cf. “As Consequências Jurídicas do Crime», Editorial Noticias, 1993, 343 e 344].

Essencial, porém, para avançar para a aplicação da dita pena é que seja possível formular um juízo de prognose favorável acerca de uma futura conduta do arguido.

No referido juízo de prognose há que ter em conta a personalidade do arguido, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao facto punível e as circunstâncias deste mesmo facto.

Se é verdade que os antecedentes criminais do arguido impressionam negativamente, também é certo que a sua juventude aliada à integração familiar e às habilitações académicas ainda consentem a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser conseguida.

Com efeito, remontando as identificadas condenações a factos praticados em 2012 e 2013, numa ocasião, portanto, em que ainda beneficiava do Regime Penal Relativo a Jovens, a opção pela suspensão é suscetível de representar a derradeira oportunidade para que o arguido, com outra maturidade, enverede por um caminho conforme às regras.

Assim, não se vendo que a tal se oponham em definitivo razões de prevenção geral, correndo, embora, um risco calculado, mas ainda assim responsável, que tem subjacente a aposta no crescimento do arguido, o qual, mostrando-se familiarmente integrado, tem condições para inverter o rumo de vida, decide-se suspender-lhe a pena de cinco meses de prisão pelo período de um ano, sujeito a regime de prova assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social – [cf. artigo 50.º, nºs 1, 2 e 5, 53.º e 54.º, todos do C. Penal].

Da não transcrição da condenação no certificado de registo criminal

Solicita o recorrente C... a não transcrição no registo criminal da condenação.

Destinando-se os recursos à reapreciação das questões colocadas perante o tribunal recorrido e não já à decisão de matéria nova – não objeto da decisão - não cabe a este tribunal decidir sobre a pretensão.

III. Decisão

Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal, na parcial procedência dos recursos, em:

a. Julgar os arguidos A... , B... , C... e D... , coautores materiais da prática de um crime de furto simples, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203.º, n.ºs 1 e 2, 22.º, 23.º e 73.º do C. Penal;

b. Condenar o arguido A... pela prática do sobredito crime na pena de 5 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, sujeita a regime de prova mediante plano a elaborar pelos serviços de reinserção social, durante o tempo de duração da suspensão, executado com vigilância e apoio dos mesmos serviços;

c. Condenar o arguido B... pela prática do sobredito crime na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros);

d. Condenar o arguido C... pela prática do sobredito crime na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros);

e. Condenar o arguido D... pela prática do sobredito crime na pena de 190 (cento e noventa) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros);

f. Revogar em correspondência a sentença recorrida.

Sem tributação.

Coimbra, 7 de junho de 2016

[Processado e revisto pela relatora]

(Maria José Nogueira - relatora)

(Isabel Valongo - adjunta)