Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
567/10.5TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: USUCAPIÃO
DIVISÃO
PRÉDIO
ADJUDICAÇÃO
INVERSÃO DO TÍTULO DE POSSE
Data do Acordão: 03/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2.ª SECÇÃO DA VARA DE COMPETÊNCIA MISTA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1406º Nº2 DO CÓDIGO CIVIL E 7º DO CRPREDIAL
Sumário: I. No caso de divisão material do prédio em que cada um dos adjudicatários passou, a partir de então, a actuar sobre a parcela que lhe coube de modo exclusivo e com o “animus” de exercer o direito real correspondente ao direito de propriedade como único dono, dá-se a aquisição por usucapião da mesma parcela, como prédio distinto e autónomo do originário, se reunidos os demais caracteres da posse conducente à aquisição por aquela via;

II. Nesta situação não é de exigir a inversão do título da posse, que pressupõe a existência de uma posse precária e a consequente oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía nos termos dos art.ºs 1253.º e 1265.º do Código Civil, que se quedam sem aplicação ao caso.

Decisão Texto Integral: I. Relatório

A... e esposa, B... , ambos reformados, a residir na (...), em S. Martinho de Árvore, concelho de Coimbra, vieram instaurar contra C... e esposa, D..., residentes na Rua (...)S. Martinho de Árvore, acção declarativa de condenação, a seguir a forma ordinária do processo comum, pedindo a final que, na procedência da acção:

“a) seja reconhecido judicialmente o direito de propriedade dos Autores sobre metade indivisa do prédio identificado nos artigos 1.º, 2.º e 3.º do presente articulado, por efeitos da usucapião;

b) sejam os Réus condenados a reconhecer tal direito;

c) sejam os Réus condenados a restituir e a desocupar o referido prédio, deixando-o completamente livre de pessoas e bens, demolindo à sua custa os muros, paredes e outras edificações que no mesmo se encontrarem;

d) que tal restituição, desocupação e demolição se processem no prazo de trinta dias, findos os quais, caso tal não aconteça, os Réus sejam condenados a liquidar aos Autores a título de sanção pecuniária compulsória, o valor de 25,00 € por cada dia de mora na execução daqueles trabalhos;

e) sejam os Réus condenados a pagar aos Autores o valor de 6.000,00 € a título de danos não patrimoniais;

f) sejam os Réus condenados a pagar aos Autores todas as despesas resultantes da instauração da presente acção, a liquidar em execução de sentença, nomeadamente, honorários do mandatário, papel, cartas, telefonemas, comunicações electrónicas, deslocações e registos postais.

Em fundamento alegaram, em síntese útil, que são donos de metade indivisa do prédio que identificam, a qual adquiriam por doação no ano de 1991. Mais alegaram que desde há mais de 20 anos que vêm praticando sobre tal prédio, na referida proporção, actos de posse pública, pacífica e de boa fé, actuando sempre na convicção de que actuavam no exercício do direito de compropriedade, de modo que, por usucapião que expressamente invocam, adquiriram tal direito.

Sucede, porém, que o réu marido, sendo comproprietário do aludido prédio, é ainda dono de um outro, inscrito na respectiva matriz sob o art.º 1(...).º, que com aquele confronta no seu limite norte. Neste prédio deram os RR início à construção de uma moradia que, no seu lado norte, se encontra delimitada por um muro com o comprimento de cerca de 48 mt. Tal moradia e muro de delimitação encontram-se todavia edificados em parte do prédio inscrito na matriz sob o art.º 0(...).º, ocupando uma área de cerca de 288 m2, assim violando o direito de compropriedade dos demandantes, que se vêm impedidos de usar e fruir a referida parcela de terreno. A descrita situação vem causando nos AA mal estar e intranquilidade, traduzindo-se em insónias e alterações de humor, danos de natureza não patrimonial que, pela sua gravidade, demandam a tutela do direito e para cujo ressarcimento reclamam a quantia de € 3 000,00 a atribuir a cada um.

Regularmente citados, os RR contestaram e, correspondendo a solicitado esclarecimento, alegaram ter o réu marido adquirido metade do prédio reivindicado por doação feita por seu pai, sendo certo que não subsiste a pelos demandantes invocada situação de indivisão.
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Teve lugar audiência preliminar e nela foram as partes convidadas a esclarecer a origem da indivisão, tendo os AA apresentado o articulado de fls. 145/146, no qual alegaram ter o prédio em causa sido adjudicado na proporção de metade para cada um a N... e O... , na partilha a que se procedeu por óbito dos pais de ambos. N... procedeu posteriormente à venda da metade que lhe fora adjudicada a E..., pai do réu marido, que veio mais tarde a doá-la a seu filho; quanto à outra metade, a referida O... fez doação da mesma a sua filha, a aqui autora B....

Por requerimento de fls. 167/168, vieram ainda os AA  invocar que a ocupação levada a cabo pelos RR atingiu na verdade uma área de 665 m2 do prédio comum, e com tal fundamento de facto ampliaram o pedido inicialmente formulado, peticionando a restituição da parcela ocupada com a mencionada área, ampliação admitida nos termos do despacho exarado a fls. 176/177.

Formulado aos RR novo convite de aperfeiçoamento do articulado de contestação, vieram estes alegar que, desde há mais de 30 anos, por si e seus ante possuidores, vêm praticando sobre a área onde se encontra edificada a moradia e até ao muro de delimitação, actos de posse pública, pacífica e de boa fé, conducente à aquisição por usucapião, que expressamente invocam, do direito de propriedade exclusivo sobre a área ocupada. Invocando que os AA actuam em abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, peticionam a final em via reconvencional a condenação dos reconvindos no reconhecimento de tal direito.

Os AA replicaram, mantendo que o prédio se mantém indiviso, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.
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Admitida a reconvenção foi proferido despacho saneador, seleccionados os factos assentes e organizada a base instrutória. Os AA reclamaram do teor da al. B), no que foram atendidos (cf. fls. 212).

Teve lugar audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo que da acta consta, tendo-se o Tribunal deslocado ao local no decurso da mesma, após o que foi proferida sentença, na qual foi decidido como segue:

“1. Julgar a ação totalmente improcedente por não provada, absolvendo os RR. C... e D... de todos os pedidos formulados contra si pelos AA., A... e B....

2. Julgar a reconvenção deduzida procedente por provada e, em consequência, declarar que os RR., C... e D..., são os legítimos proprietários, uma vez que adquiriram a mesma por usucapião, da parcela de 544 m2 integrada no prédio inscrito na matriz predial rústica sob o n.º 0(...) e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial sob o artigo n.º 2(...)/20030702 com a dimensão, configuração e limites expressos na planta topográfica constante de fls. 240 dos autos que passa a fazer parte integrante da presente sentença, tendo a separar da restante parcela pertença dos AA. um muro aí existente em todo o comprimento do terreno e que se encontra expresso na referida planta por uma linha azul, sendo os AA., A... e B..., proprietários da restante parcela de terreno”.

Inconformados com o assim decidido vieram os AA interpor tempestivo recurso e, tendo elaborado as suas alegações, remataram-nas com as necessárias conclusões, que assim se sintetizam:

i. os factos contidos nos artigos 5º, 6º, 7º e 8º e 9º da Base Instrutória devem ser dados como não provados, em oposição aos factos dados como provados nas alíneas A), B), D), G), H) e I) dos Factos Assentes, por insuficiência da própria prova indicada a tais factos;

ii. da prova produzida apenas se pode retirar com a necessária segurança jurídica que cada um dos comproprietários utilizava metade do terreno e o cultivava, sendo que os AA, por intermédio de terceiros, cultivavam a sua metade, pelo que, a haver resposta aos quesitos em questão, ela deve ser dada nestes termos, acrescendo que do quesito 9.º deve ser removido o nome de V... que não foi referido por nenhuma testemunha;

iii. não resultou da prova produzida qualquer sinal ou indício que aponte para a inversão do título da posse, facto que surge evidenciado à luz do cotejo da prova testemunhal com a prova documental que existe nos autos;

iv. quanto aos quesitos dos artigos 3º e 4º da Base Instrutória, a resposta deve ser dada em termos positivos;

v. dando-se como provado que os AA e RR são comproprietários de uma quota-parte, na proporção de metade, do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 0(...).º e descrito na CRP de Coimbra sob o Nº 2(...) (matéria assente- alíneas A) a I) e que os RR construíram uma moradia e um muro no prédio em questão, violando o direito dos AA nos termos dos artigos 1311.º e 1403.º do Código Civil, e que a actuação dos RR causou naqueles mal-estar e intranquilidade (cfr. conclusão 35.ª a 37.ª), devem os pedidos formulados pelos demandantes a este respeito na acção ser considerados totalmente procedentes e, pelo contrário, deve a reconvenção deduzida pelos RR ser considerada improcedente, por não provada.

Com tais fundamentos pretendem a revogação da sentença recorrida e sua substituição por outra “que contemple as alegações e conclusões aqui expendidas pelos Recorrentes/Autores”.

Os apelados contra alegaram, pugnando naturalmente pela manutenção do julgado.
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Sabido que pelas conclusões se define e limita o objecto do recurso, constitui única questão a decidir indagar se ocorreu erro de julgamento, conforme pretendem os apelantes, devendo ser alteradas as respostas dadas aos artigos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º e 9.º da base instrutória e, como decorrência da pretendida alteração, ser proferida decisão no sentido da procedência da acção e improcedência do pedido reconvencional.

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Do erro de julgamento

Insurgem-se os recorrentes contra as respostas dadas aos artigos 3.º e 4.º da base instrutória que, tendo sido negativas, pretendem sejam substituídas por outras de sinal contrário, outro tanto ocorrendo em relação aos artigos 5.º a 9.º estes, em seu entender, devendo obter respostas negativas ou, no limite, restritivas, no sentido preconizado.

Ocorrendo, como é o caso, impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, segundo corrente jurisprudencial que se tem vindo a consolidar, o Tribunal da Relação, “ao apreciar os invocados erros de julgamento sobre os pontos da matéria de facto questionados pelo recorrente, está efectivamente vinculado a realizar uma reapreciação substancial da matéria do recurso de apelação, sindicando adequadamente, através de audição do registo da audiência que necessariamente acompanha o recurso, a convicção formada pelo tribunal de 1.ª instância e formando sobre tais pontos de facto impugnados a sua própria convicção, que pode ou não ser coincidente com a do juiz a quo.

Será, pois, manifestamente inconciliável com a efectividade do duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, vigente no nosso sistema jurídico desde 1994, (…) uma análise das provas realizada em plano puramente abstracto, com mero apelo a critérios de desrazoabilidade ostensiva ou de flagrante desconformidade com os elementos probatórios documentados nos autos, desfocada de uma apreciação crítica, feita perante a especificidade do caso concreto e com decisivo apelo ao conteúdo casuístico dos vários meios de prova efectivamente produzidos em audiência.

(…) Tal não significa obviamente que deva ter lugar na Relação uma repetição ou renovação dos meios probatórios produzidos na 1ª instância, através de um novo julgamento do caso quanto aos pontos da matéria de facto questionados: o nosso sistema de recursos continua a assentar decisivamente na reponderação da decisão recorrida, não sendo, em princípio, destinados a criar matéria nova ou a realizar novas diligências probatórias (…) mas tão somente a verificar se o juiz a quo julgou ou não adequadamente a matéria litigiosa, face aos elementos a que teve efectivamente acesso e de que podia e devia conhecer”. [1]

Por outro lado, reconhecendo que a apreciação das provas constantes de depoimentos gravados apresenta dificuldades em confronto com a apreciação de primeiro grau no tribunal da 1.ª instância, onde funciona plenamente o princípio da imediação, tendo o juiz ao seu dispor toda uma panóplia de elementos que, estando subtraídos ao colectivo de juízes deste Tribunal, auxiliam à valoração dos testemunhos -vg. reacções ou gestos espontâneos da testemunha, de inestimável valia na sua creditação- tal não autoriza a Relação a abster-se de formular um juízo probatório sobre os factos cuja reapreciação lhe é pedida, sob pena de se pôr em causa o referido segundo grau de jurisdição. “A efectiva reapreciação da prova implica [pois] a sua análise crítica sem limitações de ordem formal, ou seja, independentemente daquela que foi feita no tribunal recorrido, envolvendo a criteriosa e equilibrada apreciação, com apelo à racionalidade geral e particular do colectivo de juízes e às regras da lógica e da experiência.

Em suma, tal como o deve fazer o juiz que apreciou a prova em primeiro grau, deve o colectivo de juízes da Relação declarar, de entre os factos objecto da impugnação pelo recorrente, quais os que considera ou não provados, analisando criticamente os provas por aquele indicadas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (artigo 653º, nº 2, do Código de Processo Civil). Isso significa que o colectivo de juízes da Relação deve formar e afirmar, a respeito dos factos em causa, com base nas provas que reapreciou, a sua própria convicção, idêntica ou diversa daquela que foi expressa no tribunal recorrido, a este se substituindo nessa parte”[2].

Tal é o entendimento que se sufraga e em obediência a ele se ouviram os depoimentos das testemunhas indicadas pelos apelantes e se analisaram os documentos referenciados. E, desde já se adianta, a apreciação concertada de tais elementos probatórios conduziu à confirmação do juízo formulado pelo Mm.º juiz “a quo”, conclusão que se antecipa.

Perguntava-se nos artigos em questão:

“Art.º 3.º- A conduta dos RR referida em E)[3] e artigo 2.º[4] provocou nos AA insónias e alterações de humor, com períodos de tristeza?

Art.º 4.º- …originando um estado permanente de mal-estar e intranquilidade?

Art.º 5.º- Desde há mais de 30 anos e de forma ininterrupta, os RR e, antes deles, o pai do R. marido, têm semeado culturas diversas, escavando, limpando, regando, construindo barracões, colocando redes e outros meios físicos de protecção na parcela de terreno do prédio identificado em B) em que está implantada a moradia (incluindo o muro)?

Art.º 6.º- …à vista de todos?

Art.º 7.º- …com pleno conhecimento e sem oposição de quem quer que fosse, designadamente do A?

Art.º 8.º- …convencidos que eram legítimos titulares da referida parcela de terreno?

9.º- Os AA deram a terceiros - T...., U... e V... - para cultivo, a fruição da parte do prédio referido em B) até ao limite da parcela de terreno em que agora se encontra implantada a construção do R?

Ao assim perguntado respondeu o Mm.º Juiz “a quo” do seguinte modo, respostas fundamentadas nos termos da motivação subsequente:

“Art.ºs 3.º e 4.º- Não Provados.

Art.º 5.º- Provado que desde há mais de 30 anos e de forma ininterrupta, os RR., e antes o pai do R. marido, têm semeando culturas diversas, escavando, limpando, regando, construindo barracões, colocando redes e outros meios físicos de protecção na parcela de terreno do prédio identificado em B) em que está implantada a moradia (incluindo o muro) (al. J) da sentença).

Art.º 6.º-….à vista de todos (al. K) da sentença).

Art.º 7.º- …com pleno conhecimento e sem oposição de quem quer que fosse designadamente do A. (al. L) da sentença).

Art.º 8.º- …convencidos que eram legítimos titulares da referida parcela de terreno (al. M).

Art.º 9.º- Os AA. deram a terceiros - T..., U... e V...- a fruição de parte do prédio referido em B) para cultivo até ao limite da parcela de terreno em que agora se encontra implantada a construção do Réu (al. N) da sentença”.

Em sede de motivação, e para o que importa, justificou o Mm.º juiz “a quo” a sua convicção pelo seguinte modo:

“A formação da convicção do Tribunal, de acordo com a qual respondeu afirmativamente da forma descrita ficou a dever-se à ponderação da globalidade da actividade probatória constante dos autos.

(…) Quanto aos factos dados como provados constantes das alíneas J) a N), o tribunal atendeu a toda a prova produzida. Desde logo se diga que o próprio filho dos AA, S...., ainda que tenha referido que os pais tiveram conhecimento da referida ocupação ainda a moradia estava em construção e sem estar construído o muro, foi perentório ao referir que já antes havia uma ocupação consensual de cada uma das parcelas, sendo que eram ambas cultivadas.

Ainda que do seu depoimento resultou um claro interesse no resultado da demanda, tanto que foi o próprio que referiu que tem vindo a ser ele a tratar, a verdade é que o próprio admite, no essencial, uma realidade que foi mais claramente exposta pela restantes testemunhas.

Em primeiro lugar, a testemunha Q..., primo em 1.º grau da A. mulher e que vive na freguesia a cerca de 800 metros, passando quase diariamente juntos aos terrenos, foi taxativo ao referir que antes da escritura 21.5.2003 (cf. fls. 152 a 156), já o terreno era ocupado pelo Y... há cerca de 5 anos. Já o pai ( N...) ocupava aquela parcela de terreno. Todos sempre entenderam tal parcela como sua. O terreno foi dividido assim quando faleceu o avô e assim continua há mais de 68 anos (a testemunha tem 68 anos e sempre conheceu aquela divisão). Por fim, referiu que a divisão de tais parcelas era feita por “duas latadas de videiras”, sendo que o A. tirou a sua e o R. tirou a dele e fez no local o muro.

O antepossuidor da parcela do terreno ocupado pelos AA. foi sempre considerado o seu legítimo Proprietário, tal como o antepossuidor da parcela ocupada pelos ora RR., tanto mais que aquele primeiro deu a sua parcela para cultivo a outras pessoas U..., T... e V....

Este depoimento foi integralmente corroborado pelas testemunhas W...., vizinha há 47 anos dos prédios, e X..., tio do R. marido, que vive na freguesia a cerca de 30/40 metros e tem 74 anos, sendo que este último referiu ainda que sempre conheceu aquela parcela de terreno ora ocupada pelos RR. como sendo um terreno do N.... Era ele que o cultivava, e foi a este que pediu autorização quando precisou de fazer uma construção na estrema de um seu terreno com aquela parcela de terreno Ambos foram perentórios ao referiu que nunca ninguém se opôs a tal utilização de ambas as partes, muito menos os antepossuidores de tal prédio.

Por fim ouvidos os referidos U..., que vive a 800 metros dos terrenos, e T..., vizinho dos prédios a cerca de 1000 metros, por estes foi confirmado que efetivamente cultivaram tal parcela de terreno.

Com efeito, o primeiro referiu que há 25 anos cultivou a parcela de terreno que era do R..., sogro do A. a quem pagava renda. Foi durante 5/6 anos. A parcela ia até uma latada de videiras. Cultivou a parcela que lhe foi dita por aquele que era a parcela que lhe pertencia. A outra parte quem amanhava era o N.... A estrema era dada por duas latadas.

O segundo referiu que amanhou a parcela há cerca de 20 e durante 12 anos. Veio substituir a testemunha U.... Foi o R... que lhe deu de arrendamento, pagando 3.500$00 anuais. Ele disse que era dele. Na outra cultivava o N.... Havia duas latas e o meio era a estrema. O muro que lá está construído segue o local em que estava a videira. O muro está há 6/7 anos.

De toda a prova testemunha produzida resulta a nossa ver claro que ambas as parcelas eram utilizadas por cada um dos irmãos como se proprietários das mesmas fossem, sendo por todos respeitada tal divisão e sendo tal atuação pública e pacífica.

É claro que na medida em que no registo tal situação ainda se mantinha como uma situação de compropriedade em que cada parte tem apenas uma parte indivisa da mesma, percebe-se que em todas as declarações escritas (cf. escritura de 2003, documentos de fls. 334 e 360 do processo administrativo de construção da morada dos RR.) tal realidade se mantenha e se afirme, uma vez que só essa era passível de ser atendida formalmente.

Quanto aos factos não provados, apenas o filho dos AA. referiu de forma sintética que os pais ficaram incomodados com tal atuação dos RR., sem conseguir concretizar em que termos. Ora, tendo presente que esta situação tem por detrás uma ocupação daquela parcela há mais de 70 anos, apenas alterando o modo de ocupação, e sendo certo que como todas as restantes testemunhas arroladas e ouvidas referiram foi sempre aceite por todos que o terreno já estava dividido pelos irmãos e respeitado pelos demais herdeiros, não é crível que tal atuação pudesse provocar nos AA. um tal estado de espírito e tais alterações comportamentais. Nestes termos, tem-se tal matéria como não provada.”

Ora, se a coerência e consistência do discurso lógico-fundamentador do julgador não bastam, por si só, à confirmação do julgado, não há dúvida que no caso que nos ocupa deu o Mm.º juiz “a quo” boa conta do processo formativo da sua convicção, permitindo sindicar e concluir pelo bem fundado das ilações que extraiu da prova produzida e a que fez referência.

Defendem os apelantes que do depoimento prestado por S..., filho dos Autores, apenas se extrai que cada uma das parcelas do terreno em questão nos autos estava a ser ocupada, uma delas por seus pais e a outra pelos Réus, tendo-se no entanto aqueles oposto prontamente quando estes iniciaram a construção.

Quanto ao testemunho prestado por Q..., qualificam-no de manifestamente incongruente, incompreensível e contraditório com as declarações prestadas pelo próprio Réu marido e respectivos progenitores perante oficial público, nomeadamente, um notário, tendo para além do mais revelado total desconhecimento da localização do prédio em discussão, devendo por isso ser desconsiderado.

Do depoimento prestado pela testemunha X... retiram os apelantes que afinal os AA deduziram oposição à ocupação feita pelos RR, tendo-se a testemunha W... limitado a afirmar que cada parcela de terreno era ocupada por cada um dos comproprietários, individualmente, e que a mãe do Réu marido tentou comprar a parte dos Autores.

Não merece credibilidade, no entender dos recorrentes, a testemunha U..., retirando-se utilmente do seu depoimento, outro tanto sucedendo com o prestado pela testemunha T..., apenas e só o facto objectivo de as duas parcelas de terreno serem cultivadas em separado.

Em contrapartida, foi indevidamente desconsiderado o testemunho prestado por F... que, tendo confirmado quanto declarou na escritura junta aos autos, contrariou o teor das respostas dadas e aqui impugnadas.

Pois bem, feita a audição dos depoimentos e reapreciado o seu teor, em conjugação com os documentos discriminados pelos apelantes, não podemos deixar de confirmar as respostas impugnadas.

Assim, e começando pelo testemunho do dito S..., filho dos autores, o qual, conforme reconheceu, tem vindo “a gerir o processo” (sic), a verdade é que, não obstante as respostas cuidadosas que foi dando às perguntas que lhe iam sendo colocadas, não deixou de reconhecer que o prédio aqui em causa já vinha sendo ocupado por pessoas distintas, ocupando cada uma parte diferente, alegando embora desconhecimento de eventual acordo que tenha estado na origem dessa divisão. Tendo-lhe sido perguntado de forma directa se os seus pais entendiam ou não que se encontrava já perfeitamente definida a metade que lhes pertencia e se a outra metade pertencia ou não aos RR, respondeu evasivamente, alegando que o réu nunca atendeu às diversas solicitações e reuniões que se foram fazendo.

 No que respeita à matéria dos artigos 3.º e 4.º, afirmou que os aqui AA há anos que não se deslocam ao terreno, aludindo ainda a ameaças alegadamente feitas pela mãe do réu à autora mulher, limitando-se a referir que os pais se sentem incomodados com o assunto, que querem ver resolvido.

E se deste depoimento, conforme o Mm.º juiz “a quo” não deixou de assinalar, se intuía já o essencial, ou seja, que há anos existia uma divisão de facto do prédio em duas metades, vindo cada um dos adjudicatários a exercer sobre a parcela que lhe fora atribuída posse exclusiva, tal realidade resultou exuberantemente demonstrada face à demais prova produzida.

Especial destaque mereceu, no que a esta questão nuclear diz respeito, o depoimento prestado por Q..., de 68 anos de idade. Ao invés do que pretendem os apelantes, tratou-se de depoimento esclarecido e esclarecedor, tendo declarado de forma peremptória que desde sempre a metade hoje ocupada pelos RR a teve como sua, tendo antes disso pertencido de forma exclusiva a seu pai, acrescentando singelamente que sempre a considerou como sua porque “nunca pisei a outra” (sic).

Explicitou que o prédio foi de seu avô e, após a morte deste, ficou para os dois filhos, N..., pai da testemunha, falecido no início dos anos 80, e para a irmã e cunhado R..., pais da autora mulher e tios e padrinhos do depoente. Posteriormente, já após o falecimento do pai, a testemunha, com o acordo da mãe e dos irmãos, vendeu ao pai do réu marido, enquanto seus tios fizeram doação à filha, a autora B.... Asseverou, no entanto, que desde que se conhece por gente, sempre seu pai e seus tios amanharam a metade do prédio que a cada um coube, existindo marcos a assinalar a linha divisória e duas latadas ou corrimãos de videiras, uma do pai e outro do padrinho, cada um amanhando até à latada que lhe pertencia “e nunca ali houve trocas” (sic).

A testemunha referiu ainda que a parcela pertencente aos AA foi dada de amanho a terceiros, um tal de U..., um T... e uma Sr.ª de nome V... (a testemunha referiu que a dita senhora também se encontrava no Tribunal aquando da realização do julgamento, tratando-se da testemunha indicada pelos RR sob o n.º 11 do rol de fls. 225, que não chegou a ser inquirida), radicando assim em menor atenção dos apelantes a alegação de que ninguém tinha feito alusão a tal senhora, mencionada pelo Mm.º juiz na resposta ao art.º 9.º. Afirmou que todos estes rendeiros amanhavam apenas até à latada que aos pais da autora mulher e depois a esta e ao seu marido pertenciam, sem interferirem com o amanho que a testemunha fazia da metade que fora de seu pai.

Confrontada com o teor da escritura de justificação junta aos autos, evidenciou óbvio desconhecimento dos trâmites seguidos pelos pais do R marido para lograrem obter o registo a seu favor. Não obstante, esclareceu que foi o próprio quem, com a anuência da mãe, já então viúva, e dos irmãos, negociou a venda do terreno aos pais do réu marido, admitindo todavia que estes tivessem já falado com seu falecido pai, em vida deste, a propósito do negócio. Esclareceu finalmente que antes da realização da escritura já o terreno era ocupado pelos pais do réu marido há 10 ou 15 anos.

Face a tal prova testemunhal assumem assim plena pertinência as considerações feitas pelo Mm.º juiz a propósito dos documentos juntos aos autos, deles não podendo extrair-se quanto pretendem os apelantes no sentido de evidenciarem o reconhecimento pelos RR da sua qualidade de comproprietários do prédio em questão, e não de proprietários exclusivos de uma parcela concreta e determinada. Com efeito, tal como o Mm.º juiz “a quo” evidenciou, mantendo-se formalmente a indivisão, incontornável era a alusão em tais documentos à metade indivisa, sem que daqui resulte qualquer contradição com a consideração de que a realidade fáctica era (é), conforme se demonstrou ser, diversa.

Tal depoimento veio a ser inteiramente corroborado pelo testemunho de X... que, indo “a caminho dos 74 anos” (sic) e residindo a 30-40 mt do terreno, que conhece deste criança, sempre nele conheceu o N..., que ali cultivava vinha e tinha uma pereira. E quando pretendeu fazer uns currais num prédio confinante, foi com aquele mesmo N... que foi ter para alinhar as estremas, tendo sido o filho deste quem vendeu à irmã e cunhado, que logo fez lá uns curros para pôr lenha, sem que os AA, “donos da outra leira”, se tivessem oposto, tal como nunca se apercebeu que tivessem dito fosse o que fosse quando o réu deu início à obra, sendo certo que a testemunha “andava sempre por ali”. Confirmou ainda que antes dos AA, a parcela que lhes pertence foi amanhada pelo pai da autora mulher, e depois dada de arrendamento a uns e outros, que a amanhavam, asseverando ainda a existência de uma linha de estrema a dividir cada uma das metades, definida por uma estaca e dois corrimãos de videiras: cada um tinha o seu corrimão e ao meio era uma enxada. Perguntado, declarou que o réu arrancou as videiras que lhe pertenciam e “pôs lá o muro”.

A testemunha W..., residente desde os 9 anos de idade a curta distância do prédio, sendo certo que conta 58 anos de idade, confirmou que metade era amanhada pelo Sr. R..., pai da autora mulher, e a outra pelo Sr. N..., encontrando-se as parcelas divididas por dois corrimãos de videiras, sendo certo que “cada um respeitava o seu lado”. Confirmou também que os pais do Réu marido entraram em negociação com os AA para comprar a terra deles e à pergunta “Qual terra?”, respondeu serena e esclarecedoramente “A parte da D.ª B..., porque a outra já a tinham comprado há muito tempo, já a amanhavam há muito tempo e depois compraram-na, aquilo que estava em questão era a terra da D.ª B...”.

As testemunhas U... e T... confirmaram terem sido arrendatários do terreno que têm como pertencendo aos AA, o primeiro por lhe ter sido dado de arrendamento há 25 anos ou mais pelo pai da autora mulher, Sr. R..., tendo amanhado a terra pelo período de 5 ou 6 anos (dado o lapso de tempo decorrido nada admira que se não lembrasse da renda que pagava, em nada prejudicando tal facto a credibilidade que mereceu), o segundo sucedendo-lhe e tendo permanecido arrendatário durante 12 anos consecutivos. Esclareceram ambos que amanhavam até à latada de videiras que lhes foi indicada como sendo a estrema, tendo a testemunha T... relatado que quem lhe “deu a posse da terra” (sic) foi o falecido Sr. R..., que lhe indicou que a terra lhe pertencia até à parcela do N... (nome por que era conhecido o N...).

A testemunha F..., mãe do réu marido, ao invés do entendimento que dele fizeram os apelantes, prestou depoimento que em nada contrariou os anteriores. Pelo contrário, confirmou ter adquirido o terreno “que pegava com o seu” ao filho do N..., que sempre teve como dono do mesmo, isto há uns 23 anos, de boca apenas, sabendo que foi feita uma escritura de usucapião. Aquando da aquisição, isto há mais de 20 anos, pagou o preço e logo lhe foi dada a terra para amanhar, ali tendo edificado um barracão para arrecadar as lenhas, sem que os AA ou quem quer que fosse se opusessem.

Analisados de forma crítica e concertada os elementos probatórios a que se fez referência, deles ressalta à evidência que após a morte do primitivo dono do prédio, avô da autora mulher, foi o mesmo dividido em duas partes iguais, tendo uma sido adjudicada à filha O..., casada com R..., pais da autora, e a outra atribuída ao irmão N..., pai da testemunha Q.... Desde então, e há mais de 20 e 30 anos, que as ditas parcelas, devidamente delimitadas, vêm sendo amanhadas por cada um dos ditos herdeiros, com exclusão do outro, os AA e, antes deles, os pais da demandante mulher, dando de arrendamento a terceiros aquela que lhes coube, os antepossuidores dos RR amanhando e recolhendo os frutos da outra, que depois venderam ao réu marido, tudo como proprietários exclusivos, tal como o Mm.º Juiz “a quo” fez reflectir nas respostas impugnadas, que assim se mantêm na íntegra.
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II Fundamentação

De facto

Improcedendo a impugnação da matéria de facto, é a seguinte a factualidade a atender, tal como nos chega da primeira instância:

A) Por escritura pública datada de 7.1.1991, R... e mulher, O..., como primeiros outorgantes, J..., L... e M..., como segundos outorgantes, e B..., casada segundo o regime de comunhão de adquiridos com A... como terceiros outorgantes, declararam:

“E pelos primeiros outorgantes foi dito: que, com exclusão de outrem lhes pertence legitimamente metade de uma terra de cultura, sita nas Cruzinhas, freguesia de São Martinho de Árvore, concelho de Coimbra, com a área de mil trezentos e trinta metros quadrados, a confrontar do norte com m(...), sul com X... e outros, nascente com serventia e do poente com f(...), prédio inscrito na matriz rústica sob o artigo 0(...), encontrando-se a referida fracção inscrita em nome do justificante marido, com o valor patrimonial correspondente de três mil quinhentos e quarenta e dois escudos, a que atribuem o valor de vinte e cinco mil escudos, omisso no registo Predial. Que, possuem o referido prédio em nome próprio há mais de vinte anos, tendo pago desde sempre as respectivas contribuições, posse que foi sempre exercida por eles por forma a considerarem tal bem imóvel como seu, sem interrupção, intromissão ou oposição de quem quer que fosse, usufruindo-o, e retirando dele todos os rendimentos que o mesmo lhes ia propiciando à vista de toda a gente do lugar e de outros circunvizinhos, sempre na convicção de exercerem o direito próprio sobre coisa própria.

Que, esta posse assim exercida ao longo de mais de vinte anos se deve reputar de pública, pacífica e contínua. Que, por tal motivo e muito embora não possam exibir o respectivo titulo de aquisição o certo é que eles justificantes adquiriram o mencionado prédio por usucapião, causa esta de adquirir que como é óbvio não podem comprovar pelos meios mais extrajudiciais normais.

Pelos segundos outorgantes foi dito que, por serem verdadeiras, confirmam inteiramente as declarações dos primeiros outorgantes.

Pelos primeiros outorgantes foi ainda dito: Que, por esta mesma escritura doam à terceira outorgante sua filha, o bem imóvel atrás identificado, a que atribuem o valor de vinte e cinco mil escudos (…)»

B) Por escritura pública datada de 21.5.2003, E... e esposa, F..., casados no regime da comunhão geral, como primeiros outorgantes, segundo outorgante C... (…) e terceiros outorgantes G... (…), H... (…) e I... (…) J..., L... e M..., como terceiros outorgantes, declararam:

 “Disseram os primeiros outorgantes que são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, dos seguintes bens, sitos na freguesia de São Martinho de Arvore, concelho de Coimbra:

(…) b) - metade indivisa do prédio rústico, composto de terra de cultura com oliveiras e vinha com uma fruteira, com a área no seu todo de mil trezentos e trinta metros quadrados, sito nas Cruzinhas, a confrontar no seu todo do norte com m(...), nascente com serventia, sul com X... e outros e do poente com f(...), no todo inscrito na matriz sob o artigo 0(...) com o valor patrimonial correspondente à parte indivisa de dezassete euros e sessenta e sete cêntimos.

Os referidos imóveis não estão descritos na Conservatória do Registo Predial de Coimbra (…).

Os mesmos vieram à posse deles justificantes, o indicado (…) b) por compra a N... e esposa, Maria da Conceição Picoa, residentes que foram no dito lugar de São Martinho de Árvore, ocorrida no ano de mil novecentos e oitenta, sem que no entanto ficassem a dispor de título formal que lhes permita obter o seu registo na competente Conservatória; todavia, possuem-nos há mais de vinte anos e, tal posse, sempre foi exercida de forma pública, pacífica e sem interrupção, tal como correspondesse ao exercício do direito de propriedade, por isso, conservando-o e fazendo algumas obras de restauro em relação ao indicado na alínea a) e levando a cabo a sua limpeza e cultivo com os demais comproprietários em relação ao indicado na alínea b ). Por tal motivo, perante a inexistência do titulo de aquisição, alegam os justificantes ter adquirido os citados bens por um outro modo de adquirir, a usucapião, insusceptível, porém, de comprovar pelos meios extrajudiciais normais.

Disseram mais os primeiros outorgantes que por esta mesma escritura, doam ao segundo outorgante, seu filho (…), os bens atrás justificados (…). E disse o segundo outorgante que aceita esta doação nos termos exarados.”

C) Encontra-se descrito no Registo Predial - 1ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra -sob o artigo n.º 2(...)/20030702 e inscrito a favor de C... na proporção de ½, sob a letra G, Ap. 2 de 2003/07/02 o prédio inscrito na matriz predial rústica sob o n.º 0(...), com a seguinte descrição: terra de cultura com oliveiras e vinha com 1 fruteira a confrontar a Norte com m(...), Nascente serventia, Sul X... e outros e Poente f(...).

D) O prédio urbano inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1(...)°, sito na Rua da Cruzinha, freguesia de S. Martinho de Árvore, concelho de Coimbra, encontra-se descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o N.° 754/20030702 e na mesma inscrito a favor do R. marido sob a letra G 20030702002-Ap. 2 de 2003/07/02

E) O prédio referido em C) tem a área declarada no registo predial de 1.330 m2.

E) Os RR. construíram uma moradia e um muro no prédio referido em C).

F) A referida construção foi licenciada pela Câmara Municipal de Coimbra.

H) O prédio identificado em D) confronta pelo seu lado Norte com o prédio descrito em C) (resposta ao artigo 1º da Base Instrutória).

I) A referida moradia e respectivo logradouro ocupam a área total de 544 m2 do prédio identificado em C) (resposta ao artigo 2º da Base Instrutória).

J) Desde há mais de 30 anos e de forma ininterrupta, os RR. e, antes deles, o pai do R. marido, têm semeando culturas diversas, escavando, limpando, regando, construindo barracões, colocando redes e outros meios físicos de protecção na parcela de terreno do prédio identificado em C) em que está implantada a moradia (incluindo o muro) (resposta ao artigo 5º da Base Instrutória).

K) …à vista de todos (resposta ao artigo 6º da Base Instrutória).

L) …com pleno conhecimento e sem oposição de quem quer que fosse designadamente do A. (resposta ao artigo 7º da Base Instrutória).

M) …convencidos que eram legítimos titulares da referida parcela de terreno (resposta ao artigo 8.º da Base Instrutória).

N) Os AA. deram a terceiros - T..., U... e V... -a fruição de parte do prédio referido em C) para cultivo até ao limite da parcela de terreno em que agora se encontra implantada a construção do Réu (resposta ao artigo 9º da Base Instrutória).
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De Direito

Como se vê das conclusões, os apelantes fizeram incidir as razões da sua discordância sobre o julgamento da matéria de facto, no que não obtiveram provimento, pelo que, dependendo a solução jurídica pretendida das preconizadas alterações na factualidade apurada, a sentença proferida merece confirmação.

De todo o modo, e com respeito às conclusões, nomeadamente quando realçam a inexistência de factos que fundamentem a inversão do título da posse, sempre será de afirmar o acerto da solução jurídica perfilhada na sentença apelada.

Como é sabido, na compropriedade a quota de cada contitular é ideal e o uso da coisa comum por um deles não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título, como expresso no n.º 2 do art.º 1406.º do Código Civil[5]. Não obstante o assim consagrado, a divisão material, se aliada à prática de actos de posse exclusiva sobre o quinhão que a cada um dos comproprietários ficou a pertencer, revestindo tal posse os legais requisitos, pode conduzir à aquisição do direito de propriedade exclusiva por usucapião, com dispensa da inversão do título da posse, conforme foi já decidido[6].

No caso em apreço, a despeito do teor da inscrição registral, de que resulta a presunção de compropriedade (cfr. art.º 7.º do CRPredial), alegaram os RR que, por si e seus antecessores, desde há mais de 20 e 30 anos vêm exercendo actos de posse pública, pacífica e de boa fé sobre parte determinada do prédio em questão, com a área, configuração e limites definidos por referência ao levantamento topográfico junto aos autos.

Vistos os factos apurados, deles resulta que, embora sem ter sido formalizada a divisão do prédio em duas metades, indivisão -de direito, que não de facto- mantida aquando da celebração das escrituras referenciadas, a verdade é que a divisão material efectuada foi sendo observada pelos adjudicatários que, de forma exclusiva e sem qualquer interferência do outro, passaram a amanhar a parte que a cada um coube -ainda que por intermédio de terceiros, como ocorreu por banda dos demandantes- colhendo os respectivos frutos, à vista dos demais e sem oposição de quem quer que fosse.

A aquisição originária, conforme decorre da lei, pode resultar, para o que aqui importa considerar, da prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito; da tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior proprietário, ou ainda da inversão do título da posse (vide als. a), b) e d) do art.º 1263.º.

No caso da al. a), necessária se torna a prática de actos materiais correspondentes ao exercício do direito, e aqui direito de propriedade como proprietário exclusivo, não como comproprietário. Ora, isso mesmo se constata ter ocorrido no caso vertente, tendo cada um dos interessados exercido actos de posse sobre determinada parcela de terreno, perfeitamente delimitada, como seu exclusivo dono. Tal posse, como decorre do disposto na al. a) do art.º 1263.º e n.º 2 do art.º 1252.º, há-de ter-se como posse em nome próprio, não se colocando por isso, quanto a nós, a questão da inversão do título[7].

Na verdade, e conforme reflecte o acervo factual apurado nos autos, nunca os RR, à semelhança do que ocorreu com os AA e, antes deles, os antepossuidores, possuíram a parte do prédio ajuizado entregue a cada um deles por tolerância do outro ou sem intenção de agir como beneficiários do respectivo direito de propriedade; pelo contrário, actuou cada um deles, desde sempre, com o “animus” de exercer o direito real correspondente, como se fosse o legítimo proprietário -exclusivo- de cada uma das parcelas resultantes da divisão operada. Daí que não seja de exigir a inversão do título da posse, que pressupõe a existência de uma posse precária e a consequente oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía (cfr. art.ºs 1253.º e 1265.º), o que “in casu” não se verificou. Por outras palavras, e conforme se conclui no aresto do STJ de 29/1/2008 “Não tendo chegado a possuir o prédio como comproprietário, não é condição de aquisição do direito de propriedade por usucapião a inversão do título da posse”.

Assim sendo, e estando nós perante posse em nome próprio como proprietário exclusivo, é a mesma susceptível de conduzir à aquisição por usucapião da parte adjudicada a cada consorte, sendo o processo usucapitivo a operar a respectiva autonomização, se verificados os demais caracteres da posse prescritiva.

Vista a factualidade apurada e de que se deu conta, evidenciado fica o exercício por banda dos RR, por si e seus antepossuidores, dos poderes de facto sobre a área de 544 m2, com a área, configuração e limites constantes do levantamento constante dos autos, actos que se vêm registando desde há mais de 20 e 30 anos, característicos de posse pública, pacífica e, ainda que não titulada, inequivocamente de boa fé. Deste modo, tal como se concluiu na decisão apelada, adquiriram os RR por usucapião a parcela assim identificada, que como prédio distinto do originário se autonomizou, assim resultando ilidida a presunção de compropriedade que resulta do art.º 7.º do CRPredial. E por assim ser, nenhum agravo fizeram aos AA ao edificarem uma moradia e um muro de delimitação sobre tal parcela de terreno, inexistindo acto ilícito gerador da obrigação de indemnizar.

Em remate: improcedendo na íntegra as conclusões recursivas, impõe-se a manutenção do decidido.
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III- Decisão

Em face a todo o exposto, acordam os juízes da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.

Custas a cargo dos apelantes.
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Maria Domingas Simões (Relatora)
Nunes Ribeiro
Helder Almeida

[1] Aresto do STJ 24 de Maio de 2012, Ex.mº Sr. Cons.º Lopes do Rego, proc. 850/07.7 TVLSB.L1.S2, disponível em www.dgsi.pt.
[2] Aresto do STJ de 12/3/2009, processo n.º 09B0509, acessível em www.dgsi.pt.
[3] Com o seguinte teor: “Os RR construíram uma moradia e um muro no prédio referido em B)”.
[4] Com o seguinte conteúdo: “A referida moradia ocupa a área de 783 m2 do prédio identificado em B)?

[5] Diploma ao qual pertencerão as demais disposições que vierem a ser citadas sem menção da sua origem.
[6] Cf. Tribunal da Relação de Lisboa, em aresto de 28/9/2006, proferido no processo n.º 6294/2006-6, relatado pelo Exm.º Sr. Desembargador Granja da Fonseca, e pelo STJ, em acórdãos de 1/2/2005, processo n.º 04A4652, relatado pelo Exm.º Sr. Conselheiro Lopes Pinto, e de 29/1/2008, processo n.º 07B2373, este prolatado pela Ex.mª Sr.ª Conselheira Prazeres Beleza, todos disponíveis em www.dgsi.pt)
[7] Cfr., neste preciso sentido, ac. Rel. Lisboa de 17/5/2007, processo n.º 3249/2007-6 e o antes citado aresto do STJ de 29/1/2008, processo n.º 07 B 2373