Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2369/08.0TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: EXECUÇÃO
EXTINÇÃO
RENOVAÇÃO
NULIDADE
Data do Acordão: 09/07/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 201, 287, 919, 920 CPC
Sumário: I. Com a reforma da acção executiva, dada a eliminação do despacho liminar no apenso de verificação e graduação de créditos, a faculdade de fazer prosseguir a execução, que só era conferida ao credor graduado, que a podia exercer até ao trânsito em julgado da sentença de extinção da execução, passou a constituir um direito do credor reclamante a partir do momento da reclamação, a exercer nos termos do n.º 2 do art. 920.º do CPC, no prazo de dez dias após a notificação prevista no art. 919.º n.º 2.

II. Tendo sido extinta a execução, na sequência de transacção celebrada entre o exequente e os executados, sem ter sido notificado da extinção o credor reclamante, a omissão de tal formalidade influiu na decisão da causa, constituindo nulidade, nos termos do n.º 1 do art. 201.º do CPC, o que determina a anulação dos termos subsequentes à referida omissão, de acordo com o que imperativamente dispõe o n.º 2 do citado normativo.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório
Nos presentes autos de execução, em que é exequente o Banco (…) SA, e executados A (…) e esposa M (…), através do requerimento executivo entrado no 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu, em 30.06.2008, fundado na livrança junta aos autos a fls. 11, o exequente requereu a penhora de móveis de depósitos bancários, para pagamento da quantia de € 15.858,34.
Foi penhorado um depósito bancário, no montante de € 17.444,17 (fls. 36).
Entretanto, em 24 de Outubro de 2008, a C (…), SA, veio reclamar um crédito no montante de € 17.44,17, alegando em síntese que no exercício da sua actividade celebrou com o executado e outros, um contrato de empréstimo, tendo sido constituído, em garantia dos montantes em dívida, entre outros, penhor sobre o saldo do depósito a prazo denominado “Valor Nacional 2008 – 2.ª Emissão”, no valor inicial de € 50.000,00, pertencente à conta de títulos n.º 0742.007789.434, encontrando-se penhorado parte do valor do saldo da referida conta, no montante de € 17.44,17.
Em 8 de Janeiro de 2009, veio o exequente, através do requerimento de fls. 54, «informar os autos que logrou formalizar uma transacção com os Executados, pela qual a dívida aqui reclamada foi restruturada, pelo que se verifica a inutilidade superveniente da lide, nos termos dos artigos 918, n.º 1 e 287, al. e), ambos do CPC.».
Com estes fundamentos, requereu a declaração de extinção da execução.
No apenso de reclamação de créditos, o M.º Juiz do tribunal a quo proferiu em 23.03.2009, o seguinte despacho: «Aguardem os autos pela extinção da execução».
No processo executivo, foi proferido despacho em 19.03.2009 (fls. 57), a suspender a instância, e a determinar a remessa dos autos à conta.
Em 16.07.2009, veio o solicitador de execução informar que a mesma foi declarada extinta, nestes termos: «(…), Agente de Execução designado nos autos acima referenciados, atento o pagamento da quantia exequenda e demais acréscimos legais, incluindo honorários e despesas devidas ao Agente de Execução e custas finais, declara, nos termos do n.º 1 do art. 919º do C.P.C., extinta a instância.
A presente declaração de extinção da instância executiva, é notificada ao exequente e executados, conforme fotocópia das notificações que se juntam».
Em 16.09.2009, foi proferido no apenso de reclamação de créditos, o seguinte despacho:
«A execução a que os presentes autos de reclamação de créditos estão apensos e dos quais dependem findou.
Esta relação de dependência torna impossível a continuação da presente instância.
Assim, e ao abrigo do disposto na al. e) do art. 287.º do C.P.C., julgo extinta a presente instância executiva por impossibilidade superveniente da lide».
Em 24.09.2009, veio a reclamante C (…), SA, arguir a nulidade da omissão da sua notificação, alegando que nos termos do n.º 2 do artigo 919.º do CPC, deveria ter sido notificada da extinção da execução, a fim de poder requerer o prosseguimento da execução para verificação, graduação e pagamento do seu crédito.
Em 26.10.2009, foi proferido o despacho de fls. 65, no qual foi julgada improcedente a arguição da nulidade.
Não se conformando, através do requerimento de 9.11.2009 (junto aos autos a fls. 68), veio a reclamante C (…), SA, requerer a aclaração do despacho no qual foi julgada improcedente a arguição da nulidade por omissão da notificação, interpondo recurso do referido despacho e apresentando alegações, que culminam com as seguintes conclusões.

a) Nos presentes autos encontra-se penhorado o montante de € 17.444,17, proveniente da quota-parte do saldo da conta n.º ..., constituída em nome do Executado (…), e à data depositada em conta aberta na C (…), S.A., conforme resulta de fls. 36 que aqui se dá por reproduzida para todos os legais efeitos.

b) A aplicação financeira penhorada, corresponde a um depósito a prazo designado Valor Nacional 2008 – 2.ª Emissão, não mobilizável.

c) Por requerimento autuado em 24.10.2008 (no apenso A - reclamação de créditos), a aqui Recorrente reclamou créditos no montante de € 17.444,17, garantidos por “penhor sobre o saldo do depósito a prazo denominado Valor Nacional 2008 – 2.ª Emissão (…) pertencente à conta títulos n.º 0742.007789.434 (…)”.

d) Por decisão proferida no apenso A, destes autos, foi proferida, por despacho ref' 4614936, decisão com o seguinte conteúdo: “…ao abrigo do disposto na al. e) do art. 287° do C.P.C., julgo extinta a presente instância executiva por impossibilidade superveniente da lide”.

e) Na sequência do despacho transcrito a aqui Recorrente requereu no apenso A (reclamação de créditos) que fosse reconhecido que:

“a) A aqui Credora não foi notificada da decisão de extinção da instância executiva, nos termos do art.º 919°, n.º 2 do CPC;

b) Que tal omissão constitui uma nulidade insanável;

c) E consequentemente anule a presente decisão de extinção da presente instância de reclamação de créditos, com as legais consequências”.

f) Por sua vez, nestes autos principais de execução, a aqui Recorrente requereu ainda na sequência do despacho ref. 4614936 que fosse reconhecido que:

“a) A aqui Credora não foi notificada da decisão de extinção da instância executiva, nos termos do art.º 919°, n° 2 do C PC;

b) Que tal omissão constitui uma nulidade insanável, com as legais consequências;

c) E consequentemente se digne ordenar a notificação à aqui Credora do despacho de extinção da presente instância executiva, nos termos do n° 2 do art.º 919° do C PC”;

g) Consta da douta decisão ref. 4689851: “(…) o Tribunal decide: Julgar improcedente a invocada nulidade suscitada pela C.G.D., SA (…)”.

h) No apenso A foi proferida decisão no sentido de: “(…) a apreciação da nulidade arguida no âmbito dos presentes autos fica prejudicada pela decisão sobre a mesma proferida no âmbito da execução apensa”.

i) Na sequência de pedido deduzido pelo Sr. Solicitador de Execução, nomeado nestes autos, a entidade depositante – (…), S.A - procedeu em 14.11.2008 ao depósito/transferência do montante penhorado - € 17.444,17 - para a conta do Sr. Solicitador de Execução n.º PT50003300004527823142805, conforme documentos que se juntam.

j) A fls. 54, com data de 08.01.2009, veio o Exequente informar os autos que acordou com o Executado a reestruturação da dívida exequenda, requerendo a extinção da presente execução.

l) A fls. 55, encontra-se notificação emanada dos autos n.º 3089/08.0TBVIS, do 4° Juízo do Tribunal Judicial de Viseu, a penhorar o excedente dos montantes depositados à ordem destes autos, nos termos do art° 856° do C PC.

m) Determina o art.º 919° n.º 2 do CPC que a extinção da instância é notificada aos credores reclamantes.

n) Por sua vez, determina o n.º 2 do art.º 920° do mesmo diploma que “o credor cujo crédito esteja vencido e haja reclamado para ser pago pelo produto de bens penhorados, pode requerer, no prazo de 10 dias contados da notificação da extinção da execução, o prosseguimento desta.”

Por outro lado ainda,

o) O art.º 201.º do CPC sanciona com a nulidade a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei preveja, quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

p) É manifesto que foi cometida uma omissão, qual seja, a falta de notificação à aqui Recorrente da decisão de extinção da instância executiva, que influi de modo determinante na decisão da causa.

De facto,

r) Encontrando-se o montante penhorado, e supra melhor referenciado, depositado na conta do Sr. Solicitador de Execução, a extinção da instância executiva nos termos ordenados, em consequência da omissão invocada (falta de notificação da aqui Recorrente nos termos do art.º 919.º, n.º 2 do CPC), sem possibilidade de prosseguimento da instância por parte da aqui Recorrente ao abrigo do art.º 920°, n.º 2 do CPC terá, forçosamente, como consequência a entrega desse montante ao executado, ou aos autos melhor identificados a fls. 55, com a inerente extinção do penhor que garante o crédito da aqui Recorrente.

Efectivamente,

s) Não havendo sentença de verificação e graduação de créditos, e tendo-se extinguido os autos principais de execução, os montantes penhorados serão devolvidos a terceiros, com as legais consequências em relação ao penhor constituído.

t) O recurso à faculdade prevista no n.º 2 do art.º 920° do C PC, que só será possível se a aqui Recorrente for notificada do despacho de extinção da instância, teria como corolário o prosseguimento da presente instância, visando que o crédito garantido por penhor da aqui Requerente viesse a ser pago pelo saldo penhorado em referência.

u) O recurso ao disposto no n.º 2 do art.º 920° do C PC apenas será possível se à aqui Requerente for notificada a decisão de extinção da instância.

v) A data em que a aqui Requerente rec1amou créditos ainda não tinha sido proferida decisão de extinção da instância, pelo que consequentemente, a aqui Requerente deveria ter sido notificada da decisão de extinção da instância, para, eventualmente, recorrer à faculdade prevista no n.º 2 do art.º 920° do C PC.

x) A aqui Requerente por consulta aos autos em suporte de papel verificou que os documentos que ora se juntam como doc. n.º 1 e 2, e que são essenciais à decisão da questão sub iuditio, não se encontram juntos aos mesmos.

z) Acresce ainda que a douta decisão sub iuditio também é nula por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC.

w) O Tribunal a quo extinguiu a instância executiva sem se pronunciar sobre o destino a dar ao saldo penhorado, em menção, e dado de penhor à aqui Recorrente.

y) De facto, mesmo que se admita a hipótese de extinção da instância por pagamento ou extinção da quantia exequenda, sempre haveria que o Tribunal a quo se haveria ter pronunciado sobre os saldos bancários penhorados, e em particular sobre o saldo bancário penhorado e simultaneamente dado de penhor à aqui Recorrente.

aa) Assim, e para todos os legais efeitos invoca-se a omissão de pronúncia em alusão, com as legais consequências.

bb) Consequentemente também deverá ser revogada a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo na parte em que condena a aqui Recorrente nas custas do incidente em uma UC.

Termos em que, nos melhores de direito e sempre com mui douto suprimento de V. Exas, e caso a aclaração/rectificação ora requerida não seja atendida, requer-se a admissão do presente recurso, julgando-se o mesmo totalmente procedente e provado, e consequentemente:

1) Se revogue a douta decisão sub iuditio e a substitua por decisão que reconheça que a omissão de notificação à aqui Recorrente da decisão de extinção da instância executiva constitui uma irregularidade que influi na decisão da causa, ordenando-se em consequência a notificação à aqui Recorrente do citado despacho de extinção da instância;

Sem prescindir,

2) Se reconheça como verificada a omissão de pronúncia supra invocada com a consequente nulidade da decisão sub iuditio;

Cumulativamente,

3) Requer-se a revogação da decisão na parte em que condena a Recorrente nas custas do incidente em uma UC.
Nem o exequente, nem os executados apresentaram contra-alegações.

II. Do mérito do recurso

1. Objecto do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se numa única questão: saber se a omissão da notificação prevista no n.º 2 do artigo 919.º do CPC constitui nulidade, nos termos e para os efeitos do artigo 291.º do mesmo diploma legal.

2. Fundamentação de facto
Face à documentação junta, encontra-se provada nos autos a seguinte factualidade relevante:
1. O exequente o B (…) (Portugal) SA, através do requerimento executivo entrado no 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu, em 30.06.2008, fundado na livrança junta aos autos a fls. 11, requereu a penhora de móveis de depósitos bancários, para pagamento da quantia de € 15.858,34.
2. Foi judicialmente autorizada a penhora de depósitos bancários pertencentes aos executados (fls. 22), tendo sido solicitada à C (…) a penhora das contas existentes nesta instituição, até ao montante de € 17.444,17 (fls. 35).
3. Na sequência de pedido deduzido pelo Sr. Solicitador de Execução, a C (…) S.A - procedeu em 14.11.2008 ao depósito/transferência do montante penhorado - € 17.444,17 - para a conta do Sr. Solicitador de Execução n.º PT50003300004527823142805, conforme documento junto aos autos a fls. 36, do qual consta: «Mais informamos que o valor referido faz parte de uma aplicação a prazo designado “Valor Nacional 2008 – 2.ª Emissão – não mobilizável antes de 10/11/2008, encontrando-se também empenhado à (…)a garantir um crédito em conta corrente concedido ao cliente, pelo que solicitamos, desde já, em momento processual próprio, a nossa citação para reclamação do crédito garantido».
4. Em 24 de Outubro de 2008, a C (…), SA, veio reclamar um crédito no montante de € 17.44,17, alegando em síntese que no exercício da sua actividade celebrou com o executado e outros, um contrato de empréstimo, tendo sido constituído, em garantia dos montantes em dívida, entre outros, penhor sobre o saldo do depósito a prazo denominado “Valor Nacional 2008 – 2.ª Emissão”, no valor inicial de € 50.000,00, pertencente à conta de títulos n.º 0742.007789.434, encontrando-se penhorado parte do valor do saldo da referida conta, no montante de € 17.44,17.
5. Em 8 de Janeiro de 2009, veio o exequente, através do requerimento de fls. 54, «informar os autos que logrou formalizar uma transacção com os Executados, pela qual a dívida aqui reclamada foi restruturada, pelo que se verifica a inutilidade superveniente da lide, nos termos dos artigos 918, n.º 1 e 287, al. e), ambos do CPC.». Com estes fundamentos, requereu a declaração de extinção da execução.
6. No processo executivo, foi proferido despacho em 19.03.2009 (fls. 57), a suspender a instância, e a determinar a remessa dos autos à conta.
7. No apenso de reclamação de créditos, o M.º Juiz do tribunal a quo proferiu em 23.03.2009, o seguinte despacho: «Aguardem os autos pela extinção da execução».
8. Em 16.07.2009, veio o solicitador de execução informar que a mesma foi declarada extinta, nestes termos: «(…), Agente de Execução designado nos autos acima referenciados, atento o pagamento da quantia exequenda e demais acréscimos legais, incluindo honorários e despesas devidas ao Agente de Execução e custas finais, declara, nos termos do n.º 1 do art. 919º do C.P.C., extinta a instância.
A presente declaração de extinção da instância executiva, é notificada ao exequente e executados, conforme fotocópia das notificações que se juntam».
9. A reclamante C (…), SA, não foi notificada do referido despacho.
10. Em 16.09.2009, foi proferido no apenso de reclamação de créditos, o seguinte despacho:
«A execução a que os presentes autos de reclamação de créditos estão apensos e dos quais dependem findou.
Esta relação de dependência torna impossível a continuação da presente instância.
Assim, e ao abrigo do disposto na al. e) do art. 287.º do C.P.C., julgo extinta a presente instância executiva por impossibilidade superveniente da lide».
11. Em 24.09.2009, veio a reclamante C (…), SA, arguir a nulidade resultante da omissão da sua notificação, alegando que nos termos do n.º 2 do artigo 919.º do CPC, deveria ter sido notificada da extinção da execução, a fim de poder requerer o prosseguimento da execução para verificação, graduação e pagamento do seu crédito.
12. Em 26.10.2009, foi proferido o despacho de fls. 65, no qual foi julgada improcedente a arguição da nulidade.
13. Consta da fundamentação do referido despacho:

«[…] Nos termos do n.º 2 do art. 919.º do C.P.C. “A extinção é notificada ao executado, ao exequente e aos credores reclamantes.”

A “(…), S.A.” é credora reclamante e não foi notificada da extinção da execução.

Trata-se, portanto, de uma irregularidade. As irregularidades cometidas só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando possam influir no exame ou na decisão da causa. – art. 201º, nº1 do C.P.C.

A lei não comina com a nulidade a falta de notificação da extinção da execução. A credora reclamante entende, porém, que a irregularidade influi na decisão da causa, na medida em que é pressuposto para requerer o prosseguimento da execução nos termos previstos no n.º 2 do art. 920.º do C.P.C.

Ora, a extinção da instância ocorre não por força do pagamento, mas antes por força de uma novação da dívida que extinguiu o título executivo que serve de base à presente execução. Nessa medida, a extinção da instância ocorre por impossibilidade superveniente da lide. – art. 287º, al. e) do C.P.C.

Assim sendo, não poderia a execução prosseguir sob impulso do credor reclamante já que a causa da extinção é radical. Assim, a questão não se coloca em saber se o credor reclamante pode ou não evitar instaurar uma execução aproveitando uma já existente. A questão é que a execução extinta desta forma não é susceptível de ser renovada, nem sequer pelo próprio exequente nos termos do nº5 do art. 920º do C.P.C.

Assim, entendemos que a irregularidade cometida não produz a nulidade invocada pois não influi na boa decisão da causa.

Nesta conformidade, e pelo exposto, o tribunal decide:

- Julgar improcedente a invocada nulidade suscitada pela “C.G.D., S.A.”.»

3. Fundamentação de direito
3.1. A formalidade omitida
No que respeita à questão em apreço – renovação da execução extinta – regem os artigos 919.º, n.º 2 e 920.º do Código de Processo Civil.
A presente execução deu entrada no tribunal em 30.06.2008, não lhe sendo aplicável a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro.
Revela-se assim aplicável a versão dos normativos em apreço, resultante das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março de 2003, que se passam a transcrever:
Dispõe o n.º 2 do artigo 919.º do CPC: «A extinção é notificada ao executado, ao exequente e aos credores reclamantes».
É o seguinte o teor do artigo 920.º:

1. A extinção da execução, quando o título tenha trato sucessivo, não obsta a que a acção executiva se renove no mesmo processo para pagamento de prestações que se vençam posteriormente.

2. Também o credor cujo crédito esteja vencido e haja reclamado para ser pago pelo produto de bens penhorados que não chegaram entretanto a ser vendidos nem adjudicados, pode requerer, no prazo de 10 dias contados da notificação da extinção da execução, o prosseguimento desta para efectiva verificação, graduação e pagamento do seu crédito.

3. O requerimento faz prosseguir a execução, mas somente quanto aos bens sobre que incida a garantia real invocada pelo requerente, que assumirá a posição de exequente.

4. Não se repetem as citações e aproveita-se tudo o que tiver sido processado relativamente aos bens em que prossegue a execução, mas os outros credores e o executado são notificados do requerimento.
Em anotação ao artigo 920.º do Código de Processo Civil, refere Lebre de Freitas[1]:
«[…] a redacção do nº 2 foi modificada pelo DL nº 329-A/95 e pelo DL nº 38/2003. Originariamente, a faculdade de fazer prosseguir a execução só era conferida ao credor graduado, que a podia exercer até ao trânsito em julgado da sentença de extinção da execução. Na Revisão de 95-96, foi conferido a todos os credores reclamantes cujos créditos tivessem sido liminarmente admitidos. Com a reforma da acção executiva, dada a eliminação do despacho liminar no apenso de verificação e graduação (ver nº 1 da anotação ao artigo 866º), passaram a tê-la todos os credores a partir do momento da reclamação; por outro lado, suprimida a sentença de extinção da execução (ver o nº 1 da anotação ao art. 919º), o credor passou a ter o prazo de 10 dias após a notificação que lhe é feita, nos termos do art. 919º nº 2, para requerer o prosseguimento da execução.
Desde a alteração do DL 329-A/95, o prosseguimento da execução deixou de ter apenas a finalidade do pagamento do crédito (única referida até então) para passar a ter também a de, anteriormente, o fazer verificar e graduar.»
Como bem refere o autor citado, na mesma obra e em anotação ao artigo 865.º, o credor reclamante tem um estatuto processual que não se confina à qualidade de parte na acção de verificação e graduação de créditos, já que se constitui também parte na acção executiva, onde pode exercer várias competências processuais que a lei atribui ao exequente, nomeadamente: i) substituir-se ao exequente na prática de acto que ele tenha negligenciado e implique paragem da execução durante 3 meses (art. 847º nº 3 do CPC); ii) requerer a adjudicação dos bens penhorados (art. 875º nº 2); iii) requerer o prosseguimento da execução após acordo de pagamento a prestações (art. 885º nº 1); iv) pronunciar-se sobre a modalidade da venda, o valor base dos bens e a formação dos lotes (art. 886º - A, nº 1); v) reclamar para o juiz das decisões do agente de execução em sede de venda (art. 886º - A, nº 5); vi) requerer dispensa do depósito do preço (art. 887º nº 1); vii) apreciar as propostas de compra em carta fechada (art. 893º nº 1 e 894º nº 1 e 3); viii) arguir irregularidades verificadas no acto de abertura das propostas (art. 893º nº 1 e 895º nº 1); ix) propor a venda do estabelecimento comercial por propostas em carta fechada (art. 901º-A nº 1); e x) propor a venda em estabelecimento comercial (art. 906º nº 1 al. a).
O exercício da faculdade prevista no n.º 2 do artigo 920.º do CPC pressupõe a notificação exigida no n.º 2 do artigo 919.º do citado diploma legal.
Conforme resulta dos autos e vem expressamente admitido no despacho recorrido, a extinção da execução não foi notificada ao credor reclamante (ora recorrente).
Haverá assim que averiguar quais as consequências da omissão da formalidade em causa.

3.2. Consequências da omissão da notificação prevista no n.º 2 do artigo 919.º do CPC
O artigo 201.º do CPC prevê a regra geral sobre a nulidade dos actos em processo civil, nestes termos:

1. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

2. Quando um acto tenha de ser anulado, anular-se-ão também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente. A nulidade de uma parte do acto não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.

3. Se o vício de que o acto sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o acto se mostre idóneo.
Considerando que a lei não qualifica expressamente como nulidade a omissão da formalidade em causa, há que averiguar se a irregularidade cometida pode, ou não, “influir no exame ou na decisão da causa”.
Como refere o Professor Antunes Varela[2], a nulidade de um acto, apesar da cadeia teleológica que liga todos os actos do processo, só arrastará consigo a inutilização dos termos subsequentes que dele dependam essencialmente.
Na situação sub judice, parece não restarem dúvidas, de que o requerimento de renovação da execução extinta, por parte do credor reclamante (previsto no n.º 2 do artigo 920.º do CPC), depende em absoluto da notificação do despacho que determinou a extinção da execução (previsto no n.º 2 do artigo 919.º do CPC).
Com efeito, ao atribuir ao credor reclamante o prazo de dez dias “contados da notificação da extinção da execução”, o legislador condiciona o eventual requerimento para o prosseguimento da execução, à prévia realização da notificação desse credor.
No despacho recorrido, o M.º Juiz do tribunal a quo considerou irrelevante a notificação, com este fundamento «[…] não poderia a execução prosseguir sob impulso do credor reclamante já que a causa da extinção é radical. Assim, a questão não se coloca em saber se o credor reclamante pode ou não evitar instaurar uma execução aproveitando uma já existente. A questão é que a execução extinta desta forma não é susceptível de ser renovada, nem sequer pelo próprio exequente nos termos do nº5 do art. 920º do C.P.C. […]».
Contra este entendimento se insurge o credor reclamante (ora recorrente), alegando, nomeadamente:
a) A Reclamante (…) na sequência da penhora ordenada, transferiu para a conta do Senhor Agente de Execução, a quantia de € 17.444,17, sobre a qual incide um penhor, garantia de que é titular.
b) A fls. 55, encontra-se notificação emanada dos autos n.º 3089/08.0TBVIS, do 4° Juízo do Tribunal Judicial de Viseu, a penhorar o excedente dos montantes depositados à ordem destes autos, nos termos do art° 856° do C PC.
c) Na sequência do acordo celebrado nestes autos entre a exequente e os executados, e da subsequente extinção da execução, caso não seja admitido prosseguimento da mesma, a quantia penhorada, sobre a qual incide o aludido penhor, será entregue aos executados, ou remetida à execução n.º 3089/08.0TBVIS, com a inerente extinção do penhor que garante o crédito da aqui recorrente.
Vejamos.
Toda a questão se resume a saber se o credor reclamante, que goza de garantia real sobre o bem penhorado nos autos (penhor sobre a quantia de € 17.444,17), pode ou não, ao abrigo do n.º 2 do artigo 920.º do CPC, requerer o prosseguimento da execução extinta, para efectiva verificação, graduação e pagamento do seu crédito.
Como já se referiu, citando Lebre de Freitas, a partir da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março de 2003, a lei não faz depender o prosseguimento da execução da admissão liminar dos créditos reclamados, como não depende de já existir sentença de verificação e de graduação dos créditos, nem do seu trânsito em julgado[3].
A causa de extinção vem enunciada no facto n.º 5: “Em 8 de Janeiro de 2009, veio o exequente, através do requerimento de fls. 54, «informar os autos que logrou formalizar uma transacção com os Executados, pela qual a dívida aqui reclamada foi restruturada, pelo que se verifica a inutilidade superveniente da lide, nos termos dos artigos 918, n.º 1 e 287, al. e), ambos do CPC.». Com estes fundamentos, requereu a declaração de extinção da execução.”
Na sequência dessa informação, em 16.07.2009, veio o solicitador de execução informar que a mesma foi declarada extinta (facto 8).
Salvo o devido respeito, na situação ocorrida nos autos (extinção da execução na sequência da celebração de transacção entre o exequente e os executados), nenhuma objecção legal se vislumbra quanto à viabilidade do prosseguimento da execução para efectiva verificação, graduação e pagamento do crédito do credor reclamante.
Lebre de Freitas[4] refere mesmo como uma das situações típicas de renovação da execução extinta, aquela em que a extinção ocorra na sequência de transacção.
Refere-se no despacho recorrido «A questão é que a execução extinta desta forma não é susceptível de ser renovada, nem sequer pelo próprio exequente nos termos do n.º 5 do art. 920º do C.P.C.».
Tem razão o M.º Juiz do tribunal a quo, quando invoca a insusceptibilidade de renovação pelo próprio exequente, dado que a restruturação da dívida, na sequência da transacção, implica a novação, figura jurídica prevista como forma de extinção das obrigações, nos artigos 857.º e seguintes do Código Civil.
O mesmo não acontece, no que concerne ao credor reclamante, alheio à transacção celebrada entre o exequente e os executados.
Como já se referiu, com a reforma da acção executiva, dada a eliminação do despacho liminar no apenso de verificação e graduação, a faculdade de fazer prosseguir a execução, que só era conferida ao credor graduado, que a podia exercer até ao trânsito em julgado da sentença de extinção da execução, passou a constituir um direito do credor reclamante a partir do momento da reclamação, a exercer no prazo de dez dias após a notificação que lhe é feita, nos termos do art. 919º nº 2, em consequência da supressão da sentença de extinção da execução[5].
No que concerne especificamente ao caso sub judice, face ao estatuto processual do credor reclamante (in casu, credor pignoratício), ressalvado todo o respeito devido, o entendimento subjacente ao despacho recorrido deixá-lo-ia sem qualquer protecção.
Com efeito, o crédito reclamado corresponde ao valor do bem penhorado, sobre o qual incide o direito de garantia (penhor) da recorrente (…)- € 17.444,17 – depositado nos autos pela ora recorrente, na sequência de notificação da ordem de penhora.
Ora, uma vez extinta a execução, caso não fosse admitido o seu prosseguimento ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 920.º do CPC, tal valor acabaria normalmente entregue aos executados[6], frustrando a garantia prevista no artigo 666.º do Código Civil.
Concluímos, face ao exposto, que a ora recorrente (credor pignoratício reclamante), reúne todos os requisitos que lhe permitem legalmente requerer o prosseguimento da execução para efectiva verificação, graduação e pagamento do seu crédito, nos termos do n.º 2 do artigo 920.º do CPC.
No entanto, como já se antes disse, o exercício de tal direito por parte da ora recorrente, implica necessariamente o cumprimento do n.º 2 do artigo 919.º, que prevê a sua notificação da extinção da execução.
Tendo sido omitida tal formalidade, a irregularidade cometida influiu claramente na decisão da causa, constituindo nulidade, nos termos do n.º 1 do artigo 201.º do CPC, o que determina a anulação dos termos subsequentes à referida omissão, de acordo com o que imperativamente dispõe o n.º 2 do citado normativo.
Do exposto decorre a procedência do recurso, devendo ser declarada a nulidade da omissão da notificação prevista no n.º 2 do artigo 919.º do CPC e, consequentemente, a anulação dos trâmites processuais subsequentes à referida omissão.

III. Decisão
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente procedente o recurso, ao qual se concede provimento, e, em consequência:
a) Declara-se a nulidade da omissão da notificação à recorrente, da extinção da execução, prevista no n.º 2 do artigo 919.º do CPC;
b) Revoga-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro, que anule os termos processuais subsequentes à referida omissão, e que determine a realização da omitida notificação, de forma a viabilizar a faculdade que assiste à recorrente, de requerer, no prazo de 10 dias contados da notificação da extinção da execução, o prosseguimento desta para efectiva verificação, graduação e pagamento do seu crédito.
Custas pelos Apelados (exequente e executados).
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O presente acórdão compõe-se de dezassete folhas com os versos não impressos e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.
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Coimbra, 7 de Setembro de 2010


Carlos Querido (Relator)
Emídio Costa
Gonçalves Ferreira


[1] Código de Processo Civil Anotado, 2003, Volume III, pág. 639.
[2] Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 391.
[3] Nesse sentido, vide acórdão da Relação de Coimbra, de 24.04.2007, proferido no Processo n.º 728-A/2001.C1 (acessível em http://www.dgsi.pt).
[4] A Acção Executiva, Coimbra Editora, 1993, pág. 295.
[5] Vide acórdão da relação de Lisboa de 8.10.2005, proferido no Processo n.º 285/1995.L1-8, acessível em http://wwwdgsi.pt.
[6] Caso não houvesse a notificação para penhora de crédito de fls. 55 dos autos.