Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CATARINA GONÇALVES | ||
Descritores: | SUSTENTO MINIMAMENTE DIGNO DETERMINAÇÃO DO VALOR INSOLVÊNCIA | ||
Data do Acordão: | 03/25/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | 4º JUÍZO CÍVEL DE VISEU | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ART. 239º, Nº 3, B) I) DO CIRE | ||
Sumário: | I – Atendendo à letra da lei e ao espírito do legislador, o valor que se deve considerar excluído do rendimento disponível do devedor, para efeitos do disposto no art. 239º, nº 3, b) i) do CIRE, é o valor que, atendendo às concretas necessidades do devedor e respectivo agregado familiar, seja considerado adequado e razoável para prover ao seu sustento minimamente digno e que, ressalvando situações excepcionais, não poderá exceder o valor equivalente a três vezes o salário mínimo nacional. II – Para o apuramento desse valor não relevam as concretas despesas que o devedor alega suportar, mas sim aquilo que é razoável gastar para prover ao seu sustento – e do agregado familiar que, eventualmente, tenha a seu cargo – com o mínimo de dignidade, sem prejuízo de deverem ser consideradas as concretas despesas que, razoavelmente, se devam ter como indispensáveis para fazer face a quaisquer necessidades específicas do agregado familiar. III – Não estando demonstrado que o devedor tenha qualquer pessoa a seu cargo e não existindo quaisquer outras circunstâncias relevantes que indiciem a existência de quaisquer necessidades especificas ou anormais, o valor equivalente a uma retribuição mínima mensal garantida é suficiente e razoável para prover ao seu sustento minimamente digno. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. A... , residente na Rua (...), Viseu, requereu a sua declaração de insolvência, bem como a exoneração do passivo restante. No que respeita à exoneração do passivo alegou, em suma, que: reúne todos os requisitos para beneficiar da exoneração do passivo; aufere um rendimento mensal de 698,35€; paga uma renda mensal de 263,40€; gasta em luz, gás e água as quantias médias mensais de 47,00€, 25,00€ e 15,00€, respectivamente; gasta em telefone e televisão uma quantia mensal de 50,00€; gasta com transportes a quantia mensal de 50,00€ e com seguros a quantia média de 60,00€, despendendo com a alimentação o valor médio mensal de 190,00€.
Declarada a insolvência, a Srª Administradora apresentou o seu relatório onde declara nada ter a opor à exoneração do passivo.
Por decisão proferida em 23/12/2013, foi deferido o pedido de exoneração do passivo restante, nos termos do disposto no art. 235º do CIRE, determinando-se que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, se considera cedido ao fiduciário o rendimento disponível que a devedora venha a auferir, mais se acrescentando que integram esse rendimento disponível todos os rendimentos que lhe advenham a qualquer título, com exclusão dos créditos a que se refere o art. 115º do CIRE, cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz e com exclusão do que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno da devedora e do seu agregado familiar, não excedendo esse rendimento o correspondente a uma vez o salário mínimo nacional.
Discordando dessa decisão, a Insolvente veio interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: 1º - O despacho ora recorrido violou as disposições conjugadas dos artigos 239.º, n.º 3, alínea b) do CIRE e artigo 1.º da Constituição da Republica Portuguesa. 2º - O valor fixado pelo tribunal “a quo” para garantir o sustento mínimo da devedora e do seu agregado familiar é nitidamente diminuto, tendo em consideração a composição do agregado familiar da devedora, as despesas a que a mesmo tem de fazer face. 3º - O agregado familiar da devedora é composto por 2 pessoas: 1 filha menor e a ora aqui Apelante, conforme ficou demonstrado nos autos. 4º - Determina o artigo 239.º, n.º 3, alínea b) do CIRE, que deverão integrar o rendimento disponível para cessão, todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com excepção daqueles que sejam razoavelmente necessários para o sustento digno do devedor e do seu agregado familiar, bem como os necessários para o exercício da sua actividade profissional. 5º - Resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18/03, que aprovou o CIRE, que o mesmo diploma: «(…) conjuga o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica». 6º - A doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender esmagadoramente que o mínimo considerado necessário para que uma pessoa possa obter um sustento condigno se traduz na atribuição ao insolvente de um montante corresponde ao salário mínimo nacional. 7º - O despacho ora posto em crise coarcta a possibilidade de o devedor se reabilitar economicamente, pondo inclusivamente em causa o seu sustento e do seu agregado familiar. 8º - A fixação do valor excluído do rendimento objecto de cessão nos moldes em que foi decretado, sem ter em conta a base de vida familiar e profissional da devedora, é passível de violar o direito dos mesmos a uma subsistência condigna, bem como a proverem à sua reabilitação económica. 9º - No caso sub judice, o valor excluído do rendimento objecto de cessão é manifestamente diminuto, consubstanciando uma medida inconstitucional, por grave violação do Principio da Dignidade da Pessoa Humana, consagrado no artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa. 10º - Efectivamente, o Tribunal a quo ao fixar o sustento minimamente digno da devedora e do seu agregado familiar a uma vez o salário mínimo nacional, ou seja, em 485,00€, bem sabendo que a devedora só a título de renda da casa paga a quantia de 263,40, impõe que a devedora (e a sua filha) sobreviva de forma indigna com a quantia mensal de 221,60€. 11º - A atribuição de um montante inferior ao ora propugnado (725,50€) faria com que a economia da Recorrente se tornasse insustentável, e poderia colocar a Recorrente a sua filha abaixo de um padrão mínimo de dignidade social. 12º - Nestes termos, requer-se a V. Exas. que seja revogado o despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz a quo, substituindo-se o mesmo por outro que fixe o valor excluído do rendimento objecto de cessão, em um salário mínimo e meio, que em cada momento vigorar, actualmente o montante de € 727,50. 13º - Foram violados, entre outros, os artigos 1º da CRP, 239º, nº 3, alínea do CIRE.
Não foram apresentadas contra-alegações. /////
II. Questão a apreciar: Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber qual é o valor que, razoavelmente, é necessário para o sustento minimamente digno da devedora/Apelante e do seu agregado familiar e que, como tal, se deve considerar excluído do rendimento disponível em conformidade com o disposto no art. 239º, nº 3, b), i), do CIRE. /////
III. Apreciemos, pois, essa questão, começando por enunciar os factos que, com alguma relevância, resultam e estão comprovados por documentos juntos aos autos (sendo certo que a decisão proferida em 1ª instância não enunciou a matéria de facto que considerava provada). Tais factos serão os seguintes: 1. A Apelante/Insolvente nasceu 15/03/1957 e encontra-se divorciada por força de sentença proferida em 10/10/1989 (doc. de fls. 15 e 16). 2. A Insolvente exerce a actividade de assistente operacional no Centro Hospitalar de (...)Viseu EPE, auferindo o vencimento líquido de 698,35€ (doc. de fls. 17). 3. A Insolvente paga de renda de casa a quantia de 263,40€ mensais (doc. de fls. 19). *** Segundo dispõe o nº 2 do art. 239º do CIRE, o despacho inicial sobre o pedido de exoneração do passivo “…determina que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado período da cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte”. De acordo com o disposto no nº 3 da mesma disposição legal, “integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão: (…) b) Do que seja razoavelmente necessário para: i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional; (…)”. Como decorre da leitura da citada norma, o legislador pretendeu reservar para o devedor a quantia que seja razoavelmente necessária para o sustento minimamente digno do devedor e respectivo agregado familiar (quantia essa que variará, naturalmente, em função das concretas necessidades do agregado familiar), dispondo, todavia, que esse valor não poderá – salvo casos excepcionais e devidamente fundamentados – exceder a quantia equivalente a três vezes o salário mínimo nacional. Tal como se refere no preâmbulo do diploma que aprovou o CIRE, o regime da exoneração do passivo restante pretende conjugar o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. Mas, embora ponderando o interesse e princípio fundamental do ressarcimento dos credores, o legislador não deixou de atender ao princípio, igualmente fundamental, da sobrevivência condigna do devedor e respectivo agregado familiar e, conciliando esses interesses e atribuindo prevalência a este último princípio (como não poderia deixar de ser), determinou que o património do devedor ficaria afectado à satisfação daqueles créditos, com ressalva da quantia necessária ao sustento minimamente digno do devedor e respectivo agregado. Atendendo ao disposto na norma em questão e atendendo ao espírito do legislador e aos objectivos que pretendeu atingir, afigura-se-nos claro que a quantia a reservar para o devedor – e, como tal, excluída do rendimento disponível – há-de ser determinada, casuisticamente, em função das necessidades concretas do devedor e respectivo agregado, de forma a que, sendo assegurada a sua sobrevivência condigna, todo o rendimento que não seja necessário para esse efeito possa reverter em benefício dos credores. Determinou-se, porém, que, salvo em casos excepcionais e devidamente fundamentados, o valor a reservar para o devedor (com aquela finalidade) não poderá exceder o valor correspondente a três salários mínimos nacionais, considerando o legislador que, para lá desse valor e sem prejuízo de situações excepcionais, já não está em causa a satisfação de quaisquer necessidades que devam merecer especial protecção e que devam sobrepor-se ao interesse dos credores na satisfação dos seus créditos. Tendo em atenção os limites estabelecidos (por regra e sem prejuízo de situações excepcionais) pelo legislador, resta-nos apurar qual é, em concreto, o rendimento necessário para o sustento minimamente digno da Apelante. A decisão recorrida entendeu que esse rendimento equivale a uma vez a retribuição mínima mensal garantida (actualmente fixada em 485,00€), sendo que, na fixação desse valor, se atendeu – como se refere na decisão – “…à composição do agregado familiar, sendo este composto pela requerente e uma filha menor, rendimentos mensais (na ordem dos 698,00€) e, bem assim às despesas comummente associadas a um agregado familiar com esta dimensão”[1]. Considera, porém, a Apelante que esse valor é insuficiente e, apelando ao facto de o agregado familiar ser composto por duas pessoas (a Apelante e a sua filha menor) e às despesas a que alega ter que fazer face e onde se inclui a renda de casa, no valor de 263,40€, sustenta que o valor a excluir ao rendimento disponível deve ser fixado no valor correspondente a um salário e meio (equivalente, neste momento, a 727,50€. Cabe referir, em primeiro lugar, que não há a mínima prova de que o agregado familiar da Apelante seja composto por duas pessoas, porquanto não há qualquer prova de que a Apelante tenha a seu cargo qualquer filha menor. Não obstante invocar agora esse facto (referido e considerado na decisão recorrida), a verdade é que a Apelante não o alegou na petição inicial. De facto, se lermos o requerimento inicial com alguma atenção constatamos que a Apelante não alega, em momento algum, que, nesse momento, tem a seu cargo uma filha menor. O que a Apelante alegou é que teve necessidade de contrair os empréstimos bancários que terão dado origem à insolvência porque ainda tinha uma filha menor e porque o pai da sua filha pouco contribuiu a título de alimentos. Ou seja, a Apelante diz que tinha uma filha menor; não diz que tem uma filha menor; diz que o pai da sua filha pouco contribuiu a título de alimentos; não diz que o pai da filha pouco contribui a título de alimentos. A Apelante reporta-se, portanto, nessas alegações, a um tempo passado e não ao presente, nunca alegando ter (no momento da apresentação do requerimento inicial) uma filha menor a seu cargo, não alegando, sequer, a sua idade e a sua actividade (se é estudante ou se trabalha) e não fazendo qualquer alusão a despesas especificas da filha, como seria normal, se a tivesse a seu cargo. Importa notar, aliás, que no ponto II do requerimento – onde alega os factos referentes à exoneração do passivo – não é feita qualquer referência ao seu agregado familiar e a qualquer filha que dele fizesse parte (menor ou não). Além do mais, a Apelante nem sequer juntou aos autos a certidão de nascimento da sua filha e, como tal, não poderemos ter como demonstrado que tenha uma filha menor a seu cargo (facto que, como referimos, nem sequer foi alegado). Assim sendo, não poderemos considerar a existência de agregado familiar do qual faça parte qualquer outra pessoa que não a Apelante e, portanto, o que interessa apurar é o valor razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno da Apelante (uma pessoa, portanto). A Apelante invocou oportunamente e continua a invocar no presente recurso as suas despesas mensais, ou seja, aquilo que gasta em renda de casa, água, luz, gás, televisão, telefone, seguros, transportes e alimentação, para concluir que gasta mensalmente cerca de 700,00€ mensais e que, como tal, o valor necessário para prover ao seu sustento deve ser fixado em 727,50€. Mas, salvo o devido respeito, não releva aqui aquilo que a Apelante gasta mensalmente; a Apelante gasta mensalmente 700,00€, como poderia gastar 1.000,00€, 2.000,00€ ou mais, se os seus rendimentos assim o permitissem. O que releva para a questão que estamos a analisar é aquilo que é razoável gastar para prover ao seu sustento com o mínimo de dignidade, já que apenas isso lhe pode e deve ser garantido, dada a situação de insolvência em que se encontra. De facto, o que está aqui em causa não é assegurar ao devedor o padrão de vida que tinha antes da insolvência, mas apenas garantir que disponha da quantia necessária para prover ao seu sustento com o mínimo de dignidade, já que, como é evidente, não seria admissível que o devedor – que incorreu em situação de insolvência – pudesse beneficiar da exoneração do passivo restante e, ao mesmo tempo, ver assegurado, à custa dos credores, o padrão de vida que tinha antes. A satisfação dos direitos dos credores por via do património do devedor apenas pode e deve ceder perante a necessidade de satisfação das necessidades básicas do devedor, não sendo legítimo pretender que os credores devam sofrer o prejuízo inerente à impossibilidade de satisfação dos créditos (por não ser possível utilizar, para esse efeito, uma larga fatia do rendimento do devedor), apenas para que o devedor pudesse continuar a usufruir de um determinado padrão de vida que tinha antes da insolvência (que até poderia ser muito elevado e que, eventualmente, até poderia corresponder a um padrão de vida muito acima das reais possibilidades do devedor). Assim, a quantia a reservar para a Apelante – em conformidade com a norma acima citada – não tem que tomar em consideração as concretas despesas que efectuava antes da insolvência, devendo apenas incluir aquilo que, razoavelmente, é necessário para o seu sustento minimamente digno. Ora, nestas circunstâncias, temos como certo que o valor equivalente à retribuição mensal mínima garantida é, por regra, suficiente para assegurar o sustento em condições dignas de apenas uma pessoa. É certo que, no caso sub judice, a Apelante suporta uma renda de casa no valor de 263,40€ (como decorre do recibo de renda que juntou aos autos) e, no actual contexto sócio económico, admite-se que não seja fácil encontrar outra casa que satisfaça a sua necessidade de habitação por renda inferior, embora a Apelante possa e deva ponderar essa possibilidade. Mas, mesmo considerando essa despesa como efectivamente necessária (como forma de garantir o seu direito à habitação constitucionalmente garantido), restaria ainda (do valor equivalente à retribuição mínima garantida) a quantia de 221,60€. É, evidentemente, um valor diminuto e não desconhecemos as dificuldades, os sacrifícios e a contenção que será necessária para, com esse valor, fazer face a todas as demais despesas que são necessárias ao sustento da Apelante. Mas, a verdade é que a Apelante está em situação de insolvência e, portanto, não está em condições de poder usufruir de uma vida desafogada e sem preocupações de carácter económico; a Apelante pode e deve suportar alguns sacrifícios e privações, desde que ressalvada a sua subsistência com um mínimo de dignidade e, como tal, terá que reduzir os seus gastos até ao patamar do mínimo indispensável à sua sobrevivência em condições mínimas de dignidade. Ora, nada autoriza a afirmação de que o valor equivalente à retribuição mínima mensal garantida – valor que é fixado pelo legislador, ponderando, naturalmente, aquilo que considera razoável para fazer face às necessidades do trabalhador – não seja suficiente para assegurar a sobrevivência condigna de uma única pessoa que não tenha quaisquer necessidades específicas que, por alguma razão, imponham determinadas despesas que extravasam aquilo que é normal e usual. Importa notar, aliás, que a Apelante, nas suas alegações, aceita esse princípio (o de que, por regra, o valor equivalente ao salário mínimo nacional é adequado ao sustento condigno de uma pessoa), apenas solicitando um valor superior por estar em causa um agregado familiar composto por duas pessoas (a Apelante e a sua filha). Todavia, apesar de se basear nesta circunstância, a verdade é que, como referimos supra, não alegou, de facto, no requerimento inicial, ter uma filha menor a seu cargo e não juntou sequer qualquer prova (certidão de nascimento) da existência de uma filha menor. Nestes termos, não estando demonstrado que a Apelante tenha qualquer outra pessoa a seu cargo e não tendo sido alegada a existência de qualquer necessidade específica ou anormal, nada justificará a afirmação de que o valor equivalente à retribuição mínima mensal garantida não é suficiente para prover ao seu sustento condigno. E ainda que se considerasse que a decisão de 1ª instância havia considerado provado que o agregado familiar da Apelante também era composto por uma filha menor (o que, na nossa perspectiva, não aconteceu, já que, como se referiu supra, a decisão de 1ª instância não enunciou a matéria de facto que considerada provada) e que, como tal, este Tribunal estava vinculado a essa matéria de facto, a verdade é que não existiriam elementos bastantes para concluir que o valor equivalente à retribuição mínima mensal garantida não seria bastante para assegurar a sua sobrevivência condigna, sendo certo que nada foi alegado no que toca às necessidades dessa menor: não foi alegada a sua idade, não foi alegado se estuda ou se trabalha e não foi alegado se tem ou não qualquer rendimento, designadamente, pensão de alimentos paga pelo outro progenitor e em que valor. Acrescente-se, por último, que, em face do exposto e ao contrário do que sustenta a Apelante, a fixação do valor supra mencionado não configura qualquer violação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana; esse valor é o bastante para assegurar o seu sustento em condições de dignidade, respeitando, portanto, os princípios e normas constitucionais sobre essa matéria.
Confirma-se, portanto, a decisão recorrida. ******
SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção): I – Atendendo à letra da lei e ao espírito do legislador, o valor que se deve considerar excluído do rendimento disponível do devedor, para efeitos do disposto no art. 239º, nº 3, b) i) do CIRE, é o valor que, atendendo às concretas necessidades do devedor e respectivo agregado familiar, seja considerado adequado e razoável para prover ao seu sustento minimamente digno e que, ressalvando situações excepcionais, não poderá exceder o valor equivalente a três vezes o salário mínimo nacional. II – Para o apuramento desse valor não relevam as concretas despesas que o devedor alega suportar, mas sim aquilo que é razoável gastar para prover ao seu sustento – e do agregado familiar que, eventualmente, tenha a seu cargo – com o mínimo de dignidade, sem prejuízo de deverem ser consideradas as concretas despesas que, razoavelmente, se devam ter como indispensáveis para fazer face a quaisquer necessidades específicas do agregado familiar. III – Não estando demonstrado que o devedor tenha qualquer pessoa a seu cargo e não existindo quaisquer outras circunstâncias relevantes que indiciem a existência de quaisquer necessidades especificas ou anormais, o valor equivalente a uma retribuição mínima mensal garantida é suficiente e razoável para prover ao seu sustento minimamente digno. /////
IV.
Maria Catarina Ramalho Gonçalves (Relatora) Maria Domingas Simões Nunes Ribeiro
|