Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
76/21.7T9AGN-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: LESADO
MANIFESTAÇÃO DA INTENÇÃO DE DEDUZIR PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO
NOTIFICAÇÃO DA ACUSAÇÃO
PRINCÍPIO DA ADESÃO
OMISSÃO DA NOTIFICAÇÃO
Data do Acordão: 03/22/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE ARGANIL
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 71.º, 72.º, 75.º, 77.º, 123.º, 277.º, N.º 3 E 4, E 285.º, N.º 5 E 6, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I - A formulação de pedido de natureza civil para ressarcimento do lesado pelas perdas e danos emergentes do crime é, por regra, deduzido/enxertado no processo penal.

II - O lesado que tiver manifestado a intenção de deduzir pedido de indemnização deve ser notificado da acusação para que deduza tal pedido no prazo concedido pela lei.

III - A omissão da notificação do lesado da dedução de acusação não integra nenhum dos casos prevenidos nos artigos 119.º e 120.º do Código de Processo Penal.

IV – Em caso de omissão da notificação ao lesado da acusação o pedido de indemnização é deduzido em separado.

V - Apesar do princípio da adesão, a ação civil enxertada na ação penal mantém alguma autonomia, justificadora da solução encontrada pelo legislador de permitir o pedido em separado, para evitar a contaminação da irregularidade decorrente da falta de notificação da acusação ao lesado que tenha manifestado até ao encerramento do inquérito o propósito de deduzir o pedido de indemnização civil, de modo a não sacrificar a marcha da ação penal, evitando que uma decisão, eventualmente, já proferida nesse domínio resultasse comprometida.

VI - A solução encontrada é proporcional aos interesses em conflito, na medida em que, respondendo às exigências da ação penal, salvaguarda o exercício do direito do lesado.

Decisão Texto Integral:
Relatora: Maria José Nogueira
1.ª Adjunta: Isabel Valongo
2.ª Adjunto: Jorge França

I. Relatório

1. … por despacho, proferido em 17.06.2022, o tribunal, debruçando-se sobre o requerimento apresentado pelo Instituto da Segurança Social – IP/Centro Distrital de Coimbra invocando a irregularidade prevista no artigo 123.º do CPP, manifestando, em simultâneo, o propósito de deduzir pedido de indemnização civil no processo, indeferiu a pretensão, mantendo a data já designada para a audiência de discussão e julgamento.

2. Inconformado com a decisão recorreu o Instituto da Segurança Social, I.P., formulando as seguintes conclusões:

1.ª O Instituto da Segurança Social, I.P. manifestou a intenção de deduzir pedido de indemnização civil nos autos.

2.ª Por lapso de secretaria, o Instituto da Segurança Social, I.P./Centro Distrital de Coimbra não foi notificado do despacho de acusação para, querendo, deduzir pedido de indemnização civil no processo-crime, nos termos do disposto no artigo 77.º, n.º 2 do CPP.

3.ª No entanto, o Instituto da Segurança Social, I.P./Centro Distrital de Coimbra só teve pela primeira vez conhecimento de que já tinha sido deduzida acusação, através da notificação efetuada em 14/06/2022 à sua Diretora, para comparecer em audiência de julgamento agendada para o dia 20/06/2022, na qualidade de testemunha de acusação.

4.ª Também nunca o lesado teve conhecimento do despacho que designa o dia da audiência, a não ser pela testemunha da acusação, cuja primeira notificação não acautela o prazo mínimo de 20 dias estabelecido no artigo 313.º, n.º 1 do CPP. Ac. TRE de 05.03.2013 e Ac. TRE de 05.06.2012 (este para o arguido).

5.ª … em 15.06.2022, arguiu em tempo, e antes do início da audiência de julgamento, (20/06/2022) a irregularidade de falta de notificação da acusação do lesado, ao abrigo do artigo 123.º do CPP.

6.ª … o Tribunal de 1.ª instância apreciou a irregularidade invocada, indeferindo o pedido de intervenção da parte civil nos autos e pugnando que, caso assim o pretenda, deve este instituto deduzir o pedido de indemnização civil em separado.

7.ª O artigo 157.º, n.º 6 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP, prevê que “Os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes”.

8.ª A omissão consubstanciada na irregularidade da falta de notificação do despacho de acusação prejudicou os direitos do lesado Instituto da Segurança Social, I.P., na medida em que não é absolutamente indiferente deduzir o pedido de indemnização civil no foro criminal ou no foro cível.

9.ª Desde logo, o regime das custas processuais é mais favorável ao demandante cível que deduz o pedido de indemnização civil no processo-crime, dado que o artigo 4.º, n.º 1, alínea g) do Regulamento das Custas Processuais (RCP) prevê uma isenção de custas … e o artigo 15.º, n.º 1, alínea d) Regulamento das Custas Processuais (RCP) concede uma moratória no pagamento da taxa de justiça …

10.ª Por outro lado, em processo penal, não há restrições/limitações quanto à produção de prova como há no processo civil, sendo admitidos todos os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário à descoberta da verdade (artigo 340.º do CPP), pelo que o lesado que peticiona a sua indemnização em processo penal beneficia, indiretamente, da maior flexibilidade probatória existente neste tipo de processo.

11.ª Por fim, refira-se que a alínea i) do n.º 1 do artigo 72.º do CPP configura uma exceção à regra do princípio da adesão obrigatória consagrado no artigo 71.º do CPP ao não informar ou ao não notificar o lesado de que seria obrigatório a dedução do pedido de indemnização nos autos do processo-crime.

12.ª A alínea i) do n.º 1 do artigo 72.º do CPP confere ao lesado a permissão legal (que lhe estava vedada pelo artigo 71.º do CPP) para poder recorrer à jurisdição civil. Esta é uma faculdade que é dada ao lesado, para que não seja penalizado por um erro cometido pelo Tribunal, nos casos em que esse erro não pode ser corrigido pelo Tribunal, o que não sucedeu in casu, dado que a irregularidade de falta de notificação foi arguida pelo lesado no decurso do processo penal, em tempo e antes de iniciada a audiência de julgamento.

13.ª Tendo o Tribunal a quo a possibilidade de sanar a irregularidade atempadamente arguida pelo lesado Instituto de Segurança Social, I.P., mediante a notificação do lesado para deduzir o pedido de indemnização civil e o reagendamento da audiência de julgamento, ainda seria possível que o Tribunal tivesse salvaguardado o cumprimento do princípio da adesão obrigatória previsto no artigo 71.º do CPP, que se impõe como regra.

14.ª A alínea i) configura uma exceção à regra geral e não pode ser interpretada pelo Tribunal de 1.ª instância como a solução legislativa para a irregularidade de ausência de notificação da parte cível em processo penal, quando a irregularidade é imputável ao Tribunal  …

15.ª A alínea i) foi criada pelo legislador com o intuito de proteger o lesado das falhas do Tribunal no que toca aos seus deveres de informação e de notificação, conferindo-lhe uma possibilidade adicional e excecional de ver os seus direitos acautelados na jurisdição civil quando tal já não é possível na jurisdição penal, e não pode ser utilizada pelo Tribunal de 1.ª instância contra o lesado, como instrumento legitimador das suas falhas, quando ainda é possível repará-las.

16.ª Portanto, a exceção ao princípio da adesão obrigatória não pode ser imposta ao Instituto de Segurança Social, IP, quando este manifestou a intenção de deduzir o pedido de indemnização civil no processo-crime e arguiu, em tempo, a irregularidade da ausência de notificação para dedução do pedido de indemnização civil.

17.ª … a omissão do ato de notificação constitui uma nulidade processual, na medida em que a ausência de notificação do despacho de acusação ao lesado constitui uma preterição de uma formalidade essencial que influi, necessariamente, no teor da decisão final da causa – cf. artigos 195.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP, 277.º e 283.º do CPP.

18.ª Tal omissão constitui uma preterição de formalidade essencial, pois o Recorrente encontrava-se a aguardar a notificação do despacho de acusação para deduzir pedido de indemnização civil, intenção que tinha manifestado em tempo, o que determina a nulidade do processado, nos termos do n.º 1 e n.º 2 do artigo 195.º do C.P.C. …

3. Foi proferido despacho de admissão do recurso.

4. Respondendo ao recurso, o Ministério Público concluiu:

1. Compulsados os autos, verifica-se que o ISS – Instituto da Segurança Social, lesado nos presentes autos, manifestou o propósito de deduzir pedido de indemnização cível.

2. Neste conspecto, cumpria ter o lesado sido notificado do despacho de acusação proferido nestes autos a 05/01/2022…

4. Todavia, por lapso de secretaria, o lesado, que, manifestara em tempo, nos termos do n.º 2 do artigo 75.º, o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, não foi notificado do despacho de acusação e para, querendo, deduzir o pedido de indemnização cível …

5. Antecipando tal irregularidade, o legislador previu, no n.º 3 da norma, que “se não tiver sido notificado nos termos do número anterior, o lesado pode deduzir o pedido até 20 dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação…”.

7. Todavia, na al. i) do n.º 1 do artigo 72.º do Código de Processo Penal, o legislador previu a solução a dar à irregularidade verificada …

8. Não podemos concordar com aplicação, à presente situação, do artigo 157º, nº 6 do Código de Processo Civil …

9. E, no caso em questão, não existe qualquer situação omissa que o Código de Processo Penal não ofereça resposta …

5. O Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

2. A decisão recorrida

Ficou a contar do despacho em crise [transcrição parcial]:

Mediante requerimento sob a ref.ª citius 7345954 de 15/06/2022 veio o ISS – Instituto da Segurança Social – IP – Centro Distrital de Coimbra, comunicar que apenas nesse mesmo dia tomou conhecimento que se encontra agendada audiência de Discussão e Julgamento nos presentes autos para 20/06/2022 e que do despacho que recebeu a acusação não consta a notificação do lesado para deduzir pedido de indemnização cível, arguindo a irregularidade de falta de notificação da acusação, porquanto manifestou o propósito de deduzir Pedido Cível, e considerando dever observar-se o disposto no artigo 123.º do Código de Processo Penal, já que mantém a intenção de o deduzir nos autos.

Preceitua o n.º 1 do artigo 283.º do Código de Processo Penal que “se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público, no prazo de 10 dias, deduz acusação contra aquele”, ditando o n.º 5 do artigo 283.º, que é correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 277.º, aí se determinando a comunicação do respetivo despacho …

Por outro lado, o artigo 71.º do mesmo diploma legal consagra o princípio da adesão …

Nos termos do artigo 72.º, n.º 2, do Código de Processo Penal …

Dita o n.º 3 do mesmo preceito que …

Assim, o pedido de indemnização civil pode ser deduzido pelo lesado desde o início do inquérito até ao fim do prazo referido e demarcado pelo artigo 77º, não podendo ultrapassar tal prazo.

Atente-se que o que a lei baliza é o termo do prazo de apresentação do pedido cível, e não o seu inicio.

Com efeito, o lesado dispõe não apenas dos vinte dias contados a partir da notificação do despacho de acusação ao arguido, mas de todos os que decorreram a partir da comissão do crime pelo qual aquele foi acusado – neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 611/94, in D.R., II Série, de 5-1-95, que não julgou inconstitucional a norma do artigo 77.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

Também neste sentido, podemos ler em “Código de Processo Penal Anotado”, 1999, 10.ª edição, p. 227, nota 2, de Maia Gonçalves: “Este prazo poderá parecer excessivamente reduzido, mas na realidade não o é, já que o lesado que deduz ele próprio o pedido pode fazê-lo em qualquer momento, até aquele que foi apontado, portanto mesmo durante o inquérito, e até logo quando da apresentação da queixa. Em tal caso o requerimento com o pedido de indemnização ficará logo no processo para, oportunamente, seguir seus termos”.

A este propósito, veja-se ainda o Acórdão proferido a 17/10/1995 pelo Tribunal da Relação de Évora (in C.J. ano XX, 1995, tomo V, p. 296), onde podemos ler: “Ao lesado, apesar de tudo, é concedido um prazo incerto, mas dilatado, que lhe permite sem dificuldade deduzir querendo, o pedido cível. E só por inércia da sua parte o não faz, deixando para a última hora o exercício desse direito. Embora possamos entender que, no caso, o prazo deveria contar da data da sua própria notificação para o julgamento, tal posição, porém, não encontra na lei uma base minimamente sólida em que se baseie”.

Por outra banda, o legislador determinou no n.º 1, al. i) do Código de Processo Penal que “o pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, perante, o tribunal civil, quando (…) o lesado não tiver sido informado da possibilidade de deduzir o pedido civil no processo penal ou notificado para o fazer, nos termos do n.º 1 do artigo 75.º e do n.º 2 do artigo 77.º”.

Vejamos então o caso concreto:

Neste conspecto, cumpria ter o lesado sido notificado do despacho de acusação proferido nestes autos a 05/01/2022, nos termos das normas conjugadas vertidas nos artigos 75.º, n.º 2, 277.º, n.º 3 e 283.º, n.º 5 do Código de Processo Penal.

O despacho de acusação assim o determina …

Todavia, por lapso de secretaria, não foi expedida tal notificação …

Antecipando tal irregularidade, o legislador previu, no n.º 3 da mesma norma, que “se não tiver sido notificado nos termos do número anterior, o lesado pode deduzir o pedido até 20 dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação …”

O artigo 123.º do Código de Processo Penal, que o lesado invoca, preceitua que:

Todavia, na al. i) do n.º 1 do artigo 72.º do Código de Processo Penal, o legislador previu a solução a dar à irregularidade verificada …

Neste entendimento, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 30/1072007, onde foi relator Ribeiro Cardoso …

No mesmo sentido, podemos ler em “Código de Processo Penal Comentado”, de Henriques Gaspar e outros, ed. Almedina, 2016, 2.ª ed., pág. 249 e 250: “os prazos para dedução do pedido de indemnização são prazos processuais cujo decurso preclude o direito de praticar o ato; decorrido o prazo, o pedido não pode ser deduzido no processo penal, e só poderá ser apresentado em ação declarativa a propor nos tribunais cíveis se for um dos casos previstos no artigo 72.º, n.º 1, al. a) a i) de exceção à obrigatoriedade de adesão”.

Neste conspecto, em face dos argumentos de facto e de direito supra aduzidos, porquanto já se encontra ultrapassado o limite temporal previsto no n.º 3 do artigo 77.º do Código de processo Penal, sendo certo que a omissão consubstanciada na irregularidade da falta de notificação do despacho de acusação não prejudicou nem lesou os direitos do ora lesado instituto da Segurança Social, IP de ser ressarcido pelos danos provocados pela prática do crime, não obstante ter de recorrer ao foro cível, indefere-se o requerido.

3. Apreciação

A questão suscitada no presente recurso traduz-se em saber qual a consequência a extrair da não notificação do Instituto da Segurança Social, I.P., para efeito da dedução de pedido de indemnização civil na ação penal, do despacho de acusação do Ministério Público.

Face ao teor do despacho em crise, bem assim das conclusões do recurso é ponto assente que (i) O Instituto da Segurança Social, I.P., enquanto lesado, manifestou tempestivamente no processo o propósito de deduzir pedido de indemnização civil; (ii) não obstante haver sido determinado na acusação o cumprimento do disposto no artigo 277.º, n.º 3 e 4, ex vi, do artigo 283.º, n.º 5 e 6, todos do CPP, a secretaria não levou a efeito a notificação do lesado para, querendo, deduzir pedido de indemnização civil; (iii) o lesado, quando tomou conhecimento do agendamento da audiência de discussão e julgamento para o dia 20.06.2022, arguiu atempadamente (em 15.06.2022), nos termos do artigo 123.º do CPP, a irregularidade decorrente da falta de notificação da acusação, informando manter a intenção de deduzir, no processo penal, pedido de indemnização civil.

Vejamos o quadro normativo relevante.

Consabidamente a prática de uma infração criminal «pode gerar, além do pedido de natureza penal (a condenação do arguido numa pena), a formulação de um pedido de natureza civil, para ressarcimento do lesado pelas perdas e danos emergentes do crime (art. 129.º do CP). Este segundo pedido é, por regra, deduzido (“enxertado”) no processo penal, conforme dispõe o art. 71.º do CPP, que consagra o “princípio da adesão”, só excecionalmente podendo ser formulado separadamente perante o tribunal civil (art. 72.º do CPP)» - [cf. acórdão do STJ, de 09.05.2019 (proc. n.º 132/12.2TAACN.E1.S1)]. 

As regras sobre a formulação do pedido de indemnização civil encontram a sua disciplina no artigo 77.º do CPP, complexo normativo que, na parte pertinente, prescreve: «2 – O lesado que tiver manifestado o propósito de deduzir pedido pedido de indemnização civil, nos termos do n.º 2 do artigo 75.º, é notificado do despacho de acusação, ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, se a ele houver lugar, para, querendo, deduzir o pedido, em requerimento articulado, no prazo de 20 dias»; caso não tenha «manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização ou se não tiver sido notificado nos termos do número anterior, o lesado pode deduzir o pedido até 20 dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação ou, se o não houver, o despacho de pronúncia» - cf. o n.º 3 …

Por fim, sobre o «Dever de informação», dispõe o artigo 75.º: «1 – Logo que, no decurso do inquérito, tomarem conhecimento da existência de eventuais lesados, as autoridades judiciárias e os órgãos de polícia criminal devem informá-los da possibilidade de deduzirem pedido de indemnização civil em processo penal e das formalidades a observar. 2 – Quem tiver sido informado de que pode deduzir pedido de indemnização civil nos termos do número anterior, ou, não o tendo sido, se considere lesado, pode manifestar no processo, até ao encerramento do inquérito, o propósito de o fazer».

Não vedando o princípio da adesão em absoluto a dedução do pedido em separado, entre as causas que o podem justificar encontra-se a prevenida na alínea i), do n.º 1, do artigo 72.º, permitindo-o quando «O lesado não tiver sido informado da possibilidade de deduzir o pedido civil no processo penal ou notificado para o fazer, nos termos do n.º 1 do artigo 75.º e do n.º 2 do artigo 77.º».

Reconhecendo, embora, a irregularidade cometida (bem como a tempestividade da respetiva arguição) que consistiu na não notificação ao lesado/recorrente da acusação para o efeito do n.º 2, do artigo 77.º, defende o despacho em crise que o legislador, antecipando a eventualidade de semelhante invalidade a resolveu, subtraindo-a ao regime do artigo 123.º do CPP, sem que o direito do lesado a ver-se ressarcido das perdas e danos decorrentes do crime resulte irremediavelmente comprometido. Brevitatis causa: como o Instituto da Segurança Social, IP manifestou atempadamente no processo o propósito de deduzir o pedido de indemnização civil (artigo 75.º/2), mas não foi (como devia) notificado conforme dispõe o n.º 2, do artigo 77.º, por um lado; mostrando-se (há muito) ultrapassado o prazo de 20 dias contados da data da notificação aos arguidos do despacho de acusação (artigo 77.º/3), limite até ao qual podia ser deduzido o pedido, por outro lado, então a solução seria o recurso ao tribunal civil, conforme permitido na alínea i) do n.º 1, do artigo 72.º, precisamente um dos casos em que o pedido pode ser deduzido em separado.

Semelhante entendimento foi perfilhado, entre outros, no acórdão do TRE, de 30.10.2007 (proc. n.º 1823/07 – 1) – convocado no despacho em crise - e na decisão sumária do TRP, de 06.03.2013 (proc. n.º 155/11.9EAPRT.P1), escrevendo-se, a respeito, nesta última: «Ora, na queixa apresentada, a recorrente manifestou o propósito de deduzir pedido de indemnização civil (…), mas não o apresentou em simultâneo como o podia ter feito. Assim sendo, a queixosa/recorrente deveria ter sido notificada pelo Ministério Público da acusação deduzida, face ao disposto nos arts. 77º, nº 2, 283.º, n.º 5 e 277.º, n.º 3, parte final, do CPP (…). Ou seja, em matéria civil (…) foi cometida a irregularidade (arguida tempestivamente) que decorre da falta de notificação da acusação do Ministério Público ao queixoso/recorrente, enquanto lesado que manifestou o propósito de deduzir de indemnização civil (…). No entanto, essa irregularidade cometida, afeta apenas a matéria cível, na medida em que aquele que manifestou o propósito de deduzir o pedido de indemnização civil o não pode apresentar neste processo (…). Porém, a lei, concretamente o art. 72.º, n.º 1, alínea i), segunda parte, do CPP, previu a forma de resolver essa irregularidade, sem afetar o processado relativo à ação penal (…). Prevê-se nessa disposição legal (…) que o pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, quando o lesado não tiver sido informado da possibilidade de deduzir o pedido civil no processo penal ou notificado para o fazer, nos termos do n.º 1do art. 75º e do n.º 2 do art. 77.º. Por isso, como bem diz o Sr. PGA, a irregularidade cometida a nível de matéria civil não afeta a matéria penal (…). Efetivamente, apenas está em causa o direito à dedução do pedido de indemnização civil que, foi preterido com aquela omissão de notificação, o que não tem a virtualidade para interferir na decisão penal. E foi isso mesmo que entendeu o legislador uma vez que, em casos como o destes autos, permitiu a formulação do respetivo pedido em separado (assim afastando o princípio geral da adesão em processo penal) (…). Por isso, apesar de se verificar a irregularidade apontada em matéria civil, a consequência é a dedução do pedido civil em separado (perante o tribunal civil) e não a pretendida anulação de todo o processado a partir da dedução da acusação».

Apreciação de que não nos afastamos.

Com efeito, a autonomia que mantém, não obstante o princípio da adesão, a ação civil enxertada na ação penal, justifica a solução encontrada pelo legislador enquanto, conforme resulta do quadro legal, traçado, quis evitar a contaminação da irregularidade (e não nulidade como defende a recorrente, pois não resultando de qualquer disposição semelhante tipo de invalidade, não integra nenhum dos casos prevenidos nos artigos 119.º e 120.º do CPP), decorrente da falta de notificação da acusação ao lesado, que tenha manifestado até ao encerramento do inquérito o propósito de deduzir o pedido de indemnização civil, para o efeito do n.º 2, do artigo 77.º (parte final), à ação penal. Cremos, não incorrer em erro, se dissermos que todo o edifício processual (tramitação processual) que se enceta após a introdução em juízo da acusação (cf. os artigos 311.º a 313.º e 78.º do CPP), ajuda a compreender a consequência de uma tal irregularidade, de modo a não sacrificar a marcha da ação penal, evitando que uma decisão, eventualmente, já proferida nesse domínio resultasse comprometida. Concede-se que para o lesado/recorrente a dedução do pedido de indemnização civil em separado represente um ónus acrescido; contudo, ao exercício do seu direito a ver-se ressarcido das perdas e danos resultantes do crime, não deixa de corresponder uma ação, conforme inequivocamente decorre da alínea i), do n.º 1, do artigo 72.º do CPP.

A solução encontrada afigura-se-nos, pois, proporcional aos interesses em conflito, na medida em que, respondendo às exigências da ação penal, salvaguarda o exercício do direito do lesado.

Em suma, em face da irregularidade verificada, mostrando-se ultrapassado o prazo previsto no artigo 77.º, n.º 3 (parte final) do CPP, limite até ao qual o lesado podia apresentar o pedido de indemnização civil (note-se que nada o impedia de o ter deduzido em momento anterior, desde o inicio do inquérito) não merece censura a decisão recorrida, a qual não encerra violação às disposições legais invocadas, aplicáveis ao processo penal, edifício legislativo que, na parte pertinente, não padece de lacuna que tenha de ser integrada com recurso à lei processual civil, ao contrário do preconizado pelo recorrente.

III. Dispositivo

Nos termos expostos, acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar improcedente o recurso.

Custas, com taxa de justiça que se fixa em 3 (três) UCs, a cargo do recorrente.

Texto processado e revisto pela relatora.