Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
843/12.2TALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DESCAMINHO
ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
CRIME CONTINUADO
PEDIDO CÍVEL
Data do Acordão: 03/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (INSTÂNCIA CENTRAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 410.º E 412.º DO CPP; ART. 233.º DO CPPT; ART. 105.º DO RGIT; ARTS. 30.º, 34.º E 36.º DO CP.
Sumário: I - O vício do erro notório na apreciação da prova só pode ter-se como verificado quando o conteúdo da respetiva decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, patenteie, de modo que não escaparia à análise do homem comum, que no caso se impunha uma decisão de facto contrária à que foi proferida.

II - Os nºs 3 e 4 do art. 412 do CPP, indicam os pressupostos específicos a observar no recurso, nomeadamente na motivação, quando se impugna a decisão sobre a matéria de facto.

III - Constando do auto de penhora que o fiel depositário “não podia transmitir os referidos “bens” sem autorização do Chefe do Serviço de Finanças”, equivale a dizer que, com autorização, o fiel depositário podia transmitir.

IV - In casu, o inciso “ sem autorização do Chefe do Serviço de Finanças”, integra o tipo objetivo do crime, por isso, deveria a acusação descrever os factos consubstanciadores daquela expressão e deles fazer prova em julgamento.

V - Não incumbe ao arguido o ónus da demonstração de que agiu com justa causa [com autorização], como única forma de evitar a condenação.

VI - Para que haja cometimento do crime de abuso de confiança fiscal é necessário provar a participação do(s) administrador(es) na tomada de decisões da sociedade, nomeadamente, que tenha participado na decisão de não entregar ao Estado o imposto em causa.

VII - As sucessivas retenções ou não entregas de imposto normalmente causadas pelas dificuldades financeiras, com a demora na atuação por parte da autoridade tributária e por vezes até em mais de uma empresa (como no caso) facilitam a ação, tornam cada vez menos exigível que o agente adote comportamento conforme ao direito e assim lhe diminuem a culpa na repetição.

VIII - Para o efeito de existir situação exterior que diminua a culpa é completamente irrelevante que a retenção ou não entrega do imposto, simultânea ou sucessiva, se reporte a IRC, IRS ou IVA.

IX - Originando o crime a prestação tributária em falta, prestação comunicada (ou não) à administração tributária é ao montante desta prestação que se atende para efeitos criminais e consequências daí advenientes.

X - O pagamento parcial da prestação tributária, mesmo que feito no prazo a que se reporta a al. a) do nº 4 do artigo 105 do RGIT, não tem a virtualidade de alterar o montante dessa prestação para efeitos de responsabilidade penal.

XI - Quanto ao destino dos montantes de IVA recebidos dos clientes (ou outros impostos de que a sociedade seja depositária) e não entregues ao fisco, é irrelevante para efeitos criminais o destino que lhes é dado.

XII- A sociedade é um devedor substituto com a posição jurídica de detenção e de domínio sobre a prestação - entrega jurídica - para que ela posteriormente a devolva ao fisco.

E, para se consumar o crime, basta a não entrega da prestação, sem necessidade de apuramento do destino que lhe é dado.

XIII - A generalidade da doutrina e da jurisprudência têm concluído de modo praticamente unânime pela improcedência das causas de exclusão de ilicitude do conflito de deveres ou de justificação da culpa do estado de necessidade desculpante, nas situações em que o gerente porque se debate com dificuldades económico-financeiras, e com vista a assegurar a manutenção da empresa, acaba por afetar o IVA liquidado e recebido ao pagamento de fornecedores em vez de proceder à sua entrega nos cofres do Estado.

XIV - Entre a imposição legal de não se apropriar das quantias por si deduzidas e de as entregar ao Estado, traduzido num dever geral de omissão, e o dever de ação – pagamento de credores – sempre prevaleceria o primeiro.

Decisão Texto Integral:

Acordam  no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

No processo supra identificado foi proferido acórdão que julgou parcialmente procedentes as acusações/pronúncia, com a comunicada alteração de qualificação jurídica, contra os arguidos:

1- A... , casado, nascido a 21.01.1946, natural de (...) Porto de Mós, filho de (...) e de (...) , titular do CC n.º (...) , residente na Rua (...) Leiria;

2- «B... , SA” pessoa coletiva n.º (...) , matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Leiria e com sede na Zona Industrial (...) , Leiria;

3- C...., casado, empresário, nascido no dia 6 de Fevereiro de 1953, filho de (...) e de (...) , natural da freguesia e concelho da Batalha e com última residência conhecida na Quinta (...) , Batalha; 

4- D.... , casado, empresário, nascido no dia 15 de Maio de 1953, filho de (...) e de (...) , natural da freguesia de (...) , concelho de Porto de mós e residente na Rua (...) , s/n, Mira de Aire;

5- E... divorciado, gestor, nascido no dia 14 de Janeiro de 1940, filho de (...) e de (...) , natural da freguesia de (...) , concelho de Leiria e residente na Rua (...) , Porto;

6- «F.... ,  SAD», pessoa colectiva n.º (...) , matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Leiria e com sede no (...) , Leiria e domicílio na Zona Industrial (...) , Leiria;

Sendo decidido:

Relativamente à parte crime:

A)- absolver o arguido A... da prática dos dois crimes de descaminho de objeto colocado sob o poder público que lhe eram imputados nestes autos;

B)- absolver os arguidos D... e E... dos crimes de abuso de confiança fiscal que lhes eram imputados nestes autos;

C)- condenar o arguido A... pela prática, em autoria material, de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105º, nºs 1, 4, 5 e 7, do RGIT e 30º, nº2, do Código Penal, (relativamente aos factos respeitantes à sociedade « B... , SA»), na pena de dois anos de prisão;

D)- condenar o arguido A... pela prática, em autoria material, de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105º, nºs 1, 4, 5 e 7, do RGIT e 30º, nº2, do Código Penal, (relativamente aos factos respeitantes à sociedade « F... , SAD»), na pena de três anos de prisão;

D.1)- declarar abrangidos nesta continuação criminosa os factos constitutivos do crime de abuso de confiança fiscal agravado, p. e p. pelo artigo 105º, nºs 1 e 5, do RGIT e 30º, nº2, do Código Penal, por via dos quais o mesmo arguido foi condenado no processo 1538/12.2IDLRA na pena de um ano de prisão substituída por 180 dias de multa à taxa diária de 25 euros;

D.2)- declarar, nos termos do artigo 79º, nº2 do Código Penal, a pena imposta ao arguido A... no processo 1538/12.2IDLRA substituída pela pena cominada nestes autos;

E)- condenar o arguido A... em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77º, do Código Penal, na pena única de quatro anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, mediante regime de prova e sob a obrigação de efetuar os pagamentos das prestações mensais estabelecidas nos planos prestacionais da Autoridade Tributária para a cobrança dos montantes das dívidas tributárias e acréscimos legais abrangidos pelas atuações constantes dos factos provados;

F)- condenar a arguida « B... , SA» pela prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105º, nºs 1, 4, 5 e 7, nos termos do disposto no artigo 7º, nº 1, punida de acordo com o disposto no artigo 12º, nºs 2 e 3, todos artigos do RGIT e 30º, nº2, do Código Penal, na pena de quinhentos dias de multa à taxa diária de cinco euros o que perfaz o montante de dois mil e quinhentos euros;

G)- condenar a arguida « F... , SAD» pela prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105º, nºs 1, 4, 5 e 7, nos termos do disposto no artigo 7º, nº 1, punida de acordo com o disposto no artigo 12º, nºs 2 e 3, todos artigos do RGIT e 30º, nº2, do Código Penal, na pena de setecentos e cinquenta dias de multa à taxa diária de cinco euros o que perfaz o montante de três mil setecentos e cinquenta euros;

G.1)- declarar abrangidos nesta continuação criminosa os factos constitutivos do crime de abuso de confiança fiscal agravado, p. e p. pelo artigo 105º, nºs 1 e 5, do RGIT, por via dos quais a mesma arguida foi condenada no processo 1538/12.2IDLRA na pena de 720 dias de multa à taxa diária de vinte cinco euros;

G.2)- declarar, nos termos do artigo 79º, nº2 do Código Penal, a pena imposta à arguida « F... , SAD» no processo 1538/12.2IDLRA substituída pela pena cominada nestes autos;

H)- condenar o arguido A... e as arguidas “ B... , SA” e « F... , SAD» no pagamento de taxa de justiça (sendo o primeiro em 5 UC’s e as arguidas em 3 UC’s cada) e demais custas;

Relativamente aos pedidos de indemnização civil:

I)- julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido no apenso A – processo 1696/12.6IDLRA - contra os demandados/arguidos A... e “ B... , SA” e, em consequência, condená-los, solidariamente, a pagar ao Estado Português a quantia que se venha a liquidar em execução de sentença, deduzida dos montantes já pagos e daqueles que sejam pagos entretanto, em cumprimento do acordo estabelecido, julgando-se extinta a instância cível, relativamente às quantias já pagas, por inutilidade superveniente da lide;

J)- julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido no apenso B- processo 1574/12.9IDLRA- contra os demandados/arguidos A... e « F... , SAD» e, em consequência, condená-los, solidariamente, a pagar ao Estado Português a quantia que se venha a liquidar em execução de sentença, deduzida dos montantes já pagos e daqueles que sejam pagos entretanto, em cumprimento do acordo estabelecido, julgando-se extinta a instância cível, relativamente às quantias já pagas, por inutilidade superveniente da lide, e bem assim absolver deste pedido os demandados/arguidos D... e E... ;

K)- julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido no apenso D- processo 1653/12.2IDLRA - contra os demandados/arguidos A... e « F... , SAD» e, em consequência, condená-los, solidariamente, a pagar ao Estado Português a quantia que se venha a liquidar em execução de sentença, deduzida dos montantes já pagos e daqueles que sejam pagos entretanto, em cumprimento do acordo estabelecido, julgando-se extinta a instância cível, relativamente às quantias já pagas, por inutilidade superveniente da lide, e bem assim absolver deste pedido o demandado/arguido E... ;

L)- condenar o demandante e o demandado/arguido A... e as demandadas/arguidas “ B... , SA” e « F... , SAD» no pagamento das custas dos pedidos de indemnização civil, sendo nas proporções, respetivamente, de: apenso A – demandado e demandada 100%; apenso B – demandante 20% e demandado e demandada 80%; e apenso D – demandante 15% e demandado e demandada 85%.


***

Inconformados com a decisão, interpuseram recurso o Magistrado do Mº Pº e o Arguido A... .

*

1-Recurso do Ministério Público:

São do seguinte teor as conclusões formuladas na motivação do recurso e que delimitam o objeto do mesmo.

1-- Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público do douto Acórdão nas partes em que:

a) Absolveu o arguido A... da prática de 2 (dois) crimes de descaminho de objeto colocado sob o poder público, p. e p. pelo artigo 355°, do Código Penal;

b) Absolveu os arguidos D... e E... da prática de 1 (um) crime de crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelo artigo 105°, n.º 1, 4, 5 e 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias e 30°, n.º 2, do Código Penal;

c) Absolveu o arguido E... da prática de 1 (um) crime de crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelo artigo 105°, n.º 1, 4, 5 e 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias e 30°, n.º 2, do Código Penal;

d) Condenou os arguidos A... e “ B... , SA”, cada um deles, pela prática de um único crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 7°, n° 1, 12°, n°s 2 e 3 e 105°, n° 1, 4, 5 e 7, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias e 30°, n° 2, do Código Penal;

e) Condenou os arguidos A... e " F... , SAD", cada um deles, pela prática de um único crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 7°, n° 1, 12°, n°s 2 e 3 e 105°, n° 1, 4, 5 e 7, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias e 30°, n° 2, do Código Penal;

f) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido no Apenso A - Processo n° 1696I12.6IDLRA - contra os demandados/arguidos A... e “ B... , S.A.” e, em consequência, condená-los, solidariamente, a pagar ao Estado Português a quantia que se venha a liquidar em execução de sentença, deduzida dos montantes já pagos e daqueles que sejam pagos entretanto, em cumprimento do acordo estabelecido, julgando-se extinta a instância cível, relativamente às quantias já pagas, por inutilidade superveniente da lide;

g) Julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido no Apenso § - Processo n° 1574/12.9lDLRA - contra os demandados/arguidos A... e “ F... , SAD” e, em consequência, condená-los, solidariamente, a pagar ao Estado Português a quantia que se venha a liquidar em execução de sentença, deduzida dos montantes já pagos e daqueles que sejam pagos entretanto, em cumprimento do acordo estabelecido, julgando-se extinta a instancia cível, relativamente às quantias já pagas, por inutilidade superveniente da lide, e bem assim, absolveu deste pedido os demandados/arguidos D... e E... ;

h) Julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido no Apenso Q - Processo n° 1653I12.2IDLRA - contra os demandados/arguidos A... e “ F... SAD" e, em consequência, condená-los, solidariamente, a pagar ao Estado Português a quantia que se venha a liquidar em execução de sentença, deduzida dos montantes já pagos e daqueles que sejam pagos entretanto, em cumprimento do acordo estabelecido, julgando-se extinta a instância cível, relativamente às quantias já pagas, por inutilidade superveniente da lide, e bem assim, absolveu deste pedido o demandado/arguido E... ;

i) Condenou o demandante e o demandado/arguido A... e as demandadas/arguidas “ B... SA" e “ F... SAD” no pagamento das custas dos pedidos de indemnização civil, sendo nas proporções, respetivamente, de: (...); Apenso 5 - demandante - 20% e demandado e demandada 80%; e Apenso D - demandante 15% e demandado e demandada 85%,

2 -- O artigo 127°, do Código de Processo Penal, dispõe que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente".

3-- Se o Tribunal valorar a prova contra todos os ensinamentos da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados ou apesar de proibições legais, ou errando na crítica dos factos, incorre em erro na apreciação da prova.

4-- Sendo que o erro na apreciação da prova é aquele que se mostra ostensivo, de tal modo chocante que não passa desapercebido ao comum dos observadores, ou seja, aquele erro de que o cidadão médio dele facilmente se dá conta.

5-- Quanto à absolvição do arguido A... da prática de 2 (dois) crimes de descaminho de objeto colocado sob o poder público, p. e p. pelo artigo 355°, do Código Penal:

5.1 -- Nos termos do disposto na al. a), do n° 3, do artigo 412°, do Código de Processo Penal, foram incorretamente julgados como não provados os seguintes pontos de facto:

a - O arguido A... procedeu à cedência dos referidos direitos a terceiros;

b - O arguido A... transferiu os referidos jogadores para o “ K... , SAD”;

c - No ato de penhora ou de nomeação como fiel depositário houve a entrega de qualquer bem ao arguido A... ;

d - No dia 19.07.2011, o arguido A... , agindo em representação da “ F... , SAD", estabeleceu com o “K.... SAD", um “contrato de cessão definitiva de direitos de inscrição desportiva de jogador profissional de futebol”, referente a J.... .

e - O arguido A... “subtraiu” qualquer documento ou objeto ao “poder público”;

f - O arguido agiu consciente, livre e deliberadamente no sentido de praticar qualquer “facto ilícito” relativamente aos direitos de transferência dos jogadores J... e L... ."

5.2 -- Nos termos da alínea b), do artigo 412°, n° 3, do Código de Processo Penal, indicam-se os meios de prova que impõem decisão diversa:

a) Os mesmos meios de prova/documentos que o Tribunal a quo analisou, mencionados no douto Acórdão a quo e mencionados no ponto IV.1.2.1 da presente motivação de recurso;

b) As declarações da testemunha H... referidas no ponto IV.1.2.2 da presente motivação de recurso.

5.3 -- Nos termos do disposto na alínea c), do n° 3, do artigo 412° e do n° 4, do Código de Processo Penal, devem ser renovados esses mesmos meios de prova e analisados criticamente.

5.4-- Tal renovação dos meios de prova acima mencionados impõe que no douto Acórdão a proferir se deva dar como provado que:

a - O arguido A... procedeu à cedência dos referidos direitos a terceiros;

b - O arguido A... transferiu os referidos jogadores para o “ K... , SAD”;

c- No ato de penhora ou de nomeação como fiel depositário houve a entrega de bens ao arguido A... ;

d- No dia 19.07.2011, o arguido A... , agindo em representação da “ F... , SAD”, estabeleceu com o “ K... SAD”, um “contrato de cessão definitiva de direitos de inscrição desportiva de jogador profissional de futebol”, referente a J... .

e - O arguido A... “subtraiu” objeto ao “poder público”;

f- O arguido agiu consciente, livre e deliberadamente no sentido de praticar “facto ilícitos” relativamente aos direitos de transferência dos jogadores J... e L... .”

g) - Ao atuar da forma descrita em a), b), c), d), e) e f), o arguido A... agiu por intermédio de D... e de E... , também estes, tal como ele, Administradores da “ F... , SAD”.

5.5 -- Quanto aos factos, resulta, se mais não fosse das regras da experiência comum, que:

Se:

- “O Serviço de Finanças de Leiria 1 da Direção de Finanças de Leiria realizou diversas penhoras tendo por objeto (“Bem penhorado) o «Direito de transferência, vulgarmente designado por “pass” conforme Contrato de Trabalho entre Clubes e Jogadores Profissionais» dos jogadores J... e L... pertencentes aos quadros da « F... , SAD», com sede no (...) , em Leiria”;

- Em cada uma dessas penhoras, foi nomeado fiel depositário o arguido A... por ser presidente do conselho de administração da « F... , SAD».

- O arguido A... foi advertido, em cada um desses autos de penhora, de que não podia transmitir os referidos “bens” sem autorização do Chefe do Serviço de Finanças de Leiria 1, “sob pena de ficar sujeito às penalidades cominadas aos infiéis depositários prescritas nas disposições conjugadas dos art°. 233. ° do CPPT e artigo 854° do CPC”.

- A “ F... , SAD”, se obriga com a assinatura de dois dos três ou de três dos cinco administradores, consoante a composição do Conselho de Administração;

- Desde sempre que A... presidiu ao conselho de administração da « F... SAD»;

- O arguido D... foi vogal do conselho de administração desde 23 de Maio de 2009 até 28 de Novembro de 2011;

- O arguido E... foi vogal do Conselho de administração desde 24 de Fevereiro de 2011 até 22 de Março de 2012;

- No dia 05.07.2011, foi celebrado entre a “ F... , SAD” e a sociedade “B - Investimentos e Participações, SGPS, S.A.” um "contrato de parceria de direitos económicos relativo a jogador profissional de futebol" no qual esta última passou a deter 70% dos direitos económicos decorrentes do contrato de trabalho desportivo estabelecido, a 20.07.2010, entre a citada F... , SAD e o jogador L... ;

- O arguido A... outorgou aquele contrato em representação da empresa B - Investimentos e Participações, SGPS S.A., da qual era então Presidente do Conselho de Administração;

- Não deixa, no entanto, de se assinalar que, os outorgantes naquele contrato, por parte da “ F... , SAD” são D... e E... , os mesmos que, relativamente aos factos objeto dos apensos B e D dizem que nunca tinham qualquer intervenção nas decisões dessa arguida;

- Em data não concretamente apurada, foi celebrado “contrato de cessão definitiva de direitos de inscrição desportiva” em que o “ K... SAD” passou a deter os direitos de inscrição desportiva e os direitos económicos do jogador J... , tendo o K... SAD efetuado o respetivo pegamento na data da celebração do aludido contrato;

- As Sociedade Anónimas Desportivas não são sociedade filantrópicas!

- Os jogadores/atletas J... e L... foram jogadores e jogaram no “ K... SAD”;

5.6 -- Resulta claro, lógico, segundo as regras do normal acontecer, que:

- Foram efetuadas pelo Serviço de Finanças 1 de Leiria as supra identificadas penhoras, tendo o objeto (“Bem penhorado”) o «Direito de transferência, vulgarmente designado por “pass” conforme Contrato de Trabalho entre Clubes e Jogadores Profissionais›› dos jogadores J... e L... pertencentes aos quadros da « F... , SAD», com sede no (...) , em Leiria";

- Em cada uma dessas penhoras, foi nomeado fiel depositário o arguido A... por ser presidente do conselho de administração da « F... , SAD››;

- O arguido A... foi advertido, em cada um desses autos de penhora, de que não podia transmitir os referidos “bens” sem autorização do Chefe do Serviço de Finanças de Leiria 1, “sob pena de ficar sujeito às penalidades cominadas aos infiéis depositários prescritas nas disposições conjugadas dos art°. 233. ° do CPPT e artigo 854° do CPC”

- No dia 05.07. 2011, foi celebrado entre a “ F... , SAD” e a sociedade “B - Investimentos e Participações, SGPS, S.A.” um "contrato de parceria de direitos económicos relativo a jogador profissional de futebol” no qual esta última passou a deter 70% dos direitos económicos decorrentes do contrato de trabalho desportivo estabelecido, a 20.07.2010, entre a citada F... , SAD e o jogador L... ;

- O arguido A... outorgou aquele contrato em representação da empresa B - Investimentos e Participações. SGPS S.A., da qual era então Presidente do Conselho de Administração;

- Neste contrato, o arguido A... agiu por intermédio de D... e de E... , também estes, tal como ele, Administradores da “ F... , SAD”.

- Em data não concretamente apurada, foi celebrado “contrato de cessão definitiva de direitos de inscrição desportiva” em que o K... SAD passou a deter os direitos de inscrição desportiva e os direitos económicos do jogador J... , tendo o K... SAD efetuado o respetivo pagamento na data da celebração do aludido contrato;

- Não podia o arguido A... deixar de conhecer e saber que “ K... SAD" pagou à “U.D.L.-SAD” a quantia de 369.000.00 € (trezentos e sessenta e nove mil Euros);

- As Sociedades Anónimas Desportivas não são sociedade filantrópicas!

- Se os jogadores/atletas J... e L... foram jogadores e jogaram no “ K... SAD”;

- O arguido A... “subtraiu” objeto ao “poder púbico”;

- O arguido A... agiu consciente, livre e deliberadamente no sentido de praticar “factos ilícitos" relativamente aos direitos de transferência dos jogadores J... e L... ."

5.7 -- Quanto ao direito:

5.7.1 O arguido A... sabia que tinha a qualidade de fiel depositário dos “passes” dos jogadores L... e J... e sabia que não os podia alienar sem autorização do Estado Português - Fazenda Nacional;

5.7.2 O arguido A... arranjou o seguinte estratagema: -- “Se eu não posso assinar como vendedor, ponho os outros dois a assinar e eu assino na qualidade de legal representante da empresa “B - Investimentos e Participações, SGPS, S.A.”, da qual sou Administrador”, o que efetivamente fez;

5.7.3 O arguido A... agiu por intermédio de D... e de E... , também estes, tal como ele, Administradores da “ F... , SAD",

E, em consequência,

- A sua conduta integra a previsão normativa do disposto no artigo 26° (“2ª proposição") do Código Penal.

5.7.4 O conceito de coisa, utilizado pelo Legislador no artigo 355°, do Código Penal, “afasta-nos do domínio da patrimonialidade, do valor venal ou de mercado das coisas objeto do crime. Existem casos em que aquilo que se sujeita ao poder público não poderia ser elemento de um delito de furto ou de dano, por o seu valor económico corresponder a zero: possui, por hipótese, apenas utilidade probatória. ”

5.7.5 “Diz coisa tudo aquilo que pode ser objeto de relações jurídicas”, sendo que “o direito de cedência/transferência de um jogador profissional de futebol por ser um direito penhorável", pode ser objeto de relações jurídicas.

5.8 -- Resulta da análise, crítica e hermenêutica da prova produzida na Audiência, que a factualidade acima narrada, que deverá ser julgada provada por esse Venerando Tribunal nos termos atrás sustentados, deverá conduzir à condenação do arguido A... pela prática, em autoria mediata e em concurso real, de 2 (dois) crimes de descaminho de objeto colocado sob o poder público, p. e p. pelos artigos 14°, n° 1, 26° (“2“ proposição"), 30°, n° 1, 77°, n° 1 e 355°, todos do Código Penal.

5.9 -- Ao ter-se decidido no douto Acórdão de forma diversa da ora sustentada, nele se violou o disposto nos artigos 127° e 410°, n° 2, al. c), ambos do Código de Processo Penal, o disposto nos artigos 26° (“2ª proposição”) e 355°, ambos do Código Penal e o disposto no artigo 202°, n° 1, do Código Civil, razão pela qual deverá ser substituído douto Acórdão a proferir no qual se dê como provada factualidade supra descrita, a qual deverá conduzir à condenação do arguido A... pela prática, em autoria mediata e em concurso real, de 2 (dois) crimes de descaminho de objeto colocado sob o poder público, p. e p. pelos artigos 14°, n° 1, 26° (“2ª° proposição"), 30°, n° 1, 77°, n° 1 e 355°, todos do Código Penal.

6-- Quanto à absolvição dos arguidos D... e E... da prática de 1 (um) crime de crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelo artigo 105°, n° 1, 4, 5 e 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias e 30°, n° 2, do Código Pena (Apenso B - Processo n° 1574/12.9IDLRA (Acusação de fls. 1973 a 1979 e Despacho de Pronúncia de fis. 2171 a 2176 desse Apenso, relativo à não entrega de retido das remunerações dos trabalhadores nos meses de Janeiro, Março e Abril de 2010 e Abril, Junho, Agosto, Setembro, Novembro e Dezembro de 2011 bem como a sobretaxa de 2011) e quanto à absolvição do arguido E... da prática de 1 (um) crime de crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelo artigo 105°, n° 1, 4, 5 e 7, do Regime Geral das infrações Tributárias e 30°, n° 2, do Código Penal (Apenso D - Processo nº 1653/l2.2lDLRA (Acusação de fls. 371 a 379 desse apenso, relativo à não entrega de I.V.A. liquidado e recebido no mês de Janeiro de 2012):

6.1 -- Nos termos do disposto na al. a), do n° 3, do artigo 412°, do Código de Processo Penal, salvo o devido respeito, entende o Ministério Público que foram incorretamente julgados como não provados os seguinte pontos de facto:

“g - Os arguidos D... e E... tinham efetivo poder ou participavam nas decisões de arguida “ F... , SAD”, nomeadamente no que respeita à retenção e não entrega nos cofres do Estado dos impostos em causa;

h - Os arguidos D... e E... tiveram qualquer intervenção nas referidas situações nem que, a esse respeita, “agiram em nome e no interesse” da arguida “ F... , SAD”, nem no seu próprio interesse.

6.2 -- “Sob 0 ponto de vista dogmático/jurídico, o crime de abuso de confiança fiscal configura-se como um crime omissivo puro na medida em que o facto típico revisto na norma incriminadora se verifica com a não entrega da prestação tributaria, tendo-se por praticada a omissão na data em que termina o prazo para o cumprimento da obrigação tributária, por força do n° 2, do artigo 5°, do Regime Geral das Infrações Tributarias.”

6.3 -- Nos termos da alínea b), do artigo 412°, n° 3, do Código de Processo Penal, indicam-se os meios de prova que impõem decisão diversa:

a) -- As declarações do próprio arguido E... referidas no ponto IV.3.1.1 da presente motivação de recurso;

b) -- As declarações da testemunha H... referidas no ponto IV.3.1.2 da presente motivação de recurso;

c) -- As declarações da testemunha R.... referidas no ponto IV.3.1.3 da presente motivação de recurso;

d) - A leitura das declarações prestadas da testemunha R... em sede de inquérito, referidas no ponto IV.3.1.4 da presente motivação de recurso;

e) -- As declarações da testemunha R... referidas no ponto IV.3.1.5 da presente motivação de recurso, depois de ter sido confrontada declarações prestas em sede de inquérito;

f) -- As declarações da testemunha S... referidas no ponto IV.3.1.6 da presente motivação de recurso;

g) - Relativamente ao arguido E... , os documentos referidos no ponto IV.3.1.6 da presente motivação de recurso;

h) - Relativamente ao arguido D... , os documentos referidos no ponto IV.3.1.7 da presente motivação de recurso;

6.4 -- Nos termos do disposto na alínea c), do n° 3, do artigo 412° e do n° 4, do Código de Processo Penal, devem ser renovados esses mesmos meios de prova e analisados criticamente

6.5 -- Tal renovação dos meios de prova acima mencionados impõe que no douto Acórdão a proferir se deva dar como provado que;

(...) 42 - No exercício das funções de administração, eram os arguidos A... , D... e E... quem dirigiam as atividades da empresa arguida, ficando a sociedade obrigada pela assinatura ou intervenção de dois administradores. (...)

44 - Porém, por decisão dos arguidos A... , D... e E... , a arguida “ F... , SAD”, não procedeu à entrega daqueles montantes nos cofres do Estado, nem no prazo legal, nem nos noventa dias posteriores, como estava obrigada.

(---)

51 - Em resultado das descritas atuações, por decisão dos arguidos A... , D... e E... , a sociedade arguida “ F... , SAD”, apropriou-se dos referidos montantes referentes a I. R. S. e a I. V.A., o qual foi integrado no seu património, desta forma obtendo benefícios patrimoniais a que não tinha direito.

52 - Os arguidos A... , D... e E... , exercendo as funções de administradores da sociedade arguida, sabiam que sobre si, enquanto representantes legais da sociedade “ F... , SAD" e atuando em seu nome, impendiam a obrigação de entrega, nos cofres do Estado, das quantias que foram retidas a título de IRS e de IVA, nos termos acima descritos, contudo não efetuaram tais entregas.

53 - Os arguidos A... , D... e E... agiram sempre em nome e no interesse da sociedade arguida, bem sabendo que, ao agirem da forma descrita, prejudicavam o regular funcionamento do sistema fiscal, causando prejuízos ao Estado de valor equivalente aos montantes não entregues, acrescido dos juros compensatórios e moratórios.

54 - Não obstante, os arguidos A... , D... e E... agiram com o propósito de se apropriar das quantias supra discriminadas, tendo-as integrado no património da sociedade arguida “ F... , SAD, obtendo benefícios patrimoniais a que não tinham direito.

55 - Os arguidos A... , D... e E... atuaram de forma livre e conscientemente, apesar de bem saberem que as suas condutas eram proibidas e punidas pela Lei Penal.

6.6 -- Nesta medida, da análise, crítica e hermenêutica da prova produzida na Audiência, que a factualidade acima narrada, que deverá ser julgada provada por esse Venerando Tribunal nos termos atrás sustentados, deverá conduzir à condenação dos arguidos:

6.6.1 D... e E... da prática de 1 (um) crime de crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105°, n° 1, 4, 5 e 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias (Apenso B - Processo n° 1574/l2.9IDLRA (Acusação de fis. 1973 a 1979 e Despacho de Pronúncia de fls. 2171 a 2176 desse Apenso, relativo à não entrega de  retido das remunerações dos trabalhadores nos meses de Janeiro, Março e Abril de 2010 e Abril, Junho, Agosto, Setembro, Novembro de 2011, bem como a sobretaxa de 2011);

6.6.2 E... da prática de 1 (um) crime de crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105°, n° 1, 4, 5 e 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias (Apenso D - Processo n° 1653/12.2IDLRA (Acusação de fis. 371 a 379 desse apenso, relativo à não entrega de liquidado e recebido no mês de Janeiro de 2012).

6.7 -- Ao ter-se decidido no douto Acórdão de forma diversa da ora sustentada, nele se violou o disposto nos artigos 127° e 410°, n° 2, al. c), ambos do Código de Processo Penal, o disposto nos artigos 14°, n° 1, 26°, 30°, n° 1 e 2 e 77°, todos do Código Penal e o disposto no artigo 105°, n° 1, 4, 5 e 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias, razão pela qual deverá ser substituído douto Acórdão a proferir no qual se dê como provada factualidade supra descrita, a qual deverá conduzir à condenação dos arguidos nos termos supra expostos.

7 - Quanto à incorreta condenação dos arguidos:

a) A... e “ B... , SA”, cada um deles, pela prática de um único crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 7°, n°1, 12°, n°s 2 e 3 e 105°, n° 1, 4, 5 e 7, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias e 30°, n° 2, do Código Penal;

b) A... e “ F... SAD”, cada um deles, pela prática de um único crime de abuso de confiança fiscal, na  , p. e p. pelos artigos 7°, n° 1, 12°, n°s 2 e 3 e 105°, n° 1, 4, 5 e 7, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias e 30°, n° 2, do Código Penal:

7.1 -- Na definição de concurso real, efetivo de crimes não basta o elemento da pluralidade de bens jurídicos violados  exige-se a pluralidade de juízos de censura, traduzido por uma pluralidade de resoluções autónomas.

7.2 -- Estaremos perante a figura do crime continuado quando, através de várias ações criminosas, se repete o preenchimento do mesmo tipo legal ou de tipos que protegem o mesmo bem jurídico, usando-se de um procedimento que se reveste de uma certa uniformidade e aproveita um condicionalismo exterior que propicia a repetição, fazendo assim diminuir consideravelmente a culpa do agente.

7.3 -- São pressupostos do crime continuado a:

- Realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico);

- Homogeneidade da forma de execução (unidade do injusto objetivo da ação);

- Unidade de dolo (unidade do injusto pessoal da ação). As diversas resoluções devem conservar-se dentro de uma linha psicológica continuada;

- Lesão do mesmo bem jurídico (unidade do injusto de resultado);

- Persistência de uma «situação exterior» que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente.

7.4 -- A doutrina indica algumas das situações exteriores que, diminuindo consideravelmente a culpa do agente, poderão estar na base de uma continuação criminosa:

- Ter-se criado, através da primeira atividade criminosa, um certo acordo entre os sujeitos;

- Voltar a verificar-se uma oportunidade favorável à prática do crime que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta criminosa;

- Perduração do meio apto para realizar o delito que se criou ou adquiriu para executar a primeira conduta criminosa;

- A circunstância de o agente, depois de executar a resolução criminosa, verificar haver possibilidades de alargar o âmbito da sua atividade.

7.5 -- A factualidade que resultou provada que, do ponto de vista da tipicidade objetiva, não merece qualquer reparo ou censura, não resultou provado NENHUM FACTO que possa integrar o conceito normativo de “persistência de uma «situação exterior» que tivesse facilitado a execução e que tivesse diminuído consideravelmente a culpa dos agentes”.

7.6 -- Ao ter-se decidido no douto Acórdão de forma diversa da ora sustentada, nele se violou o disposto no artigo 30°, n° 1 e 2 e 77°, ambos do Código Penal.

7.7 -- Os tributos de que as sociedades arguidas se apropriaram, assim como os arguidos A... , D... e E... se apropriaram, têm, não só pressupostos e natureza legal diversa, como também são diversas as confianças que nos arguidos foi depositada pelo Estado Português, como também, são diversos os períodos durante os quais os arguidos pautaram a sua atuação.

7.7.1 -- Da factualidade provada resulta a existência por parte dos arguidos A... e “ B... , SA":

a) De resoluções distintas em relação ao não pagamento ou retenção ilegal de cada um dos impostos em falta:

- À não entrega de imposto de I.R.C. retido aos senhorios do mês de Janeiro de 2012: - Acusação de fls. 195 a 199 do Apenso A - Processo n° 1696/12.6lDLRA.

- Á não entrega de I.V.A. liquidado e recebido nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2012: - Acusação de fls. 342 a 346 do Apenso C -Processo n° 204/13.6IDLRA.

b) Que não são coincidentes os períodos temporais das respetivas prestações em falta, havendo, naturalmente, as respetivas decisões de retenção e liquidação sido tomadas em relação à entrega prevista para cada um desses meses;

c) Houve distintas e, até, opostas resoluções quanto aos respetivos impostos: -num caso, pagaram; no outro, o oposto/não pagaram, isto é, nos meses de Fevereiro e Março de 2012, retiveram e entregaram o I.R.C. ao Estado Português e, nos meses Janeiro, Fevereiro e Março de 2012, liquidaram, receberam o IVA e não o entregaram ao Estado Português;

d) Havendo pluralidade de juízos de censura, traduzido por uma pluralidade de resoluções autónomas, in casu, duas, deverão os arguidos A... e “ B... , SA" ser condenados, cada um deles, pela prática de 2 (dois) crimes de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 7°, n° 1, 12°, n°s 2 e 3 e 105°, n° 1, 4, 5 e 7, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias.

7.7.2 -- Da factualidade provada resulta a existência por parte dos arguidos A... e “ F... SAD":

a) De resoluções distintas em relação ao não pagamento ou retenção ilegal de cada um dos impostos em falta:

- À não entrega de I.R.S. retido das remunerações dos trabalhadores nos meses de Janeiro, Março e Abril de 2010 e Abril, Junho, Agosto, Setembro, Novembro e Dezembro de 2011 bem como a sobretaxa de 2011: - Acusação de fls. 1973 a 1979 e Despacho de Pronúncia de fls. 2171 a 2176 do Apenso B - Processo n° 1574i12.9IDLRA;

- Á não entrega de I.V.A. liquidado e recebido no mês de Janeiro de 2012: -Acusação de fls. 371 a 379 do Apenso D - Processo n° 1653/12.2IDLRA.

b) Que não são coincidentes os períodos temporais das respetivas prestações em falta, havendo, naturalmente, as respetivas decisões de retenção e liquidação sido tomadas em relação à entrega prevista para cada um desses meses;

c) Houve distintas e, até, opostas resoluções quanto aos respetivos impostos: - num caso, pagaram; no outro, o oposto/não pagaram, isto é, nos meses de Maio a Dezembro de 2010, Janeiro, Fevereiro, Março, Maio, Julho e Outubro de 2011, retiveram e entregaram o I.R.S. ao Estado Português e, no mês Janeiro de 2012, liquidaram, receberam o IVA e não o entregaram ao Estado Português

d) Havendo pluralidade de juízos de censura, traduzido por uma pluralidade de resoluções autónomas, in casu, duas, deverão os arguidos A... e “ F... SAD” ser condenados, cada um deles, pela prática de 2 (dois) crimes de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 7°, n° 1, 12°, n°s 2 e 3 e 105°, n° 1, 4, 5 e 7, todos do Regime Geral das Infrações Tributarias.

7.7.3 -- A ser procedente a IV.2: -- 2ª QUESTÃO suscitada no presente recurso relativa à pedida condenação dos arguidos D... e E... , os fundamentos de facto e de direito sustentados em IV.3: --3ª QUESTÃO, relativos à sua punição pela prática dos crimes de abuso de confiança fiscal, em concurso real, efetivo, devendo os arguidos:

a) D... e E... ser condenados pela prática de 1 (um) crime de crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105°, _n° 1, 4, 5 e 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias (Apenso B - Processo nº 1574/12.91DLRA (Acusação de fls. 1973 a 1979 e Despacho de Pronúncia de fls. 2171 a 2176 desse Apenso, relativo à não entrega de  retido das remunerações dos trabalhadores nos meses de Janeiro, Março e Abril de 2010 e Abril, Junho, Agosto, Setembro, Novembro de 2011, bem como a sobretaxa de 2011);

b) E... ser condenado pela prática de 1 (um) crime de crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105°, n° 1, 4, 5 e 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias (Apenso D - Processo n°1653/12.2lDLRA (Acusação de fls. 371 a 379 desse apenso, relativo à não entrega de I.V.A. liquidado e recebido no mês de Janeiro de 2012).

7.8 -- Ao ter-se decidido no douto Acórdão de forma diversa da ora sustentada, nele se violou o disposto no artigo 30°, n° 1 e 77°, ambos do Código Penal.

8” -- Quanto à incorreta condenação:

a)Parcial do pedido de indemnização civil deduzido no Apenso A - Processo n° 1696l12.6lDLRA - contra os demandados/arguidos A... e “ B... , S.A.” e, em consequência, condená-los, solidariamente, a pagar ao Estado Português a quantia que se venha a liquidar em execução de sentença, deduzida dos montantes já pagos e daqueles que sejam pagos entretanto, em cumprimento do acordo estabelecido, julgando-se extinta a instância cível, relativamente às quantias já pagas, por inutilidade superveniente da lide;

b)Parcial do pedido de indemnização civil deduzido no Apenso B - Processo n° 1574/12.9IDLRA - contra os demandados/arguidos A... e “ F... SAD” e, em consequência, condená-los, solidariamente, a pagar ao Estado Português a quantia que se venha a liquidar em execução de sentença, deduzida dos montantes já pagos e daqueles que sejam pagos entretanto, em cumprimento do acordo estabelecido, julgando-se extinta a instância cível, relativamente às quantias já pagas, por inutilidade superveniente da lide, e bem assim, da absolvição deste pedido dos demandados/arguidos D... e E... ;

c)Parcial do pedido de indemnização civil deduzido no Apenso D - Processo n° 1653/12.2IDLRA - contra os demandados/arguidos A... e “ F... SAD” e, em consequência, condena-los, solidariamente, a pagar ao Estado Português a quantia que se venha a liquidar em execução de sentença, deduzida dos montantes já pagos e daqueles que sejam pagos entretanto, em cumprimento do acorde estabelecido, julgando-se extinta a instância cível, relativamente às quantias já pagas, por inutilidade superveniente da lide, e bem assim, da absolvição deste pedido do demandado/arguido E... ;

d)Do demandante e o demandado/arguido A... e as demandadas/arguidas “ B... SA ” e “ F... SAD" no pagamento das custas dos pedidos de indemnização civil, sendo nas proporções, respetivamente, de: (...); Apenso B - demandante 20% e demandado e demandada 80%; e Apenso D - demandante 15% e demandado e demandada 85%:

8.1 -- Dispõe o artigo 82°, nº 1, do Código de Processo Penal, que “se não dispuser de elementos bastantes para fixar a indemnização, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença."

8.2 -- Dos Autos constam:

a) Quais os montantes exatos já pagos e ainda em divida pela arguida “ B... , SA. ”;

b) Quais os montantes exatos já pagos e ainda em divida pela arguida “ F... SAD".

8.3 -- Constando dos todos os elementos para fixar as indemnizações peticionadas, não podia o Tribunal a quo ter condenado os arguidos, solidariamente, a pagar ao Estado Português a quantia que se venha a liquidar em execução de sentença “no que se liquidar em execução de sentença”.

8.4 -- Ao decidir como se decidiu o no douto Acórdão a quo nele se violou o disposto nos artigos 71° e 82°, n° 1, ambos do Código de Processo Penal, razão pela qual deverá ser substituído por outro que conheça, em concreto, dos pedidos de indemnização formulados, em virtude de os Autos apresentarem todos os elementos necessários para fixar os seus concretos quantuns por aqueles devidos.

8.5 -- A responsabilidade tributária resulta do incumprimento das obrigações tributárias e existe independentemente da prática de qualquer crime, isto é, o crime não é o facto gerador da divida de imposto, a responsabilidade criminal resulta da prática de crime tributário.

8.6 -- Nos termos do artigo 22°, n° 1, da Lei Geral Tributaria, “a responsabilidade tributaria abrange a totalidade da divida tributaria, respetivos juros e demais encargos legais.”

8.7 -- “A prática do crime, por seu lado, gera responsabilidade penal e responsabilidade civil pelos danos emergentes, pelos quais são responsáveis os agentes do facto ilícito típico, nos termos da lei penal e civil.”

8.8 -- Â responsabilidade tributária é aplicável a legislação tributária, nomeadamente, a Lei Geral Tributária enquanto à responsabilidade emergente do crime, quer por força por força do disposto no artigo 3°, do R.G.I.T., quer por força do disposto no artigo 8°, do Código Penal, é aplicável o disposto nos artigos 483° a 498°, do Código Civil, por remissão do artigo 129°, do Código Penal.

8.9 -- Pelo que não podia o Tribunal a quo ter julgado parcialmente procedentes os pedidos de indemnização civil formulados pelo Estado Português – Fazenda Nacional contra os epigrafados arguidos em virtude da dedução dos montantes já pagos e daqueles que sejam pagos entretanto, em cumprimento do acordo estabelecido, julgando-se extinta a instância cível. relativamente às quantias já pagas, por inutilidade superveniente da lide, por serem diversos os fundamentos das respetivas responsabilidades.

8.10 -- Ao ter-se decidido como de decidiu no douto Acórdão a quo nele se violou o disposto nos artigos 483° a 498°, do Código Civil e no artigo 129°, do Código Penal, aplicáveis ex vi do artigo 3°, do R.G.I.T., quer por força do disposto no artigo 8°, do Código Penal, razão pela qual deverá ser substituído por outro que condene os todos os arguidos no pagamento, solidário, ao Estado Português - Administração Fiscal dos montantes peticionados nos respetivos pedidos de indemnização civil, por terem resultado de danos concretos que emergiram da prática dos crimes de abuso de confiança fiscal por que vinham acusados/pronunciados, dos que vierem a ser condenados, em caso de procedência do recurso ora interposto, condenando-os nas respetivas custas processuais, em virtude de a elas terem dado causa.

9° -- Das consequências jurídicas:

Na procedência do presente recurso, condenará o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra os arguidos infra mencionados, pela prática, em autoria e em coautoria material, respetivamente, e em concurso efetivo, real, nos termos do disposto nos artigos 14°, n° 1, 26°, 30°, n° 1 e 77°, todos do Código Penal:

a) A... pela prática de 2 (dois) crimes de descaminho de objeto colocado sob o poder público, p. e p. pelo artigo 355°, do Código Penal;

b) D... e E... , cada um deles, da prática de 1 (um) crime de crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105°, n° 1, 4, 5 e 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias (Apenso B - Processo n° 1574/12.9IDLRA (Acusação de fls. 1973 a 1979 e Despacho de Pronuncia de fls. 2171 a 2176 desse Apenso, relativo à não entrega de  retido das remunerações dos trabalhadores nos meses de Janeiro, Março e Abril de 2010 e Abril, Junho, Agosto, Setembro, Novembro de 2011, bem como a sobretaxa de 2011);

c) E... da prática de 1 (um) crime de crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105°, n° 1, 4, 5 e 7, do Regime Geral das Infrações Tributarias: -- (Apenso D - Processo n° 1653/12.21DLRA (Acusação de fls. 371 a 379 desse apenso, relativo à não entrega de  liquidado e recebido no mês de Janeiro de 2012);

d) A... e “ B... , SA ” ser condenados, cada um deles, pela prática de 2 (dois) crimes de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 7°, n° 1, 12°, n°s 2 e 3 e 105°, n° 1, 4, 5 e 7, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias: -- (Apenso A - Processo n° 1696/12.6IDLRA (Acusação de fis. 195 a 199 desse Apenso, relativamente à não entrega de imposto de IRC retido aos senhorios do mês de Janeiro de 2012) e (Apenso C - Processo n° 204/13.6IDLRA (Acusação de fls. 342 a 346 desse Apenso, relativo à não entrega de  IVA liquidado e recebido nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2012);

e) A... e “ F... SAD” ser condenados, cada um deles, pela prática de 2 (dois) crimes de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 7°, n° 1, 12°, n°s 2 e 3 e 105°, n° 1, 4, 5 e 7, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias: -- (Apenso 3 -Processo n° 1574/12.9IDLRA (Acusação de fis. 1973 a 1979 e Despacho de Pronúncia de fls. 2171 a 2176 desse Apenso, relativo à não entrega de I.R.S. retido das remunerações dos trabalhadores nos meses de Janeiro, Março e Abril de 2010 e Abril, Junho, Agosto, Setembro, Novembro e Dezembro de 2011bem como a sobretaxa de 2011) e (Apenso D - Processo n° 1653/12.2IDLRA (Acusação de fls.371 a 379 desse apenso, relativo à não entrega de IVA liquidado e recebido no més de Janeiro de 2012);

f) Julgará procedentes, porque provados os pedidos de indemnização civil deduzidos pelo Estado Português - Administração Fiscal contra os arguidos A... e " B... , SA", por um lado e contra os arguidos A... , D... , E... e “ F... SAD", por outro, condenando-os, respetivamente, no pagamento, solidário respetivo, ao Estado Português - Administração Fiscal dos montantes peticionados nos respetivos pedidos de indemnização civil, por terem resultado de danos concretos que emergiram da prática dos crimes de abuso de confiança fiscal por que vinham acusados/pronunciados e respetivas custas processuais a que deram causa.

9.1 -- As exigências de prevenção geral constituem o limite mínimo da pena e a culpa do agente o seu limite máximo, pelo que a medida concreta da pena deve ter em consideração a finalidade de prevenção especial, de ressocialização dos arguidos ou de suficiente advertência, no sentido de retirar esta agente do caminho criminoso.

9.2 -- A determinação da medida concreta da pena faz-se, nos termos do artigo 71°, do Código Penal, em função da culpa do agente, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (porque estas já foram tomadas em consideração ao estabelecer-se a moldura penal do facto), deponham a favor do agente ou contra ele.

9.3 -- A pena a aplicar será, assim, fixada em função da culpa, da ilicitude, das circunstâncias agravantes e atenuantes que ocorram, não se perdendo de vista o objetivo de reinserção social dos agentes.

9.4 -- Sendo cada vez mais crescente e presente “a banalização” e, por isso, demonstrados e conhecidos os elevados índices de criminalidade fiscal, tendo-se ainda em conta que são prementes as exigências de prevenção, quer geral, quer especial, exige-se “firmeza de atitude, no confronto com a realidade atualmente patenteada nos tribunais” “e isso consegue-se de modo particularmente adequado e eficaz com as penas de prisão”;

9.5 -- Também não podem ser descuradas as exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir, na medida em que o arguido A... tem já duas condenações por crimes de abuso de confiança fiscal e ele, assim como arguidos D... e E... continuam a exercer atividades que os levaram à prática dos crimes apurados, o que potencia a repetição de idênticas condutas criminosas.

9.6 -- Na determinação da medida concreta das penas, deverá o douto Acórdão a quo a proferir ter em conta e/ou ponderar os seguintes fatores determinantes:

- As ilicitudes revelam-se acentuadas, atento o decurso do tempo durante o qual se mantiveram as atividades criminosas;

- As consequências dos ilícitos assumem muita gravidade, na medida em que os arguidos causaram ao Estado Português - Administração Fiscal, no que tange aos crimes de abuso de confiança fiscal, prejuízos de valores consideravelmente elevadíssimos;

- Os graus da culpa mostra-se acentuados, tendo em conta que os arguidos agiram com dolo direto, apenas havendo a considerar as dificuldades económico-financeiras que, na altura atravessavam às sociedades arguidas, e que terão estado na origem das suas apuradas condutas criminosas;

- As exigências de prevenção geral e especial revelam-se acentuadas, pelas razões acima apontadas, valendo aqui os argumentos então expendidos;

- As condições de vida dos arguidos, sendo que vivenciam normais condições de vida, estando social, profissional e familiarmente integrados.

9.7 -- Face a todo o exposto, entende o Ministério Público que o douto Acórdão a quo a proferir deverá condenar os arguidos:

 a) A... pela prática de 2 (dois) crimes de descaminho de objeto colocado sob o poder público, p. e p. pelo artigo 355°, do Código Penal, nas penas parcelares de 2 (dois) anos de prisão, por cada um deles;

b) D... e E... , pela prática, cada um deles, de 1 (um) crime de crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105°, n° 1, 4, 5 e 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias (Apenso B - Processo n° 1574/12.91DLRA (Acusação de fls. 1973 a 1979 e Despacho de Pronúncia de fls. 2171 a 2176 desse Apenso, relativo à não entrega de IRS retido das remunerações dos trabalhadores nos meses de Janeiro, Março e Abril de 2010 e Abril, Junho, Agosto, Setembro, Novembro de 2011, bem como a sobretaxa de 2011), nas penas de 400 (quatrocentos) dias de multa, à razão diária de 5,00 €;

c) E... da prática de 1 (um) crime de crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105°, n° 1, 4, 5 e 7, do Regime Geral das Infrações Tributarias: -- (Apenso D - Processo n°1653/12.2IDLRA (Acusação de fls. 371 a 379 desse apenso, relativo à não entrega de IVA liquidado e recebido no mês de Janeiro de 2012), nas penas de 400 (quatrocentos) dias de multa, à razão diária de 5,00€;

d) A... e " B... , SA" pela prática, cada um deles, de 2 (dois) crimes de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 7°, n° 1, 12°, n°s 2 e 3 e 105°, n" 1, 4, 5 e 7, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias: -- (Apenso A - Processo n° 1696/12.6IDLRA (Acusação de fls. 195 a 199 desse Apenso, relativamente à não entrega de imposto de IRC retido aos senhorios do mês de Janeiro de 2012) g (Apenso C - Processo n° 204/l3.61DLRA (Acusação de fls. 342 a 346 desse Apenso, relativo à não entrega de  IVA liquidado e recebido nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2012), respetivamente, nas penas de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão por cada um deles, e nas penas de 400 (quatrocentos) dias de multa, por cada um deles, à razão diária de 5,00 €;

e) A... e “ F... SAD” pela prática, cada um deles, de 2 (deis) crimes de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artigos 7°, n° 1, 12°, n°s 2 e 3 e 105°, n° 1, 4, 5 e 7, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias: -- (Apenso B -Processo n° 1574/l2.9lDLRA (Acusação de fls. l973 a 1979 e Despacho de Pronúncia de fls. 2171 a 2176 desse Apenso, relativo à não entrega de IRS retido das remunerações dos trabalhadores nos meses de Janeiro, Março e Abril de 2010 e Abril, Junho, Agosto, Setembro, Novembro e Dezembro de 2011 bem como a sobretaxa de 201 1) e (Apenso D - Processo n° 1653/l2.2lDLRA (Acusação de fls. 371 a 379 desse apenso, relativo à não entrega de IVA liquidado e recebido no mês de Janeiro de 2012), respetivamente, nas penas de 2 (dois) anos de prisão por cada um deles, e nas penas de 600 (seiscentos) dias de multa, por cada um deles, à razão diária de 5,00 €.

9.8 -- Ao assim não ter decidido, violou-se no douto Acórdão a quo o disposto nos artigos 40°, 70° e 71°, todos do Código Penal.

10-- Estando-se perante concurso de infrações, impõe-se a determinação de uma pena única, de acordo com os critérios plasmados no artigo 77°, do Código Penal, sendo que o cúmulo material, in casu, correspondente à soma das demais penas parcelares, se situa para os arguidos:

a) A... , entre o limite mínimo de 2 (dois) anos de prisão e o máximo de 11 (onze) anos de prisão;

b) E... , entre o limite mínimo de 400 (quatrocentos) dias de multa e o máximo de 800 (oitocentos) dias de multa;

c) " B... , SA”, entre o limite mínimo de 400 (quatrocentos) dias de multa e o máximo de 800 (oitocentos) dias de multa;

d) “ F... SAD”, entre o limite mínimo de entre o limite mínimo de 600 (seiscentos) dias de multa e o máximo de 900 (novecentos) dias de multa,

10.1 -- Critérios que, in casu, se traduzem na ponderação e apreciação da totalidade dos factos praticados, sendo de alguma homogeneidade as condutas dos arguidos relativamente à natureza dos bens jurídicos violados, a sua motivação ou causa, bem como a personalidade dos arguidos, reveladas através dos mesmos.

11-- Ponderando-se os fatores enunciados, entende o Ministério Público que será justo condenar os arguidos:

- A... , a pena única de 6 (seis) anos de prisão;

- D... , a pena de 400 (quatrocentos) dias de multa, à razão diária de 5,00 €, o que perfaz a multa de 2.000,00 € (dois mil Euros);

- E... , a pena de 600 (seiscentos) dias de multa, à razão diária de 5,00 €, o que perfaz a multa de 3.000,00 € (três mil Euros);

-“ B... , SA", a pena de 600 (seiscentos) dias de multa, à razão diária de 5,00 €, o que perfaz a multa de 3.000,00 € (três mil Euros);

- " F... SAD", a pena de 700 (setecentos) dias de multa, à razão diária de 5,00 €, o que perfaz a multa de 3.500,00 € (três mil e quinhentos Euros).

12-- Ao ter decidido de forma diversa da ora sustentada pelo Ministério Público, violou o douto Acórdão a quo o disposto nos artigos 40°, 70°, 71° e 77°, n°s. 1 e 2, todos do Código Penal.

13-- Pelo que o douto Acórdão a quo deverá ser substituído por outro que condene os arguidos nos termos supra expostos.


*

2-Recurso do arguido A... :

São do seguinte teor as conclusões formuladas na motivação do recurso e que delimitam o objeto do mesmo.

1-O douto acórdão violou o disposto nos artigos 13, 15 e 22 do RGIT;

2-O douto acórdão violou o disposto no artigo 71, 72 e 73 do Cód. Penal;

3-Não teve o tribunal em consideração, na aplicação das penas, o direito de necessidade (artigo 34 do C. Penal), o conflito de deveres (artigo 36 do C. Penal) e o estado de necessidade desculpante (artigo 35 do C. Penal).

4-Quanto aos factos praticados pelos Arguido no que diz respeito aos processos da B... Apensos: A (1696/l2.6IDLRA) C (204/13.6IDLRA), e considerando os pagamentos efetuados, acordos e garantias prestadas, deveriam ser aplicados ao Arguido a dispensa da pena nos termos do artigo 74 do Cód. Penal

5-Deu como provado o não arrependimento do Arguido A... , sem justificar de facto o seu fundamento, quando deu como provada a acusação com base na sua confissão, naquilo que havia para confessar

6-O douto Tribunal a quo, dá como provado que a SAD da F... recebeu valores de IVA e não os entregou ao Estado, quando consta o relatório pericial - que valores de créditos a receber (onde se incluía o IVA dessas mesmas faturas) foram penhorados e pagos aos credores. Deu como provado a receita de bilheteira, quando foi demonstrado que a EE.... reteve para si tais receitas e não as entregou à SAD da F... .

7-Também em relação ao IRS da F... SAD, os esclarecimentos prestados pelas Peritas em tribunal ainda confundiu mais as dúvidas que se tinha. Ou seja como poderiam assegurar que os meses alegados na acusação tinham sido efetivamente pagos, quando haviam salários em atraso.

8- Sem prescindir do supra alegado, e com o respeito que o douto Tribunal a quo nos merece, as penas aplicadas são excessivas, pelo que devem as mesmas ser atenuadas, sem prescindir da dispensa de pena nos autos da B... .

Termos em que deve ser revogado o douto acórdão.


*

            Responde o arguido D... ao recurso do Ministério Público, concluindo que o mesmo deve ser julgado improcedente.

Responde o Magistrado o Mº Pº ao recurso do arguido, concluindo pelos fundamentos do recurso que apresentou.

Responde o arguido A... , concluindo:

1) Em nada se vê que no douto Acórdão do Tribunal a quo tenha existido erro notório na apreciação da prova;

2) Note-se até a sua incompletude e subtração descuidada da doutrina penal, ao citar, o M.P., Cristina Líbano Monteiro fá-lo em desrespeito pelo seu entendimento e texto;

3) Coisa, para efeitos deste artigo, há de corresponder a algo suscetível de ser destruído, danificado, inutilizado ou subtraído.

4) Ações que apenas podem ser exercidas sobre um objeto com características de fisicalidade.

5) De fora ficarão direitos, interesses, expectativas - realidades que poderão ser objeto de uma relação jurídica, mas não de uma ação material como as descritas no tipo.

6) Não se revela coerente que se pondere um elevado grande culpabilidade e se queira, como o digno M.P., que seja o Arguido visto como um “simples” criminoso que apenas quis, ilicitamente, enriquecer. O que é de todo falso e erróneo.

7) Deverá ter-se em consideração as normas constantes nos artigos 17, n.°2, 33, n.º1, 35, n.º 2, 71, 72 e 73 todos do C.P.

8) Ressalva-se ainda o preceituado no artigo 36;

9) Condenação pedida pelo M.P. verte-se no exagero e na imponderabilidade.

10) Não se vislumbrando qualquer outra solução justa e equitativa e, além disso, tendo em conta a condição colocada sobre a suspensão da execução da pena imposta ao arguido A... , parece-nos que se justifica relegar a sua liquidação para execução de sentença.

11) Pelo que não deve ser dado provimento ao douto recurso interposto pelo MP.

Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto emite parecer no sentido da improcedência do recurso do arguido A... e a procedência do recurso interposto pelo Mº Pº.

Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.

Não foi apresentada qualquer resposta. 

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.


***

Mostra-se apurada, a seguinte matéria de facto e fundamentação da mesma:

A) De facto

Realizada a audiência de julgamento, provaram-se os seguintes factos:

Processo principal - NUIPC 843/12.2TALRA

1- O Serviço de Finanças de Leiria 1 da Direcção de Finanças de Leiria realizou diversas penhoras tendo por objecto (“Bem penhorado”) o «Direito de transferência, vulgarmente designado por “pass” conforme Contrato de Trabalho entre Clubes e Jogadores Profissionais» dos jogadores J... e L... pertencentes aos quadros da « F... , SAD», com sede no (...) , em Leiria.

2- Em cada uma dessas penhoras, foi nomeado fiel depositário o arguido A... por ser presidente do conselho de administração da « F... , SAD».

3- O arguido A... foi advertido, em cada um desses autos de penhora, de que não podia transmitir os referidos “bens” sem autorização do Chefe do Serviço de Finanças de Leiria 1, “sob pena de ficar sujeito às penalidades cominadas aos infiéis depositários prescritas nas disposições conjugadas dos artº. 233.° do CPPT e artigo 854° do  CPC”.

4- O «direito de transferência» do jogador J... , que nas datas de 20.05.2008 e 10.07.2009, havia outorgado contratos de trabalho com a F... SAD, foram avaliados em 500.000 euros pela empresa AA...., SA.

5- O «direito de transferência» do jogador L... foram avaliados em 1.300.000 euros pela empresa M..., LDA

6- Relativamente ao «direito de transferência» do jogador J... , aquele Serviço de Finanças de Leiria 1 efectuou penhoras, no âmbito dos vários processos de execução fiscal (PEF), nos seguintes termos, e valores, que deram origem aos processos criminais (NUIPC) que se indicam:

PEFdata da penhoraplano prestacionalquantia garantidadata da notificaçãoNUIPC a que deu origem
138420100100921431.05.20101384.2010.921.760,3416.06.2010901/12.3TALRA
138420100101327031.05.20101384.2010.10712.838,1816.06.2010900/12.5TALRA
138420100100867631.05.20101384.2010.918.489,8616.06.2010903/12.0TALRA
138420100103460008.09.20101384.2010.14172.705,0514.09.2010904/12.8TALRA
138420100103903208.09.20101384.2010.14070.463,3814.09.2010899/12.8TALRA

7- Relativamente ao «direito de transferência» do jogador L... , aquele Serviço de Finanças de Leiria 1 efectuou penhoras, no âmbito dos vários processos de execução fiscal (PEF), nos seguintes termos, e valores, que deram origem aos processos criminais (NUIPC) que se indicam:

PEFdata da penhoraplano prestacionalquantia garantidadata da notificaçãoNUIPC a que deu origem
PEC 192023.05.20111384.2011.41575.141,2630.052011843/12.2TALRA
138420100100633923.05.20111384.2011.101.5064.161,5030.05.2011867/12.0TALRA
138420110100635523.05.20111384.2011.5164.151,5030.05.2011868/12.8TALRA
138420110100636323.05.20111384.2011.100.5226.917,5930.05.2011869/12.6TALRA
138420110100632023.05.20111384-2011-102.4964.287,3430.05.2011870/12.0TALRA

8- No dia 05.07.2011, foi celebrado entre a F... , SAD e a sociedade “B - Investimentos e Participações, SGPS, S.A.” um "contrato de parceria de direitos económicos relativo a jogador profissional de futebol" no qual esta última passou a deter 70% dos direitos económicos decorrentes do contrato de trabalho desportivo estabelecido, a 20.07.2010, entre a citada F... , SAD e o jogador L... .

9- O arguido A... outorgou aquele contrato em representação da empresa B - Investimentos e Participações, SGPS S.A., da qual era então Presidente do Conselho de Administração.

10- Em data não concretamente apurada, foi celebrado "contrato de cessão definitiva de direitos de inscrição desportiva” em que o K... SAD passou a deter os direitos de inscrição desportiva e os direitos económicos do jogador J... , tendo o K... SAD efectuado o respectivo pagamento na data da celebração do aludido contrato.

*

« B... , SA»

Apensos A (NUIPC 1696/12.6IDLRA) e C (NUIPC 204/13.6IDLRA)
11- A sociedade arguida “ B... SA” tem sede na Zona Industrial (...) , Leiria e está matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Leiria.
12- O seu objecto social é o comércio por grosso de madeira em obra e produtos derivados de madeira e montagem de estruturas de madeira e trabalhos de carpintaria em obra.
13- Em sede de IVA, enquadra-se no regime normal, com periodicidade mensal.
14- O arguido A... tem sido sempre o presidente do Conselho de Administração tomando as respectivas decisões diárias de administração e obrigando-a com a sua assinatura.
15- Nesse âmbito, agindo sempre em nome e no interesse daquela, praticou e determinou a pratica de actos como ajustar e liquidar contas com devedores e credores, celebrar contratos, passar recibos e quitações, receber todas as quantias, valores e documentos que pertençam à sociedade e tudo o mais que lhe for dirigido, bem como tomava a decisão de pagar ou não os impostos apurados da sociedade arguida e ordenava se era ou não realizado o pagamento de impostos, quando e como.
16- Assim, no mês de Janeiro de 2012, a arguida « B... , SA» reteve imposto de IRC aos senhorios, proveniente de rendimentos prediais no montante de € 69.819,75 euros.
17- No entanto, por decisão do arguido A... , a arguida « B... , SA», não procedeu à entrega daquele imposto nos cofres do Estado até ao dia 20 de Fevereiro de 2012, nem nos noventa dias posteriores, como estavam obrigados.
18- Mesmo depois de notificados nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105º, nº 4, alínea b) do R.G.I.T. nada pagaram, disserem, fizeram ou requereram, no prazo de trinta dias após esta notificação.
19- No exercício da sua actividade comercial, a arguida « B... , SA», segundo as instruções do arguido A... , recebeu IVA de seus clientes, que liquidou e não entregou nos cofres do Estado, nos seguintes montantes: mês de Janeiro de 2012: € 111,002,81euros; mês de Fevereiro de 2012: € 84.200,21 euros e mês de Março de 2012: € 94.354,29 euros.
20- Os arguidos A... e « B... , SA» tinham a obrigação de entregar ao Estado a quantia de IVA acima indicada até ao dia 12 de Março, 10 de Abril e 10 de Maio do ano de 2012.
21- O que não fizeram até termo do nonagésimo dia sobre o termo dos prazos legais de entrega, ocorridos em 12 de Junho, 11 de Julho e 10 de Agosto de 2012, respectivamente.
22- Igualmente nada pagaram no prazo de 30 dias, nos termos do nº 4, alínea b) do artigo 105º do RGIT, apesar de terem sido notificados para o efeito em 19 de Novembro de 2013.
23- Os montantes respeitantes ao IRC retido e ao IVA cobrado e retidos foram afectados à satisfação de compromissos próprios da arguida « B... , SA», designadamente pagamento de dívidas a fornecedores e pagamento de salários, atenta existência de créditos incobráveis de seus clientes.
24- O arguido A... , por si e na qualidade de presidente de conselho de administração da arguida « B... , SA», agiu sempre livre, consciente e deliberadamente, utilizando os referidos valores dos impostos de IRC retido e de IVA cobrado aos seus clientes e não entregue, consciente de que a sociedade arguida era mera depositária desses impostos e de que estavam obrigados a entregá-los ao Estado, e bem assim, apropriando-se, dessa forma, dos montantes correspondentes, assim enriquecendo o respectivo património e ficando o Estado empobrecido em igual montante.
25- O arguido A... , por si e na qualidade de presidente de conselho de administração da arguida « B... , SA» bem sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal e tinha capacidade de determinação segundo as prescrições legais.
26- A Administração Tributária, para cobrança do referido montante de IRC retido e não entregue, instaurou processo de execução fiscal (PEF) com o nº 3603201201041851 pela quantia exequenda de 68.423,35 euros, acrescida de juros de mora (11.733,42) que se encontra em “Suspensão por Processo de Recuperação de Empresa”.
27- Já se mostram efectuados os pagamentos de três prestações englobando imposto (IRC), juros de mora e custas, encontrando-se em dívida a quantia exequenda de 68.423,35 euros e 11.733,42 de juros de mora.
28- A Administração Tributária, para cobrança do referido montante de IVA não entregue, instaurou processos de execução fiscal (PEF) com os nºs 3603201201027581 (Jan/2012), 3603201201040936 (Fev/2012) e 360320120104967 (Mar/2012), respeitando as quantias exequendas aos montantes do imposto, juros compensatórios e de mora e custas, os quais se encontram em “Suspensão por Processo de Recuperação de Empresa”.
29- No processo de insolvência nº 1429/12.7TBLRA que correu termos pelo 5º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, foi aprovado em 11.04.2013 e homologado em 24.05.2013, o plano de recuperação/insolvência da “ B... , SA”.
30- Nesse plano foi concedido às dívidas fiscais um plano de pagamento até 150 prestações; às dívidas de IVA de 2012/01, 2012/02 e 2012/03 foram imputados alguns pagamentos; e em 12.03.2014 foi elaborado um despacho do Chefe do Serviço de Finanças para reenquadramento das dívidas fiscais e tributárias, daí resultando a elaboração manual dum plano prestacional de 142 prestações mensais a iniciar em Abril de 2014, desse despacho fazem parte os PEF nº 3603201201027581 (Jan/2012), 3603201201040936 (Fev/2012) e 360320120104967 (Mar/2012).
31- A B... tem cumprido regularmente esse plano tendo pago a 13ª prestação em 07.04.2015 (4.066,16 euros).
32- Além desse plano com elaboração manual existem ainda mais dois planos prestacionais fiscais “com registo electrónico”: um elaborado com 150 prestações das quais a B... pagou a 21ª em 07.04.2015 (12.991,45 euros) e outro elaborado com 36 prestações das quais pagou a 10ª em 07.04.2015 (104,88 euros).
33- As dívidas fiscais e tributárias encontram-se garantidas por hipotecas voluntárias de imóveis e penhor de bens do activo imobilizado.
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“ F... , SAD”

Apensos B (1574/12.9IDLRA) e D (1653/12.2IDLRA)

34- A sociedade arguida, “ F... , SAD”, pessoa colectiva nº (...) , é uma sociedade anónima, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Leiria.

35- Esta sociedade tem por objecto a participação em competições desportivas de futebol profissional (CAE 93120-R3).

36- O contrato da sociedade arguida “ F... , SAD”, foi registado na Conservatória do Registo Comercial de Leiria sob a apresentação nº 46/20000113, com o capital dividido por acções nominativas, de valor nominal de 1,00 euro cada, obrigando-se a sociedade com a assinatura de dois dos três ou de três dos cinco administradores, consoante a composição do Conselho de Administração.

37- A actividade desenvolvida pela arguida “ F... , SAD”, encontra-se enquadrada, para efeitos de I.V.A., desde 13.01.2000, no regime normal de periodicidade mensal, no Serviço de Finanças de Leiria.

38- Desde sempre que A... presidiu ao conselho de administração da « F... , SAD».

39- O arguido D... foi vogal do conselho de administração desde 23 de Maio de 2009 até 28 de Novembro de 2011.

40- O arguido E... foi vogal do conselho de administração desde 24 de Fevereiro de 2011 até 22 de Março de 2012.

41- C... foi vogal do conselho de administração desde 16 de Abril de 2007, no quadriénio 2007/2010.

42- No exercício das funções de administração, era A... quem dirigia as actividades da empresa arguida, ficando a sociedade obrigada pela assinatura ou intervenção de dois administradores.

43- Nos anos de 2010 e 2011, a arguida « F... , SAD», reteve, das remunerações pagas aos trabalhadores, dependentes e independentes, a título de IRS, as seguintes quantias:

JaneiroMarçoAbrilJunhoAgostoSetembroNovembroDezembro
201095.917,7456.960,4149.966,65------------------------------------------------59.531,25
2011------------------------193.649,7965.535,6164.251,3974.836,5666.971,3483.152,18
2011Sobretaxa : 41.194,00

44- Porém, por decisão do arguido A... , a arguida « F... , SAD», não procedeu à entrega daqueles montantes nos cofres do Estado, nem no prazo legal, nem nos noventa dias posteriores, como estava obrigada.

45- Tais montantes, perfazendo o total de 851.957,92 euros, foram dessa forma, integrados no património da « F... , SAD».

46- Posteriormente, notificados nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105º, nº 4, alínea b) do RGIT nada pagaram, disserem, fizeram ou requereram, no prazo de trinta dias após a notificação.

47- Além disso, em Janeiro de 2012, a « F... , SAD» procedeu ao apuramento do valor de imposto de IVA, tendo remetido ao Serviço de Finanças competente a correspondente declaração periódica.

48- Muito embora das operações de cálculo do IVA resultasse para a « F... , SAD», a obrigação de entrega do montante retido naquele período de apuramento, a verdade é que A... , na qualidade de administrador daquela sociedade, decidiu não procederem à entrega nos cofres do Estado da totalidade daquele imposto.

49- Assim, no período de Janeiro de 2012, foi retido pela « F... , SAD» o montante de 228.638,42 euros referente a IVA liquidado e não entregue nos cofres do Estado.

50- De facto, não foi realizado qualquer pagamento desta quantia, nomeadamente nos 90 dias seguintes ao termo do prazo legal de entrega daquela contribuição, nem nos 30 dias que lhes foram posteriormente concedidos para esse efeito, depois de notificados nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, al. b) do RGIT bem como os respectivos juros compensatórios e moratórios.

51- Em resultado das descritas actuações, por decisão do arguido A... , a sociedade arguida « F... , SAD», apropriou-se dos referidos montantes referentes a IRS e a IVA, o qual foi integrado no seu património, desta forma obtendo benefícios patrimoniais a que não tinha direito.

52- O arguido A... , exercendo as funções de administradores da sociedade arguida, sabia que sobre si, enquanto representante legal da sociedade « F... , SAD» e actuando em seu nome, impendia a obrigação de entrega, nos cofres do Estado, das quantias que foram retidas a título de IRS e de IVA, nos termos acima descritos, contudo não efectuou tais entregas.

53- O arguido A... agiu sempre em nome e no interesse da sociedade arguida, bem sabendo que, ao agir da forma descrita, prejudicava o regular funcionamento do sistema fiscal, causando prejuízos ao Estado de valor equivalente ao montante não entregue, acrescido dos juros compensatórios e moratórios.

54- Não obstante, o arguido A... agiu com o propósito de se apropriar das quantias supra discriminadas, tendo-as integrado no património da sociedade arguida “ F... , SAD, obtendo benefícios patrimoniais a que não tinham direito.

55- O arguido A... actuou de forma livre e conscientemente, apesar de bem saberem que as suas condutas eram proibidas e punidas pela Lei Penal.
56- A Administração Tributária, para cobrança do referido montante de IVA não entregue pela arguida « F... , SAD», relativo ao mês/período de Janeiro de 2012, instaurou processo de execução fiscal (PEF) com o nº 1384201201035568, respeitando as quantias exequendas aos montantes do imposto (€ 228.638,42), juros de mora (€ 45.447,50) e custas (2.521,94), os quais se encontram em “Suspensão por Processo de Recuperação de Empresa”.

57- Em 22.02.2011, por despacho do Senhor Director Geral dos Impostos foi aprovada a proposta da « F... , SAD com o sentido de adaptar à regularização dos créditos tributários, enquadrando-o no regime prestacional consagrado no artigo 196º do CPPT, o Procedimento Extrajudicial de Conciliação no âmbito do DL nº 316/98, de 20.10, ao qual foi atribuído o nº 1920 pelo IAPMEI, assim autorizando a regularização das dívidas à Fazenda Nacional até 120 prestações mensais, iguais e sucessivas, nos termos do artigo 196º, nº 3, 6 e 7 do CPPT.
58- A Administração Tributária instaurou contra a “ F... , SAD”, pela não entrega nos cofres do Estado do IRS no valor total de € 851.957,92 euros apurado a favor deste nos meses de Janeiro, Março, Abril e Dezembro de 2010 e Abril, Junho, Agosto, Setembro, Novembro e sobretaxa de 2011, os seguintes processos de execução fiscal, havendo plano de pagamento em prestações, mostrando-se algumas já pagas, estando incluídos os pagamentos efectuados no PEC 1920: PEF 1384201101006355 (12/2010) - oito prestações; PEF 1384201101006363 (12/2010) - oito prestações; PEF 1384201001008625 (01/2010) - 10 prestações; PEF 1384201001008676 (01/2010) - 10 prestações PEF 1384201001034600 (03/2010) - 9 prestações; PEF 1384201101034618 (12/2010) - 9 prestações; PEF 1384201101006320 (12/2010) - 8 prestações e PEF 1384201101006339 (12/2010) - 8 prestações.

59- Em 07.05.2013, foi declarada a insolvência da sociedade “ F... , SAD” por sentença, transitada em julgado em 21.06.2013, do 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria.

*

60- O arguido A... nasceu em 21 de Janeiro de 1946, na freguesia de (...) , concelho de Porto de Mós, é o terceiro de quatro filhos de um casal de proprietários de uma mercearia, muito dedicados ao trabalho, com enraizados valores tradicionais e religiosos e com educação dirigida à melhoria das condições de vida e à ascensão social.

60.1- O arguido fez o curso geral de comércio (equivalente ao 9º ano de escolaridade) com empenho e bom rendimento; motivado para a progressão social e profissional, foi para Lisboa trabalhar no Banco (...) e posteriormente ingressou numa empresa seguradora; em Leiria integrou os quadros de uma outra companhia de seguros realizando, em dez anos, um percurso ascendente até ao topo da carreira.

60.2- Juntamente com o responsável desta companhia, inicia um percurso empresarial, na área da transformação de madeiras, fundando a então empresa N... , Lda.”, a qual, após a morte do sócio, deu origem à “ B... ”, em 1977; foi à frente desta empresa que A... ganhou notoriedade e visibilidade profissional, adquirindo um estatuto económico e financeiro acima da média e levando a empresa a ser considerada uma das melhores do seu sector a nível nacional.

60.3- A sua paixão pelo futebol e a sua notoriedade como empresário, levaram-no a assumir a presidência do F... em 1987; doze anos mais tarde, com a criação das Sociedades Anónimas Desportivas, passou para a liderança do F... , SAD; manteve-se à frente do clube durante 25 anos consecutivos, ganhando visibilidade nacional, tendo sido considerado, por dois anos consecutivos, o melhor dirigente desportivo do ano, até sair em 2012, em situação de insolvência e litígio com os demais dirigentes.

60.4- O arguido A... esteve casado durante cerca de 40 anos; tem duas filhas já autónomas; com o divórcio, ocorrido há cerca de 7 anos, ainda manteve algum relacionamento familiar e empresarial com a ex-mulher e duas filhas, mas há cerca de um ano houve uma ruptura nesse relacionamento não existindo hoje qualquer ligação com a ex-mulher e as duas filhas.

60.5- O arguido vive sozinho num apartamento T2 arrendado, no centro da cidade; a renda mensal de 580 € é paga na totalidade pela empresa “ BB....”, com sede em Tomar, da qual é administrador.

60.6- A nível económico e profissional, o arguido apresenta como único rendimento a sua pensão de reforma por invalidez, no valor de 525 €, valor que suporta os seus gastos pessoais; as suas despesas (de deslocação, habitação e alimentação) são suportadas pelas empresas em que é administrador, nomeadamente “ B... ” e BB....”.

60.7- O arguido A... tem hoje uma imagem social desgastada, sendo referidos constrangimentos nos relacionamentos interpessoais e o afastamento de grande parte dos seus amigos, por ter criado inimizades no plano social, politico e empresarial, subsistindo algum respeito pelas suas capacidades profissionais e empreendedoras.

60.8- O insucesso desportivo e empresarial e a perda dos lugares de relevo suscitaram, em 2012, uma inversão na sua imagem social, persistindo hoje uma imagem social negativa e um isolamento social e familiar que lhe provoca penosidade e sofrimento.

61- O arguido A... foi julgado nos seguintes processos:

61.1- processo comum singular nº 374/06.0GTLRA, onde foi condenado, por sentença de 07.02.2008, transitada em julgado em 25.03.2009, pela prática de um crime de coacção, por factos ocorridos em 01.08.2006, na pena de 6 meses de prisão substituída por 180 dias de multa à taxa diária de 20 euros; em 22.06.2009, tal pena foi declarada extinta pelo pagamento da multa;

61.2- processo comum singular nº 509/09.0OTACHV, onde foi condenado, por sentença de 02.08.2011, transitada em julgado em 30.09.2011, pela prática de um crime de difamação, por factos ocorridos em 22.06.2009, na pena de 280 dias de multa à taxa diária de 15 euros; em 06.06.2013, tal pena foi declarada extinta pelo pagamento da multa efectuado em 10.07.2012;

61.3- processo comum singular nº 1752/09.8IDLRA, onde foi condenado, por sentença de 17.01.2012, transitada em julgado em 02.03.2012, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, por factos ocorridos em 01.01.2007, tendo sido dispensado da pena, nos termos do artigo 22º, nº 1, do RGIT;

61.4- processo sumaríssimo nº 1538/12.2IDLRA, onde foi condenado, por decisão de 15.05.2014, transitada em julgado em 20.10.2014, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, por factos ocorridos em Julho de 2011, na pena de um ano de prisão substituída por 180 dias de multa à taxa diária de 25 euros; os factos em causa respeitavam à não entrega nos cofres do Estado de IVA que foi liquidado e recebido de clientes no montante de € 322.000 euros, relativamente ao mês de Julho de 2011, praticados no exercício das funções de administrador da « F... , SAD».

62- A arguida « B... , SA» não regista antecedentes criminais.

63- A arguida « F... , SAD» foi julgada nos seguintes processos:

63.1- processo comum singular nº 1752/09.8IDLRA, onde foi condenada, por sentença de 17.01.2012, transitada em julgado em 02.03.2012, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, por factos ocorridos em 01.01.2007, tendo sido dispensada da pena, nos termos do artigo 22º, nº 1, do RGIT;

63.2- processo sumaríssimo nº 1538/12.2IDLRA, onde foi condenada, por decisão de 15.05.2014, transitada em julgado em 29.09.2014, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo artigo 105º, nºs 1 e 5, ambos do RGIT, por factos ocorridos em Julho de 2011, na pena de 720 dias de multa à taxa diária de vinte cinco euros; os factos em causa respeitavam à não entrega nos cofres do Estado de IVA que foi liquidado e recebido de clientes no montante de € 322.000 euros, relativamente ao mês de Julho de 2011.

64- O arguido A... não revela arrependimento.

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Factos não provados

Nenhuns outros factos relevantes para a discussão da causa se provaram em audiência de julgamento, nomeadamente não ficou demonstrado que:

NUIPC nº 843/12.2TALRA

a- o arguido A... procedeu à cedência dos referidos direitos a terceiros;

b- o arguido A... transferiu os referidos jogadores para o K... , SAD;

c- no acto de penhora ou de nomeação como fiel depositário houve a entrega de qualquer bem ao arguido A... ;

d- no dia 19.07.2011, o arguido A... , agindo em representação da F... , SAD, estabeleceu com o K... SAD, um "contrato de cessão definitiva de direitos de inscrição desportiva de jogador profissional de futebol", referente a J... .

e- o arguido A... “subtraiu” qualquer documento ou objecto ao “poder público”;

f- o arguido agiu consciente, livre e deliberadamente no sentido de praticar qualquer “facto ilícito” relativamente aos direitos de transferência dos jogadores J... e L... ;

Apensos B (1574/12.9IDLRA) e D (1653/12.2IDLRA)

g- os arguidos D... e E... tinham efectivo poder ou participavam nas decisões da arguida “ F... , SAD”, nomeadamente no que respeita à retenção e não entrega nos cofres do Estado dos impostos em causa;

h- os arguidos D... e E... tiveram qualquer intervenção nas referidas situações nem que, a esse respeito, “agiram em nome e no interesse” da arguida “ F... , SAD”, nem no seu próprio interesse;

i- as assinaturas de D... foram falsificadas por terceiros;

j- o arguido D... sempre se preocupou pelo cumprimento escrupuloso das dívidas fiscais e a sua saída do cargo de vogal tem na sua génese exactamente o conhecimento que teve de tal incumprimento.

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O tribunal não analisou os relatórios sociais e os CRC’s dos arguidos D... e E... porquanto nada ficou demonstrado em sede de culpabilidade (questões referidas no artigo 368º do Código de Processo Penal); assim, fica prejudicada a análise da determinação da sanção (artº 369º, do mesmo código); na verdade, só no caso de a um arguido dever ser aplicada pena ou medida de coacção é que o tribunal deve analisar a documentação relativa aos antecedentes criminais e ao relatório social (nº 1, do artº 369º).

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A selecção e decisão acerca da matéria de facto assentou no critério legal e jurisprudencialmente definido: a matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos pelo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante.

Por isso, as afirmações das acusações e das contestações que revistam tal natureza não foram avaliadas para efeitos de definição da “factualidade” relevante supra analisada.

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Motivação

A decisão do tribunal, tomada em consciência e após livre apreciação crítica das provas produzidas em audiência, fundou-se na análise crítica e conjugada das declarações dos arguidos, dos depoimentos das testemunhas, dos relatórios periciais e dos documentos que se indicam.

NUIPC nº 843/12.2TALRA

A testemunha G... , chefe de Finanças em regime de substituição no SF1 desde 01.11.2011, antes era adjunto na secção de cobranças, falou com o arguido A... uma vez ao telefone e outra em que ele foi ao balcão pedir uma declaração; depois de já terem dado conhecimento ao Ministério Público da situação houve técnicos de finanças que disseram para não penhorar passes; as garantias não eram suficientes e pediram novas; não sabe se as penhoras foram levantadas; os passes foram oferecidos pela própria F... , não tem conhecimento de qualquer comunicação sobre desinteresse, não tem conhecimento do despacho de fls 643 (de 22.02.2011) nem se foi dado conhecimento do mesmo à SAD.

Esta testemunha mostrou-se vaga e sem conhecimentos relevantes.

Os factos provados resultaram essencialmente da análise de diversos documentos, nomeadamente os respeitantes às penhoras, notificações e contratos.

Os autos de penhora e nomeação de fiel depositário do arguido A... sobre o «direito de transferência» do jogador J... e as respectivas notificações encontram-se nas seguintes folhas do processo principal (843/12.2TALRA):

PEFFls do auto de penhoraFls da notificaçãoNUIPC a que deu origem
13842010010092147887901/12.3TALRA
1384201001013270329338900/12.5TALRA
1384201001008676370380903/12.0TALRA
1384201001034600118130904/12.8TALRA
1384201001039032286297899/12.8TALRA

No que concerne às penhoras sobre o «direito de transferência» do jogador L... , temos, os seguintes autos de penhora e notificações:

PEFFls do auto de penhoraFls da notificaçãoNUIPC a que deu origem
PEC 1920414843/12.2TALRA
13842010010063394251867/12.0TALRA
1384201101006355169179868/12.8TALRA
1384201101006363208218869/12.6TALRA
1384201101006320247255870/12.0TALRA

O contrato de fls 397 a 400 não está assinado pelo arguido A... pelo que não é possível afirmar que o mesmo teve intervenção em tal contrato.

A intervenção do arguido A... no contrato celebrado entre a F... , SAD e a empresa “B” --- que consta de fls 28--- não resulta das suas funções de representação e vinculação da vontade da F... ,SAD, pelo que não corresponde a uma efectiva alienação, face à posição em que o mesmo participa no acto. Isto sem olvidar que, tendo em conta as pessoas singulares intervenientes nesse contrato, resulta claro que tudo se passou, objectivamente, dentro da própria F... ,SAD; porém, não está aqui em causa as consequências ou validade jurídica de tais comportamentos mas apenas os eventuais efeitos jurídicos e “posição” do arguido A... :

Não deixa, no entanto, de se assinalar que, os outorgantes naquele contrato, por parte da F... , SAD são D... e E... , os mesmos que, relativamente aos factos objecto dos apensos B e D dizem que nunca tinham qualquer intervenção nas decisões dessa arguida.

Na parte relativa à não distinção entre objecto, documento e bens (que se apura estar subjacente nos “autos de penhora”) o tribunal entendeu que tal deveria ler-se como “direito” pois as penhoras em causa incidiam sobre “o direito de transferência” dos jogadores.

Tal distinção --- que se justificaria em termos técnicos (para melhor percepção da situação)-- é relevante, em termos de qualificação jurídica, como se explica no local próprio.

Aliás, essa distinção também demonstra que não pode ter havido qualquer entrega (diferentemente do que consta dos respectivos autos de penhora) pois que o objecto da penhora não incide sobre algo com apreensão física nem é uma “coisa” (sem necessidade de invocar o efectivo conceito e definição jurídica).

Este não é o local próprio (nem tal é necessário) para fazer a análise das diferenças que as leis processuais estabelecem para a penhora de direitos nem qual a natureza jurídica deste “direito de transferência”.

Por isso, o tribunal colectivo considerou como não provada a existência de qualquer entrega ao arguido A... .

No que respeita à “transferência” do jogador” J... para o K... o “contrato” de fls 397 a 400 não está assinado pelo arguido A... por isso não se pode afirmar que tenha sido o mesmo a assinar essa transferência, nem consta do documento quem teve intervenção em representação da F... , SAD.

Além disso, apenas resulta dos documentos, nomeadamente de pagamento e de depoimentos de testemunhas que tal transferência teve lugar porém não se pode concretizar a data nem os intervenientes na atinente outorga contratual.

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“ B... , SA”
Apensos: A (1696/12.6ILDRA) C (204/13.6IDLRA)
O arguido A... , relativamente às situações relacionadas com a “ B... ”, indica como motivos do não pagamento dos impostos as dificuldades económicas da empresa que entrou em insolvência, especialmente depois de negócios com Angola em que “o MPLA” ficou com nove milhões, considerando que esse negócio destruiu a “ B... ”; foi aprovado plano de recuperação de empresa, os valores dos processos “A” (1696/12) e “C” (204/13) estão englobados no acordo de insolvência em que a administração fiscal acordou no pagamento de todas as dívidas por doze anos; no que respeita ao IRC diz que não houve pagamento de rendas.
O arguido apresenta um depoimento prolixo, vago e genérico sem concretizações efectivas, procurando distorcer a sua actuação. Os depoimentos de testemunhas e os documentos mostram que efectivamente teve lugar o pagamento das rendas a que respeita o IRC retido e que o IVA também foi recebido pelo que, nessa parte, as declarações do arguido (“secundado” pela testemunha U... ) não podem ser consideradas credíveis.
U... , foi colaborador da B... desde Fevereiro de 2003 até Novembro de 2012, diz que quem tomava as decisões era o arguido A... , o depoente tinha a responsabilidade financeira e era àquele arguido a quem colocava as questões, falou das relações de arrendamento da sociedade quanto aos armazéns; diz que não foram pagos porque a empresa estava em “situação financeira terrível” e acrescenta que “presume” que as retenções foram do conhecimento do arguido; diz que em Março de 2012 houve redução do pessoal de uns 80 para 40 a 50 empregados; quando saiu em Novembro de 2012 já a empresa se tinha apresentado à insolvência; referiu, vagamente, uns negócios em Angola que não conseguiu a cobrança e bem assim que havia uns “avultados créditos” em conta corrente para serem cobrados.
Na parte respeitante ao IRC a testemunha vem repetir o que disse o arguido; porém tais declarações não merecem credibilidade tendo em conta o teor dos documentos existentes nos autos e de cuja análise resulta que houve pagamento.
H... é o TOC da B... desde 2012, reafirma que quem mandava era o arguido A... pois todas as decisões passavam por ele, os outros não tinham poder de decisão; falou das relações da « B... » com as sociedades que lhe arrendavam os armazéns; teve conhecimento das rendas através das facturas de pagamento que lançou e o IRC foi retido; a sociedade estava a passar por um período difícil devido essencialmente ao crédito mal parado e a um cliente de Angola; reduziu o número de trabalhadores para cerca de 30 a 50 mas não deixou de trabalhar; diz que o IVA declarado foi o das facturas e não o dos recibos; o dinheiro era canalizado para as “coisas essenciais”: gasóleo, electricidade, trabalhadores e rendas; quando se apresentou à insolvência o objectivo era recuperar e não acabar com a empresa, o plano está a ser cumprido.
O... inspectora tributária, conhece os arguidos A... e B... porque foi inspectora dos processos, confirma os documentos , para apurar os pagamentos fez a “circularização”, confirma que os valores em causa foram declarados pela arguida e não acompanhados do meio de pagamento.
Estas duas testemunhas confiram o teor dos documentos no que respeita ao pagamento das rendas cujo IRC foi retido e ao recebimento do IVA que não foi entregue à AT.
Foi relevante a análise dos diversos documentos tendo em conta os factos a que respeitam. Assim, documentos analisados do apenso A (1696/12):
- certidão de matrícula da sociedade “ B... ” de fls 68 a 79, quanto à administração de direito e ao objecto social da arguida B... ;
- print das guias de pagamento de retenções na fonte do período de 2012/01 no valor de 69.819,75 euros de fls 51=61;
- elementos contabilísticos cópias de facturas, recibos e extractos de onde constam descriminadas as situações de retenção de IRC relativamente a cada um dos pagamentos de rendas prediais de fls 81 a 104 (extracto da B... com os correspondentes facturas e recibos com a retenção de IRC);
- certidão de dívidas emitida pela ATA de fls 177 verso e 178;
- notificações de fls 60 (IRS 2012/02 segundo guia de fls 62), 143 (IRC 2012/01: 69.819,75 mais coima – notificação pessoal, por si e na qualidade de gerente da “ B... ” efectuada em 04.02.2013), 150 ( DD....: IRC 2012/01: 69.819,75 mais coima – notificação pessoal, na qualidade de gerente da “ B... ” efectuada em 04.02.2013) e 158 ( CC....: IRC 2012/01: 69.819,75 mais coima, na qualidade de gerente da “ B... ”, assinada por terceiro em 05.02.2013);
- certidões de teor dos prédios urbanos a que respeitam as rendas atinentes à retenção do IRC em causa - de fls 112 a 120;
- informações e comprovativos de pagamento de fls 162 a 169;
- certidão de dívidas emitida pela ATA, de fls 986/7, onde certifica que foi instaurado PEF com o nº 3603201201041851pela quantia exequenda de 68.423,35 euros que se encontra em “Suspensão por Processo de Recuperação de Empresa” (também fls 1236);
- informação de fls 1159 (= 1237) em que a DF de Leiria esclarece que no PEF nº 3603201201041851 já se mostram efectuados três prestações de pagamentos englobando imposto (IRC), juros de mora e custas, encontrando-se em dívida a quantia exequenda de 68.423,35 euros e 11.733,42 de juros de mora (fls 1159).
Como resulta da análise dos documentos referidos, não restam dúvidas de que a B... reteve (fls 83 a 104) e não entregou nos cofres do Estado os montantes de IRC elencados no extracto de fls 81 (e correspondente ao print de guias de fls 51=61) do apenso A.
O arguido A... agiu em nome próprio e como legal administrador da “ B... ” e com poderes para tanto como decorre da atinente certidão de matrícula (fls 68 a 79).
Por outro lado, no que respeita aos factos do apenso C foi especialmente a análise dos seguintes documentos:
- “ comunicação da instauração do inquérito” e despacho do DF a ordenar a instauração de processos de inquérito (fls 1, 2 e 48);
- informação processual e dados da notícia (fls 40 a 44);
- autos de notícia respeitantes à falta de entrega de prestação tributária de IVA relativamente aos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2012, do Sujeito passivo B... (fls 45=3, 46=4=5 e 47=6);
- notificação postal para os efeitos do artigo 105º, nº 4, alínea b), do RGIT aos arguidos A... e B... ; enviada em 13.09.2013 (fls 49);
- comprovativo da entrega da declaração da entrega da declaração de IVA – via internet relativamente aos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2013 (fls 54 a 59);
- consulta de autoliquidação daquelas declarações (fls 60 a 62);
- certidão de dívidas impressa pela AT e resumo integrado do contribuinte (fls 84 a 87 e 103 a 106);
- documentos juntos aos autos pelo arguido A... : cópia da notificação efectuada ao abrigo do artigo 105º do RGIT, cópia de um ofício da Direcção de Finanças de Leiria dirigido ao Ministério Público e cópia do relatório elaborado no processo 1429/12.7TBLRA-R (fls 112 a 147);
- listagem de vendas a dinheiro de Janeiro, Fevereiro e Março de 2012 (fls 181 a 195), listagem das facturas dos mesmos meses (fls 196 a 219, 233 a 253 e 265 a 286) e bem assim dos recibos das listadas facturas (fls 220 a  232, 254 a 264 e 287 a 299), enviadas à AT por uma funcionária da arguida B... (fls 179 a 299);
- resumo do IVA liquidado e recebido relativamente às vendas a pronto pagamento e facturas e respectivos recibo constantes das listas de fls 179 a 299 (fls 300);
- o resumo integrado dos contribuintes T... e U... de fls 302 e 303 parece, face ao teor de fls 304, que foi apenas para obter as moradas destes para serem convocados para comparência;
- fls 321 a 326: certidão de dívida/informação relativa aos PEF quanto às referidas dívidas por IVA de Janeiro, Fevereiro e Março de 2012; sendo que uns ostentam pagamentos parciais já efectuados e outros indicam o escalonamento de “pagamentos de prestações”; o que conduz aos quadros de fls 334 – nº 2: IVA efectivamente recebido até aos 90 dias do prazo legal--- quadro nº 3: valores para a prática do crime; fls 335 – quadro nº 4: valor do imposto em dívida à data do parecer tendo em conta que foi concedido o pagamento do imposto em dívida em prestações; e vantagem patrimonial no quadro 5 de fls 336.

O percurso do tribunal colectivo na decisão quanto aos respeitantes à “ B... ” resultou essencialmente das declarações do arguido A... e dos depoimentos das testemunhas que asseguram que era esta quem tudo decidia quanto a esta sociedade e os documentos que confirma a efectiva retenção do IRC sendo certo que foram efectuados os pagamentos das rendas e bem assim foram recebidos os pagamentos relativos ao IVA que foi liquidado nas transacções efectuadas pela arguida e ainda os processos de execução instaurados pela AT cujos planos prestacionais têm sido cumpridos.

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« F... , SAD»

Apensos B (1574/12.9IDLRA) e D (1653/12.2IDLRA)

O arguido A... assume que era o presidente e as decisões eram tomadas por si e que “as pessoas não me contrariavam”; os vogais D... (“estava ligado ao futebol”) e E... (“apenas vinha ver os jogos”) não participavam no processo de decisão; no processo de decisão sobre quem pagava e o que se pagava era apenas o arguido A... a decidir; diz que não foram pagas as remunerações aos atletas porque se acabou o dinheiro, há uma parte em que os atletas só receberam até Dezembro, mas andavam a pagar os salários atrasados; os bancos cortaram o crédito e o dinheiro acabou-se; não houve acordo de pagamento com as Finanças porque estas não quiseram; muitos jogadores reclamaram salários em atraso na insolvência da SAD; não sabe se os pagamentos em causa respeitavam a salários daquele mês porque andavam atrasados; apesar de terem deixado de pagar salários aos jogadores em Dezembro de 2011 não quer dizer que até então tivessem pago tudo.

H... quanto à F... , SAD diz que o arguido A... lhe pediu para ajudar a construir uma equipa que se mantivesse na primeira divisão, esteve na F... durante 3 meses, teve intervenção na venda do J... , os jogadores andavam quase todos com salários em atraso, saiu da F... porque não havia dinheiro e as receitas estavam a ser penhoradas; a penhora das receitas pela EE.... já não é do seu tempo.

P.... , inspectora tributária, confirma o relatório por si elaborado salientando que a F... -SAD pagava os salários em “tempo diferido”; diz que a afirmação de quando eram os pagamentos resultou da indicação do TOC; quanto ao processamento dos salários: os jogadores recebiam dez meses e os trabalhadores recebiam doze meses.

Q...., inspectora tributária, confirma o relatório elaborado, não tem conhecimento se houve pagamento, diz que a contabilidade de 2011 não estava lançada mas estava organizada; só teve conhecimento do processo de insolvência da F... -SAD depois de elaborar o relatório.

R... , TOC, trabalhou para a F... -SAD de Dezembro de 2009 até Julho de 2012, referiu que “os três eram administradores” e depois entrou o E... ; a quem recorria mais vezes era ao arguido A... , com o arguido E... não teve relação laboral, não teve intervenção, quando muito pedido de marcação de estágios ou assinar actas; quando foi feita a inspecção a contabilidade de 2010 já estava encerrada; os recibos eram assinados aquando do recebimento e ficava a constar junto o cheque ou o comprovativo de pagamento; o “senhor D... ” passava pela F... -SAD quase todos os dias; o arguido A... não estava “quase nunca” na SAD mas era ele quem tomava as decisões; a depoente cumpriu as obrigações declarativas e transmitiu aos arguidos A... e D... que tinha que haver pagamento; não se recorda se o arguido E... perguntou acerca dos pagamentos nem se recorda se este sabia dos valores das retenções e do não pagamento; não se recorda se a F... -SAD devia outros impostos ao Estado.

Tinha recebido ordens do arguido A... para não submeter as declarações, tudo o que era para decidir dirigia-se a este arguido; confirma os mails que enviou para o mesmo (juntos na sessão da audiência de julgamento de 10.04.2015).

W... , inspectora tributária, confirma a informação e os valores constantes da mesma; explicou como recolheu os elementos: vendas a dinheiro, facturas e recibos; as facturas e recibos foram-lhe facultados pela funcionária T... ; não foram utilizados métodos indiciários; na última consulta ao sistema informático (“da anterior vinda cá”) nada estava pago; na situação do apenso D: “circularizou” os clientes mencionados nas facturas; na C: a comunicação à administração fiscal estava correcta apenas faltou enviar os meios de pagamento; confirma o que consta do quadro da informação que subscreve; não sabe se foi efectuado acordo de pagamento.

I... , TOC, prestou serviços à F... /SAD, diz que a factura de 207 mil euros da sport TV foi efectivamente paga.

Z.... foi motorista da F... /SAD de 2002 até Julho de 2012, tinha salários em atraso de 6 – 7 meses, recebeu do Fundo de Garantia Salarial.

S... , gerente de uma empresa de confecções, diz que tratou de tudo o necessário para apresentar o PEC da F... /SAD no IAPMEI; o filho veio para os juvenis da F... e falou com o arguido A... e foi contratado para tratar da elaboração do plano; o arguido D... teve alguns conhecimentos; iniciou a elaboração do PEC em Agosto de 2010, foi aprovado em Fevereiro de 2011, em Abril de 2011 deixou de trabalhar na F... ; sempre tratou com o arguido A... ; as conversas que teve com o arguido D... eram de que as prestações correntes dos impostos era necessário continuarem a ser pagas.

As testemunhas apresentaram depoimentos mais ou menos coerentes consoante a proximidade ou intensidade dos factos de que tiveram conhecimento directo, sendo que não mostraram falta de isenção não podendo ser considerada como tal alguma falta de memória ou momento de selectividade.

No essencial todos os que tinham contacto directo com o funcionamento da F... , SAD concordam que a pessoa que única e efectivamente tomava decisões era o arguido A... , nessa parte confirmando o que o mesmo admite.

A questão dos salários em atraso e das datas do efectivo pagamento é esclarecida pela testemunha W... que elaborou o relatório que o confirma e esclarece o modo como apurou os valores que apresenta, o que corresponde aos documentos existentes acerca de processamento de salários, recibos e meios de pagamento comprovativos.

Foi igualmente relevante a análise dos seguintes documentos:

- certidão de matrícula da “ F... , SAD” de fls 103 a 111;

- extractos informáticos de fls 63 a 67 do apenso B, 1820 a 1827;

- certidão de dívidas de fls 80 a 102 (especialmente fls 86, 87,90, 91 e 92 do apenso B);

- extractos de conta respeitantes às remunerações pagas a jogadores e treinadores de fls 183 a fls 216;

- processamento de salários de fls 217 a fls 513;

- recibos e meios de pagamento comprovativos do pagamento dos rendimentos sujeitos a retenção de IRS de fls 514 a 654;

-quadro nº 5 de fls 139/140, os vinte anexos descritos no quadro 9 de fls 142 e que constam de fls 143 a 1793;

- notificações de fls 1812/13 ( F... -SAD), 1814/15 ( A... por si e na qualidade de presidente do conselho de administração da F... -SAD – enviado em 08.06.2012 e devolvido), 1816/17 ( E... ), 1818/19 ( D... ) e 1832 a 1833 ( A... – PSP não cumpriu): como resulta de fls 1842 a 1847 a PSP cumpriu o que lhe foi solicitado pela AT no ofício de fls 1832 mas não procedeu à notificação a que alude o expediente de fls 1833 e referido a fls 1832 como “notificação nos termos do artº 105º, nº 4 alínea b), do RGIT” nem tal é referido no ofício de resposta de fls 1842 (resulta da comparação entre o que é solicitado a fls 1832 e a devolução do cumprido a fls 1842); foi constituído arguido em 30.08.2012 (1845) nem quando foi interrogado como arguido em 07.11.2012 (fls 1953)

- comunicações de fls 1858: arguido A... apresenta reclamação graciosa contra o processo de reversão por ter sido administrador da F... - SAD) e 1870 a 1871 (versão do arguido E... );

- fls 2132 a 2139 (do apenso B): sentença de 07.05.2013 que foi declarada a insolvência da sociedade “ F... , SAD”, transitada em julgado em 21.06.2013, do 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria;

- fls 2016 a 2018 – despacho do Senhor Secretário de Estado de 22.01.2011 associando ao PEC 1920 (do IAPMEI) um plano prestacional de regularização de dívidas;

- fls 1007 a 1140- informação da Direcção de Finanças de Leiria relativa à arguida “ F... , SAD” em relação à não entrega nos cofres do Estado do IRS no valor total de € 851.957,92 euros apurado a favor deste nos meses de Janeiro, Março, Abril e Dezembro de 2010 e Abril, Junho, Agosto, Setembro, Novembro e sobretaxa de 2011, sendo:

a)- relação dos processos executivos instaurados referentes àquelas retenções, da qual constam os números dos processos executivos, mês da dívida, valor instaurado e valor em dívida (fls 1008 a 1010);

b)- relação dos processos executivos referentes às retenções na fonte que aderiram ao pagamento em prestações, estando incluídos os pagamentos efectuados no PEC 1920 (fls 1011 a 1017);

c)- guias de pagamento referente aos diversos processos que aderiram ao pagamento em prestações, sendo:

1- PEF 1384201101006355 (fls 1018 a 1026) – oito prestações;

2- PEF 1384201101006363 (fls 1027 a 1035) – oito prestações;

3- PEF 1384201001008625 (fls 1036 a 1058) - 10 prestações;

4- PEF 1384201001008676 (fls 1059 a 1079) 10 prestações;

5- PEF 1384201001034600 (fls 1080 a 1099) 9 prestações;

6- PEF 1384201101034618 (fls 1100 a 1119) 9 prestações;

PEF 1384201101006320 (fls 1120 a 1128) 8 prestações;

PEF 1384201101006339 (fls 1130 a 1137) - 8 prestações.

Ainda no que respeita ao IVA liquidado relativamente ao período de Janeiro de 2012 (apenso D) foi relevante a informação da DF de Leiria de fls 1161 quanto ao valor e ao PF instaurado.

A decisão quanto aos factos não provados relativamente aos arguidos D... e E... resulta de os mesmos terem negado qualquer intervenção a esse nível (de decisão quanto à retenção e não entrega de impostos), o que foi confirmado pelas testemunhas sendo que dos documentos nada resulta que contrarie tais afirmações.

D... diz que entrou para a SAD em 2009 e que a sua função na SAD era ligada exclusivamente à área desportiva entre o clube e a SAD não tinha qualquer intervenção nas decisões de pagamentos ou financeiras; sempre pensou que os impostos estavam em dia; na época de 2011/2012, ainda a F... estava na primeira Liga e entregaram uma declaração das Finanças a dizer que não deviam nada; em Julho as Finanças passaram declaração para a Liga a dizer que não havia dívidas; soube que um funcionário elaborou um PEC pelo que a partir de então seguiram o plano de pagamento do PEC; pediu demissão em 28.11.2011 quando se apercebeu que algo não estava a fazer-se de forma correcta e que estava enganado; sabia da existência do PEC mas não do conteúdo/teor do mesmo; confiava no arguido A... e sabia que ele fazia um esforço para que “as coisas” estivessem em ordem; aquele às vezes ligava a dizer que havia cheque ou outros documentos para assinar, chegando a deixar cheques assinados, mais na área desportiva, também se lembra de ter assinado cartas para a Liga.

E... diz que teve sempre funções nulas porque vivia no Porto, nunca questionou nada nem ninguém, aceitava o que dizia o primo ( A... ); foi substituir o C... (A4) na administração da F... a pedido do primo; assinou uma vez para o V... e outra para o X... , não veio a reuniões, não sabe de nada; acerca das situações em apreço não questionou nem sabia de nada.

A testemunha H... como testemunha de defesa de ambos reafirma que quem decidia era o arguido A... e o “sr E... ” nunca esteve ligado a nada da F... ”, o arguido E... tomou algumas decisões (que não foi capaz de concretizar).

Perante este quadro probatório não é possível afirmar qualquer intervenção destes dois arguidos no processo de decisão da arguida “ F... , SAD”.

A testemunha Y... , chefe de finanças do SF Leiria 2, como testemunha de defesa do arguido A... , falou da penhora de crédito das bilheteiras da F... à EE.... quando esteve na secção Leiria 1 (diz que não sabe o que veio cá fazer); nada de relevante apresentou no seu depoimento.

Antecedentes criminais: CRC´s de fls 842 (arguido A... ), 891 (arguida « B... , SA») e 907 (arguida « F... , SAD»).

No que respeita ao processo 1538/12.2IDLRA foi igualmente considerado o teor da acusação constante de fls 863 a 872.

A situação pessoal do arguido A... foi apurada a partir das suas próprias declarações e do teor do relatório dos serviços de reinserção social (fls 938 a 940).

Os relatórios periciais gozam do valor probatório que lhes é reconhecido pelo artigo 163º, do Código de Processo Penal presumindo-se subtraídos à livre apreciação do julgador (nº 1) pelo que sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer deve ser fundamentada a divergência (nº 2).

Como ensina o Senhor Desembargador Paulo Guerra, acerca do exame crítico das provas, “no que se refere a documentos ou prova pericial reveste-se o seu teor de um carácter objectivo e certo que na maioria dos casos dispensa considerações sobre o seu conteúdo, porque este se impõe sem que existam questões delicadas de credibilidade ou razão de ciência a equacionar” (ac. TRC, de 27.06.2012, pº 339/09.0JACBR.C1: www.dgsi.pt).

A obrigatoriedade de indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, e do seu exame crítico, destina-se a garantir que o tribunal seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, e que a decisão sobre a matéria de facto não é arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência.

Como tem salientado o Supremo Tribunal de Justiça, não existe insuficiência da fundamentação se na decisão estão enunciados, especificadamente, os meios de prova que serviram à convicção do tribunal, permitindo, no contexto ambiental, de espaço e de tempo, compreender os motivos e a construção do percurso lógico da decisão segundo as aproximações permitidas razoavelmente pelas regras da experiência comum (ac. STJ de 21-03-2007).

A decisão do tribunal quanto à falta de arrependimento do arguido A... resulta da atitude do arguido em audiência de julgamento que apresentou uma versão dos factos diferente da realidade, procurando, desse modo, levar o tribunal num sentido diverso do que aconteceu, mostrando falta de interiorização da gravidade da sua actuação, nomeadamente ao negar os recebimentos dos montantes liquidados de IVA e ao afirmar que não houve pagamentos das rendas a que respeita o IRC retido aos senhorios da « B... , SA».

No que respeita aos factos não provados os meios de prova produzidos em audiência de julgamento não permitem uma afirmação convicta sobre a sua ocorrência ou resultam de diferente perspectiva da realidade apurada.

Já se mostram explanados na análise antecedente os pontos e fundamentos que justificam a falta de suporte firme quanto aos factos não provados.


***

Conhecendo:

Questões suscitadas no recurso do Mº Pº:

1-- Da incorreta absolvição do arguido A... da prática de 2 (dois) crimes de descaminho de objeto colocado sob o poder público.

2-- Da incorreta absolvição dos arguidos:

a) D... e E... da prática de 1 (um) crime de crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada -Apenso B;

b) E... da prática de 1 (um) crime de crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada - Apenso D;

3-- Da incorreta condenação dos arguidos:

a) A... e “ B... , SA”, cada um deles, pela prática de um único crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada - Apensos A e C;

b) A... e “ F... , SAD", cada um deles, pela prática de um único crime de abuso de confiança fiscal, na  forma continuada –Apensos B e D;

4-- Da incorreta condenação:

a) Parcial do pedido de indemnização civil deduzido no Apenso A - Processo n° 1696/12.6IDLRA - contra os demandados/arguidos A... e “ B... , S.A.";

b) Parcial do pedido de indemnização civil deduzido no Apenso B - Processo n° 1574/12.9lDLRA - contra os demandados/arguidos A... e “ F... SAD” e da absolvição deste pedido em relação aos demandados/arguidos D... e E... ;

c) Parcial do pedido de indemnização civil deduzido no Apenso D - Processo n° 1653/12.2IDLRA - contra os demandados/arguidos A... e “ F... SAD” e da absolvição deste pedido do em relação ao demandado/arguido E... ;

d) Do demandante e o demandado/arguido A... e as demandadas/arguidas " B... SA ” e “ F... SAD” no pagamento das custas dos pedidos de indemnização civil Apenso B e Apenso D;

5-- As consequências jurídicas resultantes da eventual procedência das questões suscitadas nos n°s. 1 a 3.


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1-Absolvição do arguido A... da prática de 2 (dois) crimes de descaminho de objeto colocado sob o poder público.

            Antes de mais há que analisar da eventual errada interpretação da prova e, alteração da matéria de facto pois que só havendo essa alteração poderá haver preenchimento dos elementos do tipo de crime.

Invoca-se o vício do erro notório na apreciação da prova.

Os vícios elencados no art. 410 nº 2, do CPP, a contradição entre factos e fundamentação e na própria fundamentação, o erro notório na apreciação da prova e, ainda, a insuficiência da matéria de facto para a decisão, podem ser de conhecimento oficioso, desde que se verifiquem da análise do texto da decisão.

In casu é expressamente alegado na motivação do recurso, do Mº Pº, o erro notório na apreciação da prova.

O erro notório na apreciação da prova, existe quando se verifica:

Erro na crítica dos factos provados. Não erro na sua apreciação em ordem a aplicar o direito (Proc. 48658 eml-2-96;

Contra o que resulta de elementos que constam dos autos e cuja força probatória não foi infirmada, ou de dados de conhecimento público generalizado, se emite juízo sobre a verificação ou não de certa matéria de facto e se torne incontestável a existência de tal erro de julgamento sobre a prova produzida (Proc. 327/96, em 8-5-96);

Se afirma algo que se não pode ter verificado (Proc. 136/96, em 1-5-96.

Como assim que, ao erro notório, vem sendo, de igual modo, entendimento das Doutrina e Jurisprudência que apenas se terá como verificado em apertadas circunstâncias. Tal vício nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correta face à prova produzida, ele só pode ter-se como verificado quando o conteúdo da respetiva decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, patenteie, de modo que não escaparia à análise do homem comum, que no caso se impunha uma decisão de facto contrária à que foi proferida - entre muitos, Acórdão do S.T.J., de 20.03.99, Proc. 1 76/99- 3ª Sec (sublinhado nosso).

“O erro notório na apreciação da prova e a impugnação ampla da matéria de facto são dois distintos mecanismos de sindicar a decisão de facto, tendo a impugnação ampla da matéria de facto por objeto a justeza da valoração da prova produzida na audiência de julgamento – e daí que, quando nela se incluam meios de prova por declarações, estas tenham que ser ouvidas pelo tribunal de recurso, dentro das limitações assinaladas na lei – enquanto o regime dos vícios da decisão e agora, especificamente, o do erro notório na apreciação da prova atende exclusivamente ao texto da decisão conjugado com as regras da experiência comum – sendo, para o respetivo conhecimento, interdita a análise da valoração prova produzida em audiência feita pela 1ª instância”, -Ac. desta Relação de 25-02-2015, relator Desembargador Vasques Osório, proferido no Proc. nº 28/13.0GAAGD.C1.

O “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.

Este vício apenas existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).

Neste sentido, é  claro que in casu este vício não se verifica.

O recorrente tem é opinião diferente do julgador e entende que face à prova produzida a decisão da matéria de facto deveria ser diferente. Mas tal não configura o vício do erro notório na apreciação da prova.

Os vícios hão de resultar da própria decisão em si e concretamente alegada a matéria que consubstancia o vício, ou de conhecimento oficioso caso se verifique e não haja sido alegado o que não é o caso.

Impugnação da matéria de facto:

Entendendo o recorrente que há erro de julgamento da matéria de facto, que esta foi incorretamente apreciada deve dar cumprimento ao estatuído no art. 412 nº 3 do CPP.

Os nºs 3 e 4 do art. 412 do CPP, indicam os pressupostos específicos a observar no recurso, nomeadamente na motivação, quando se impugna a decisão sobre a matéria de facto.

Embora, o recurso, se trate dum direito constitucionalmente garantido -, cfr. art. 32/1 da CRP -, não restringível em termos que ofendam o art. 18/ 2 e 3 do mesmo diploma fundamental, o direito ao recurso encontra-se regulado pela lei ordinária nos seus pressupostos e condições de exercício por forma a que não conflitua com direitos da mesma matriz, funcione eficazmente e se desenvolva e concretize sem abusos - Vieira de Andrade, in Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 (1987), 227 a 232.

Já por diversas vezes o TC - Cfr. por todos, Ac n.º 260/2002 in DR IIª Série de 24.7.2002- afirmou que se integra na liberdade de conformação do legislador ordinário a definição das regras relativas ao processamento dos recursos, desde que não signifiquem a imposição de ónus de tal forma injustificados ou desproporcionados que acabem por importar a lesão das garantias de defesa afirmadas no art. 32°/1 da CRP .

Daí que o legislador ordinário o haja disciplinado, sem comprometer o seu regular e eficaz exercício.

 Vem isto para se dizer que em matéria de recursos impugnatórios das decisões sobre a matéria de facto, a lei processual penal (cfr. art. 412 n.ºs 3 e 4 do CPP) impõe ao recorrente que:

a) especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) especifique as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c)  especifique as provas que devam ser renovadas.

d)  Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações atinentes às provas que impõem decisão diversa da recorrida serão feitas por referência ao consignado na ata, “devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação”.

Neste sentido, o Ac. desta Relação de 30-04-2008, proferido no proc. 105/06.4GCPMS.C1, onde se refere, “-O recurso em matéria de facto perante os tribunais da Relação não se destina a realizar um novo julgamento, antes constitui um remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância, possibilitando “uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal recorrido relativamente aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorretamente julgados, com base na avaliação das provas que considera determinarem uma diversa decisão (cfr. Ac. do STJ de 19/12/2007, processo n.º 07P4203, em www.dgsi.pt”.

E, o Ac. da mesma Relação, de 02-03-2011, proferido no processo 426/03.8GCAVR.C2, onde se conclui que, “1.Impugnando matéria de facto, o recorrente tem de especificar nas conclusões da motivação os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e as provas que devam ser renovadas, devendo igualmente indicar concretamente as passagens das provas em que funda a sua divergência.

2.Quando o recorrente não tenha procedido à mencionada especificação no texto da motivação nem nas respetivas conclusões, não há lugar ao convite à sua correção, uma vez que o conteúdo da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correção das conclusões da motivação, já que se está perante uma falha de fundo.

3.Nestes casos não pode o Tribunal da Relação conhecer da impugnação da matéria de facto ao abrigo do disposto no art.412, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal”.

Sendo, por conseguinte, este o sentido jurisprudencial desta Relação, podendo acrescentar o Ac. de 22-10-2008, no processo 1121/03.3TACBR.C1 e de 25-06-2008, no processo 185/05.0GAOFR.C1.

Sabe-se quais os factos que o recorrente pretende ver alterados, pretendendo que sejam levados dos não provados aos provados.

Que provas poderiam levar a essa alteração?

A fls. 13 da motivação do recurso, o recorrente refere, “os meios de prova que impõem decisão diversa”, mas apenas refere o depoimento de H... e deste nada de relevante se extrai pois refere apenas que o contrato teve de ser assinado por dois administradores acrescentando “como é lógico” e, “teve que ser” o Sr. A... e o Sr. D... . Mas extravasando a lógica verifica-se do ponto 9 dos provados que o arguido A... não representou a F... SAD, mas sim a empresa B-Investimentos e Participações.

E, a mesma testemunha a pergunta do mandatário do arguido D... responde igualmente com o que no seu entender seria “lógico” e não como o que na realidade se passou e que fosse do seu conhecimento.

Assim, é manifesto que esta prova não pode levar à alteração pretendida.

Nem esta prova nem a prova por ilação, como o recorrente pretende, pode levar a dar como provado que o arguido A... é que agiu em representação da F... SAD quando da transferência daqueles dois jogadores para o K... .

Não basta saber-se que o arguido A... era o presidente do conselho de administração da F... SAD e que foi nomeado fiel depositário, para se poder concluir que o mesmo fez a transferência dos direitos daqueles jogadores. O arguido A... é só um e, a F... SAD obrigava-se com dois dos três ou três dos cinco administradores, consoante a composição do conselho de administração.

Porque não se apurou quem outorgou nos contratos de transferência dos jogadores?

Quem os assinou?

Porque não se apurou em matéria de facto o constante do auto de penhora e notificação ao arguido, e as obrigações que daí resultavam para este?

É diferente o facto pretendido de que o arguido A... procedeu à cedência dos direitos sobre aqueles jogadores a terceiros e a eventual utilização de estratagema e agir por intermédio de alguém.

É possível que o arguido A... na qualidade de presidente do conselho de administração tivesse conhecimento de tudo o que se passava na SAD, mas não existe a certeza face à possibilidade de dois de três ou três de cinco administradores obrigarem a SAD.

Porém, também se laborou em erro.

Do ponto 3 dos factos provados consta: “3- O arguido A... foi advertido, em cada um desses autos de penhora, de que não podia transmitir os referidos “bens” sem autorização do Chefe do Serviço de Finanças de Leiria 1, “sob pena de ficar sujeito às penalidades cominadas aos infiéis depositários prescritas nas disposições conjugadas dos artº. 233.° do CPPT e artigo 854° do  CPC” (sublinhado nosso).

Donde resulta que poderia haver contrato de cedência ou, transferência daqueles jogadores. Inexistia uma obrigação de non facere em relação aos “bens” penhorados, ou seja, o arguido e fiel depositário podia agir, podia ceder, transferir jogadores, necessitando apenas do consentimento/autorização do Chefe de Serviço de Finanças.

E em ponto algum dos factos provados ou dos que se pretende (por via do recurso) que sejam levados aos provados se indica a falta dessa autorização.

E, era a acusação que deveria provar a falta de autorização.

E, não poderia a penhora impedir a cedência ou transferência dos jogadores porque só estas poderiam fazer com que da penhora resultasse um valor económico “um direito economicamente avaliável que constitui um ativo patrimonial” nas palavras do ac. do STJ de 21-11-2000 a seguir referenciado.

Se o contrato de trabalho entre um jogador e uma SAD desportiva chegar ao fim, este ou renova ou sai a “custo zero” e, neste caso a penhora fica sem qualquer valor económico.

Como se refere no Ac. do STJ de 21-11-2000 (relator Cons. Pinto Monteiro), in Col. Jurisp. Tomo III, pág. 130, “só existindo uma efetiva e válida cessão o arresto se tornará realmente eficaz” – com a curiosidade de nesse processo ser requerida a F... SAD- “existindo uma cedência ou transferência onerosa então existirá um crédito do clube, de conteúdo pecuniário e que responde pelas dívidas nos termos do art. 821 do CPC”.

Por isso que a penhora não impedia, não podia “proibir” a venda dos passes daqueles jogadores sob pena de ficar esvaziada de conteúdo.

E, a falta de autorização do Chefe do Serviço de Finanças é facto completamente omisso na matéria de facto.

In casu, o inciso “ sem autorização do Chefe do Serviço de Finanças”, integra o tipo objetivo do crime, por isso, deveria descrever os factos consubstanciadores daquela expressão e deles fazer prova em julgamento.

 Deveria constar da acusação e depois ser feita prova de que inexistiu esta causa justificadora.

Numa perspetiva dogmática, refere Figueiredo Dias, ao abordar as diversas conceções das relações entre tipo e ilícito: «A referida concretização, (...) serve-se em todo o caso, para a sua realização, de dois instrumentos diferentes ou mesmo de sinal contrário, mas em todo o caso funcionalmente complementares. Um deles é o que aqui se chama tipos incriminadores, isto é, o conjunto de circunstâncias fácticas que diretamente se ligam à fundamentação do ilícito e onde, por isso, assume primeiro papel a configuração do bem jurídico protegido e as condições, a ele ligadas, sob as quais o comportamento que as preenche pode ser considerado ilícito. O outro são os tipos justificadores ou causas de justificação que, servindo igualmente a concretização do conteúdo ilícito da conduta, assumem o carácter de limitação (“negativa”) dos tipos incriminadores. Também os tipos justificadores constituem, no seu modus particular, formas delimitadoras do conteúdo do ilícito (e, na verdade, formas que possuem os seus elementos constitutivos, os seus pressupostos, mesmo uma certa descrição fáctica e são assim elas próprias, em suma, suscetíveis de tipificação e podem por isso ser vistos como verdadeiros (contra)tipos, funcionalmente complementares dos tipos incriminadores.» [In Direito Penal, Parte Geral, Questões Fundamentais, A Teoria Geral do Crime, tomo I, 2ª edição, 2ª reimpressão, Coimbra Editora, pág. 269, § 56.].

Neste sentido, o Ac. desta Relação, de 30-04-14, no processo nº 245/13.3TACTB.C1 (relatora Desemb. Isabel Silva, que conclui: “a não se considerar a expressão sem justa causa [sem autorização] como um elemento objetivo do crime - e, portanto, a necessitar de ser alegada e traduzida em factos pelo Mº Pº -, chegaríamos à situação de se estar a cometer ao arguido o ónus da demonstração de que agiu com justa causa [com autorização], como única forma de evitar a condenação. O que, como sabemos, violaria o princípio do acusatório”.

Especificidades do contrato dos jogadores de futebol que não foram tidas em conta.

O Tribunal tem que absolver o arguido se a acusação não provar a sua culpabilidade ou se sobre ela restar alguma dúvida.

Por outro lado, a cedência ou transferência de um jogador de futebol tem de ter sempre a anuência, o consentimento deste. O que também pode inviabilizar a validade prática da penhora do “passe”.

Por tudo o exposto, entendemos ser de julgar improcedente o recurso, encontrando-se fixada a matéria de facto, no que a este segmento respeita.

E consequentemente inexistência de matéria de facto que preencha os requisitos do crime que se pretende seja imputado ao arguido A... , descaminho ou destruição de objetos colocados sob o poder público.

2- Da incorreta absolvição dos arguidos:

a) D... e E... da prática de 1 (um) crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada -Apenso B;

b) E... da prática de 1 (um) crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada - Apenso D;

O recorrente pretende se imputem os factos a estes arguidos apenas porque exerceram/exerciam o cargo de administradores na F... SAD.

E que pelo facto de exercerem o cargo de administradores tinham conhecimento, consentiam e pactuavam, nem que fosse por inação, na fuga ao pagamento de impostos pela F... SAD.

Neste segmento do recurso questiona-se a matéria de facto (factos da acusação/pronuncia dados como não provados e que, entende o recorrente, deveriam ser considerados provados), entendendo-se como incorretamente apreciada face à prova produzida, o que deveria levar à condenação destes arguidos.

Como já supra se referiu, o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorretamente julgados.

Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa.

A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.

No nosso ordenamento jurídico/processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova, sendo esta valorada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador -, art. 127 do C. P. Penal.

A matéria de facto apurada (factos provados e não provados) há de resultar da prova produzida (depoimentos, pareceres, documentos, reconstituição) conjugada com as regras da experiência comum.

O princípio da livre apreciação da prova está intimamente ligado à obrigatoriedade de motivação ou fundamentação fáctica das sentenças criminais, com consagração no art. 374/2 do Código de Processo Penal.

E não dispensa a prova testemunhal um tratamento cognitivo por parte do julgador mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal qual a prova indiciária de qualquer natureza, pode ser objeto de formulação de deduções ou induções baseadas na correção de raciocino mediante a utilização das regras de experiência.

A atribuição de credibilidade ou da não credibilidade a uma fonte de prova por declarações assenta numa opção motivável do julgador na base da sua imediação e oralidade que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum. O juiz é livre de formar a sua convicção no depoimento de um só declarante em desfavor de testemunhos contrários, cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 207.

No mesmo sentido, recurso desta Relação nº 3127/99 de 2-2-2000, no qual se refere que “as declarações da ofendida, quando credíveis e inferidas de todos os outros elementos de prova, são suficientes para, segundo as regras da experiência, dar como provados os factos”.

Como refere o Ac. do STJ de 30-01-2002, proc. 3063/01- 3ª, SASTJ, nº 57, 69, “A partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este enuncia as razões de ciência extraídas destas, o porquê da opção por uma e não por outra das versões apresentadas, se as houver, os motivos da credibilidade em depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, em ordem a que um leitor atento e minimamente experimentado fique ciente da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção”.

E, a análise crítica da prova produzida foi efetuada no acórdão recorrido, dele resultando nitidamente o motivo por que o Tribunal se convenceu.

No caso vertente, a fundamentação no acórdão é do seguinte teor: “No que respeita aos arguidos D... e E... os factos provados não permitem afirmar o cometimento de qualquer dos crimes de abuso de confiança fiscal imputados.

Não ficou demonstrado que estes arguidos tivessem efetivo poder ou participassem nas decisões da arguida “ F... , SAD” no que respeita à retenção e não entrega nos cofres do estado dos impostos em causa.

Ainda que, eventualmente, se tivesse demonstrado algumas intervenções residuais, todas seriam em áreas não relacionados com a gestão financeira e o pagamento ou entrega de impostos ao Estado.

Neste caso, a situação destes dois arguidos abriga-se no círculo delimitado pelo acórdão de 11.05.2015, do Tribunal da Relação de Guimarães (processo 196/10.3IDBRG.G1, disponível em www.dgsi.pt; no mesmo sentido: ac. TRP de 03.06.2009, procº 21/05.7APRD.P1 e de 13.01.2010, procº 1/06.5IDPRT.L1; do TRL de 17.04.2013, procº 496/11.5IDLSB.L1-3 e do TRG de 18.02.2013, procº 15691/09IDPRT.G1 e de 17.06.2013, procº 267/10.6IDBRG. G2. Na doutrina: Germano Marques da Silva, “Direito Penal Tributário”, Univ. Católica, Lisboa, 2009, p. 305 – 308 e Paulo Marques, “Crime de Abuso de Confiança Fiscal”, Coimbra Editora, 2011, pág. 80 – 85.):

O preenchimento do tipo legal do crime de abuso de confiança fiscal pressupõe a conduta de quem tem o domínio e a capacidade efectiva de administração da sociedade comercial e só pode ser responsabilizado criminalmente quem, na ocasião em que não foi entregue a prestação tributária retida ou deduzida, reunia os poderes de facto necessários para optar pelo incumprimento da obrigação tributária.

Daí que a qualidade de gerente no sentido formal, mesmo que com um conhecimento da situação de incumprimento, seja insuficiente para a imputação do referido tipo de crime e se torne necessário demonstrar que esse gerente ou administrador de direito tinha o domínio funcional dos factos referentes ao exercício das obrigações fiscais da empresa”.

Dos extratos de depoimentos transcritos pelo recorrente não resulta inequívoco que estes arguidos exercessem a administração de facto da arguida F... SAD, nomeadamente no que respeita a contabilidade e cumprimento de obrigações fiscais.

O arguido E... limita-se a dizer que conforme acordado apenas representava a arguida F... nas reuniões da Liga de Futebol e porque residia no Porto e as reuniões aconteciam nessa cidade. E quando se deslocava a Leiria limitava-se a perguntar se estava tudo bem “e ia andando” apesar de saber que a F... tinha dívidas ao fisco ”sei que deve” mas confiava em que estava tudo controlado “não questionei, nem fui informado e partia do pressuposto que tudo estava bem”.

A testemunha H... refere, “para mim era ao Sr. A... que eu tinha de dar, tinha que dar conhecimento das coisas e durante o tempo que lá estive era a pessoa que merecia a obrigação de comunicar toda a parte”, “tínhamos obrigação de comunicar ao sr. A... tudo aquilo que era feito, não é” e que a ´”última palavra” era do sr. A... . Embora no seu entender o arguido D... estivesse a par do que se passava.

A testemunha R... refere que era o arguido A... que dava “ordens a nível de pagamentos, de documentos, entregava documentos contabilísticos, o que fosse necessário, para termos de contabilidade, era basicamente ordens financeiras maiores”. Refere que a atividade do arguido E... era reduzida e que “só às vezes ligava para saber se era necessário assinar algum documento, ou assim, mais nada”. Que o arguido D... tinha alguma intervenção, sem especificar, mas a quem recorria normalmente era ao arguido A... . E deste depoimento apenas se pode extrair que estes arguidos tinham conhecimento da existência de dívidas por parte da arguida F... ao fisco.

E o mesmo resulta do depoimento da testemunha S... e que informou todos os arguidos que o PEC (plano extrajudicial de conciliação) era para ser cumprido e as prestações continuarem a ser pagas.

Estes extratos de depoimentos não contrariam a fundamentação da matéria de facto do acórdão e esses mesmos depoimentos foram tidos em conta. Nessa fundamentação se refere: “ R... , TOC, trabalhou para a F... -SAD de Dezembro de 2009 até Julho de 2012, referiu que “os três eram administradores” e depois entrou o E... ; a quem recorria mais vezes era ao arguido A... , com o arguido E... não teve relação laboral, não teve intervenção, quando muito pedido de marcação de estágios ou assinar actas; quando foi feita a inspecção a contabilidade de 2010 já estava encerrada; os recibos eram assinados aquando do recebimento e ficava a constar junto o cheque ou o comprovativo de pagamento; o “senhor D... ” passava pela F... -SAD quase todos os dias; o arguido A... não estava “quase nunca” na SAD mas era ele quem tomava as decisões; a depoente cumpriu as obrigações declarativas e transmitiu aos arguidos A... e D... que tinha que haver pagamento; não se recorda se o arguido E... perguntou acerca dos pagamentos nem se recorda se este sabia dos valores das retenções e do não pagamento; não se recorda se a F... -SAD devia outros impostos ao Estado.

Tinha recebido ordens do arguido A... para não submeter as declarações, tudo o que era para decidir dirigia-se a este arguido; confirma os mails que enviou para o mesmo (juntos na sessão da audiência de julgamento de 10.04.2015)”.

S... , gerente de uma empresa de confecções, diz que tratou de tudo o necessário para apresentar o PEC da F... /SAD no IAPMEI; o filho veio para os juvenis da F... e falou com o arguido A... e foi contratado para tratar da elaboração do plano; o arguido D... teve alguns conhecimentos; iniciou a elaboração do PEC em Agosto de 2010, foi aprovado em Fevereiro de 2011, em Abril de 2011 deixou de trabalhar na F... ; sempre tratou com o arguido A... ; as conversas que teve com o arguido D... eram de que as prestações correntes dos impostos era necessário continuarem a ser pagas”.

Acrescentando: “As testemunhas apresentaram depoimentos mais ou menos coerentes consoante a proximidade ou intensidade dos factos de que tiveram conhecimento directo, sendo que não mostraram falta de isenção não podendo ser considerada como tal alguma falta de memória ou momento de selectividade.

No essencial todos os que tinham contacto directo com o funcionamento da F... , SAD concordam que a pessoa que única e efectivamente tomava decisões era o arguido A... , nessa parte confirmando o que o mesmo admite”.

Verificando este tribunal de recurso os pontos de facto questionados conclui que têm suporte na fundamentação da decisão recorrida. Avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa verifica-se nada haver a alterar.

Entendemos como no Ac. da Rel. de Guimarães (relatora Desemb. Teresa Baltasar) de 17-06-2013, no proc. nº 267/10.6IDBRG.G2 “Para a responsabilização por crime de abuso de confiança fiscal não basta a prova de que o arguido, sendo sócio da empresa, estava a par de toda a sua situação financeira e de todas as decisões tomadas relativas ao seu normal funcionamento. É necessária a prova de que participava nas decisões da sociedade, tendo, nomeadamente, participado na de não entregar ao fisco a prestação em causa” (sublinhado nosso).

Da prova resulta que estes arguidos não participavam nas decisões de efetuar pagamentos ou deixar de os fazer, ao fisco, quando muito eles apenas tinha conhecimento daquelas decisões.

Parece-nos que é entendimento do recorrente, que os administradores ou gerentes que o sejam pela forma legal ou contratualmente estabelecida, a que habitualmente se chama administradores ou gerentes de direito, são todos responsáveis e culpados no caso de a sociedade deixar de efetuar as prestações, a que estava obrigada, ao fisco.

Porém, entendemos que podem alguns gerentes ou administradores de direito não terem responsabilidade alguma nesta matéria (por não terem intervenção na decisão) e poderem ter responsabilidade os que o sejam apenas de facto, isto é, administradores e gerentes apenas de facto podem ser sujeitos ativos do crime de abuso de confiança fiscal.

O facto de estes arguidos terem conhecimento da situação financeira da F... , e da existência de dívidas ao fisco, não é suficiente para que possam ser responsabilizados por crime de abuso de confiança fiscal.

Para que tal aconteça é necessário provar a sua participação na tomada de decisões da sociedade, nomeadamente, que tenha participado na decisão de não entregar ao Estado o imposto em causa.

E da prova produzida não resulta que estes arguidos, embora administradores, tenham tomado parte ativa “gerentes de facto” na decisão de deixar de pagar os impostos em causa.

Numa sociedade tem de haver alguém, pessoa física, que tome decisões, nomeadamente a decisão de deixar de entregar ao Estado as prestações a que a sociedade estava obrigada, na qualidade de depositária (ou não) do imposto. E é apenas a pessoa ou pessoas (física) que toma essa decisão quem pode ser responsabilizado pela prática do crime de abuso de confiança fiscal e não também quem apenas tem conhecimento da decisão.

Por tudo o exposto, entendemos ser de julgar improcedente o recurso, encontrando-se fixada a matéria de facto, no que a este segmento respeita.

E consequentemente inexistência de matéria de facto que preencha os requisitos do crime que se pretende seja imputado aos arguidos D... e E... , crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada.


*

3- Da incorreta condenação dos arguidos:

a) A... e “ B... , SA”, cada um deles, pela prática de um único crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada- Apensos A e C;

b) A... e “ F... , SAD", cada um deles, pela prática de um único crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada –Apensos B e D;

Entende o recorrente que existe incorreta qualificação jurídica dos factos porque não se verificam os requisitos da figura do crime continuado e, estes arguidos devem ser condenados por tantos crimes quantas as resoluções tomadas.

Entendendo que houve distintas e até opostas resoluções.

Neste segmento do recurso não está questionada a matéria de facto, e entende o recorrente que a mesma não merece reparo ou censura.

Mas entende que da mesma não resultou provado nenhum facto (acrescentando em roda pé que “nem eles constavam das acusações/despachos de pronúncia, respetivamente, não obstante as incorretas qualificações jurídicas deles efetuadas) que possa integrar o conceito normativo de “persistência de uma situação exterior que tivesse facilitado a execução e que tivesse diminuído consideravelmente a culpa dos agentes”.

Pretende o recorrente que dos factos resulta um crime relativamente a cada tipo de imposto retido, um pela não entrega de IRC e outro pela não entrega de IVA, na situação em que incorre em incumprimento a arguida B... , e um crime pela não entrega de IRS e outro pela não entrega de IVA, na situação em que incorre em incumprimento a arguida F... .

No acórdão recorrido fundamenta-se a aplicação da figura do crime continuado, nos seguintes termos:

Crime continuado

A questão que se coloca agora é a de saber quantos crimes foram efectivamente cometidos já que em causa está a não entrega do IVA devido em vários momentos distintos.

Dispõe o artigo 30º, nº 2, que “constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.

Nos casos de crime continuado, existe um só crime porque, verificando-se embora a violação repetida do mesmo tipo legal ou a violação plúrima de vários tipos legais de crime, a culpa está tão acentuadamente diminuída que um só juízo de censura, e não vários, é possível formular.

A diminuição considerável da culpa do agente deve radicar em solicitações de uma mesma situação exterior, que o arrastam para o cometimento do crime, e não em razões de natureza endógena.

Dentro destes parâmetros, quaisquer situações podem fundamentar a verificação de uma continuação criminosa, supostos os demais requisitos enumerados no preceito legal transcrito.

E tais requisitos, cumulativos, são os seguintes:

a) A realização plúrima do mesmo tipo de crime, ou de vários tipos que preencham fundamentalmente o mesmo bem jurídico;

b) A homogeneidade na forma de execução;

c) A lesão do mesmo bem jurídico;

d) A unidade do dolo, isto é, as diversas resoluções devem conservar-se dentro de uma linha psicológica continuada; e

e) A persistência de uma situação exterior que facilite a execução e que diminua consideravelmente a culpa do agente.

No caso em apreço está demonstrada a existência de uma actuação homogénea – não entrega nos cofres do Estado dos montantes respeitantes aos referidos impostos de IRC, IVA e IRS - , lesou-se o mesmo bem jurídico e sempre com a mesma linha psicológica de conduta, ou seja, adoptando-se sempre o mesmo tipo de comportamento e motivação - dificuldades económicas que acabaram por culminar nas situações de insolvência das sociedades arguidas.

Nem sequer existe lapso temporal entre as diversas actuações que ocorreram dentro do mesmo circunstancialismo económico e laboral das sociedades arguidas.

No processo sumaríssimo nº 1538/12.2IDLRA, o arguido A... e a arguida « F... , SAD» foram condenados pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, por factos ocorridos em Julho de 2011 pela não entrega nos cofres do Estado de IVA que foi liquidado e recebido de clientes no montante de € 322.000 euros, relativamente ao mês de Julho de 2011, sendo que tais factos foram praticados no exercício das funções de administrador da « F... , SAD».

Tendo em conta o contexto das actuações em causa deve considerar-se também estes factos como integrando a continuação criminosa; na verdade, sendo de Julho de 2011, colocam-se, temporalmente no âmbito das actuações em causa no apenso B (IRS) e não se afastam do IVA (apenso D) estando todos abrangidos pelas mesmas circunstâncias que preenchem os referidos requisitos do crime continuado. A tal não obsta o facto de ter existido procedimento processual separado e diferido no tempo, ou seja, por tal opção quanto ao modo de o Ministério Público deduzir as acusações (melhor seria acusação) em situações, que à nascença já eram conexas, não se podem extrair consequências quanto ao enquadramento (ou não) do conjunto dos factos em termos jurídicos.

Assim sendo, deverão o arguido A... e as sociedades arguidas ser condenadas pela prática do crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada.

O arguido A... praticou um crime pela actuação respeitante a cada uma das sociedades porquanto se tratam de entidades diversas, por isso, de diferentes comportamentos penalmente relevantes que não se enquadram, cada um por si, naquela convergência do crime continuado (que nesse caso seria paralelo)”.

Nos casos verifica-se que a autoridade tributária em vez de inspecionar a situação fiscal das empresas em todas as vertentes apenas inspeciona individualmente por cada tipo de imposto.

Assim, no apenso A) reporta-se a falta de entrega de IRC e, no apenso C) a falta de entrega de IVA liquidado e recebido, ambos pela sociedade B... e, no apenso B) a falta de entrega do IRS retido e no apenso D) a falta do IVA liquidado, ambos pela sociedade F... .

No apenso A) imputava-se, na acusação/pronuncia, a prática de um crime de abuso de confiança fiscal e no apenso C) a pratica de um crime de abuso de confiança fiscal sob a forma continuada.

No apenso B) imputava-se, na acusação/pronuncia, a prática de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada e no apenso D) a pratica de um crime de abuso de confiança fiscal agravado.

Dos factos provados resulta que relativamente à B... foi retido o imposto de IRC relativo ao mês de Janeiro de 2012 e que devia ser entregue até 20-02-2012 (ponto 16 dos provados) e foi retido imposto de IVA relativo aos meses de Janeiro a Março de 2012 (ponto 19 dos provados).

E resulta que relativamente à F... foi retido o imposto de IRS relativo aos meses de Janeiro, Março, Abril e Dezembro de 2010 e Abril, Junho, Agosto, Setembro, Novembro e Dezembro de 2011 e sobretaxa de 2011 (ponto 43 dos provados) e foi retido imposto de IVA relativo ao mês de Janeiro de 2012 (ponto 47 dos provados).

A qualificação jurídica dos factos foi a de considerar apenas um crime na forma continuada relativamente a cada uma das sociedades.

Faz sentido ou, devia manter-se a autonomia porque por cada um dos impostos foi instaurado um processo autónomo.

O antigo  RJIFNA, na sua versão originária estabelecia que “...se a obrigação da entrega da prestação tributária for de natureza periódica, haverá tantos crimes quantos os períodos a que respeita tal obrigação...”. Com as alterações introduzidas em 1993 aquela redação foi suprimida e, atualmente no RGIT também não há norma igual, pelo que, para se conhecer da unidade ou pluralidade de infrações, temos que nos socorrer do art.º 30 do CP, aplicável por força da alínea a) do art. 3 do RGIT.

Estabelece o nº 2 do art. 30 do CP que “constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.

São assim pressupostos cumulativos do crime continuado:

- A realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico);

- Homogeneidade da forma de execução (unidade do injusto objetivo de ação);

- Unidade do dolo (unidade do injusto pessoal da ação) em que as diversas resoluções se devem conservar dentro de uma linha psicológica continuada;

- Lesão do mesmo bem jurídico (unidade do injusto do resultado);

- Persistência de uma situação exterior que facilite a execução e que diminua consideravelmente a culpa do agente.

A questão essencial em análise assenta neste último pressuposto persistência de situação exterior que diminua a culpa do agente.

Se um agente pratica sucessivamente vários crimes de abuso de confiança fiscal, poderemos estar face à análise concreta e da sua subsunção à teoria geral da infração perante um concurso ideal de crimes equiparado ao concurso real pelo art.º 30 nº 1, ou perante um crime continuado art. 30 nº 2.

O Ac. recorrido pouco explicita nesta área e nada consta da matéria de facto, apenas referindo na justificação jurídica que, ” No caso em apreço está demonstrada a existência de uma actuação homogénea – não entrega nos cofres do Estado dos montantes respeitantes aos referidos impostos de IRC, IVA e IRS - , lesou-se o mesmo bem jurídico e sempre com a mesma linha psicológica de conduta, ou seja, adoptando-se sempre o mesmo tipo de comportamento e motivação - dificuldades económicas que acabaram por culminar nas situações de insolvência das sociedades arguidas.

É certo que as sociedades que deixam de entregar as prestações tributárias é porque não gozam de boa saúde económica e financeira. Resulta do senso comum.

Mas isso só por si não é suficiente para justificar a situação exterior favorável e que faça diminuir consideravelmente a culpa do arguido.

No ac. da Rel. de Lx de 20-03-2012, proferido no processo nº 5209/04.5TDLSB.L1-5, concluiu-se que, “Atuando os arguidos em representação da sociedade arguida, retendo e não entregando à Segurança Social as importâncias descontadas às remunerações dos respetivos trabalhadores e dos membros dos órgãos sociais, no período de cerca de dois anos, agindo sempre de idêntico modo, com as suas atuações facilitadas pela inércia dos serviços da Segurança Social e pelo intuito de manter a empresa em atividade, devido às dificuldades económicas que atravessava, estão preenchidos os pressupostos da continuação criminosa”.

Acrescentando que, “se é certo que as dificuldades da empresa não constituem causa justificativa da conduta, para além do mero efeito atenuativo geral, já poderão constituir o fator exógeno que facilitou a repetição criminosa ao longo do referido período temporal, tornando gradual e sucessivamente menos exigível ao agente que adotasse conduta conforme com a lei o que releva ara efeitos de aglutinação da sua ação delituosa que foi sendo sucessivamente renovada, num quadro de menor exigibilidade integrador da figura do crime continuado”.

Perante situação em que por falta de liquidez, o agente tomou a resolução de deixar de entregar as importâncias devidas ao Estado relativas ao IVA, que recebera dos seus clientes, e ao IRS, que deduzira aos seus trabalhadores há quem entenda não integrar a figura do crime continuado, mas sim infrações contínuas sucessivas.

Lopes Rocha (“Aplicação da Lei Criminal no Tempo e no Espaço”, Jornadas de Direito Criminal – Centro de Estudos Judiciários, pág. 102), inspirado na doutrina francesa, denomina de “infrações contínuas sucessivas”, que se renovam constantemente em todos os seus elementos constitutivos.”

Entre nós, para a verificação do crime continuado, prevalecem razões que derivam de uma menor culpa. Eduardo Correia refere que «pressuposto da continuação criminosa será verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da atividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito» [Direito Criminal, vol. 2, págs. 210 e 211]. Mais adiante, a propósito da exigência da conexão espaço temporal, volta a acentuar que a ideia fundamental e que legitima a figura é a da diminuição considerável da culpa e que a ligação entre as condutas relevante é a interior, podendo servir a conexão exterior para a afastar.

Tem de haver qualquer condicionalismo exterior que propiciasse a repetição das condutas, conduzindo a que, a cada crime, fosse menos exigível que se comportasse de maneira diversa, e assim diminuindo a sua culpa.

As sucessivas retenções ou não entregas de imposto normalmente causadas pelas dificuldades financeiras, com a demora na atuação por parte da autoridade tributária e por vezes até em mais de uma empresa (como no caso) facilitam a ação, tornam cada vez menos exigível que o agente adote comportamento conforme ao direito e assim lhe diminuem a culpa na repetição.

O fundamento da aludida minoração da culpa há de ir buscar-se em algo que, de fora, isto é, alheio ao agente, e de modo considerável, ou seja, significativamente, facilitou a repetição da atividade criminosa, “tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito” (como bem refere o Prof. Eduardo Correia, in “Direito Criminal”, Livraria Almedina, 1971, Vol. II, pág. 209).

Assim, no processo de motivação ou de vontade do arguido resulta um arrastamento para a repetição por força daquela facilidade não reprimida de imediato, tornando-se em disposição exterior para o facto.

Além de que existe a proximidade temporal na prática dos atos respeitantes a cada sociedade, ou até simultaneidade. Relativamente à B... foi retido o imposto de IRC relativo ao mês de Janeiro de 2012 (ponto 16 dos provados) e foi retido imposto de IVA relativo aos meses de Janeiro a Março de 2012 (ponto 19 dos provados). E relativamente à F... foi retido o imposto de IRS relativo aos meses de Janeiro, Março e Abril de 2010 e Abril, Junho, Agosto, Setembro, Novembro e Dezembro de 2011 e sobretaxa de 2011 (ponto 43 dos provados) e foi retido imposto de IVA relativo ao mês de Janeiro de 2012 (ponto 47 dos provados).

E, para este efeito de existir situação exterior que diminua a culpa é completamente irrelevante que a retenção ou não entrega do imposto, simultânea ou sucessiva, se reporte a IRC, IRS ou IVA.

Neste sentido, o Ac., citado pelo recorrente, de 29-01-2004, no proc. nº 03P1874(relator Cons. Pereira Madeira) onde se refere que, “Apesar de serem dois ou mais os impostos cujas prestações foram ilegalmente retidas pelo arguido, tal não significa, necessariamente, que seja equivalente o número de crimes cometidos”. Apesar de serem vários os impostos em falta, apenas um só, o bem jurídico atingido.

A “pluralidade de incumprimento de impostos não se confunde necessariamente com pluralidade de violação de bem ou bens jurídicos. Pode haver incumprimento simultâneo de mais do que um imposto e ser um só o bem jurídico violado”.

Face ao exposto entende-se que se verificam os requisitos da figura do crime continuado.

Pelo que se julga improcedente o recurso neste segmento.


*

            4- Da incorreta condenação:

a)-Parcial do pedido de indemnização civil deduzido no Apenso A - Processo n° 1696/12.6IDLRA - contra os demandados/arguidos A... e “ B... , S.A.";

b) Parcial do pedido de indemnização civil deduzido no Apenso B - Processo n° 1574/12.9lDLRA - contra os demandados/arguidos A... e “ F... SAD” e da absolvição deste pedido em relação aos demandados/arguidos D... e E... ;

c) Parcial do pedido de indemnização civil deduzido no Apenso D - Processo n° 1653/12.2IDLRA - contra os demandados/arguidos A... e “ F... SAD” e da absolvição deste pedido do em relação ao demandado/arguido E... ;

            Foi decidido: “julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido no apenso A – processo 1696/12.6IDLRA - contra os demandados/arguidos A... e “ B... , SA” e, em consequência, condená-los, solidariamente, a pagar ao Estado Português a quantia que se venha a liquidar em execução de sentença, deduzida dos montantes já pagos e daqueles que sejam pagos entretanto, em cumprimento do acordo estabelecido, julgando-se extinta a instância cível, relativamente às quantias já pagas, por inutilidade superveniente da lide;

            -julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido no apenso B- processo 1574/12.9IDLRA- contra os demandados/arguidos A... e « F... , SAD» e, em consequência, condená-los, solidariamente, a pagar ao Estado Português a quantia que se venha a liquidar em execução de sentença, deduzida dos montantes já pagos e daqueles que sejam pagos entretanto, em cumprimento do acordo estabelecido, julgando-se extinta a instância cível, relativamente às quantias já pagas, por inutilidade superveniente da lide, e bem assim absolver deste pedido os demandados/arguidos D... e E... ;

-julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido no apenso D-processo 1653/12.2IDLRA- contra os demandados/arguidos A... e « F... , SAD» e, em consequência, condená-los, solidariamente, a pagar ao Estado Português a quantia que se venha a liquidar em execução de sentença, deduzida dos montantes já pagos e daqueles que sejam pagos entretanto, em cumprimento do acordo estabelecido, julgando-se extinta a instância cível, relativamente às quantias já pagas, por inutilidade superveniente da lide, e bem assim absolver deste pedido o demandado/arguido E... ”;

Questiona o recorrente a existência de fundamento legal para a condenação parcial dos montantes dos pedidos cíveis (vários apensos), deduzidos os montantes já pagos e daqueles que sejam pagos entretanto, em cumprimento do acordo estabelecido, julgando-se extinta a instância cível, relativamente às quantias já pagas, por inutilidade superveniente da lide.

Entende o recorrente que constam “todos os elementos para fixar as indemnizações peticionadas” pelo que a condenação devia ter sido em montantes concretos e, não o tendo sido houve violação dos arts. 71 e 82 nº 1 do CPP.

No acórdão recorrido é a seguinte a justificação da condenação cível:

“…deve proceder o pedido cível deduzido nos autos, mas apenas parcialmente porquanto, como se provou, já se encontra parcialmente paga a quantia em dívida.

Porém, apesar do esforço desenvolvido --- veja-se a insistência junto da AT, no decurso da audiência de julgamento, pelos esclarecimentos quanto aos montantes já efectivamente pagos -- não foi possível determinar a que corresponde o montante já pago.

Não se vislumbrando qualquer outra solução justa e equitativa e, além disso, tendo em conta a condição colocada sobre a suspensão da execução da pena imposta ao arguido A... , parece-nos que se justificar relegar a sua liquidação para execução de sentença.

O artigo 82º, nº 1, do Código de Processo Penal, acerca da liquidação em execução de sentença estabelece que “se não dispuser de elementos bastantes para fixar a indemnização, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a execução corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal”.

… No que tange aos montantes já pagos, deve ser julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide

            Temos que no acórdão recorrido se laborou em erro e se fez confusão entre quantias que foram retidas ou não entregues à autoridade tributária e quantias em dívida devido a  pagamentos parciais daquelas.

            O art. 105 do RGIT (aprovado pela Lei nº 15/2001 de 5 de Junho e com as alterações posteriores), na parte que aqui interessa, tem a seguinte redação:

1- Quem não entregar à administração tributária total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a €7.500,00, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.

(…)

7- Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.

Releva este nº 7 ao referir que os valores a considerar, nomeadamente para efeitos criminais, são os da declaração a apresentar à administração tributária.

E, são esses que devem ser tidos em conta na apreciação do pedido cível formulado, independentemente de pagamentos parciais que entretanto tenha havido. Sendo certo que a final deve haver acerto de contas e não pagamento duplicado.

E esta questão do pedido cível nada tem a ver com a prestação efetivamente devida, correspondente aos montantes recebidos. Originando o crime a prestação tributária em falta,  prestação comunicada (ou não)à administração tributária é o montante desta prestação que se atende para efeitos criminais e consequências daí advenientes.

Temos como jurisprudência pacífica que, o dever legal de entregar as prestações devidas pressupõe sempre que estas tenham sido efetivamente recebidas. Situação que foi esclarecida com o Ac. Unificador de Jurisprudência , Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2015 - Diário da República n.º 106/2015, Série I de 2015-06-02.

Na doutrina e no que se refere especificamente ao caso do IVA não recebido, vide SILVA, Isabel Marques da – “Nullum Crime, Nulla Poena, Sine Lege Praevia : A inexistência de Infração Tributária nos Casos de IVA não Recebido” - Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Paulo de Pitta e Cunha – Volume II, Economia, Finanças Públicas e Direito Fiscal, de Eduardo Paz Ferreira, António Menezes Cordeiro, José Duarte, Jorge Miranda, Edições Almedina, 2010, pág. 257 e segs..

Como bem salienta o Prof. Germano Marques da Silva, in Direito Penal Tributário, pág. 58, “o que verdadeiramente se verifica nos crimes de abuso de confiança é o incumprimento do dever funcional do substituto: a entrega nos cofres do Estado dos bens que arrecadou em nome e por conta do Estado. É a infidelidade a razão da punição”.

Há diferença entre obrigação ou responsabilidade tributária pelo imposto IVA e eventual responsabilidade criminal daí decorrente.

Ou, pode haver, responsabilidade tributária, responsabilidade penal tributária ou apenas responsabilidade civil.

Estamos no campo da responsabilidade penal tributária. Temos de diferenciar a responsabilidade tributária, a nível fiscal, da responsabilidade criminal, ou responsabilidade penal tributária.

Como se refere no Ac. da Rel. de Guimarães e com o qual concordamos plenamente, de 22-04-2013, relator Desemb. Cruz Bucho, proc. nº 520/11.1IDBRG.G1, “È certo que o IVA é devido desde a respetiva venda, faturação, liquidação e declaração aos serviços, e não desde o momento do pagamento da transação que lhe deu origem. Por isso, o pagamento do IVA liquidado e declarado é exigível logo que decorra o respetivo prazo, tenha ou não sido recebido do devedor seguinte.

Mas se as coisas se passam assim a nível fiscal, não é, porém, lícito concluir que para efeitos criminais, isto é da consumação de um crime de abuso de confiança fiscal, é indiferente saber se ocorreu ou não efetiva a cobrança do imposto aos clientes.

Salvo o devido respeito, importa não confundir a responsabilidade tributária pelo imposto devido com a responsabilidade penal tributária. O facto gerador da responsabilidade tributária é autónomo da responsabilidade criminal: a obrigação tributária existe independentemente do crime”.

No mesmo sentido, o Prof. Germano Marques da Silva, in Direito Penal Tributário, Lisboa, 2009, pág. 113 refere: “O facto gerador da dívida de imposto existe independentemente da prática de qualquer crime: a obrigação tributária é autónoma relativamente à responsabilidade penal pela prática de crime tributário e é geralmente proveniente da prática de facto ilícito, ainda que entre a dívida tributária e a responsabilidade pelo crime exista conexão”.

Isto para concluir pela diferença entre a dívida fiscal e a dívida penal tributária.

Conforme art. 105 nº 1 do RGIT, já supra reproduzido, a não entrega da prestação tributária, total ou parcialmente, é punida.

Daqui se extrai que o pagamento parcial da prestação tributária, mesmo que feito no prazo a que se reporta a al. a) do nº 4 do artigo a que nos estamos a referir, não pode ter a virtualidade de alterar o montante dessa prestação para efeitos de responsabilidade penal.

Uma coisa é a prestação e outra coisa é o seu pagamento.

Sendo que o pagamento parcial não releva para efeitos da incriminação, porque se assim fosse ficava sem sentido da expressão “total ou parcialmente” referida no nº1, e “devam constar de cada declaração” referida no nº7.

Como se refere no Ac. desta Relação de 24-04-2013, proferido no proc. nº 122/09.2IDVIS.C1, “Se o legislador quisesse que os contribuintes relapsos fossem sancionados não em face dos valores das prestações tributárias calculadas nos termos da lei, mas apenas em face das quantias que não entregaram nos prazos do nº4, não se teria referido à prestação tributária, mas sim ao valor em dívida da prestação tributária.

Sendo que o pagamento, ainda que parcial, terá sempre efeito na determinação da medida da pena, como o teve no caso dos autos, com a atenuação da pena nos termos do art. 22 nº 2 do RGIT (embora se não refira expressamente no dispositivo, disposições legais aplicáveis, aí se refere a atenuação, assim como se refere o preceito na fundamentação de direito na sentença, quando da escolha e determinação da pena).

Mas para efeitos penais conta o montante da prestação em falta e que deu origem ao crime e, subjacente à obrigação de reparação civil está a prática daquele facto ilícito.

Como referido no acórdão recorrido, “aqui está em causa não é a responsabilização dos demandados pelas dívidas tributárias das sociedades, na qualidade de gerente desta”, está em causa a prática de um crime.

E prossegue, “Na verdade, é a diferente especificidade da causa de pedir do enxerto cível que justifica que a declaração de insolvência das arguidas não determine a extinção da instância cível enxertada em processo penal por inutilidade superveniente da lide  nem que a reclamação de créditos no processo de insolvência de sociedade arguida não seja impeditiva da procedência do pedido de indemnização civil contra ela deduzido no processo criminal  ou que a pendência de um processo em foi declarada a insolvência de um dos demandados e no qual já foram reclamados créditos (relativos aos montantes retidos, devidos e não entregues e legais acréscimos) não configure, no âmbito de um pedido de indemnização deduzido em processo penal, a exceção dilatória de litispendência”.

É manifesta a inexistência de litispendência, pois que o arguido pessoa singular não tinha ou viria a ter contra si qualquer execução fiscal.

A haver processo fiscal no tribunal tributário o mesmo foi instaurado apenas contra a sociedade arguida.

O tribunal criminal tem competência para averiguar toda a matéria que abranja infração criminal, seja o ilícito de natureza fiscal ou de natureza comum. Assim como tem competência para apreciar toda a matéria cível resultante de atividade que constitua crime.

O art. 71 CPP estabelece que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.

É o chamado princípio da interdependência ou sistema da adesão, no caso do CPP –art. 71, da adesão obrigatória da ação civil ao processo penal que apenas sofre as exceções previstas na lei.

Ora com a adesão obrigatória o pedido de indemnização civil passa a submeter-se às regras do processo penal (Cfr. Ac. STJ 00.05.11, CJ (STJ) tomo II, pág. 186, Ac. STJ 95.01.12, CJ (STJ) tomo I, pág. 181, Ac. RE 00.05.23, CJ tomo III, pág. 277), incluindo as da apreciação da prova.

É que, embora a ação penal e a ação cível se não confundam, ambas têm origem numa mesma infração, o que lhes impõe uma estreita conexão.

Como refere igualmente o Ac. STJ 96.06.09, proc. 6/95, citado por Maia Gonçalves Código de Processo Penal Anotado, 12ª ed., pág. 243. “ a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada quantitativamente e nos seus pressupostos pela lei civil, mas no aspeto processual é regulada pelo CPP”.

Assim, quando se estabelece no art. 129º CP que “a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”, não se pretende com a mesma afastar as regras sobre a apreciação da prova consagradas no CPP, entre as quais se conta a necessidade de todas as provas serem produzidas ou examinadas em julgamento (art. 355 nº 1 CPP) e o respeito pelo direito ao silêncio dos arguidos (Art. 343 nº 1 CPP), mas sim o respeito pelos critérios da lei civil no que concerne à determinação do quantum indemnizatório e dos seus pressupostos.

Assim que a existência de titulo executivo, ou titulo com igual valor (a lei tributária atribui força executiva aos títulos de cobrança das contribuições e impostos), não impede que se demande em ação declarativa, que o é o enxerto cível.

Nos termos do art. 71 do CPP, o tribunal comum (ou tribunal criminal onde se verifica competência especializada) tem competência para decidir qualquer pedido civil “fundado na prática de um crime”.

E, no caso em apreço, o arguido pessoa singular praticou um crime, do qual resulta responsabilidade civil.

O arguido agiu, à luz dos artigos 165, 483, nº 1, 486, 490 e 497, nº 1, do Cód. Civil, como gerente da sociedade arguida, ao praticar os factos criminosos por que veio a ser condenado nessa qualidade.

E, como tal, é legitimamente parte passiva deste pedido cível, compreendendo-se a sua condenação solidária na dita indemnização pelos prejuízos causados com os factos criminosos.

Apenas sendo condenado na quantia correspondente à prestação em falta (não comunicada) funciona a responsabilidade solidaria.

A responsabilidade solidária é para com toda a dívida e não apenas para com a quantia que falta cumprir.

O administrador ou gerente da empresa que seja também agente do crime, não responderá subsidiariamente, mas solidariamente, como solidariamente respondem todos os demais agentes, nos termos do que dispõe o art. 497.° do Código Civil.

Isso é expresso na matéria de facto.

 E, contra o arguido pessoa singular inexistia qualquer título executivo, ou título de cobrança com igual força nos termos do Código de Processo Tributário.

E, nos termos do art. 24 da LGT, o demandado pessoa singular é responsável subsidiário e a sua responsabilidade só se efetiva por reversão do processo de execução fiscal, nos termos do art. 23 da mesma lei.

E mesmo em relação à sociedade, é diferente o título executivo sentença, do documento (título de cobrança).

Assim, o que conta é o montante da prestação em falta e, esse montante consta dos autos.

No apenso A) era peticionada a quantia de 69819,75€ acrescida de juros de mora até integral pagamento.

E no ponto 16 dos provados consta que a arguida B... reteve de imposto de IRC a quantia de 69819,75€, no mês de Janeiro de 2012.

No apenso B) era peticionada a quantia de 851957,92€ acrescida de juros de mora até integral pagamento.

E no ponto 54 dos provados consta que a arguida F... integrou no seu património montante relativo a imposto de IRS a quantia de 851957,92€ relativa aos meses Janeiro, Março, Abril e Dezembro de 2010 e Abril, Junho, Agosto, Setembro Novembro e Dezembro de 2011 e sobretaxa de 2011.

No apenso D) era peticionada a quantia de 228638,42€ acrescida de juros de mora até integral pagamento.

E no ponto 49 dos provados consta que a arguida F... reteve de imposto de IVA a quantia de 228638,42€, no mês de Janeiro de 2012.

Refere-se no acórdão recorrido que, “Tendo em conta os factos provados, é certo que os demandados A... , “ B... , SA” e « F... , SAD» deveriam ter entregado ao Estado as apontadas quantias, o que não fizeram de forma culposa quando podiam e deviam ter actuado de forma diversa, constituindo-se por isso em mora a contar do termo do prazo legal previsto para o pagamento de cada uma das quantias em dívida e causando com a sua conduta um prejuízo patrimonial ao demandante.

Desta forma, reunidos estão todos os requisitos de que a lei faz depender, no artigo 483º do Código Civil, a responsabilidade civil dos demandados A... , “ B... , SA” e « F... , SAD», nomeadamente os exigidos pela teoria da adequação, legalmente consagrada no artigo 563º do mesmo CC, pois que a conduta voluntariamente desenvolvida por estes demandados, em nome e no interesse da sociedade, foi causal do prejuízo sofrido pelo demandante”.

Por isso, devem proceder os pedidos cíveis deduzidos nos autos.

            E, assim se julga procedente o recurso neste segmento

4- Da incorreta condenação:

d) Do demandante e o demandado/arguido A... e as demandadas/arguidas " B... SA ” e “ F... SAD” no pagamento das custas dos pedidos de indemnização civil Apenso B e Apenso D;

            Foi decidido no acórdão e relativamente a custas da parte cível:

            “Condenar o demandante e o demandado/arguido A... e as demandadas/arguidas “ B... , SA” e « F... , SAD» no pagamento das custas dos pedidos de indemnização civil, sendo nas proporções, respectivamente, de: apenso A – demandado e demandada 100%; apenso B – demandante 20% e demandado e demandada 80%; e apenso D – demandante 15% e demandado e demandada 85%”.

            Porém, e face ao decidido anteriormente em relação aos pedidos cíveis há necessidade de reformular a condenação em custas, tal como requerido pelo recorrente.

Assim, nos apensos B) e D), face à procedência total dos pedidos, as respetivas custas ficam a cargo dos demandados condenados A... e “ F... SAD”.

E, assim e neste segmento se julga procedente o recurso.

5- As consequências jurídicas resultantes da eventual procedência das questões suscitadas nos n°s. 1 a 3.

Nenhuma consequência jurídica dado o decidido sobre aqueles pontos.


*

            Questões suscitadas no recurso do arguido A... :

            O recorrente discorda das penas parcelares aplicadas, bem como da pena aplicada em cúmulo jurídico e daquelas resultante.

            Alega a isenção de culpa e consequentemente a sua absolvição ou, um grande grau de desculpação e, consequentemente, a atenuação muito especial de qualquer pena que lhe venha a ser aplicada.

            Alega que o tribunal recorrido supervalorizou a “falta de arrependimento” quando o arguido sempre tudo fez para honrar os seus compromissos enquanto representante da B... e F... e que não se aproveitou dessa situação para enriquecer ilegitimamente, mas antes injetou dinheiro seu.

Alega que agiu como agiu tentando salvar as sociedades.

Alega que face aos factos provados, pontos nº 14, 19, 23, 24, 26 a 31, 33, 38, 49 e 53 a 59, o arguido deve beneficiar do estatuído no art. 72 nºs 1 e 2 als. b), c) e d) do CP.

Alega que se verificam causas de justificação e de exclusão da culpa, tais como, o direito de necessidade e o conflito de deveres, e que são fatores atenuantes na aplicação da pena.


*

Quanto ao destino dos montantes de IVA recebidos dos clientes (ou outros impostos de que a sociedade seja depositária) e não entregues ao fisco, é irrelevante para efeitos criminais o destino que lhes é dado.

Bastando a não entrega à Administração Tributária, torna-se facto inócuo dizer-se que o arguido os integrou no seu património e no da sociedade arguida, ou que deles se apropriou em proveito próprio.

Nos termos do art. 105 nº 1 do RGIT basta “não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a 7.500€, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar”. O destino é irrelevante.

A prática do crime de abuso de confiança fiscal como do crime de abuso de confiança contra a segurança social consuma-se com a não entrega das prestações relativas a cada período – Ac. desta Relação de 28-10-2008, proc. 3/04.6TATCS.

“O sentido materialmente constitucional que deve ser dado ao tipo penal contido no artigo 105º do RGIT exige que se considerem elementos do tipo de ilícito: a existência (legal) de uma obrigação de entrega à administração tributária de uma prestação tributária; a existência de uma prestação tributária efetivamente deduzida ou cobrada (nos termos legais); a falta dolosa dessa entrega.

O crime de abuso de confiança fiscal é um crime omissivo puro que se consuma no momento em que o agente não entrega a prestação tributária devida, haja ou não declaração tributária” –Ac. desta Relação de 21-10-2009, proc. 12/08.6IDGRD.C1.

Também o Ac. desta Relação de 26-05-09, proc. 206/02.8TAACB.C1 in www.dgsi.pt, (como aqueles atrás citados) refere a desnecessidade de apuramento do destino dos montantes de IVA, bem como a não inconstitucionalidade da norma do art. 105 do RGIT , “1-A criminalização da não entrega dolosa daquilo que se recebeu a título não translativo da propriedade, mesmo sem a prova da inversão do título de posse, não corresponde a qualquer medida discriminatória, desnecessária ou excessiva suscetível de constituir a violação do art.º 18º,2 da Constituição da República Portuguesa.

2- Não são inconstitucionais os art.ºs 105º e 107 do RGIT face ao que se estatui nos art.ºs 13/1 e 18/2 da Constituição da República Portuguesa”.

A inconstitucionalidade careceria de ser demonstrada. Não basta a  gratuita afirmação de que o art.º 105º é inconstitucional; será necessário demonstrar que o legislador violou aqueles princípios constitucionais referidos.

Diogo Leite de Campos, in Separata da revista da Ordem dos Advogados, pág. 550 e ss., Ano 55-II, Julho de 1995, a propósito do IVA, refere que as quantias não entregues já são pertença do Estado, foram entregues ao sujeito para serem devolvidas ao Estado. “Nesta medida, o sujeito passivo está a privar o Estado de algo que lhe pertence”, e situação idêntica se verifica em relação às contribuições para a segurança social.

 Assim sendo é manifesto que não podemos concordar com a interpretação efetuada ao dispositivo legal do art. 24 do RJIFNA pelo Prof. Rogério Fernandes Ferreira in “Gestão, Contabilidade e Fiscalidade” ao referir que quem fature vendas mencionando o IVA, apenas terá de contabilizar, apurar, autoliquidar e pagar depois esse imposto nos prazos legais, e se o não fizer se entende que não incorre em crime fiscal, apenas se encontrando na situação de devedor fiscal, e que ninguém pode ser preso apenas por estar em situação de dívida de impostos.

A sociedade será um devedor substituto com a posição jurídica de detenção e de domínio sobre a prestação - entrega jurídica - para que ela posteriormente a devolva ao fisco.

E, por isso basta a não entrega da prestação, sem necessidade de apuramento do destino que lhe é dado.

A sociedade lesou uma relação de confiança que consistia no facto de as quantias lhe haverem sido entregues para que as devolvesse a quem de direito.

A ação de não entrega consubstancia um desvalor que consiste na defraudação da confiança que por força da lei havia sido depositada na sociedade.

E houve apropriação, pois que esta não significa só fazer suas aquelas quantias, ou as utilizar em seu proveito, mas também de as aproveitar como se fossem suas.

Assim se entendeu no acórdão do STJ de 15-1-97 in Col. Jurisp. (S) tomo I, pág. 190, que faz corresponder a situação em que se encontrava a arguida, já detentora dos valores do IVA e IRS, à do depositário “a integração na esfera patrimonial da recorrente dos valores do IVA verificou-se no momento em que se deu a inversão do título de posse, passando a recorrente a dispor dos quantitativos para satisfazer os seus compromissos. Verificou-se por isso a apropriação de que a lei fala. É, pois, despiciendo que a recorrente tivesse ou não feito distribuição de dividendos aos sócios para que se verifique a apropriação, pois esta existe independentemente de tal facto, já que a consumação do crime verifica-se logo que o agente passa a agir animo domino”. Assim como é irrelevante para efeitos de prática do crime que aqueles montantes de imposto fosse utilizados no pagamento de salários ou fornecedores e para que a crise económica os não atingisse, isto é, não se pode/deve ser benemérito como utilizando bens alheios.

E os montantes de impostos à guarda dos arguidos não são bens destes, logo, são bens alheios – cfr. ponto 24 dos provados.

Os arguidos (recorrente e sociedades, cada uma na situação que lhe respeita), voluntariamente, deram outro destino àquelas quantias, sendo certo que deixaram de as entregar nos serviços de cobrança dos impostos, como era sua obrigação.

Assim só se podia concluir, como se concluiu, face à prova produzida e seguindo as regras da experiência e livre convicção do julgador - art. 127 do CPP, que o arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, com intenção concretizada de não entregar as mencionadas quantias, sabendo que as mesmas lhes não pertenciam e que tinham obrigação de as declarar e entregar nos respetivos prazos legais.

As “dívidas fiscais” em causa nos autos tem natureza diferente das restantes dívidas da sociedade, de origem contratual, contraídas no exercício do seu comércio. Se destas a sociedade pode dispor e definir o grau de prioridade na satisfação dos credores, já o não pode fazer em relação àquelas, quer porque não são dívidas próprias (dinheiros próprios) da sociedade (esta é apenas depositária de quantias descontadas aos verdadeiros devedores e, que deve entregar ao Estado) quer porque determinando a lei responsabilidade penal para os casos de retenção dessas quantias, equivale à indisponibilidade para outro qualquer fim e consequentemente a possibilidade de existência de causas de exclusão, quer por necessidade ou por prevalência de deveres.

Assim que não se verificam circunstâncias de atenuação especial da pena:

- Art. 72 nº 2 al. b) do CP -Não é motivo honroso deixar de cumprir as obrigações tributárias (obrigação para com o Estado e consequentemente para com todos os cidadãos) e destinar os montantes das mesmas ao pagamento de salários ou de fornecedores (em benefício de alguns) – ponto 23 dos provados. A seguir se analisará a alegação do estado de necessidade e do conflito de deveres.

- Art. 72 nº 2 al. c)) do CP – Não houve arrependimento – ponto 64 dos provados, (o arguido entendeu e entende que não há de que se arrepender), assim como não houve reparação dos danos causados (o Procedimento Extrajudicial de Conciliação ou o plano de pagamento acordado  no processo de recuperação de empresas não é reparação voluntária dos danos).

- Art. 72 nº 2 al. d) do CP – Face à complexidade e vastidão dos factos em análise, decurso do processo administrativo/tributário  e posteriormente processo crime não se pode considerar ter decorrido muito tempo (cinco anos em relação aos factos mais antigos) que só por si justifique uma atenuação especial.

Causas que excluem a ilicitude e a culpa:

Artigo 34º do Código Penal:

Direito de necessidade

“Não é ilícito o facto praticado como meio adequado para afastar um perigo actual que ameace interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro, quando se verificarem os seguintes requisitos:

a) Não ter sido voluntariamente criada pelo agente a situação de perigo, salvo tratando-se de proteger o interesse de terceiro;

b) Haver sensível superioridade do interesse a salvaguardar relativamente ao interesse sacrificado; e

c) Ser razoável impor ao lesado o sacrifício do seu interesse em atenção à natureza ou ao valor do interesse ameaçado”.

Como se refere no Ac. desta Relação, de 28-03-2012, proferido no proc. nº 1133/10.0IDLRA.C1 (Relator Desemb. Paulo Guerra), “As dificuldades financeiras e económicas da empresa não justificam a conduta do arguido, sendo que a obrigação legal de entregar impostos ao Estado é superior ao dever funcional de manter a empresa a funcionar e de pagar os salários aos trabalhadores e as dívidas aos fornecedores.

Neste âmbito, não podem ser convocadas as figuras do estado de necessidade e do conflito de deveres, como causas de exclusão da ilicitude da conduta”.

            Concordando com o aí exposto o seguiremos.

            A generalidade da doutrina e da jurisprudência têm concluído de modo praticamente unânime pela improcedência das causas de exclusão de ilicitude do conflito de deveres ou de justificação da culpa do estado de necessidade desculpante, nas situações em que o gerente porque se debate com dificuldades económico-financeiras, e com vista a assegurar a manutenção da empresa, acaba por afetar o IVA liquidado e recebido ao pagamento de fornecedores em vez de proceder à sua entrega nos cofres do Estado, o que é o caso dos autos.

O conflito de deveres do artigo 36º do Código Penal pressupõe necessariamente um conflito de deveres para com os outros o que não existe na situação em apreço. Na verdade, a atuação do arguido/recorrente visou apenas assegurar o funcionamento do seu negócio (ou do negócio que lhe competia administrar) e, desse modo, salvaguardar um interesse próprio e não alheio.

Ademais e conforme entendimento comummente aceite pela jurisprudência não existe sequer conflito de deveres juridicamente relevante entre o manter a empresa em laboração ou pagar as quantias devidas ao fisco, sendo este último sempre prevalente face ao primeiro porque defende a supremacia do interesse público na recuperação das receitas fiscais o que promana de lei (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06 de Julho de 2006, proc. n.º 3372/2006-9).

Também não colhe nestas situações de não entrega do imposto motivada por dificuldades económicas e financeiras da empresa a verificação dos requisitos do estado de necessidade desculpante, nos termos do artigo 35º n.º 1 do Código Penal.

Com efeito, e conforme ensinava Cavaleiro Ferreira “a desculpabilidade terá lugar quando não seja razoável exigir dele (agente), segundo as circunstâncias do caso, comportamento diferente” (in Lições de Direito Penal I, Editorial Verbo, Lisboa, 1987, pág.167).

Para tanto dever-se-á ponderar, em concreto, o valor determinante do motivo que animou o agente, o fim subjetivo pretendido e o seu estado emotivo em contraposição com o desvalor objetivo do crime praticado.

De acordo com a jurisprudência, o estado de necessidade surge quando o agente é colocado perante a alternativa de ter de escolher entre cometer o crime ou deixar que, como consequência necessária de o não cometer, ocorra outro mal maior ou pelo menos igual ao do crime.

Quanto ao facto de saber se as dificuldades financeiras e económicas da empresa, justificam a conduta do arguido, tem vindo a ser afirmado jurisprudencialmente, que a obrigação legal de entregar impostos ao Estado é superior ao dever funcional de manter a empresa a funcionar e de pagar os salários aos trabalhadores e as dívidas aos fornecedores.

Já decidiu o Acórdão da Relação de Lisboa de 17/1/2007 que:

I –No nosso ordenamento jurídico optou-se por criminalizar a apropriação de prestações tributárias ou equiparadas, o que significa que o dever de não apropriação das mesmas prevalece sobre o dever de as entidades patronais pagarem os salários.

II – Não se pode apelar, neste âmbito, à figura do conflito de deveres, já que estão em confronto interesses próprios (que emergem da necessidade de manutenção do negócio) e interesses alheios (a obrigação de entregar ao Estado as quantias que lhe pertencem).

III - O estado de necessidade abrange as situações perigosas em que se encontra significativamente diminuído o desvalor da ação ilícita e que colidem com o processo de formação da vontade de tal forma que não é exigível ao agente comportamento diverso.

IV - Não se verifica tal estado de necessidade quando inexistem dados de facto que apontem no sentido de se encarar o não pagamento dos salários como tendo um perigo atual, nem no sentido de o único meio de que o arguido dispunha para pagar os salários consistia na assunção da conduta criminosa».

No caso sub judice, o arguido/recorrente optou pelo interesse que o beneficiaria a si permitindo-lhe a continuidade laboral da empresa em prejuízo do cumprimento das obrigações fiscais que visam a satisfação de necessidades coletivas essenciais, não se entendendo aquele primeiro interesse como superior ao resultante do cumprimento de prestações de natureza contributiva como as de natureza fiscal (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Dezembro de 2006 (proc. n.º 3360/2006-5).

Deste modo, pela ponderação dos interesses em causa, não se pode considerar verificados os requisitos do estado de necessidade desculpante, sendo pacífico que esta situação foi tão-só causada pelo agente do facto, em regra alertado previamente e por diversas vezes pela administração fiscal, revestindo a falta de entrega daquela prestação tributária carácter doloso não se vislumbrando nos autos razões objetivas que desculpabilizem ou mitiguem a sua culpabilidade.

            Neste acórdão que se vem seguindo se refere:

            “Compreende-se deste modo que o direito dos trabalhadores ao salário, assim como dos credores ao pagamento das matérias-primas fornecidas, não se afirme superior aos interesses do Estado, termos em que a atuação do arguido, atuando em representação da arguida sociedade, não se encontra justificada por atuar ao abrigo de um direito de necessidade.

 Particularmente impressivo sobre esta matéria, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa [Ac. RL 12.07.2005, CJ, ano XXX, tomo IV, pág. 133 e ss.] que “nada permite concluir que o dever de manter a empresa a funcionar, nomeadamente através do pagamento dos salários aos seus trabalhadores, seja superior ao de cumprir as obrigações fiscais, sendo certo que este último dever é uma obrigação legal e assim superior ao dever funcional de manter a empresa com os pagamentos em dia (…). Acresce que, a versão do recorrente distorcia gravemente as regras do mercado, conhecida que é a forte concorrência entre empresas que determina que nem todas tenham capacidade ou possam continuar a competir. Desse modo, estaria encontrada a «fórmula» que permitiria que algumas empresas, além de evitarem a perseguição criminal pelos crimes fiscais, usufruíssem de inadmissíveis vantagens de concorrência relativamente àquelas que cumprem as suas obrigações…”.

            De igual modo, não estando os deveres numa relação de paridade (um dever legal e o outro dever de cumprir contratos) [Ac. STJ 15.01.1997, CJSTJ, ano V, tomo I, pág. 190 e ss.; Ac. RG 11.11.2002, CJ, ano XXVII, tomo V, pág. 285 e ss.; Ac. STJ 18.06.2003, www.dgsi.pt; Ac. RP 09.06.2004, www.dgsi.pt; Ac. RP 15.02.2006, www.dgsi.pt; Ac. RP 26.09.2007, www.dgsi.pt], não se vislumbra em que moldes se poderá sustentar estar a conduta justificada no que à sua ilicitude concerne, por o arguido ter atuado num contexto de conflito de deveres.

 Mas, mesmo para quem assim não entenda, sempre se imporá concluir que, entre a imposição legal de não se apropriar das quantias por si deduzidas e de as entregar ao Estado, traduzido num dever geral de omissão – e o dever de ação – pagamento de credores – sempre prevaleceria o primeiro.

            Não se encontrava, pois, o recorrente em estado de necessidade ou em conflito de deveres, tendo antes aproveitado uma oportunidade dourada para ter menores custos, em detrimento do Fisco estatal.

Como tal, é ilícita a sua conduta, sendo ainda dolosa, atento o teor dos factos provados”.

O arguido /recorrente questiona as penas, parcelares e unitária apenas na perspetiva de que o tribunal recorrido só verificou a existência de valores negativos, nomeadamente , a aplicação de normas agravantes, esquecendo a aplicação de normas de sentido positivo, isto é, aplicação de atenuantes, a ponto de haver uma forte diminuição da moldura penal, senão mesmo a sua isenção e absolvição.

Como ficou demonstrado não há lugar à aplicação das ditas normas atenuantes, pelo que se mantêm as penas aplicadas, quer as parcelares quer a unitária, que não são questionadas em quaisquer outros termos.

Assim, que se julga improcedente o recurso do arguido.


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Decisão:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra e Secção Criminal em:

A)-Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido A... .

B)-Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Magistrado do Mº Pº e, em consequência decide-se:

1- Pedidos de Indemnização Civil:

- julgar procedente o pedido de indemnização civil deduzido no apenso A – processo 1696/12.6IDLRA - contra os demandados/arguidos A... e “ B... , SA” e, em consequência, condená-los, solidariamente, a pagar ao Estado Português a quantia de 69819,75€ acrescida de juros de mora até integral pagamento.

- julgar procedente o pedido de indemnização civil deduzido no apenso B- processo 1574/12.9IDLRA- contra os demandados/arguidos A... e « F... , SAD» e, em consequência, condená-los, solidariamente, a pagar ao Estado Português a quantia de 851957,92€ acrescida de juros de mora até integral pagamento.

- julgar procedente o pedido de indemnização civil deduzido no apenso D-processo 1653/12.2IDLRA- contra os demandados/arguidos A... e « F... , SAD» e, em consequência, condená-los, solidariamente, a pagar ao Estado Português a quantia de 228638,42€ acrescida de juros de mora até integral pagamento.

2- Custas Cíveis - Apensos B) e D):

- Condenar nas respetivas custas os demandados condenados A... e “ F... SAD”.

C)-Quanto ao mais, mantem-se o acórdão recorrido.


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Sem custas o recurso do Mº Pº

Custas pelo recorrente A... , com a taxa de justiça de 4 Ucs.

Coimbra, 09 de Março de 2016

(Jorge Dias - relator)

(Orlando Gonçalves - adjunto)