Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
58/12.0TBMGL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Descritores: PLANO DE INSOLVÊNCIA
CRÉDITOS FISCAIS
Data do Acordão: 12/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
MANGUALDE - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.85, 196, 199 CPPT, 30 Nº3 LGT, 123, 125 DA LEI Nº 55-A/2010 DE 31/12
Sumário: No actual contexto legal vigente emergente da Lei nº 55-A/2010, de 31.12.2010 (Orçamento do Estado para 2011), que se encontra em vigor desde 01.01.2011, e, concretamente, com base no disposto nos seus Arts. 123º e 125º, o primeiro dos quais aditou o actual nº 3 ao Art. 30º da LGT, deve ser recusada a homologação do plano de insolvência que afecte os créditos da Fazenda Nacional e que não conte com o voto favorável da Fazenda Nacional.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra

         I - Relatório

        

         1. O Magistrado do Ministério Público, em representação do Estado - Fazenda Nacional, veio interpor recurso da decisão que, apesar do voto desfavorável da credora Fazenda Nacional, homologou, com base no disposto no artigo 214º do CIRE e na maioria dos votos emitidos pelos credores favoravelmente ( mais de 2/3 ), o Plano de Insolvência da sociedade J (…) & Filhos, SA. apresentado e aprovado em Assembleia de Credores, Plano esse que, quanto à regularização dos créditos tributários da Fazenda Nacional que se traduzem em 205.000,00 euros (liquidação adicional resultante de inspecção tributária), e que caso a insolvente venha a perder as liquidações adicionais resultantes da inspecção tributária, pagará a importância dos impostos IVA e IRC, sem juros vencidos e vincendos, no prazo que falta para completar as cento e cinquenta (150) prestações mensais, contadas a partir da data de aprovação do plano, ficando unicamente sujeita à hipoteca legal efectuada pela Administração Tributaria, devendo ser repostas, sem mais, se ainda o não tiver feito, as importâncias cativas, pelo penhor de créditos realizado.

         Concluiu o recorrente, assim, a sua alegação:

          - Face ao disposto nos artigos 196.º e 199.º, do CPPT,  e 30.º, n.º 2, da LGT, os créditos fiscais são indisponíveis, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária;

         - A lei não prevê moratórias ou perdões quanto ao pagamento dos créditos fiscais, salvo regulação expressa nesse sentido – artigo  85.º, n.º 3,  do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 36.º, n.º 3, da LGT;

         - O princípio da indisponibilidade dos créditos tributários sobrepõe-se a qualquer outra legislação especial;

         - É o que resulta do número 3 do artigo 30.º, da LGT, introduzido pela Lei n.º 55 – A/2010, de 31 de Dezembro;

         - Não podendo os créditos tributários ceder face à maioria assumida em Assembleia de Credores, contra o voto da Fazenda Nacional, sem respeito pelo principio da igualdade e da legalidade tributária;

         - Tendo a douta sentença recorrida homologado o plano de insolvência, com o conteúdo e nos moldes aprovados pela Assembleia de Credores, aprovando a redução de créditos tributários e uma moratória no seu pagamento, sem respeito pelo principio da igualdade e da legalidade tributária, contra o voto da Fazenda Nacional, a douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos  85.º, n.º 3, 196.º e 199.º, do CPPT,  e 30.º, n.º  s 2 e 3, da LGT, e 125.º,  da Lei Geral do Orçamento do Estado para 2011;

         - Competindo ao Estado criar e extinguir os impostos bem como regular de forma soberana a sua forma de pagamento, não estando nas mãos dos particulares ( assembleia de credores ) decidir quando e onde se vai efectuar o pagamento dos impostos – artigo 36.º, n.º 2, da LGT e 103.º, da CRP – ao assim não o entender, a douta sentença homologatória do plano de insolvência  violou  o disposto no artigo 103.º, n.º 2, da CRP;

         - Acresce que não foi prevista a substituição dos administradores e gerentes responsáveis pela não entrega das prestações tributárias em causa , violando-se, assim, o artigo196.º, n. º 3 ,  do CPPT.

         Termina o recorrente pugnando pela revogação da sentença homologatória do plano de insolvência no que à inclusão neste dos créditos da Fazenda Nacional diz respeito, dando-se, assim provimento ao recurso.

         2. Apenas contra-alegou a insolvente J(…) & Filhos, SA., dizendo que o plano por si apresentado não prevê a redução ou extinção do crédito tributário, pelo que não ofende a indisponibilidade prevista no artigo 30º nº 2 da Lei Geral Tributária; o que diz o plano é que “caso a insolvente venha a perder as liquidações adicionais resultantes da inspeção tributária, pagará a importância dos impostos IVA e IRC, sem juros vencidos e vincendos”, ou seja, é a própria insolvente/recorrida que prevê o pagamento dos impostos IVA e IRC quando e se os mesmos forem definitivamente exigíveis – o que não é o caso dos presentes autos, não só porque foi apresentado recurso hierárquico contra as liquidações efectuadas pela administração fiscal, mas também porque, como resulta do respectivo apenso, o crédito reclamado pelo recorrente foi impugnado – pelo que o plano prevê o pagamento da totalidade do crédito tributário, conforme definido no artigo 30º nº 1 a) da L.G.T; coisa diferente do crédito tributário são os juros compensatórios ou indemnizatórios expressamente previstos nas alíneas d) e e) do referido artigo 30º nº 1 que, por serem coisa diversa do crédito tributário - porque se assim não fosse, não faria sentido estarem autonomizados naquele artigo 30º nº 1- podem ser objecto de redução ou extinção, pelo que ao prever o plano o não pagamento de juros compensatórios/indemnizatórios, o plano dos autos não afecta a indisponibilidade do crédito tributário reclamado pelo recorrente a título de IVA e IRC, uma vez que tais juros não integram aquele crédito, cujo pagamento, quando exigível, o plano prevê na totalidade; a douta sentença recorrida não viola o disposto nos artigos 30º n.ºs 2 e 3 da Lei Geral Tributária e 125º da Lei Geral do Orçamento de Estado para 2011 e também não viola o disposto em tais normas nem os artigos 85º, n.º 3, 196º e 199º do Código do Processo e Procedimento Tributário, desde logo, porque tais preceitos normativos não se aplicam ao processo de insolvência, e, não existindo, no caso dos autos, violação do princípio da igualdade tributária, nem mesmo da legalidade tributária, também não violou a douta sentença homologatória do plano de insolvência, o artigo 103º, n.º 2da CRP.

         Termina a recorrida defendendo que deve ser negado provimento ao recurso apresentado pelo Ministério Público.


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II – Âmbito do Recurso

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso ( Arts. 684º, nº 3, 685º-A e 660º, nº 2, do CPC ), é a seguinte a questão a decidir:

         - aferir da (im)possibilidade, por violação de normas imperativas tributárias, de, em processo de insolvência, os credores, no plano de insolvência, poderem acordar quanto à alteração das dívidas fiscais, vg. diferimento do início do seu pagamento e perdão dos respectivos juros de mora.


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         III- Fundamentação

         A) De Facto

         Em termos factuais o quadro relevante a ter em conta sintetiza-se da seguinte forma:

         - Na Insolvência em epígrafe a Fazenda Nacional reclamou créditos no valor de € 188.779, 41 ( cento e oitenta e oito mil setecentos e setenta e nove euros e quarenta e um cêntimos ).

         - No plano de insolvência apresentado pela insolvente, propôs-se esta pagar o crédito pela Fazenda Nacional, no caso de vir a perder as liquidações adicionais resultantes da inspecção tributária, a importância dos impostos IVA e IRC reclamados, sem juros vencidos e vincendos, no prazo que falta para completar as cento e cinquenta (150) prestações mensais, contadas a partir da data de aprovação do plano, ficando unicamente sujeita à hipoteca legal efectuada pela Administração Tributaria, devendo ser repostas, sem mais, se ainda o não tiver feito, as importâncias cativas, pelo penhor de créditos realizado.

         - Submetido a votação em assembleia de credores, o mencionado plano de insolvência foi aprovado por mais de 2/3 dos votos a favor, tendo a Fazenda Nacional votado contra, apesar do que veio a ser homologado por sentença proferida em 11-07-2012.


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         B) De Direito

         A questão basilar que se debate nos presentes autos consiste em saber se após a introdução do nº 3 do Artº 30º da Lei Geral Tributária, operada pelo Artº 125º da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, nos processos de insolvência instaurados a partir de 1 de Janeiro de 2011, bem como nos processos pendentes a esta data, cujo plano de insolvência ainda não tenha sido objecto de homologação, como acontece no caso em vertente, é possível, contra a vontade do Estado, reduzir ou extinguir créditos tributários e/ou conceder moratória.

         Baseia o recorrente o seu recurso no facto de sentença homologatória do plano de insolvência ter violado o disposto:

         -No Art. 103º, n.º 2, da CRP.

         - Nos Arts. 85º, 196.º e 199.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

         - Nos Art. 30º, n.º s 2  e 3  e 36º, n.º 3, da LGT; e ainda

         - No Art. 125º da Lei Geral do Orçamento do Estado para 2011.      

         Prevê-se no Art. 103.º da Constituição da República Portuguesa ( CRP ) que:

         (Sistema fiscal)

         1.O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.

         2. Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.

         3. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.

         Por sua vez, dispõe o Artigo 85.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário ( CPPT ) que:

         ( Prazos. Proibição da moratória e da suspensão da execução )

         1 - Os prazos de pagamento voluntário dos tributos são regulados nas leis tributárias.

         2 - Nos casos em que as leis tributárias não estabeleçam prazo de pagamento, este será de 30 dias após a notificação para pagamento efectuada pelos serviços competentes.

         3 - A concessão da moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, quando dolosas, são fundamento de responsabilidade tributária subsidiária.

         4 - A responsabilidade subsidiária prevista no número anterior depende de condenação disciplinar ou criminal do responsável.

         Já o Art.196.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário  ( CPPT ), preceitua que: 

         ( Pagamento em prestações e outras medidas )

         1 - As dívidas exigíveis em processo executivo podem ser pagas em prestações mensais e iguais, mediante requerimento a dirigir, até à marcação da venda, ao órgão da execução fiscal. (Redacção dada pela  Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

         2 - O disposto no número anterior não é aplicável às dívidas de recursos próprios comunitários e às dívidas resultantes da falta de entrega, dentro dos respectivos prazos legais, de imposto retido na fonte ou legalmente repercutido a terceiros, salvo em caso de falecimento do executado. (Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

         3 - É excepcionalmente admitida a possibilidade de pagamento em prestações das dívidas referidas no número anterior, sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional ou criminal que ao caso couber, quando: (Redacção dada pela  Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

         a) Esteja em aplicação plano de recuperação económica legalmente previsto de que decorra a imprescindibilidade da medida, podendo neste caso, se tal for tido como adequado pela entidade competente para autorizar o plano, haver lugar a dispensa da obrigação de substituição dos administradores ou gerentes; ou (Redacção dada pela  Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

         b) Se demonstre a dificuldade financeira excepcional e previsíveis consequências económicas gravosas, não podendo o número das prestações mensais exceder 12 e o valor de qualquer delas ser inferior a uma unidade de conta no momento da autorização.(Redacção dada pela  Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

         4 - O pagamento em prestações pode ser autorizado desde que se verifique que o executado, pela sua situação económica, não pode solver a dívida de uma só vez, não devendo o número das prestações em caso algum exceder 36 e o valor de qualquer delas ser inferior a 1 unidade de conta no momento da autorização. (Anterior nº 5 - Redacção dada pela  Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

         5 - Nos casos em que se demonstre notória dificuldade financeira e previsíveis consequências económicas para os devedores, poderá ser alargado o número de prestações mensais até 5 anos, se a dívida exequenda exceder 500 unidades de conta no momento da autorização, não podendo então nenhuma delas ser inferior a 10 unidades da conta. ( Anterior n.º 6 - Renumeração dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12)

         6 - Quando, no âmbito de plano de recuperação económica legalmente previsto, se demonstre a indispensabilidade da medida e, ainda, quando os riscos inerentes à recuperação dos créditos o tornem recomendável, a administração tributária pode estabelecer que o regime prestacional seja alargado até ao limite máximo de 150 prestações, com a observância das condições previstas na parte final do número anterior. (Redacção dada pela  Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

         7 - A importância a dividir em prestações não compreende os juros de mora, que continuam a vencer-se em relação à dívida exequenda incluída em cada prestação e até integral pagamento, os quais serão incluídos na guia passada pelo funcionário para pagamento conjuntamente com a prestação. ( Anterior n.º 8 - Renumeração dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

         8 - Podem beneficiar do regime previsto neste artigo os terceiros que assumam a dívida, ainda que o seu pagamento em prestações se encontre autorizado, desde que obtenham autorização do devedor ou provem interesse legítimo e prestem, em qualquer circunstância, garantias através dos meios previstos no n.º 1 do artigo 199.º (Redacção dada pela  Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

         9 - A assunção da dívida nos termos do número anterior não exonera o antigo devedor, respondendo este solidariamente com o novo devedor, e, em caso de incumprimento, o processo de execução fiscal prosseguirá os seus termos contra o novo devedor. (Anterior n.º 10 - Renumeração dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

         10 - O despacho de aceitação de assunção de dívida e das garantias apresentadas pelo novo devedor para suspensão da execução fiscal pode determinar a extinção das garantias constituídas e ou apresentadas pelo antigo devedor. (Redacção dada pela  Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

         11 - O novo devedor ficará sub-rogado nos direitos referidos no n.º 1 do artigo 92.º após a regularização da dívida, nos termos e condições previstos no presente artigo. (Anterior n.º 12 - Redacção dada pela  Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

         12 - O disposto neste artigo não poderá aplicar-se a nenhum caso de pagamento por sub-rogação.(Anterior n.º 13 - Redacção dada pela  Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

         E o Artigo 199.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT ), que:

         ( Garantias )   

         1 - Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.

         2 - A garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações.

         3 - Se o executado considerar existirem os pressupostos da isenção da prestação de garantia, deverá invocá-los e prová-los na petição.

         4 - Vale como garantia, para os efeitos do n.º 1, a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efectuar em bens nomeados para o efeito pelo executado no prazo referido no n.º 7. (Redacção dada pela  Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

         5 - No caso de a garantia apresentada se tornar insuficiente, a mesma deve ser reforçada nos termos das normas previstas neste artigo. (Redacção dada pela  Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

         6 - A garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo de pagamento voluntário ou à data do pedido, quando posterior, com o limite de cinco anos, e custas na totalidade, acrescida de 25 % da soma daqueles valores.(Redacção dada pela  Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

         7 - As garantias referidas no n.º 1 serão constituídas para cobrir todo o período de tempo que foi concedido para efectuar o pagamento, acrescido de três meses, e serão apresentadas no prazo de 15 dias a contar da notificação que autorizar as prestações, salvo no caso de garantia que pela sua natureza justifique a ampliação do prazo até 30 dias, prorrogáveis por mais 30, em caso de circunstâncias excepcionais. (Anterior 6 - Redacção dada pela  Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

         8 - A falta de prestação de garantia idónea dentro do prazo referido no número anterior, ou a inexistência de autorização para dispensa da mesma, no mesmo prazo, origina a prossecução dos termos normais do processo de execução, nomeadamente para penhora dos bens ou direitos considerados suficientes, nos termos e para os efeitos do n.º 4. (Redacção dada pela  Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

         9 - É competente para apreciar as garantias a prestar nos termos do presente artigo a entidade competente para autorizar o pagamento em prestações. (Anterior 8 - Redacção dada pela  Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

         10 - Em caso de diminuição significativa do valor dos bens que constituem a garantia, o órgão da execução fiscal ordena ao executado que a reforce ou preste nova garantia idónea no prazo de 15 dias, com a cominação prevista no n.º 8 deste artigo..(Redacção dada pela  Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

         11 - A garantia poderá ser reduzida, oficiosamente ou a requerimento dos contribuintes, à medida que os pagamentos forem efectuados e se tornar manifesta a desproporção entre o montante daquela e a dívida restante. (Anterior 10 - Redacção dada pela  Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

         12 - As garantias bancárias, caução e seguros-caução previstas neste artigo são constituídas a favor da administração tributária por via electrónica, nos termos a definir por portaria do Ministro das Finanças. (Aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

         Por seu lado, diz-se no Art. 30º da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo DL 398/98, de 17/12 (ao abrigo da Lei 41/98, de 4/8):

         (Objecto da relação jurídica tributária)

         1 - Integram a relação jurídica tributária:

         a) O crédito e a dívida tributários;

         b) O direito a prestações acessórias de qualquer natureza e o correspondente dever ou sujeição;

         c) O direito à dedução, reembolso ou restituição do imposto;

         d) O direito a juros compensatórios;

         e) O direito a juros indemnizatórios.

         2 - O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária.

         3 - O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial. (número introduzido pela Lei 55-A/2010).

         E, por sua vez, no Artigo 36.º Lei Geral Tributária (LGT) que: 

         (Regras gerais)

         1 - A relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário.

         2 - Os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes.

         3 - A administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei.

         Por último, prescreve o Art.125º da Lei 55-A/2010, de 31.12.2010 ( Lei do Orçamento Geral do Estado para 2011 ), que:

         ( Disposições transitórias no âmbito da LGT  )

         O disposto no n.º 3 do artigo 30.º da LGT é aplicável, designadamente aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação, sem prejuízo da prevalência dos privilégios creditórios dos trabalhadores previstos no Código do Trabalho sobre quaisquer outros créditos.

Traçado o quadro legal em que o recorrente Ministério Público se move para pôr em causa a decisão homologatória do plano de insolvência proferida nos autos e ora recorrida, abordemos, então, a questão essencial que se coloca nos presentes autos e que consiste em saber em que medida é que os créditos fis­cais não podem resultar afectados por um plano de insolvência ( no qual se prevê o respectivo pagamento diferido, em 150 prestações, além do perdão dos juros vencidos e vincendos), que foi aprovado segundo o quorum legal mas com o voto contra da administração fiscal, de modo que a homologação deva ser recusada.

         Pode ler-se do ponto 6. do preâmbulo do Dec. Lei 53/2004, de 18.03, o qual foi posteriormente alterado e republicado pelo Dec. Lei 200/2004, de 18.08, (CIRE) que na filosofia da actual lei, depois de expressamente se ter abandonado a primazia da protecção da empresa contida na lei anterior, está subjacente uma tramitação de carácter iminentemente supletivo baseada na liquidação do património do devedor, já que se atribui aos credores a possibilidade de aprovarem um plano de insolvência que se afaste do regime contido no CIRE tendo em vista a satisfação dos seus interesses, assente na recuperação da empresa.

         Daí que a ideia fulcral e prioritária ínsita na lei (CIRE) seja a de que é sempre a vontade dos credores que comanda todo o processo de insolvência, e assim, “(…) Aos credores compete decidir se o pagamento se obterá por meio de liquidação integral do património do devedor, nos termos do regime disposto no Código ou nos que constem de um plano de insolvência que venham a aprovar, ou através da manutenção em actividade e reestruturação da empresa, na titularidade do devedor ou de terceiros, nos moldes também constantes de um plano.

         Cumpre, todavia, advertir, que nem a não aprovação de um plano de insolvência significa necessariamente a extinção da empresa, por isso que, iniciando-se a liquidação, deve o administrador da insolvência, antes de mais, diligenciar preferencialmente pela sua alienação como um todo, nem a aprovação de um plano de insolvência implica a manutenção da empresa, pois que ele pode tão somente regular, em termos diversos dos legais, a liquidação do património do devedor.

         Não valerá, portanto, afirmar que no novo Código é dada primazia à liquidação do património do insolvente.

         A primazia que efectivamente existe, não é demais reiterá-lo, é a da vontade dos credores, enquanto titulares do principal interesse que o direito concursal visa acautelar: o pagamento dos respectivos créditos, em condições de igualdade quanto ao prejuízo decorrente de o património do devedor não ser, à partida e na generalidade dos casos, suficiente para satisfazer os seus direitos de forma integral.”.

Postas estas considerações, e sem necessidade de lançarmos mão de todo o preceituado legal que ancora a pretensão do recorrente e as conclusões por este adiantadas, que apenas aqui transcrevemos para permitir uma melhor panorâmica do contexto legal que envolve a questão em análise,  começaremos por  dizer que, com base no quadro normativo vigente ainda em 2010, a maioria da jurisprudência vinha entendendo que a indisponibilidade dos créditos tributários se impunha tão só no âmbito da relação tributária, constituída entre a entidade credora do tributo e o contribuinte devedor, não se estendendo à relação vigente no processo de insolvência, em que as entidades titulares dos créditos fiscais ou parafiscais se apresentam em posição de perfeita paridade com os demais credores.

E, sustentava então tal jurisprudência, que sendo o CIRE, na circunstância, lei especial relativamente aos regimes das dívidas fiscais e parafiscais, dando lugar à aplicação do princípio de que lex specialis derogat legi generali, defendia a mesma que o plano de insolvência aprovado em assembleia de credores reunida no âmbito de processo de insolvência vinculava as entidades detentoras de créditos fiscais e parafiscais, mesmo que tais entidades se lhe tivessem oposto, nada obstando à sua homologação. – Neste sentido, vide, entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 13/01/2009 (Proc. 08A3763, relatado pelo Cons. Fonseca Ramos) e de 04/06/2009 (Proc. 464/07.1TBSJM-L.S1, relatado pelo Cons. Álvaro Rodrigues); Acórdãos da Rel. do Porto de 10/09/2009 (Proc. 485/08.7TBVNG.P1), 02/02/2010 (Proc. 1671/08.TJVNF-D.P1), 09/02/2010 (Proc. 1589/06. 6TBMCN-F.P1), 16/03/2010 (Proc. 112/09.5TYVNG.P1), 11/05/2010 (Proc. 552/09.0TMSMJ.P1), 28/10/2010 (Proc. 833/08.0TYVNG.P1), 23/11/2010 (Proc. 4216/08.3TJVNF-A.P1) e de 07/04/2011 (Proc. 2525/09.3TBSTS-G.P1); Acórdãos da Rel. de Lisboa de 30/10/2008 (Proc. 8662/2008-2) e de 10/03/2011 (Proc. 28738/09.0T2SNT.L1-2); e Acórdão da Rel. Coimbra de 01/02/2011 (Proc. 788/09.3TBMGR-C.C1), todos in www.dgsi.pt.

Embora minoritária, é certo, outra corrente jurisprudencial vinha assumindo posição diferente, sendo dela exemplos os Acórdãos da Rel. Porto de 08/10/2007 (Proc. 4484/2007) e de 30/06/2008 (Proc. 3595/2008 ), também disponíveis in www.dgsi.pt, ancorada ainda nalguma doutrina no mesmo sentido, entre a qual se conta Rui Duarte Morais, in «Os credores tributários no processo de insolvência», in Direito e Justiça, vol. XIX, 2005, tomo II, pág. 205 ss, maxime pág. 221 ss.
A verdade é que no actual contexto legal vigente emergente da Lei nº 55-A/2010, de 31.12.2010 (Orçamento do Estado para 2011), que se encontra em vigor desde 01.01.2011, cujo art. 123º aditou o actual nº 3 ao art. 30º da LGT, afigura- se-nos que a solução dada à questão que se dirime nos presentes autos pela referida corrente jurisprudencial maioritária carece de reponderação.
De facto, antes desse aditamento, o Art. 30º da LGT quedava-se pelo nº 2, onde se dispõe que “o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”, permitindo o entendimento maioritário mas controverso atrás referido, de que se trata de uma lei geral em relação ao CIRE, susceptível de ser afastada por lei especial, como sendo o CIRE.
A verdade é que aditado o nº 3 ao mencionado art. 30º, segundo o qual “o disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial”, mostra-se afastado explicitamente o aludido entendimento maioritário, inculcando, sem legítima margem para dúvidas, que a indisponibilidade dos créditos tributários não pode, sem consentimento da entidade credora, ser arredada pelo plano aprovado em assembleia de credores constituída no âmbito de processo de insolvência.

         Com efeito, e como se salienta no recente Ac. do STJ, de 10-05-2012 (368/10.0TBPVL-D.G1.S1) relatado pelo Cons. Álvaro Rodrigues), disponível in www. dgsi.pt, a Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro ( Lei do Orçamento do Estado para 2011) não deixou as coisas no estado em que estavam. Tal Lei 55-A/2010 veio introduzir o nº 3 nesse artº 30º da LGT, estabelecendo a prevalência dessa indisponibilidade sobre qualquer legislação especial e é essa a norma que é aplicável aos processos de insolvência instaurados a partir de 1 de Janeiro de 2011, bem como aos processos pendentes nesta data e cujo plano de insolvência ainda não tenham sido objecto de homologação, por força do disposto no artº 125º da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro.

E, como não poderia deixar de ser esta nova norma é aplicável ao caso dos autos, como se defende no, ainda, mais recente Ac. da Rel. de Coimbra, de 02.10.2012, Proc. 1140/10.3TBVNO-H.C1, relatado pelo Des. Virgílio Mateus.
         E se, como se salienta neste último aresto, dúvidas restassem face a esse novo nº 3, elas se apagariam perante o art. 125º da referida Lei nº 55-A/2010, que preceitua: “o disposto no n.º 3 do artigo 30º da LGT é aplicável, designadamente aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação, sem prejuízo da prevalência dos privilégios creditórios dos trabalhadores previstos no Código do Trabalho sobre quaisquer outros créditos”, pois, na situação abordada no mesmo, como naquela que se coloca no presente recurso, não se mostra necessário – para o efeito de aplicação do art. 13º/1 do CC - discorrer sobre a natureza interpretativa do dito normativo do nº 3 do art. 30º da LGT, atendendo ao claro preceito do dito Art. 125º no sentido da aplicação aos processos de insolvência ainda que pendentes de homologação, na medida em que a decisão homologatória que vem posta em causa no discurso e nas conclusões recursivas  foi proferida em 11-07-2012, portanto depois da entrada em vigor da Lei nº 55-A/2010 e do novo nº 3 do art. 30º da LGT.

         Assim, perfilhando o entendimento sufragado nos Acórdãos da Relação do Porto de 07.07.2011 e de 13.07.2011, in www. dgsi.pt, Procs. nº 393/10 e 134/11,  « se o legislador quis fazer valer, também para os processos de insolvência, o princípio geral consagrado no art. 30º, nº2 da LGT de que o crédito tributário é indisponível, só podendo fazer reduzido ou extinto com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária, atento o disposto nos artigos 7º, nº3 e 9º do Código Civil, julgamos que a conclusão a tirar é a de que foi vontade do legislador afastar, de forma expressa,  qualquer interpretação no sentido de que o regime especial do CIRE  derroga o regime geral da LGT.    

         Daí ter-se por assente, por um lado, que nos processos de insolvência instaurados a partir de 1 de Janeiro de 2011 bem como nos processos pendentes a esta data e cujo plano de insolvência ainda não tenha sido objecto de homologação, não é possível, contra vontade do Estado, reduzir ou extinguir créditos tributários e/ou conceder moratória.

         E, por outro lado, que a homologação de um plano de insolvência aprovado pela assembleia de credores, com o voto contra do Estado por o mesmo não respeitar o regime previsto no citado DL nº 411/91 e na LGT relativamente aos créditos tributários, é ineficaz em relação à Fazenda Nacional e ao Instituto de Segurança Social, I.P., não produzindo quaisquer efeitos relativamente a tais credores. 
         Logo, os novos e actuais normativos citados são aplicáveis ao caso em vertente e deviam ter sido considerados na decisão proferida pela 1ª instância.
         E, não se diga, como pretende a recorrida nas suas contra-alegações que não há violação do disposto em tais normativos legais, porquanto, em face do consignado no plano de insolvência a propósito dos créditos da Fazenda Nacional é incontornável que estes sofrem uma redução ( no que tange à isenção de juros vencidos e vincendos ) e que para o respectivo pagamento foi concedida moratória.
O que se deixa dito implica que a indisponibilidade do crédito tributário, consagrada no nº 2 do artº 30º da LGT, prevalece sobre o CIRE (mesmo para quem considere este como legislação especial em relação à LGT), não podendo manter-se a decisão de homologação do crédito da Fazenda Nacional contra o voto desfavorável desta.
         No mesmo sentido se pronunciou os acórdãos desta mesma Relação de 29.11.2011, no Pº 588/08 (relator Artur Dias),

Perante o assim decidido, fica prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas no douto recurso acerca de outros normativos, bem assim como a ponderação daquelas que suscita a recorrida nas suas contra-alegações apresentadas.


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         IV- Sumário ( Art. 713º Nº7 C.P.C. )

- No actual contexto legal vigente emergente da Lei nº 55-A/2010, de 31.12.2010 (Orçamento do Estado para 2011), que se encontra em vigor desde 01.01.2011, e, concretamente, com base no disposto nos seus Arts. 123º e 125º, o primeiro dos quais aditou o actual nº 3 ao Art. 30º da LGT, deve ser recusada a homologação do plano de insolvência que afecte os créditos da Fazenda Nacional e que não conte com o voto favorável  da Fazenda Nacional.


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V -  Decisão

         Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, e, em consequência, revoga-se a sentença homologatória recorrida.

Custas pela massa insolvente.

        

                                      

                                               Maria José Guerra ( Relatora)

                                               Albertina Pedroso

                                               Virgílio Mateus