Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2319/19.8T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
SOCIEDADE ANÓNIMA
DELIBERAÇÕES SOCIAIS
AMORTIZAÇÃO DE ACÇÕES
CLÁUSULA DE AMORTIZAÇÃO
ACÇÕES ARRESTADAS
Data do Acordão: 12/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.56, 58, 233, 242, 347 CSC
Sumário: 1 – Falando-se tão só, na cláusula estatutária que permite a amortização, em ações “arrestadas”, deve interpretar-se, nada havendo a apontar para “especiais” funções/finalidades da cláusula, que o direito potestativo de amortização das ações fica constituído, na esfera da sociedade, tão só após haver transitado em julgado a decisão que decretou o arresto (e não logo com a materialização/realização do arresto, que ocorre com a comunicação da decisão à entidade bancária e à entidade emitente).

2 – É este o sentido mais razoável face aos normais interesses em disputa: a situação de perigo, merecedora de tutela, que o arresto cria para o interesse social (de controlar e evitar a entrada de novos acionistas indesejados para o círculo social) e, por outro lado, a gravidade dos efeitos da amortização para a esfera jurídica do acionista, maxime (e no caso) a irreversível perda da sua qualidade de sócio.

3 – Importando ainda não perder de vista (na interpretação da cláusula) que o arresto – o facto/evento permissivo da amortização – é uma decisão que é por natureza provisória, decretada com sacrifício do prévio contraditório e assente, quanto ao crédito invocado pelo seu requerente, numa convicção formada por juízos de mera verosimilhança ou probabilidade (baseados em prova produzida tão só pela parte que o requereu); e que estamos perante uma amortização compulsiva (que não carece de consentimento) de ações, que será imposta por deliberação em que, devido a impedimento de voto, o acionista afetado nem sequer pode votar.

Decisão Texto Integral:








Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

C (…), residente na (…), intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra C (…)S.A., com sede (…), pedindo que sejam:

a) Declaradas nulas as deliberações sociais tomadas na assembleia geral realizada no dia 15 de abril de 2019, nos termos conjugados dos artigos 56.º/1/d) do CSC e 334.º do C. Civil; ou

b) Anuladas as deliberações sociais tomadas na assembleia geral realizada no dia 15 de abril de 2019, ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 58º do Código das Sociedades Comerciais; e

c) Anuladas as deliberações sociais subsequentes à amortização das ações do autor – em concreto as deliberações sociais que deliberaram o aumento de capital da “A(…)” e a eleição de órgãos sociais para o triénio 2019/2021 – por apenas terem sido possíveis na sequência da ilegal amortização das ações do autor.

Alegou, em síntese, que – sendo ele e a A (…) titulares de ações representativas de 50%, cada um deles, do capital social da R. – foi convocada (a pedido dos Administradores da R. indicados pela A (…)) e designada AG da R. para o dia 15 de abril de 2019, tendo como assunto a amortização da totalidade das ações de que o A. é titular na R., respetiva contrapartida e consequente redução do capital social da sociedade; AG que se realizou e em que, com o voto favorável da A (…) foi deliberada a amortização das referidas ações da titularidade do A., sem contrapartida e com a consequente redução do capital social da R. de € 23.885.510 para € 11.942.755, tendo-se invocado, como fundamento para tal amortização, o arresto que havia sido decretado sobre tais ações do A..

Sucede, segundo o A. – e sem prejuízo do art. 7.º/1/d) do pacto social permitir a amortização de ações em caso de arresto das mesmas – que, para tal poder acontecer, tem o arresto que ser definitivo (o que ainda não havia ocorrido por, em 15/04/2019, ainda não ter transitado em julgado a decisão que o decretou, mas exatamente por ainda estar pendente de reclamação o Acórdão da Relação que havia confirmado o arresto), para além da sua “ratio” (de tal possibilidade de amortização) ser a de evitar a entrada de estranhos na sociedade/R., o que não se verifica no caso, na medida em que o arresto foi pedido/decretado a favor de sociedades participadas da própria R..

Alegou ainda que as deliberações, aprovadas na AG de 15-04-2019, são abusivas por terem apenas em vista afastar o A. da R. e do Grupo de empresas por si criado e permitir que a “Ar(…)” ficasse com a participação social do A. a custo zero (a partir dum relatório, só dado a conhecer à acionista “A(…)”, em que não foi conferido qualquer valor contabilístico às ações, em virtude duma prévia avaliação seletiva das pedreiras do Grupo).

Contestou a R., sustentando, em resumo, que estavam reunidas toda as condições estatutárias para a amortização da participação do A. no capital social da R., uma vez que “a possibilidade estatutária de amortização de participações arrestadas não exige o trânsito em julgado da decisão judicial que decretou a medida cautelar”, já que a respetiva disposição estatutária tem como finalidade proteger a R. face a acionistas sem capacidade para a capitalizar, estando ainda as deliberações justificadas do ponto de vista económico e de salvaguarda da R. (que apresentava capitais próprios negativos) e de modo algum tendo em vista afastar o A. da R. e permitir que a “A(…)” ficasse com a participação social do A. a custo zero; deliberações que foram tomadas em AG antecedida de todos os procedimentos devidos, tendo sido concedida ao A. a oportunidade de sanar a situação do arresto (mantido após a oposição do A. e, mais tarde, confirmado pelo TRC) e a possibilidade de nomear um ROC da sua confiança para avaliar a sua participação social, para além do relatório de avaliação, elaborado por ROC independente, ter sido disponibilizado aos acionistas, na sede social, no âmbito dos documentos preparatórios da AG..

Concluiu pela total improcedência da ação e pela sua absolvição de todos os pedidos.

Foi designada e realizada audiência prévia, tendo sido facultada às partes a discussão de facto e de direito nos termos previstos no artigo 591.º/1/b) do CPC.

Após o que, entendendo o Exmo. Juiz que os autos contêm todos os elementos necessários para uma decisão sobre o mérito da causa, passou de imediato a apreciá-la e a proferir sentença em que, a final, julgou a ação procedente e, em consequência:

“ (…)

Anulou as deliberações tomadas na assembleia geral da ré ocorrida em 15 de abril de 2019, mencionada nos artigos 30.º (trigésimo) e 31.º (trigésimo primeiro) dos factos provados;

Declarou nulas as deliberações tomadas na assembleia geral da ré ocorridas em 15 de abril de 2019, mencionadas nos artigos 32.º (trigésimo segundo) e 33.º (trigésimo terceiro) dos factos provados. (….).

Inconformada com tal decisão, interpôs a R. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão em que deve:

“(…)

a. Ser anulada a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, em virtude de a mesma se reputar deficiente e não devidamente fundamentada, uma vez que não foram tidos em consideração factos essenciais para a boa decisão da causa, bem como frustrada a produção de prova pelas Partes, nos termos do Art. 662.º, n.º 2, al. c) do CPC,

b. Ser decretada a nulidade da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, por violação do Art. 595.º, n.º 1, al. b) do CPC e do dever de fundamentação, à luz do Art. 615.º, n.º 1, al. b) do CPC;

c. Ser retificada a Sentença proferida pelo Tribunal a quo no que respeita aos factos provados n.º 6 e 18, nos termos do Art. 662.º, n.º 1 do CPC; e

d. Ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser a Sentença recorrida revogada por erro na aplicação e interpretação da lei e do direito, o que se requer nos termos e com todos os demais fundamentos legais.(…)”

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

(…)

O A. respondeu, sustentando, em síntese, que a sentença recorrida não violou qualquer norma processual ou substantiva, designadamente as referidas pela recorrente, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

“ (…)

1. A Recorrente vem interpor recurso da decisão proferida pelo Tribunal a quo que julgou a presente ação judicial totalmente procedente, e consequentemente, determinou a anulabilidade das deliberações tomadas na AG da Recorrente ocorrida a 15 de abril de 2019 e, ainda, a nulidade das deliberações tomadas na AG da Recorrente ocorrida no mesmo dia 15 de abril de 2019.

2. A Recorrente fundamenta o presente recurso, essencialmente, em dois pontos:

i) Anulação da sentença recorrida por entender que a mesma está deficiente e não devidamente fundamentada;

ii) Nulidade da sentença recorrida por violação do art. 595º, n.º 1, al. b) do CPC e do dever de fundamentação.

3. A sentença proferida pelo Tribunal a quo é válida, não padecendo de quaisquer vícios, devendo a mesma ser confirmada pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra.

4. Alega a Recorrente que o Tribunal a quo não considerou determinada matéria de facto alegadamente essencial para a boa decisão da causa.

5. Os alegados factos que a Recorrente considera essenciais não passam de histórias paralelas, que não assumem qualquer relevância para os presentes autos.

6. O Tribunal a quo entendeu, e bem, que para os autos são irrelevantes os factos que levaram à destituição do Recorrido do conselho de administração da Recorrente, bem como os alegados créditos que a Recorrente diz deter junto do Recorrido.

7. A questão a apreciar nos presentes autos, e que ficou muito claro em sede de audiência prévia, realizada no dia 07.01.2020, e que mereceu, aliás, a concordância da Recorrente, é a seguinte: determinar se as deliberações sociais tomadas na assembleia geral da Recorrente, no dia 15.04.2019 são ou não são válidas e quais as consequências, caso se venha a determinar que são inválidas.

8. Invoca a Recorrente, nas suas alegações de recurso, que o Tribunal a quo “deveria ter levado a julgamento a presente ação, ouvido as testemunhas arroladas, por forma a aferir devidamente o enquadramento fáctico global que culminou com a tomada das deliberações impugnadas e com vista a apurar a real vontade das partes”.

9. A Recorrente concordou na audiência prévia realizada no dia 07.01.2020 e nem sequer impugnou o despacho proferido na ata da audiência prévia.

10. A Recorrente está a agir em manifesto abuso de direito, na vertente de venire contra factum proprium.

11. A conduta da Recorrente é contraditória, pois na audiência prévia anuiu com a dispensa de julgamento e consequente conclusão dos autos a fim de ser proferida decisão e vem agora - e apenas porque a sentença lhe foi desfavorável - socorrer-se dessa ausência de realização de julgamento (que mereceu a sua concordância!) para invocar nulidades da sentença.

12. Sobre estes comportamentos, escreve o Supremo Tribunal de Justiça que “O abuso de direito pressupõe a existência da uma contradição entre o modo ou fim com que a titular exerce o direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito casos em que se excede os limites impostos pela boa fé.”

13. Dúvidas inexistem sobre a conduta abusiva da Recorrente, que criou uma expectativa tanto no Tribunal, como no Recorrido, e que, agora, volvidos 6 meses, vem invocar esses factos para beneficiar de uma sentença alegadamente nula, apenas porque a decisão lhe é desfavorável.

14. O Tribunal a quo atuou apenas e sempre em consonância com as Partes e se dispensou a realização de audiência de julgamento foi apenas e só porque as Partes consentiram.

15. A questão a decidir nos presentes autos é essencialmente uma questão de direito, pelo que não se vislumbra qualquer relevância na inquirição de testemunhas.

16. O Tribunal a quo fez, e bem, uso do dever de gestão processual e do princípio da adequação formal, previstos, respetivamente, nos artigos 6º e 547º, do Código Processo Civil, tendo entendido adequada a prolação de decisão final sem necessidade de produção de prova adicional.

17. A questão central dos presentes autos é saber se a amortização das ações do Recorrido, com fundamento no seu arresto, estava ou não condicionada ao trânsito em julgado da respetiva decisão.

18. Nos termos do n.º 1 do art. 619º do CPC, a decisão que decretou o arresto só tem força obrigatória dentro e fora do processo com o respetivo trânsito em julgado.

19. Ora, a situação que dará origem ao direito da Recorrente de amortizar as ações, in caso, é o arresto DEFINITIVO das participações sociais – conforme decidiu, e bem, o Tribunal a quo.

20. Esta é a única interpretação do n.º 1 do artigo sétimo que se coaduna com as regras normativas.

21. Ora, se procedermos à análise do artigo sétimo, no seu número 1, verifica-se, sem margem para qualquer dúvida, que a previsão contratual para a amortização tem como única “ratio” evitar a entrada de estranhos na Sociedade Recorrente.

22. A referida participação social detida pelo Recorrido está arrestada a favor das Sociedades acima identificadas, e que, refira-se, são detidas exclusivamente pela Recorrente.

23. Não faz sentido a tese defendida pela Recorrente, ao distinguir o regime do arresto da penhora no artigo sétimo do pacto social.

24. Refere a Recorrente que “o perigo com a entrada de terceiros coloca-se com a penhora de ações e não com o arresto” – cfr. Pág. 22 das alegações de recurso da Recorrente.

25. Na prática, sendo o arresto considerado pela jurisprudência como uma penhora antecipada, não faz qualquer sentido o entendimento da Recorrente ao distinguir a ratio do artigo sétimo do pacto social: para casos de penhora, tem um entendimento; para casos de arresto, tem outro oposto.

26. Ao arresto aplicam-se, subsidiariamente, as regras da penhora.

27. As deliberações sociais da Recorrente tomadas no dia 15.04.2019, sobre a redução de capital com consequente aumento e eleição de órgãos sociais é nula por equivaler a uma assembleia não convocada, nos termos do art. 56º do CSC.

28. Caso assim não se entenda, será sempre anulável nos termos do art. 58º, n.º 1, al. b) do CSC.

29. Por tudo o que foi dito, somos em crer que a sentença ora posta em crise não padece de quaisquer vícios que a invalidem.

30. Nem que o Tribunal a quo tenha feito uma errada aplicação do direito aos factos.

(…)

52. Posto isto e em suma, deve o presente recurso de apelação improceder e ser confirmada a sentença recorrida.

53. Declarando anuláveis a deliberação que amortizou a participação social do Recorrido (nos termos e para os efeitos do art. 28º, n.º 1, al. a) do CSC) e nulas as deliberações do aumento de capital e eleição de órgãos sociais (nos termos do art. 56º do CSC)..

54. Tudo com as demais consequências legais.(…)”

Foram juntos pareceres de 3 jurisconsultos: um pelo A. e dois pela R..

Dispensados os vistos, mantendo-se a instância regular, cumpre, agora, apreciar e decidir.


*

II – “Reapreciação” da decisão de facto

Como “questão prévia” à enunciação dos factos provados, importa – atento o âmbito do recurso, delimitado pelas conclusões da respetiva alegação – analisar as questões a propósito da decisão de facto colocadas a este Tribunal.

Sustenta a R/apelante que foram desconsiderados factos, por si alegados, relevantes para a decisão; que alguns de tais factos estão já provados e que, por isso, devem ser incluídos no elenco dos factos provados e que outros, sendo controvertidos, devem ser levados a julgamento, razão pela qual a decisão recorrida “deverá ser anulada nos termos do Art. 662.º/2/c) do CPC”.

Com exceção desta última parte – de haver factos relevantes ainda controvertidos – tem, desde já se antecipa, razão a R/apelante.

O termo “factos” é em rigor, e como todos sabemos, uma abreviatura da expressão “factos juridicamente relevantes”: num processo, tudo é comandado pelo direito, pelo que, quando se procede à listagem de factos (provados e não provados), o único critério de seleção é sempre e apenas o direito, razão pela qual só podem/devem ser considerados os “factos” (e entrar na “listagem”) a que o direito confira relevância.

Vem isto a propósito da presente “reapreciação da decisão de facto” se situar nesse momento mental, oculto (mas nunca ausente) na generalidade das reapreciações da decisão de facto, em que a questão está, via de regra, apenas em saber se os depoimentos, as declarações e os documentos impõem ou não que se dê como provado este ou aquele facto (que, não se discute, ser juridicamente relevante).

Aqui, a questão (da “reapreciação da decisão de facto”) está em saber/dizer se um concreto conjunto de factos alegados pela R/apelantes é juridicamente relevante; se tais factos podem/devem ser chamados à discussão estritamente substantiva (ainda que, com ou sem eles, o desfecho passa ser o mesmo).

E é justamente por isto que aqui, na presente reapreciação da decisão de facto, a solução está apenas no direito convocável, mais exatamente nas regras aplicáveis à interpretação dos estatutos societários.

E segundo tais regras – quer se defenda que os estatutos devem ser interpretados mais objetivamente, de acordo com as regras de interpretação da lei (Art. 9.º do CC), quer se defenda que devem ser interpretados de acordo com as regras de interpretação do negócio jurídico (Art. 236.º- 238.º do CC) – o certo é que não se nega que pode/deve ser ponderado todo o contexto negocial que levou à aprovação das cláusulas estatutárias em causa, especialmente quando, como é o caso, estamos perante uma sociedade anónima de forte cunho personalístico[1] e uma cláusula estatutária que fundamentalmente regula relações entre a sociedade e os sócios (e não tanto a organização e funcionamento social relevantes para terceiros).

E, sendo assim, pode/deve ser incluído no elenco dos factos provados (uma vez que não está controvertido)[2] que:

-No dia 11 de Outubro de 2013, a A(…), que é uma sociedade instrumental constituída pelo F (…) ou pela respetiva S (…), com 50.000 euros de capital, sucedeu ao F (…) na titularidade da participação de 50% do capital da Ré, adquirida por este em 29 de Julho de 2013, como tinha aliás sido previsto que sucederia logo no Acordo Parassocial celebrado na mesma data de 29 de Julho de 2013, entre os dois acionistas da R.

 - Até 2013, o Autor detinha, direta ou indiretamente, a totalidade do capital da Sociedade R..

 - Nessa altura, a Sociedade R. encontrava-se numa situação de insolvência técnica, motivada pelo elevado nível de dívida de curto prazo e pela incobrabilidade dos fornecimentos prestados.

 - Em 2013, o Grupo C (…) estava numa situação crítica de tesouraria, com uma dívida líquida de 153 Milhões de euros para um EBITDA de apenas 7 Milhões de Euros (rácio DL/EBITDA de 21,8x, quando os bancos muito dificilmente emprestam a empresas com mais de 5x), colocada numa situação de insolvência iminente caso não tivesse sido realizada a reestruturação do seu enorme passivo (EBITDA gerado não era sequer suficiente para pagar os juros da dívida que em 2013 foram de 10,3 Milhões de euros).

 - O Fundo de Reestruturação Empresarial, FCR (“FRE”) garantiu a reestruturação de cerca de 139 Milhões de euros de dívida, estendendo a maturidade dos financiamentos até 2040, sem obrigatoriedade de amortização ou pagamento de juros (que capitalizam em caso de não pagamento) até que o EBITDA atingisse determinados patamares (que não atingiu nos últimos anos) através da aquisição de 101,2 Milhões de créditos por parte do FRE e da celebração de um Acordo com os bancos de reestruturação de dívida bancária no montante de 37,5 Milhões de euros.

 - A restruturação da dívida do Grupo C (…)por parte do FRE foi fundamental para evitar que a Ré e o Grupo C (...) entrasse em insolvência.

 - À R., não restou outra solução que efetuar uma restruturação financeira, protagonizada pelo FRE, fundo que se dedica à reestruturação de empresas sobreendividadas e que entrou para o capital da Sociedade através da sociedade A (…), por si detida, que adquiriu ao Autor ações representativas de 50% do capital da Sociedade pelo preço simbólico de € 1,00 e adquiriu os mencionados créditos bancários.

- Em cumprimento dos seus deveres de cuidado e de intervenção, a sociedade Ré promoveu a realização de uma Auditoria Forense Independente, conduzida pela Auditora PwC, cujo nome, experiência e reputação são incompatíveis com as sugestões feitas pelo Requerente.

 - Os trabalhos da Auditoria Forense Independente prosseguiram, tendo sido elaborado um relatório, que descreve os ilícitos e os danos que foi possível apurar dentro do intervalo de datas entre o ano de 2013 (após a entrada da A (…)) até à presente data, no montante superior a €2 Milhões de Euros. Cfr. “Relatório da Auditoria Forense”

 - No que se refere ao aumento de capital social que sucedeu à deliberação de 15.04.2019, o mesmo resulta da necessidade de elevar os capitais próprias da empresa.

 - Desde 2013, a situação financeira agravou-se, sobretudo derivado do facto da dívida líquida ter crescido (de € 153 milhões em 2013 para € 160 milhões em 2017), através da capitalização de juros dos créditos reestruturados, dado que o grupo não tem gerado dinheiro suficiente.

 - Em 2017, o rácio de dívida líquida/EBITDA foi de 21,7x, em linha com o de 2013.

 - Em Dezembro 2017, os capitais próprios eram negativos em cerca € 25 milhões, o que estava a prejudicar a operação da empresa, nomeadamente vários bancos se mostraram preocupados com a situação da empresa tendo dificultado a obtenção de novos financiamentos”.

Diversamente, quanto aos factos constantes dos art. 107.º, 109.º e 122.º da contestação, que a própria R/apelante admite como controvertidos, e cujo apuramento, ainda segundo a R/apelante, têm em vista “indagar da real vontade e intenção das partes, aquando da operação de private equity, relativamente à negociação e discussão do novo clausulado estatutário”.

Efetivamente, em tais artigos da contestação (como em toda a contestação), nada está alegado que milite ou contribua para o apuramento da “real vontade das partes aquando da negociação do acordo parassocial e das cláusulas estatutárias e seus propósitos”.

É sabido que a propósito da interpretação da declaração negocial se distingue a indagação da vontade real (236.º/2 do C. Civil) e a interpretação da declaração negocial segundo critérios normativos (236.º/1 do C. Civil). E que constitui matéria de facto, impondo a produção de prova, a determinação/indagação da real intenção/vontade dos contraentes, a que alude o art. 236.º/2 do C. Civil, o que, porém, só ocorre se tiverem sido alegados factos (respeitantes a tal vontade real) que possam servir de objeto à incidência de tal prova, ou seja, se apenas se esgrimir a partir e com base no estrito conteúdo da declaração, estar-se-á tão só perante a interpretação da declaração negocial segundo critérios normativos (de harmonia com a teoria da impressão do destinatário, acolhida no 236.º/1 do C. Civil).

Ora, com todo o respeito, tudo o que a R/apelante alegou/sustentou/argumentou na sua contestação não “vai além” da interpretação da declaração negocial segundo critérios normativos.

Não se verifica assim alguma das nulidades que se apontam à sentença recorrida.

Não se verifica o motivo de anulação previsto no art. 662.º/2/c) do CPC, uma vez que constam do processo todos os elementos que permitem, nos termos referidos, acrescentar à matéria de facto os pontos supra alinhados;

Não se verifica a nulidade do saneador sentença, por violação da regra prevista no art. 595.º/1/b) do CPC, ou seja, “sem necessidade de (produzir) mais (meios de) provas”, os autos estavam/estão em condições de ser imediatamente apreciados; e

Não se verifica a nulidade por violação do dever de fundamentação e do disposto no art. 615.º/1/b) do CPC.

Como é sabido, segundo tal alínea b), constitui causa de nulidade da sentença a falta de fundamentação, porém, quando se fala, a tal propósito, em “falta de fundamentação”, está-se a aludir à falta absoluta e não às situações em que a fundamentação é deficiente, incompleta ou não convincente; só integra este vício, nos termos da doutrina e da jurisprudência correntes, a falta absoluta de fundamentação, que não uma fundamentação simplesmente escassa, deficiente, medíocre ou mesmo errada: esta última pode afetar a consistência doutrinal da sentença, sujeitando-a a ser revogada ou alterada pelo tribunal superior, mas não gera nulidade. E, quanto à fundamentação de direito, não tem também o juiz que analisar um por um todos os argumentos ou razões invocadas pelas partes, ainda que tenha de dar resposta (resolução) às questões por elas invocadas; não se lhe impõe, por outro lado, que indique, uma por uma, as disposições legais em que se baseia a decisão, bastando que faça alusão às regras e princípios gerais em que a ancora.

Daí que também se diga, a propósito da omissão de pronúncia (art. 615.º/1/d) do CPC – 1.º segmento), que tal nulidade está conectada com o comando do art. 608.º/2 do CPC, segundo o qual o juiz deve conhecer todas as questões que lhe são submetidas, isto é, todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (e que não estejam prejudicadas pelo anterior conhecimento de outra questão); não se devendo confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas): só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes.

É quanto basta para concluir pela improcedência das nulidades invocadas e para, nos termos supra referidos, julgar parcialmente procedente o “recurso de facto”.


*


III – Fundamentação de Facto

1. A ré C (…) S.A. é uma sociedade anónima atualmente com o capital social de € 37.942.755,00, cujo objeto social é a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas;

2. Em 15 de abril de 2019 tinha o capital social de € 23.885.510,00, correspondente a 4.777.102 ações, com o valor nominal de €5,00 cada, e era detido da seguinte forma:

i. O autor era titular de 2.388.551 ações; e

ii. A sociedade A (…), S.A. era titular de 2.388.551 ações. [certidão da matrícula comercial da ré junta com o requerimento com a ref.ª 3817288 [33814014] de 24-10-2019]

3. A ré é titular da totalidade do capital social das seguintes sociedades operacionais do denominado Grupo “C (…)

4. É ainda titular de uma participação social, correspondente a 71,12% do capital social da sociedade A (…), S.A.

5. O Conselho de Administração da ré, eleito para o triénio 2016/2018, era composto pelos seguintes administradores:

i. O autor C (…), Presidente;

ii. A (…) Vogal;

iii. M (…), Vogal;

iv. I (…), Vogal; e

v. I (…), Vogal. [certidão da matrícula comercial da ré junta com o requerimento com a ref.ª 3817288 [33814014] de 24-10-2019]

6. O autor e A (…) foram suspensos do exercício das funções de administradores da ré, tendo sido, posteriormente, destituídos judicialmente das funções de administração na Ré C (…) por sentença de 05.06.2019 do Tribunal de Leiria”.

7. O artigo sétimo do contrato de sociedade da ré, intitulado “amortização de ações”, tem o seguinte teor:

1. É admitida a amortização compulsiva de ações pela sociedade, sem consentimento do respetivo titular, nos casos que se seguem, sempre que a situação que origine o direito à amortização se mantenha após noventa dias a contar da comunicação pelo Conselho de Administração dessa mesma situação ao acionista em causa:

a) Por acordo com o titular das ações;

b) Se o acionista for declarado insolvente, interdito, inabilitado ou incapaz;

c) Se uma sociedade acionista for dissolvida ou for declarada insolvente;

d) Se as ações forem penhoradas, arrestadas ou, por qualquer outra forma, sujeitas a apreensão judicial;

e) Se, em caso de divórcio ou de separação judicial do acionista, as respetivas ações forem adjudicadas ao seu cônjuge;

f) Se um acionista violar qualquer disposição do contrato social, com relevo para o preceituado no artigo sexto;

g) Nos demais casos previstos na lei.

2. O exercício do direito de amortização de ações pela sociedade é da competência da Assembleia Geral.

3. A deliberação sobre o exercício do direito de amortização deve ser tomada por maioria dos votos emitidos, não cabendo direito de voto às ações objeto de decisão.

4. A Assembleia Geral deverá exercer aquele direito no prazo de sessenta dias contados do final do prazo referido no número 1 do presente artigo.

5. A amortização considera-se efetuada mediante a comunicação da deliberação respetiva ao acionista ou ao terceiro por ela afetado.

6. Salvo o caso de acordo das partes em contrário, o valor da amortização de ações é calculado nos termos das regras estabelecidas no n.º 2 do artigo 105.º do Código das Sociedades Comerciais.

7. O valor fixado para a amortização das ações será pago pela sociedade em três prestações iguais, vencendo-se a primeira trinta dias após a realização da amortização e as segunda e terceira, respetivamente, seis meses e um ano depois do vencimento daquela”.

[documento 31 mencionado na contestação junto com o requerimento com a ref.ª 3821955 [33840472] – fls.723 a 729]

8. A introdução da cláusula mencionada no artigo anterior foi realizada mediante a reformulação integral dos estatutos da ré, aprovada, por unanimidade dos votos da totalidade do capital social, onde se incluía o autor, na reunião da Assembleia Geral da ré de 11 de outubro de 2013. [documento 32 mencionado na contestação junto com o requerimento com a ref.ª 3821955 [33840472] – fls.730 a 736v.º]

9. A (…), S.A., F (…), S.A., M (…), S.A., Mota (…) S.A. e M (…)S.A. instauraram, no Juízo de Comércio de Leiria, contra o aqui autor procedimento cautelar de arresto, distribuído ao Juiz 1, autuado sob o n.º 432/18.8T8LRA.

10. Por decisão proferida no processo n.º 432/18.8T8LRA em 20 de fevereiro de 2018, foi determinado o arresto dos seguintes bens:

(1) Fração autónoma “AR” sita na Rua (...) , união de freguesias de (...) , concelho de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 935, inscrito na matriz predial sob o artigo 7957;

 (2) Fração autónoma “M” do prédio urbano sito na Avenida (...) união de freguesias de (...) , concelho de (...) , 2410-152 (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 754, inscrito na matriz predial sob o artigo 7094;

(3)Fração autónoma “AC” do prédio urbano sito na Rua A (...) , freguesia do (...) , concelho de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 846, inscrito na matriz predial sob o artigo 3636;

(4) Fração autónoma “DJ” do prédio urbano sito na Avenida (...) , freguesia de (...) , concelho de (...) , 8125-403 (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 4550, inscrito na matriz predial sob o artigo 13358;

(5) Prédio urbano sito na Estrada Nacional, n.º 1, freguesia de (...) , concelho de (...) , 3105-253 (...) , correspondente a casa de habitação e comércio e a terreno, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 1161, inscrito na matriz predial através dos artigos 54, 13087 e 13088;

(6) Prédio rústico sito em (...) , freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 1166, inscrito na matriz predial sob o artigo 13060;

(7)Prédio rústico sito em (...) , freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 1167, inscrito na matriz predial sob o artigo 13059;

(8)Ações representativas de 50% do capital social da C (…), S.A. detidas pelo Requerido;

(9)Ações representativas de 30,45% do capital social da S (…) S.A. detidas pelo Requerido; e

(10) Ações representativas da totalidade do capital social da A (…), S.A. detidas pelo Requerido.

 [certidão que constitui o documento 1 junto com o requerimento com a ref.ª 3959741 [34564696] de 16-01-2020 – fls. 965v.º a 993]

11. Citado o requerido, autor nos presentes autos, apresentou oposição, pedindo, a título principal a revogação da decisão que decretou o arresto e, subsidiariamente, a redução do arresto apenas para garantia de alegado crédito não superior a €860.000,00, com levantamento do arresto efetuado sobre a participação social da ora ré e o levantamento do arresto dos imóveis, mantendo-se o arresto da participação da A (…), S.A. e arrestando-se a participação social da C (…), Lda., ambas com um valor contabilístico de €2.686.898,22.

12. Tendo aquele processo sido apensado aos autos n.º 1281/18.9T8LRA, do Juízo de Comércio de Leira, Juiz 2, procedeu-se à inquirição de testemunhas e em 6 de agosto de 2018, no apenso A daqueles autos, foi proferida decisão que julgou parcialmente procedente a oposição deduzida e consequentemente determinou o levantamento do arresto que incidiu sobre a participação social do ora autor nas sociedades C (…)Lda. e A (…), S.A., mantendo-se quanto ao demais o arresto já decretado. [certidão que constitui o documento 2 junto com o requerimento com a ref.ª 3959741 [34564696] de 16-01-2020 – fls. 994 a 1030]

13. A decisão mencionada no artigo anterior foi notificada ao autor, mediante notificação expedida em 7 de agosto de 2018.

14. Inconformados com a decisão mencionada no artigo 12.º, apelaram os requerentes e o requerido (autor nestes autos).

15. O ora autor concluiu o seu recurso, pedindo a revogação da sentença recorrida e o levantamento do arresto que incidia sobre os seus bens. [certidão que constitui o documento 3 junto com o requerimento com a ref.ª 3959741 [34564696] de 16-01-2020 – fls. 1031 a 1056v.º]

16. Datada de 7 de novembro de 2018, M (…), I (…), I (…), na qualidade de administradores e em representação da ré, remeteram ao autor a carta que constitui o documento 11 junto à petição inicial (fls. 107 a 108), que o mesmo recebeu em 16 de novembro de 2018, com o seguinte teor:

Na sequência da decisão proferida no âmbito do Processo n.º 432/18.8T8LRA, a correr termos no Juízo de Comércio do Tribunal Judicial da Comarca de Leira – Juiz 2, nos termos da qual foi decretada em definitivo, entre outros, o arresto das participações sociais por si detidas na sociedade C (…) vimos, na qualidade de membros do Conselho de Administração, por este meio comunicar nos termos e para os efeitos do Artigo Sétimo, número 1, alínea d), dos Estatutos da C(…) que o arresto definitivo das ações da C(…) determina a sua amortização compulsiva e que o prazo de noventa dias previsto nesta cláusula se inicia com a presente comunicação.

O arresto foi decretado com fundamento na responsabilidade civil de V. Exa., por violação do dever fiduciário de lealdade enquanto administrador das Sociedades Participadas da C (...) , causando danos superiores a dois milhões de euros (cf. Cópia da Sentença de Decretamento Inicial do Arresto e da Sentença de Decretamento Definitivo de Arresto, proferidas no âmbito do Processo n.º 432/18.8T8LRA, que se anexam à presente comunicação como Documentos n.º 1 e n.º 2 e cujo teor aqui se dá por reproduzido).

No âmbito deste processo julgou-se provada a existência de um conjunto de empresas concorrentes com o Grupo C (…), administradas de facto e controladas por V. Exa., para onde são desviadas matérias-primas, segredos comerciais, fluxos financeiros e oportunidades de negócio. Também neste processo se julgou provada a imputação às Sociedades do Grupo C(…) das duas despesas pessoais – obras em habitação pessoal, despesas de dois casamentos, viagens particulares, ordenado do jardineiro particular – e a prática de atos fraudulentos de desvio de dinheiro para contas pessoais, frequentemente com falsificação de documentos.

Estes factos demonstrativos da violação sistemática do dever fiduciário de lealdade por parte de V/ Exa. também foram julgados provados no âmbito do processo n.º 4039/17.9T8LRA, que corre termos no Juízo de Comércio do Tribunal Judicial de Leiria – Juiz 1, no qual V/ Exa. foi suspenso do exercício do cargo de administrador da C (...) (cf. Cópia da Sentença de Decretamento Inicial da Suspensão Judicial e da Sentença de Decretamento Definitivo da Suspensão Judicial, proferidas no âmbito do Processo n.º 4039/17.9T8LRA, que se anexam à presente comunicação como Documentos n.º 3 e n.º 4 e cujo teor aqui se dá por reproduzido).

O facto de V. Exa. ser administrador de facto e dono e beneficiário efetivo de um conjunto de empresas concorrentes com o Grupo C(…), que gere através de testas-de-ferro, também foi julgado provado por sentença proferida pelo Juízo de Comércio do Tribunal da Comarca de Leiria – Juiz 3, no âmbito do processo n.º 1617/15.4T8LRA, num litígio que opõe V. Exa. à sociedade S (…), S.A. e em que a C(…) e as suas Participadas não tiveram qualquer intervenção (cf. Cópia da Sentença proferida no âmbito do processo n.º 1617/15.4T8LRA, que se anexa à presente comunicação como Documento n.º 5 e cujo teor aqui se dá por reproduzido).

Estes factos demonstram um comportamento sistemático e reiterado de violação do dever fiduciário de lealdade por parte de V. Exa., tornando inexigível – e inclusivamente insustentável – a permanência de V. Exa. enquanto acionista da C (…)

Damos nota de que, findo o prazo de noventa dias previsto no Artigo Sétimo, número 1, alínea d), dos Estatutos da C (...) , reunirá a assembleia geral da C (...) para que os acionistas deliberem a amortização das ações detidas por V. Exa. no capital social da C (…) que o Conselho de Administração proporá o voto favorável à amortização.”

[documento 11 da petição inicial – fls. 107 a 108]

17. Datada de 21 de dezembro de 2018, M (…), I (…) e I (…), na qualidade de administradores e em representação da ré, remeteram ao autor a carta que constitui o documento 12 junto à petição inicial (fls. 109), recebida em 27 de dezembro de 2018, com o seguinte teor:

Na sequência da comunicação enviada a V. Exa. por este Conselho de Administração, por email e carta no dia 7 de novembro de 2018, para sanar, no prazo de noventa dias, a causa que permite a amortização das ações da C (…)), vimos por este meio, na qualidade de membros do Conselho de Administração e em cumprimento do disposto no n.º 2 do art.º 105.° do Código das Sociedades Comerciais, aplicável ex.vi. artigo sétimo, n.º 6, dos Estatutos da C(…), solicitar que V. Exa. indique, no prazo de dez dias a contar da receção da presente carta, um Revisor Oficial de Contas para o cálculo da contrapartida a pagar pela C(…) na sequência da amortização das ações detidas por V. Exa.”  [documento 12 da petição inicial – fls. 109]

18. O autor não respondeu às comunicações mencionadas nos artigos 16.º e 17.º.

19. Em 20 de fevereiro de 2019 o Tribunal da Relação de Coimbra julgou os recursos referidos no artigo 14.º improcedentes e confirmou a decisão recorrida. [certidão que constitui o documento 3 junto com o requerimento com a ref.ª 3959741 [34564696] de 16-01-2020 – fls. 1031 a 1056v.º]

20. Em 27 de fevereiro de 2019, a ré solicitou à Ordem dos Revisores Oficiais de Contas a designação de um revisor oficial de contas independente para o cálculo da contrapartida da amortização das ações do autor, que em 1 de março de 2019 designou a Sociedade de Revisores Oficiais de Contas n.º 152, “P (…)Lda.”, representada pelo revisor oficial de contas n.º 1068, Dr. (…).  [doc. 25 mencionado na contestação junto com o requerimento com a ref.ª 3827923 [33876475] de 30-10-2019]

21. Em 1 de março de 2019, a ré diligenciou pela publicação no Portal da Justiça de convocatória para a realização de Assembleia Geral, no dia 3 de abril de 2019, tendo como segunda data o dia 23 de abril de 2019, com a seguinte ordem de trabalhos:

Ponto Um: Deliberar sobre a amortização de ações representativas do capital social da Sociedade de que o acionista C (…) é titular, com fundamento no seu arresto, e sobre a consequente redução do capital social da Sociedade – redução de finalidade especial – de EUR. 23.885.510,00 para EUR. 11.942.755,00, nos termos e para os efeitos do artigo 347.º do CSC e do artigo 7.º dos Estatutos da Sociedade;

Ponto Dois: Deliberar sobre a alteração do número 1 do Artigo Quarto dos Estatutos da Sociedade, que passará a ter a seguinte redação: “O capital social integralmente subscrito e realizado é de EUR 11.942.755,00, e encontra-se dividido em 2.388.511 ações, de valor nominal de cinco euros cada uma”;

Ponto Três: Deliberar sobre a contrapartida da amortização de ações representativas do capital social da Sociedade de que o acionista C (…) é titular;

Ponto Quatro: Deliberar sobre a criação de uma reserva sujeita ao regime da reserva legal, no montante equivalente a EUR 11.942.755,00, nos termos e para os efeitos do artigo 347.º do CSC". [documento 6 da petição inicial – fls. 48v.º a 49]

22. O autor recebeu carta registada, datada de 6 de março de 2019, subscrita por D (…), na qualidade de Presidente Interino da Mesa da Assembleia Geral da ré, a desconvocar aquela assembleia e a reagendar a Assembleia Geral da ré para o dia 28 de março de 2019, às doze horas, com a seguinte ordem de trabalhos:

- “Ponto Um: Deliberar sobre a amortização de ações representativas do capital social da Sociedade de que o acionista C (…) é titular, com fundamento no seu arresto, e sobre a consequente redução do capital social da Sociedade — redução de finalidade especial — de EURO 23.885.510,00 para EUR. 11.942.755,00, nos termos e para os efeitos do artigo 347.º do CSC e do artigo 7.º dos Estatutos da Sociedade;

Ponto Dois: Deliberar sobre a alteração do número 1 do Artigo Quarto dos Estatutos da Sociedade, que passará a ter a seguinte redação: «0 capital social integralmente subscrito e realizado é de EUR 11.942.755,00, e encontra-se dividido em 2.388.511 ações, de valor nominal de cinco euros cada uma»;

Ponto Três: Deliberar sobre a contrapartida da amortização de ações representativas do capital social da Sociedade de que o acionista C (…) é titular;

Ponto Quatro: Deliberar sobre a criação de uma reserva sujeita ao regime da reserva legal, no montante equivalente a EUR 11.942.755,00, nos termos e para os efeitos do artigo 347.º do CSC". [documento 7 da petição inicial – fls. 50 a 51]

23. Consta ainda da convocatória anexa à carta mencionada no artigo anterior o seguinte:

- “Caso não seja possível reunir a Assembleia Geral na data mencionada, por não se encontrarem presentes acionistas titulares de ações representativas de mais de cinquenta por cento do capital social não impedidos de votar, desde já fica convocada a Assembleia Geral, para reunir em segunda convocação, no dia 15 de abril de 2019, pelas doze horas.

Encontrar-se-ão à disposição dos Senhores Acionistas, para serem consultados na sede da Sociedade, nos 15 dias anteriores à data de realização da mesma, durante o horário de expediente, os documentos e todos os elementos referidos no n.º 1 do artigo 289.º do Código das Sociedades Comerciais.

Podem participar na Assembleia os Senhores Acionistas com direito de voto. A cada ação corresponde 1 (um) voto.

Os Senhores Acionistas podem fazer-se representar em Assembleia Geral por quem designarem por escrito, devendo os instrumentos de representação de acionistas, quer sejam pessoas singulares ou coletivas, ser dirigidos ao Presidente Interino da Mesa da Assembleia Geral.” [documento 7 da petição inicial – fls. 50 a 51]

24. Com o objetivo de “determinar a contrapartida a pagar pela C (…), S.A. (Grupo C (…), na sequência da amortização das ações detidas por um dos seus acionistas”, P (…) elaborou o relatório datado de 13 de março de 2019, que constitui o documento n.º 26 mencionado na contestação, cujo teor se dá por reproduzido, onde concluiu que o justo valor de mercado para 100% dos capitais próprios do Grupo C(…), com a referência a 31 de dezembro de 2018” era de €0 (zero euros), “que o Grupo C(…) não tem capacidade para fazer face ao serviço da dívida em vigor no horizonte temporal contratado, isto é, até 2040, e consequentemente de distribuir dividendos”. [doc. 26 mencionado na contestação - fls. 669 a 684v.º]

25. O relatório mencionado no artigo anterior foi disponibilizado aos acionistas, na sede social, no âmbito dos documentos preparatórios da assembleia geral.

26. Notificado do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, o ora autor apresentou, em 12 de março de 2019, reclamação, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, ex vi do art. 666.º, n.º 1, do mesmo diploma, imputando ao acórdão o vício de nulidade alegando que, nas conclusões do recurso, tinha requerido que a “Relação uniformiza[sse] o critério dos capitais próprios (=ativo-passivo) e o ativo do Requerente terá um valor superior a 17 milhões de euros ou se considera que a C(…) tem o valor de zero euros não é apto a garantir o que quer que seja e o arresto deve ser levantado”, o acórdão  “nada referiu sobre esta questão”. Acrescenta que o tribunal usou de “infundada e gratuita dualidade de critérios” pois que entendeu em relação às participações que detém nas sociedades (…), que o valor real das mesmas foi apurado pelos respetivos capitais próprios e não pelo valor nominal, mas não fez o mesmo relativamente à CC(…) em que considerou que o valor não seria concretamente apurado. Acrescenta que a questão tem interesse para se saber se existe uma situação de excesso de garantias prestadas, pois que se se considerasse o valor nominal das participações da C(…) (€11.942.755,00), o arresto de bens era excessivo. Alegou ainda que o que move as Recorridas é conseguir a amortização das ações que detém junto da C(…), com fundamento no seu arresto. [certidão que constitui o documento 4 junto com o requerimento com a ref.ª 3959741 [34564696] de 16-01-2020 – fls. 1057v.º a 1058v.º e documento 28 mencionado na contestação – fls. 708 a 715]

27. Na sequência da convocatória da assembleia geral da ré, com esse fundamento, em 19 de março de 2019, o autor requereu no processo n.º 1281/18.9T8LRA-A a redução do crédito indiciariamente dado como provado para o montante de 1.909.740,45 EUR e o consequente levantamento do arresto que incide sobre as participações sociais que detinha junto da sociedade C (…)SA., correspondentes a 50% do capital social; subsidiariamente, solicitou que se se determinasse o levantamento do arresto daquelas participações sociais e, em substituição, que fossem arrestadas as participações sociais que detém junto das sociedades (…). [documento n.º 27 mencionado na contestação – fls. 687 a 707v.º]

28. Datada de 21 de março de 2019, o autor remeteu ao Sr. (…), a carta que constitui o documento 8 da petição inicial, que a recebeu, cuja cópia se encontra junta a fls. 52 a 53v.º, cujo teor se dá por reproduzido onde referia, em síntese, que a decisão que decretou o arresto ainda não tinha transitado em julgado, que tinha apresentado reclamação junto do Tribunal da Relação de Coimbra, que tinha apresentado requerimento com “pedido de libertação do arresto das participações sociais da C (…), S.A., que no caso de assim não se entender tinha pedido a substituição do arresto destas participações sociais pelas participações sociais que detinha na sociedade C (…)e na sociedade A (…) S.A., que a decisão não era definitiva e que este facto era impeditivo da realização da assembleia geral para amortização das ações. Concluiu pedindo o adiamento da assembleia geral no “mínimo até trânsito em julgado da decisão de arresto”. [documento 8 da petição inicial, conjugado com a ata da assembleia geral em causa nos autos, onde o destinatário menciona a receção da carta e refere-se ao respetivo teor]

29. Em 28 de março de 2019 foi indeferido o pedido de levantamento do arresto sobre a participação social do ora autor na ré, bem como a substituição do arresto, sobre essa participação, pelo arresto da quota nas sociedades (…). [documento n.º 29 mencionado na contestação]

30. No dia 15 de abril de 2019 teve lugar a Assembleia Geral da ré, presidida por D (…), “no exercício interino das funções de Presidente da Mesa da Assembleia Geral”, onde se encontravam presentes ou representados ambos os acionistas, encontravam-se ainda presentes I (…) na qualidade de membro do Conselho de Administração, e R (…), em representação do Fiscal único da Sociedade.

31. Nessa assembleia, com o voto favorável da acionista A (…)com a menção de que o acionista C (…) estava impedido de votar, foi deliberado o seguinte:

i. (Ponto um da ordem de trabalhos) A amortização das ações representativas do capital social da sociedade de que o acionista C (…) é titular, com fundamento no seu arresto, com a consequente redução do capital social da sociedade -redução de finalidade especial – de EUR 23.885.510 (vinte e três milhões oitocentos e oitenta e cinco mil quinhentos e dez euros) para EUR 11.942.755 (onze milhões novecentos e quarenta e dois mil setecentos e cinquenta e cinco euros) nos termos e para os efeitos do artigo 347.º do CSC e do artigo 7.º dos Estatutos da Sociedade, nos termos seguintes:

a) Modalidade: Redução resultante da amortização de ações por deliberação da Assembleia Geral;

b) Montante de redução: EUR. 11.942.755;

c) Número total de ações extintas na sequência da amortização: 2.388.551 ações;

d) Novo montante nominal do capital social e das ações: EUR. 11.942.755, representadas por 2.388.551 ações com valor nominal de EUR. 5 cada uma.

ii. (Ponto dois da ordem de trabalhos) A alteração do número 1 do Artigo Quarto dos Estatutos da Sociedade, que passará a ter a seguinte redação “O capital social integralmente subscrito e realizado é de EUR 11.942.755, e encontra-se dividido em 2.388.511 ações, de valor nominal de cinco euros cada uma”.

iii. (Ponto três da ordem de trabalhos) Não pagar contrapartida ao acionista C (…) pela amortização das ações deliberada no ponto um da ordem de trabalhos.

iv. (Ponto quatro da ordem de trabalhos) A alocação do capital reduzido à rubrica de “Outras Variações no Capital Próprio”. [documento n.º 9 da petição inicial - fls. 54v.º a 60]

32. No dia 15 de abril de 2019, pelas dezassete horas, a sociedade A (…)., representada pelos seus administradores, na qualidade de única acionista da ré, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 54.º do Código das Sociedades Comerciais deliberou o seguinte:

i. Aprovar a nomeação do Revisor Oficial de Contas E (...) e ratificar todos os atos praticados, aprovando o relatório elaborado pelo mesmo, datado de 28.03.2019, relativo à avaliação dos créditos detidos pela acionista única, no valor de €26.000.000,00, convertidos em capital para realização, a título de entradas em espécie, do aumento de capital a realizar;

ii. Aprovar o aumento do capital social da sociedade através da realização de entradas em espécie, por conversão em capital social de créditos detidos pela acionista única a título de suprimentos, nos seguintes termos:

a) Modo e natureza das contribuições: mediante entradas em espécie, por via da conversão em capital social dos créditos detidos pela acionista única a título de suprimentos, no valor de €26.000.000,00;

b) Montante do aumento de capital social: €26.000.000,00, passando o capital social da sociedade de €11.942.755,00 para €37.942.755,00, por conversão de créditos a título de suprimentos detidos pela acionista única;

c) Montante nominal das novas ações: o aumento de capital será realizado através da emissão de 5.200.000 novas ações ordinárias, tituladas e nominativas, com o valor nominal de €5,00 cada;

d) Prémio de emissão: Não aplicável;

e) Prazo para o pagamento das entradas: nesta data; e

f) Subscritores do aumento de capital: a acionista única;

iii. Aprovar a alteração do número 1 do Artigo 4.º dos Estatutos da Sociedade, com a seguinte nova redação:

“Artigo Quarto

(Capital Social)

O capital social integralmente subscrito e realizado é de €37.942.755,00, e encontra-se dividido em 7.588.551 ações, de valor nominal de cinco euros cada uma”.

[documento n.º 5 junto com o requerimento com a ref.ª 3959741 [34564696] de 16-01-2020 – fls. 1059v.º a 1060]

33. No dia 15 de abril de 2019, pelas dezassete horas e trinta minutos, a sociedade A (…), S.A., representada pelos seus administradores, na qualidade de única acionista da ré, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 54.º do Código das Sociedades Comerciais, deliberou o seguinte:

i. Aprovar a eleição das seguintes pessoas para os órgãos sociais:

Presidente: M (…)

Vogal: I (…)

Vogal: I (…)

Vogal: B (...)

Vogal: S (…)

Fiscal Único:

Efetivo: (…)

Suplente: (…)

Mesa da Assembleia Geral:

Presidente: D (…)

Secretário: T (…)

ii. Mais deliberou que os administradores eleitos não são remunerados pelo exercício dos respetivos cargos e encontram-se dispensados de prestar caução, nos termos do artigo 396.º. n.º 5 do CSC.  [documento n.º 6 junto com o requerimento com a ref.ª 3959741 [34564696] de 16-01-2020 – fls. 1061 a 1061v.º]

34. Em 17 de abril de 2019 foi requerido o registo das deliberações de amortização das ações, redução e aumento do capital social e eleição dos órgãos sociais mencionadas nos artigos 30.º a 33.º. [certidão da matrícula comercial da ré junta com o requerimento com a ref.ª 3817288 [33814014] de 24-10-2019]

35. Em 11 de junho de 2019 o Tribunal da Relação de Coimbra considerou que não havia omissão de pronúncia e indeferiu a reclamação mencionada no artigo 26.º, tendo esta decisão transitado em julgado em 02-07-2019. [certidão que constitui o documento 4 junto com o requerimento com a ref.ª 3959741 [34564696] de 16-01-2020 – fls. 1057v.º a 1058v.º]


*

36. No dia 11 de Outubro de 2013, a A (…) que é uma sociedade instrumental constituída pelo F(…) ou pela respetiva S (…) com 50.000 euros de capital, sucedeu ao FRE na titularidade da participação de 50% do capital da Ré, adquirida por este em 29 de Julho de 2013, como tinha aliás sido previsto que sucederia logo no Acordo Parassocial celebrado na mesma data de 29 de Julho de 2013, entre os dois acionistas da R.

37. Até 2013, o Autor detinha, direta ou indiretamente, a totalidade do capital da Sociedade R..

38. Nessa altura, a Sociedade R. encontrava-se numa situação de insolvência técnica, motivada pelo elevado nível de dívida de curto prazo e pela incobrabilidade dos fornecimentos prestados.

39. Em 2013, o Grupo C(…)estava numa situação crítica de tesouraria, com uma dívida líquida de 153 Milhões de euros para um EBITDA de apenas 7 Milhões de Euros (rácio DL/EBITDA de 21,8x, quando os bancos muito dificilmente emprestam a empresas com mais de 5x), colocada numa situação de insolvência iminente caso não tivesse sido realizada a reestruturação do seu enorme passivo (EBITDA gerado não era sequer suficiente para pagar os juros da dívida que em 2013 foram de 10,3 Milhões de euros).

40. O Fundo de Reestruturação Empresarial, FCR (“FRE”) garantiu a reestruturação de cerca de 139 Milhões de euros de dívida, estendendo a maturidade dos financiamentos até 2040, sem obrigatoriedade de amortização ou pagamento de juros (que capitalizam em caso de não pagamento) até que o EBITDA atingisse determinados patamares (que não atingiu nos últimos anos) através da aquisição de 101,2 Milhões de créditos por parte do FRE e da celebração de um Acordo com os bancos de reestruturação de dívida bancária no montante de 37,5 Milhões de euros.

41. A restruturação da dívida do Grupo C(…) por parte do FRE foi fundamental para evitar que a Ré e o Grupo C(…) entrasse em insolvência.

42. À R., não restou outra solução que efetuar uma restruturação financeira, protagonizada pelo FRE, fundo que se dedica à reestruturação de empresas sobreendividadas e que entrou para o capital da Sociedade através da sociedade A (…) por si detida, que adquiriu ao Autor ações representativas de 50% do capital da Sociedade pelo preço simbólico de € 1,00 e adquiriu os mencionados créditos bancários.

43. Em cumprimento dos seus deveres de cuidado e de intervenção, a sociedade Ré promoveu a realização de uma Auditoria Forense Independente, conduzida pela Auditora PwC, cujo nome, experiência e reputação são incompatíveis com as sugestões feitas pelo Requerente.

44. Os trabalhos da Auditoria Forense Independente prosseguiram, tendo sido elaborado um relatório, que descreve os ilícitos e os danos que foi possível apurar dentro do intervalo de datas entre o ano de 2013 (após a entrada da A(…)) até à presente data, no montante superior a €2 Milhões de Euros. Cfr. “Relatório da Auditoria Forense”

45. No que se refere ao aumento de capital social que sucedeu à deliberação de 15.04.2019, o mesmo resulta da necessidade de elevar os capitais próprias da empresa.

46. Desde 2013, a situação financeira agravou-se, sobretudo derivado do facto da dívida líquida ter crescido (de € 153 milhões em 2013 para € 160 milhões em 2017), através da capitalização de juros dos créditos reestruturados, dado que o grupo não tem gerado dinheiro suficiente.

47. Em 2017, o rácio de dívida líquida/EBITDA foi de 21,7x, em linha com o de 2013.

48. Em Dezembro 2017, os capitais próprios eram negativos em cerca € 25 milhões, o que estava a prejudicar a operação da empresa, nomeadamente vários bancos se mostraram preocupados com a situação da empresa tendo dificultado a obtenção de novos financiamentos”.



IV – Fundamentação de Direito

Não exageramos ou caricaturamos ao dizer que o essencial da controvérsia/objeto dos autos/recurso se reconduz e circunscreve à interpretação do alcance e sentido do termo “arrestadas” constante do artigo/cláusula 7.ª/1/d) dos estatutos da R.; defendendo o A/apelado que, para tal situação se verificar, tem a decisão que decretou o arresto que ter transitado em julgado e sustentando a R/apelante, ao invés, que, para a situação se verificar, basta a materialização/realização do arresto (no caso, a sua comunicação quer à entidade bancária onde os títulos se encontram depositados quer à sociedade emitente), para o que, em abono das respetivas teses interpretativas, apresentam extensas e intricadas explicações e argumentações jurídicas.

Começando pela análise do artigo/cláusula em causa, ou seja, pelo art. 7.º dos Estatutos (reproduzido no ponto 7 dos factos provados):

Tal cláusula é designada (nos próprios estatutos) de “amortização de ações”, sendo uma tal cláusula permitida pelo art. 347.º/1 do CSC (em que se diz que “o contrato de sociedade pode impor ou permitir que, em certos casos e sem consentimento dos seus titulares, sejam amortizadas ações”), ou seja, trata-se duma clausula de amortização-extinção e, no caso concreto, na modalidade de amortização permitida (como logo resulta do seu trecho inicial, em que se diz que “é admitida a amortização”).

Amortização permitida que é feita sem o consentimento do acionista afetado (sendo por isso compulsiva), competindo aos sócios deliberá-la (art. 347.º/5 do CSC) dentro do prazo fixado no estatuto (não superior a um ano) ou no prazo de 6 meses, a contar da ocorrência do facto que fundamenta a amortização (art. 347.º/6), ou seja, razões de segurança e certeza determinam a fixação dum prazo de caducidade para que a sociedade exerça a faculdade de amortizar (e que, no silêncio do contrato, é de 6 meses a contar da ocorrência do facto que serve de fundamento, embora o estatuto possa estabelecer prazo diferente, que, porém, não pode ultrapassar um ano); deliberação que não tem que ser tomada por maioria qualificada[3].

Está pois tal amortização permitida dependente duma deliberação da sociedade, que, verificada a hipótese estatutariamente desenhada – sendo justamente aqui, na verificação ou não da hipótese estatutariamente desenhada, que se situa o relevo da interpretação do alcance e sentido do termo “arrestadas” constante do artigo/cláusula 7.ª/1/d) dos estatutos da R. – determina se vai ou não proceder à amortização de ações, isto é, na amortização permitida, é deixada margem de manobra ao órgão societário que leva a cabo a amortização (e que tanto pode tomar a decisão de amortizar como a de não amortizar).

Amortização-extinção cujo principal efeito consiste na extinção das ações afetadas e na consequente redução do capital social, conforme determina o art. 347.º/2 do CSC[4]; sendo que, na medida em que sejam atingidas todas as ações da titularidade dum acionista, este perde, por via da amortização, a sua qualidade de sócio[5].

Amortização-extinção esta que exige, como já se referiu, que haja uma previsão contratual/estatutária nesse sentido (347.º/3 do CSC); previsão que “(…) deve definir concretamente os factos que impõem ou permitem a amortização de ações”, que, “além da delimitação precisa dos eventos que poderão valer como factos justificativos da amortização, parece de exigir que esses factos revistam suficiente seriedade, não podendo traduzir manifestações de puro e simples capricho ou arbítrio”; e que deve “ já figurar no contrato ao tempo da aquisição das ações pelo sócio (agora) afetado ou, em alternativa, de nele ter sido posteriormente introduzido por deliberação unânime dos sócios[6].

Análise esta, sob o ponto de vista da qualificação jurídica da cláusula constante do art. 7.º dos estatutos e da sua devida e oportuna previsão[7], que nenhum problema ou divergência suscita.

Tudo está, repete-se, em saber – ao admitir-se (pelo referido art. 7.º/1/d) dos estatutos) a amortização compulsiva de ações, em caso de arresto de tais ações – se o direito potestativo de amortização da sociedade (em caso de arresto de ações) nasce e se constitui com a mera decretação/efetivação do arresto ou se tal constituição só ocorre após o trânsito em julgado da decisão que decretou o arresto.

No que, antecipando o desfecho, nos inclinamos para a segunda hipótese (concordante com a seguida na decisão recorrida), por, no balanço da força argumentativa dos vários elementos conducentes à interpretação da concreta cláusula, esta ser a solução interpretativa – e “o seu significado normativamente vinculante” – mais razoável.

Escreveu o Prof. Carneiro da Frada[8]:

“Uma cláusula de amortização de ações deve ser interpretada num sentido funcional.

 Tal não significa que um sentido menos razoável não possa ser vinculante. Poderá sê-lo, certamente, desde que no respeito dos limites materiais consentidos pelo ordenamento. Mas a irrazoabilidade do sentido normativo alcançado carece de especial demonstração. Na dúvida, e na falta de elementos interpretativos suficientemente concludentes prevalece o sentido mais razoável e dotado de maior racionalidade económica. As partes presumem-se racionais.”

Concordamos totalmente e, no caso, os interesses em disputa – a situação de perigo, merecedora de tutela, que o arresto cria para o interesse social e, por outro lado, a gravidade dos efeitos da amortização para a esfera jurídica do acionista, maxime a irreversível perda da sua qualidade de sócio – aconselham que, na dúvida, o direito potestativo só se considere constituído após o trânsito em julgado da decisão que decretou o arresto.

Não queremos com isto dizer que não possa ser estipulada/inserida uma cláusula de permissão de amortização de ações que tenha como facto que justifica/fundamenta a amortização a mera decretação/efetivação do arresto (sem o trânsito em julgado da decisão que decretou o arresto), ou seja, não entendemos que uma tal cláusula seja excessiva, contrária à boa fé e inválida.

Apenas queremos dizer que, para ser assim, tem este sentido que constar clara e explicitamente da letra da cláusula que permite a amortização das ações (em caso de arresto das mesmas), em linha, aliás, com o supra referido sobre ter que haver uma “delimitação precisa dos eventos que poderão valer como factos justificativos da amortização”.

Não se ignora que estamos num ramo especial do direito privado (com um dinamismo e especificidade próprios), porém, uma coisa é a prevalência do interesse social sobre o do acionista por “razões societaristas”, outra, diversa, a dimensão da compressão que uma tal cláusula (com o sentido pretendido pela R/apelante) significa para o interesse do acionista.

Importa nunca perder de vista (na interpretação da cláusula) que o arresto – o facto/evento permissivo da amortização (previsto no artigo 7.º/1/d) dos estatutos da R/apelada) – é uma decisão que é por natureza provisória, decretada com sacrifício do prévio contraditório e assente, quanto ao crédito invocado pelo seu requerente, numa convicção formada por juízos de mera verosimilhança ou probabilidade[9].

Pelo que – em face da ausência de prévio contraditório e de parte da convicção que funda a decisão assentar num juízo de mera verosimilhança (baseado, para mais, em prova produzida tão só pela parte que o requer) – é bastante plausível que pretensões inconsistentes e infundadas deem lugar a uma decisão de arresto e à efetivação/materialização do arresto.

Não será, não custa reconhecê-lo, o caso do arresto em causa – arresto (em que são requerentes empresas dominadas pela R.) mantido, em 1.ª Instância, após oposição do aqui A. e entretanto confirmado nesta Relação – mas não é nada implausível que tal possa acontecer, pelo que, à partida (mesmo considerando as invocadas “razões societaristas”), não pode deixar de ser considerado como arrojado[10] estipular-se que a mera efetivação dum arresto faz nascer para a sociedade o direito potestativo de amortizar as ações assim arrestadas.

A autonomia/liberdade contratual, a iniciativa privada e “razões societaristas”, não se opõem, repete-se, à previsão dum facto permissivo de amortização com tal desenho, porém, as partes “presumem-se racionais” e, na falta dum texto explícito e categórico – isto é, falando-se, como é o caso, tão só em arresto – tem que prevalecer o seu sentido mais razoável (face ao que, no plano funcional, pode significar – e significa, no caso – a amortização de ações[11]).

Ideia esta, de razoabilidade – do recurso à vontade hipotética de sócios razoáveis – e de boa fé, a que também deve recorrer-se a propósito da razão de ser (da teleologia e finalidade) da concreta cláusula de amortização de ações sub judice.

Refere o Prof. Menezes Cordeiro[12], a propósito das SQ, que “a amortização das quotas pode servir diferentes finalidades, desde a defesa da sociedade contra exterioridades, como a entrada de novos sócios, passando pela facilitação de operações societárias, como a transformação, ou ainda a proteção dos sócios, permitindo a sua saída ou a realização parcial de dinheiro, ou ainda a reação perante comportamentos dos sócios impondo a sua saída”.

Mas, claro, a circunstância da amortização de quotas poder servir diferentes finalidades – sendo flexível e podendo adaptar-se aos diversos interesses dos sócios que as aprovaram – não significa que a uma qualquer concreta cláusula de amortização de ações seja atribuível a elasticidade de fazer o “pleno” das finalidades.

Olhando para todo o art. 7.º dos estatutos (e para a alínea em causa no contexto de toda a estipulação estatutária respeitante à amortização de ações), o que de imediato, num plano de normalidade, ressalta é que, com exceção da alínea f)[13], a amortização (prevista nas alíneas b), c), d) e e)) reflete um mesmo interesse da sociedade: evitar a entrada de novos acionistas; tendo a alínea f) uma ratio diferente: reação contra certos comportamentos/incumprimentos dos acionistas.

Tudo o mais, em termos de funções e finalidades, é, a nosso ver e com todo respeito, algo hipotético, incerto e especulativo.

Dizer-se que, logo após a efetivação do arresto, a sociedade se pode ver confrontada com a possível ingerência de um terceiro na atividade social, que a efetivação do arresto pode afetar imediatamente as relações de poder, que o arrestado pode ser colocado perante conflitos de interesses no exercício de voto, que a efetivação do arresto é suscetível de afetar o bom nome e reputação da sociedade e que (com o imediato) direito de amortização das ações se quis proteger a sociedade da insuficiência económica ou fragilidade financeira do acionista arrestado (e das sua consequências), tendo em vista atribuir à cláusula em apreço a funcionalidade de obstar a que tudo isso aconteça e assim convencer sobre o imediato direito de amortização, é, sempre com todo o respeito, algo rebuscado, distante e até falacioso[14].

Os exemplos “limite” que se apresentam, para mostrar que existe a possibilidade de se verificarem tais perigos para o interesse social, obrigam a pensar que, quando se cogitam e querem mesmo cláusulas com a função de atalhar a tais perigos distantes, o congruente será não “relaxar” na redação do texto das cláusulas (com tais funções), antes lhe dando uma redação concludente e inequívoca no sentido da imediata (sem trânsito em julgado) amortização das ações arrestadas.

Repare-se:

Pouco antes do atual art. 7.º dos estatutos ter sido aprovado (em 11/10/2013), foram subscritos (em 29/07/2013), no âmbito do contexto negocial, documentos (o acordo parassocial e o contrato de compra e venda de ações) reveladores da insuficiência económica e fragilidade financeira do acionista ora arrestado, pelo que, com todo o respeito, não faz qualquer sentido (as partes presumem-se racionais) que o A. pudesse concordar com uma cláusula de amortização com a finalidade/teleologia (e perceber que estava a subscrever uma cláusula com tal racional) de proteger a sociedade da insuficiência económica ou fragilidade financeira dos acionistas (no fundo, dele próprio) [15].

As subsidiárias da R. – não ignorando por certo que as ações do A. valem contabilisticamente “zero” e que, nessa medida, contribuirão com “zero” para a garantia e posterior satisfação patrimonial dos seus créditos – não deixaram de pedir o arresto das ações do A., não sendo crível que, em troca de “nada”, hajam formulado um pedido de arresto suscetível de afetar o bom nome e a reputação da R..

A possível venda antecipada das ações arrestadas, por aplicação do art. 814.º do CPC (ex vi 391.º/2 do CPC), não passa duma mera hipótese académica e cuja verificação, quanto a ações duma SGPS, não se vislumbra plausível poder ocorrer.

O conflito de interesses no exercício do direito de voto, por parte do sócio arrestado, também se afigura, tendo em vista o que está em discussão, bastante irreal, na medida em que, opondo-se o sócio ao arresto, não é crível que, no momento de votar, não exerça o seu direito de acordo com o modo como ele configura o interesse social.

Nada acrescentar tal cláusula de amortização, caso se entenda que tem apenas em vista impedir a entrada de estranhos, a uma cláusula limitativa da transmissibilidade das participações, não é sequer exato, uma vez que um direito de preferência a exercer em processo executivo obriga aquele que se apresenta a preferir a pagar o preço que foi obtido pela venda das referidas ações (e não, como é o caso, o seu valor contabilístico).

Enfim, a questão não está exatamente em saber se, em abstrato, a amortização de ações pode ter como fim e razão de ser todos os que agora são elencados por banda da R/apelante e se, repete-se, pode ser estipulada/inserida uma cláusula de permissão de amortização de ações que tenha como facto que justifica/fundamenta a amortização a mera decretação/efetivação do arresto (sem o trânsito em julgado da decisão que decretou o arresto): não se nega ou olvida que “(…) é aos sócios que compete avaliar quais são os riscos que estão ou não dispostos a suportar, assim se protegendo a autonomia contratual e a iniciativa privada”.

Aliás, tudo o que se diz – e que reputámos de algo hipotético, incerto e especulativo – sobre as razões de ser de tal concreta cláusula releva, acima de tudo, para demonstrar que, a existir uma cláusula com tal sentido explícito, a mesma não seria a manifestação de puro e simples capricho ou arbítrio, porém, não significa/convence que tais razões tenham que ser incluídas, como que “por defeito”, em cada uma e todas as cláusulas de permissão de amortização de ações com fundamento em arresto das mesmas.

A questão está pois em saber, perante a concreta cláusula sub-judice, face ao seu teor literal, ao seu enquadramento sistemático e à sua inserção na globalidade negocial[16], se pode/deve considerar-se que foi tudo isso que foi tutelado e que, por isso, é a imediata amortização que está estatuída.

Subjacente à economia de toda a cláusula 7.ª do contrato de sociedade está, indiscutivelmente, a prevalência do interesse social sobre o interesse do acionista, só que essa prevalência não é negada pela interpretação que exige o trânsito em julgado do arresto, uma vez que (também nesta interpretação) se confere à sociedade o direito de amortização das ações arrestadas (assim lhe permitindo controlar e evitar a entrada de novos acionistas indesejados para o círculo social) e se “inferioriza” o interesse dos acionistas, que se vêm compulsivamente afastados da sociedade (“inferiorização” que, como referimos, só pode acontecer se o facto que permite a amortização estiver concretamente definido no contrato de sociedade, a fim de que os acionistas possam conhecer antecipadamente os riscos de amortização a que se sujeitam e de que não fiquem dependentes da vontade arbitrária da maioria).

Todavia, a partir daqui, quanto às restantes funções e finalidades (da cláusula) elencados por banda da R/apelante, nada temos de certo e seguro, a ponto de incorporar tais escopos na cláusula e atribuir-lhe o sentido e significado pretendido pela R/apelante.

Mais:

O elemento literal convive pacificamente, a nosso ver, com as duas interpretações em disputa.

Quer entendamos que os estatutos se aproximam da lei da sociedade, que, nesta medida, se aproximam do direito objetivo e que devem ser interpretados de acordo com as regras de interpretação da lei (Art. 9.º do CC), quer coloquemos a tónica na sua origem, em serem negócios jurídicos, conformados pela autónoma vontade dos sócios, e que devem ser interpretados de acordo com as orientações dos art. 236.º-238.º do CC, o certo é que, tanto o art. 9.º/2 CC como o art. 238.º/1 CC, autorizam que se diga que na letra da cláusula – no termo “arrestadas” – cabem e têm correspondência verbal ambos os sentidos interpretativos, ou seja, quer o sentido de arresto definitivo e estabilizado (já sem qualquer hipótese de apelo ou reclamação), quer o sentido de arresto materializado/realizado.

A interpretação com menor correspondência (mas ainda assim com um mínimo de correspondência) é a que traça uma “bissetriz” entre as duas em disputa, ou seja, a interpretação que, na prática, acabou por ser seguida pela R./apelante, que nem espoletou o procedimento de amortização das ações logo após a efetivação do arresto (ocorrida logo após a decisão de 20/02/2018) nem aguardou pelo trânsito da decisão de arresto (ocorrido em 02/07/2029), uma vez que, como resulta dos factos, o CA da R. esperou pelo desfecho da oposição ao arresto, para, após o mesmo, tendo o arresto sido mantido, comunicar ao A., em 07/11/2018 (comunicação recebida pelo A. a 16), que estava verificada a situação que, a seu ver, originava o direito à amortização e que o A. tinha, desde tal comunicação, 90 dias para “resolver/sanar” a situação.

Comportamento este que, estando certa a interpretação que exige o trânsito da decisão de arresto, não coloca um qualquer novo problema, uma vez que, logo a seguir à efetivação do arresto ou apenas a seguir à decisão que (após a oposição) manteve o arresto, sempre o fundamento de amortização estaria por verificar.

Mas que, estando certo a interpretação que não exige o trânsito, colocava um problema de caducidade – embora esta não haja sido oportunamente suscitada e não seja passível de ser oficiosamente conhecida pelo tribunal (cfr. art. 333.º do C. Civil) – uma vez que, como supra se referiu, razões de segurança e certeza determinam a fixação dum prazo de caducidade para que a sociedade exerça a faculdade de amortizar (estamos na amortização permitida, em que é deixada margem de manobra ao órgão societário que leva a cabo a amortização, que tanto pode tomar a decisão de amortizar como a de não amortizar), sendo que, no silêncio do contrato, o prazo é de 6 meses a contar da ocorrência do facto que serve de fundamento, que, porém, não pode ultrapassar um ano (cfr. art. 347.º/6 do CSC), ou seja, quando, em 15/04/2019, foi deliberada a amortização das ações do A. já havia decorrido o referido prazo de 6 meses (aplicável por o contrato não fixar um prazo superior) sobre o facto que serve de fundamento ao arresto (ocorrido logo a seguir à decisão de 20/02/2018)[17][18].

O elemento sistemático também não fornece, a nosso ver, contributos decisivos.

Em relação aos outros fundamentos de amortização previstos no art. 7.º dos estatutos – v. g., em relação ao acionista ser declarado insolvente, interdito, inabilitado ou incapaz (hoje, medidas de acompanhamento) – coloca-se exatamente a mesma questão, ou seja, a questão está em saber se o direito potestativo de amortização se constitui apenas, ou não, com o trânsito da decisão que o declarou em tal situação.

Sendo que a resposta a tal questão também não se resolve, a nosso ver, com a chamada à colação dos efeitos substantivos e processuais que a lei confere, enquanto não tiverem transitado em julgado, a tais decisões (de arresto, de insolvência, de acompanhamento), uma vez que, aqui, na amortização, estamos perante um efeito verdadeiramente não pensado pela lei (quando conferiu antes do trânsito, efeitos substantivos e processuais às referidas decisões)[19], estamos perante a previsão do arresto/insolvência/acompanhamento como causa/fundamento de amortização de ações, não se podendo perder de vista que, tomada a deliberação de amortização, a lei não prevê o regresso à situação anterior (caso, por ex., a decisão do arresto venha a ser revogado ou caso a ação principal venha a ser julgada improcedente, a amortização das ações mantém-se incólume)[20] e por isso não se pode considerar/raciocinar que a previsão do arresto, insolvência, acompanhamento (como causas/fundamentos de amortização de ações) leva “atrelados” todos os efeitos e consequências que a lei, atentos os seus estritos fins (tendo em vista a eficácia pratica de tais decisões, enquanto tal, tendo em vista, no caso do arresto, a conservação da garantia patrimonial), lhes confere; ou, dito doutra forma, uma coisa é a sociedade ser afetada pelos efeitos materiais do arresto da participação social (quer este tenha transitado em julgado quer não tenha), colimados à conservação da garantida patrimonial que o mesmo visa conceder, outra, diversa, é perspetivar-se a amortização da participação social como mais um efeito material do arresto: como é evidente, este efeito não consta da lei (e também não vemos que seja extraível do invocado art. 235.º/2 do CSC), decorrendo antes duma estatuição/permissão do contrato de sociedade.

E o mesmo se diga quanto ao argumento de ordem sistemático que se pretende ver e retirar do acordo parassocial (dos seus artigos 17.2, 1.1/t) e 5.1), em que tudo está mais uma vez em saber, como na interpretação da cláusula 7.º/1/d) sub judice, se as expressões ónus (por determinação judicial) e arresto, utilizados em tais artigos do acordo parassocial, exigem ou não o respetivo trânsito em julgado[21].

Sendo o prazo de 90 dias (concedido pelo corpo do art. 7.º dos estatutos) para o acionista (o aqui R./apelado) remover o facto constitutivo da amortização (o arresto das ações) perfeitamente harmonizável, a nosso ver, com qualquer uma das duas interpretações em disputa.

Possibilidade esta – do acionista evitar a amortização, removendo o facto constitutivo do direito – que consubstancia, fora de qualquer dúvida, um equilíbrio entre o interesse da sociedade e o interesse do acionista.

E que faz naturalmente todo o sentido no caso do direito potestativo de amortização nascer imediatamente com a mera efetivação/materialização do arresto, mas que também continua a cobrar sentido após o trânsito em julgado da decisão que decretou o arresto.

Sendo a R. uma SA de cunho personalístico – com apenas dois sócios, que foram os que aprovaram o estatuto vigente – é inteiramente inteligível que tais sócios/acionistas hajam estipulado que, após um deles ver soçobrar a disputa pela revogação dum arresto, ainda tenha mais 90 dias para remover o arresto (logrando, designadamente, o seu levantamento – cfr. art. 368.º/3, ex vi art. 376.º do CPC), estabelecendo neste ponto/grau, menos desfavorável ao acionista, o equilíbrio de interesses e a prevalência do interesse da sociedade.

E é justamente por tudo isto que começámos pela teleologia da cláusula, elemento assaz relevante para a sua interpretação.

E foi certamente por idêntica razão que, por banda da R/apelante, foram agora elencadas as funções e finalidades supra referidas, para as quais, admite-se, estaria melhor talhada uma cláusula que estatuísse a imediata constituição do direito à amortização das ações.

Mas, voltamos sempre ao mesmo, perante a gravidade (e irreversibilidade) das consequências da amortização de ações para a esfera jurídica do acionista, mal se compreende que o texto duma cláusula, com tal (pretendido) sentido, não revele ou ao menos indicie tal sentido; ou seja, se as funções e finalidades da cláusula fossem todas as agora elencadas pela R/apelante, tal devia ter tido “implicação” sobre o texto da cláusula (ou sobre qualquer documento contextual), permitindo, aqui e agora, ver e estabelecer a reciprocidade entre a “causa” da cláusula e o texto da cláusula.

Sem isto, ficamo-nos pela “causa” normal e sentido mais razoável, tendo presente a gravidade das consequências (amortização de ações) a partir duma decisão provisória; e tendo ainda presente que estamos perante uma amortização compulsiva (que não carece de consentimento) de ações, que será imposta por deliberação em que, devido a impedimento de voto, o acionista afetado nem sequer pode votar[22].

Ou seja, a finalidade da cláusula sub judice dos estatutos é permitir à R. e aos seus acionistas controlar e evitar a entrada de terceiros indesejados para a sociedade; é evitar a venda executiva das ações, atribuindo, bem antes disso, à sociedade o poder de deliberar a amortização compulsiva das ações[23].

Antecedência que, sem risco para o interesse social subjacente a tal cláusula, pode “esperar” pelo trânsito em julgado da decisão que decretou o arresto[24], uma vez que o risco que se pretende evitar (a venda forçada das ações) ainda está algo distante (falta desde logo a sentença da ação principal a reconhecer o crédito acautelado).

Não faz pois sentido que o significado da cláusula seja o de permitir logo, com o mero decretamento/efetivação do arresto, a amortização das ações[25] ou, dito doutro modo, a interpretação (do artigo 7.º/1/d)) dos estatutos da R. com o sentido de permitir a amortização de ações antes do trânsito em julgado da decisão que decretou o arresto não encontra justificação no fim/função normal e razoável de tal cláusula estatutária, na medida em que tal sentido é desnecessário e desproporcional ao interesse da sociedade em controlar a entrada de novos acionistas.

E, sendo assim, ainda não se havia constituído o direito potestativo de amortização – o que só aconteceu em 02/07/2019 – quando a R., em 07/11/2018, deu início ao procedimento que teve o seu epílogo com a deliberação, tomada em 15/04/2019, de amortização das ações do A. e da consequente redução do capital da R..

Tem pois razão o A. ao impugnar as deliberações sociais tomadas em 15/04/2019.

Não havendo qualquer abuso de direito em tal impugnação.

Diz a R/apelante que é do conhecimento funcional dos Tribunais que “o recorrido C (…) e a sua filha C (…) são objeto de vários processos judiciais nos quais se provou, primeiro, indiciariamente, e, depois, a título definitivo, a prática de atos ilícitos e lesivos do património da Recorrente e das suas participadas e, bem assim, comportamentos de desvio de valor computados na presente data em mais de 2 Milhões de Euros através de auditoria forense realizada pela Auditora PwC”; que, “por isso, foram inicialmente suspensos judicialmente dos seus cargos de administradores da Recorrente por decisão cautelar de 20 de outubro de 2017, confirmada a 11 de maio de 2018 após oposição dos aí Requeridos, decisão cautelar esta  também confirmada por Acórdão da Relação de Coimbra proferido em 28 de novembro de 2018”; e que “o Recorrido e a sua filha C (…) foram destituídos judicialmente, com justa causa, das funções de administração na Recorrente C (...) , decisão confirmada por Acórdão proferido em 14 de janeiro de 2020, já transitado em julgado”.

Tudo isto é exato, incluindo ser tudo isto, por dever de ofício, do conhecimento deste Tribunal, porém, a circunstância de estarem já consolidadas inúmeras violações dos deveres legais gerais de administrador (maxime, do de lealdade) por parte do aqui A.[26], não é fundamento para o passo seguinte – a amortização da sua participação social com a consequente e final perda da sua qualidade de sócio – não ser produzido num processo totalmente leal e fair, em que o aqui A. possa exercer os seus direitos, invocando todos os que entenda que lhe assistam.

A gravidade dos factos apurados e dados como provados nas decisões já transitadas em julgado fazem com que seja compreensivelmente inexigível, à sociedade/R., suportar a presença do A. como seu sócio, em virtude do relevo dos prejuízos, atuais ou potenciais, que os seus comportamentos provocaram (para além de constituírem uma quebra irreversível do elo de confiança): a sua exclusão por via direta[27] ou pela via indireta da amortização aparenta ser – perdoe-se-nos o obiter dictum – uma inevitabilidade.

Mas, ainda assim, todas as regras e procedimentos conducentes à sua “exclusão” têm que ser cumpridos e respeitados.

Se, como supra se concluiu, quando a R. deu início ao procedimento que levou à deliberação, tomada em 15/04/2019, de amortização das ações, o direito potestativo de amortização ainda não estava constituído, não se pode, com fundamento em abuso de direito (do art. 334.º do CC), negar ao A. a possibilidade de impugnar (no curto prazo referido no art. 59.º do CSC) a deliberação que prematuramente amortizou as suas ações.

É certo que, nos 90 dias seguintes à comunicação (também ela prematura) que lhe foi feita para “resolver” o arresto, o A. nada disse/respondeu, porém, antes da realização da AG (que deliberou a amortização de ações), até veio suscitar, em 21/03/2019, junto da R., a questão que monopoliza o objeto dos autos, ou seja, que a decisão do arresto ainda não havia transitado e que, por isso, não podia ser deliberada a amortização de ações.

Não tinha sequer que o fazer – podia ter-se limitado a impugnar judicialmente o deliberado[28] – mas, tendo-o feito, até deu à aqui R. a possibilidade de repensar a sua estratégia exclusiva – medir os prós e os contras – e sobrestar no procedimento iniciado, renovando-o, sem que o A. lhe pudesse voltar a imputar tal mácula, dali a poucos meses (quando o acórdão que confirmou o arresto transitasse em julgado).

Não o fez, sibi imputet, de nada valendo a R. invocar que prosseguiu no procedimento por se encontrar numa situação financeira extremamente deficitária (a reclamar a adoção de medidas de saneamento previstas no Art. 35.º CSC), por a amortização das ações se revelar uma medida necessária para a sua sobrevivência, por a conversão dos créditos da acionista FRE/ A (…) em capital social da R. ser indispensável, por, enfim, a deliberação de amortização ser justificável de um ponto de vista económico e de salvaguarda da R.; ou invocar, como agora faz nas conclusões DDDD e EEEE, que a confirmação da sentença causará “perturbação social”, “será incompreensível (…) junto dos colaboradores e clientes da empresa” e constituirá um “benefício ao infrator”.

Não dizemos que a deliberação de amortização não fosse/seja a melhor do ponto de vista da “racionalidade económica” – aspeto certamente relevante para afastar o abuso de direito (da deliberação de amortização) invocado pelo A., tema/questão em que não chegamos a entrar – dizemos, isso sim, que, antes (ou além) de ser oportuna e conveniente, tinha que ser lícita e, face à interpretação que fizemos da cláusula, não é o caso.

Enfim, o comportamento do A., desde que recebeu a comunicação a que se refere o corpo do art. 7.º dos estatutos, de modo algum preenche alguma das “hipóteses típicas” ou “figuras sintomáticas” concretizadoras da cláusula geral da boa fé e do abuso de direito:

 - A presente ação/impugnação não é uma pretensão incompatível ou contraditória com uma conduta anterior do A. – bem pelo contrário, como resulta da carta enviada à R. em 21/03/2019 – não se estando assim perante uma situação de “venire contra factum proprium”;

- O A. não vem exercer um direito (impugnação da deliberação) que não exerceu durante muito tempo, tendo criado na R. uma fundada expectativa de que já não impugnaria o deliberado (não estamos, de modo algum, perante um posterior exercício manifestamente desleal e intolerável)[29].

Em conclusão:

As deliberações de amortização das ações do A. e de redução do capital social da R. padecem de vício de conteúdo, na medida em que ainda não estava verificada a situação – arresto, transitado em julgado, das ações amortizadas – que, segundo a interpretação que fazemos dos estatutos da sociedade, permite tal amortização e a consequente redução do capital.

Entendeu-se, por isso, na sentença recorrida, que o deliberado “é anulável nos termos das disposições conjugadas dos artigos 58.º/1/a) e 347.º/1 do CSC (a sanção da nulidade nos termos previstos na alínea d) do n.º 1 do artigo 56.º só ocorreria no caso de inexistência de qualquer permissão para a amortização).”

Compreendemos o raciocínio, mas propendemos para considerar que estaremos perante uma violação de lei que gera nulidade.

Da contraposição entre o art. 56.º/1/d) e o art. 58.º/1/a) resulta que a violação de disposição injuntiva gera nulidade e que a violação de disposição supletiva gera anulabilidade.

“Quanto porém a saber quando um preceito é injuntivo e quando é dispositivo, o código nada adianta. Ficamos assim dependentes dos critérios gerais de distinção das regras em injuntivas e supletivas. Tarefa que sabemos que é muito delicada e deixa frequentemente subsistir as maiores dúvidas. (…) Parece porém claro que a maioria dos preceitos do CSC é injuntiva. O que implica que o âmbito da nulidade não tenha assim o carácter residual que se pretendeu. Ela representa a consequência mais comum da violação da lei”[30].

Seja como for, por identidade de razão com o art. 233.º/1 do CSC – em que, quanto às SQ, se diz que, “sem prejuízo de disposição legal em contrário, a sociedade só pode amortizar um quota sem o consentimento do respetivo titular quando tenha ocorrido um facto que o contrato social considere fundamento de amortização compulsiva” – parece que devem ser considerados como imperativos os factos “concretamente definidos no contrato social” como fundamento de amortização e, nesta medida, uma deliberação de amortização que não respeite, como é o caso, tal definição é/será nula.

Em todo ocaso, uma vez que havia um pedido explícito de nulidade (com fundamento em tal art. 56.º/1/d) do CSC) e foi implicitamente julgado improcedente pela decisão recorrida, não sendo tal improcedência alvo de qualquer oposição (ou de ampliação do âmbito do recurso, concordando até o A. explicitamente com a anulabilidade decretada), entendemos, face à regra da proibição da “Reformatio in Pejus”, constante do art. 635.º/5 do CPC, que o mais ajustado será confirmar a proferida decisão de anulabilidade (das deliberações tomadas na AG da R. ocorrida em 15 de abril de 2019 e mencionadas nos artigos 30.º e 31.º dos factos provados)[31].

Sendo, por violação de lei, invalidadas tais deliberações, fica prejudicado (ex vi art. 608.º/2 do CPC) o conhecimento dos demais fundamentos de invalidade invocados pelo A., nomeadamente o exercício abusivo do direto de amortização (permitido pela cláusula) e o exercício abusivo do direito de voto, por parte da A(…), em tais deliberações.

Por outro lado – continuando o A., por efeito de tais invalidades, a ser titular de 50% do capital social da R. – não podem subsistir as deliberações a seguir (no mesmo dia 15/04/2019) tomadas (e constante dos pontos 32 e 33 dos factos provados), uma vez que deixam de se verificar os requisitos das deliberações unânimes por escrito, por nelas não terem participado todos os sócios, o que conduz à nulidade das deliberações assim tomadas, nos termos previstos quer na alínea a) na alínea b) do artigo 56.º/1 do CSC.

Impõe-se pois julgar improcedente o recurso.


*


V - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela R/apelante.

Coimbra, 10/12/2020

Barateiro Martins ( Relator)

Arlindo Oliveira

Emídio Santos



[1] Com apenas dois acionistas, ambos intervenientes no negócio que levou à aprovação da cláusula estatutária em causa.
[2] Assim como, no lugar próprio, se incluirão as retificações peticionadas, pelo R/apelante, à redação dos pontos 6 e 18 dos factos provados.
[3] Cfr. Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Vol II, pág. 417; e Carolina Cunha, CSC em Comentário, Vol. 5, pág. 873.

[4] Emergindo, como efeito de tal amortização, a constituição, na esfera jurídica do acionista afetado, do direito de exigir à sociedade o pagamento duma contrapartida.

[5] Daí que se diga que tal amortização (compulsiva) é, afinal, um expediente destinado a operar a exclusão do sócio (Brito Correia, Direito Comercial, pág. 415; e A. Pereira de Almeida, Sociedades Comerciais, pág. 60 e 205-206): que a amortização e a exclusão se distinguem no plano conceptual, mas já não no plano funcional (uma vez que ambas se dirigem a afastar, sem ou contra a vontade, o sócio da sociedade).
[6] Carolina Cunha, CSC em Comentário, Vol. 5, pág. 871.

[7] Que é identicamente referida na sentença recorrida e em que as partes estão de acordo.

[8] A dado passo (fls. 24) do seu Parecer (junto pela R.).

[9] É costume referir-se que a “probabilidade séria da existência do direito invocado” se basta com um mero juízo de verosimilhança, isto é, com uma prova sumária; o mesmo não acontecendo com a apreciação dos factos integradores do “periculum in mora”, em que se deve usar um critério mais rigoroso; ou seja, o grau de exigência é mais elevado quanto à verificação do “periculum in mora”, havendo menos rigor na apreciação do requisito do “fumus boni iuris”.
[10] Sem prejuízo de, sendo o arresto injustificadamente decretado, dar lugar, nos termos do art. 374.º/1 do CPC, à responsabilidade do seu requerente.

[11] Diz o Prof. Carneiro da Frada, no parecer já referido, que “levar em conta as consequências da interpretação no processo interpretativo garante o respeito pelo equilíbrio contratual desejado e a máxima potenciação do efeito útil das estipulações”. Concordamos completamente: importa nunca perder de vista que a ponderação das consequências constitui um momento de argumentação jurídica, pelo menos para todos aqueles que entendem – e são hoje muitos – que a inferência jurídica não pode ficar alheia dos efeitos práticos da solução inferida.
[12] Citado pela R/apelante.
[13] E as alíneas a) e g) não vêm ao caso.

[14] Não é muito relevante, mas a verdade é que, na contestação, a R. só alude, dentre todas estas finalidades, à insuficiência económica (do arrestado) para recapitalizar a sociedade.
[15] Se era esse o sentido que a O (…) dava à cláusula, mandava a boa fé que propusesse uma redação que não deixasse qualquer dúvida sobre o sentido e “conteúdo normativo” de tal fundamento de amortização.

[16] “Complexa economia contratual em presença”, assim se diz, ficando a ideia de se imputar ao tribunal uma menor sensibilidade para a compreensão das restruturações financeiras levadas a cabo por fundos de capital de risco no contexto de operações de P (…)

[17] Não parece, face ao disposto no art. 328.º do CC, que os 90 dias concedidos pelo estatuto, para o arrestado resolver/sanar a situação, suspendam tal prazo de caducidade.

[18] Aliás, tal prazo de 6 meses também já havia decorrido se o contarmos sobre a decisão que, em 06/08/2018, manteve o arresto; e mesmo se olharmos para a comunicação ao A. também não é pacífico que não tivesse já decorrido, uma vez que a ocorrência do facto que fundamenta a amortização não acontece apenas quando o A. recebeu, em 16/11/2018, a comunicação que lhe foi enviada, em 07/11/2018, pela R.; como a R. refere na conclusão W), “o arresto de participações sociais (…) efetiva-se pela apreensão judicial das participações sociais, ou seja, mediante a comunicação do arresto à entidade bancária onde os títulos se encontram depositados e comunicação do arresto dos títulos à sociedade emitente (…)”, isto é, a R. tem conhecimento da materialização do arresto desde fev/março de 2018.

[19] O que torna frágeis argumentos de identidade de razão, ou seja, v. g. no caso da declaração de insolvência, a identidade de razão é com todos os efeitos que a lei liga imediatamente à mera decretação de insolvência ou, ao invés, com a regra constante dos art. 40.º/3 e 42.º/3 do CIRE, segundo a qual a oposição de embargos, o recurso da sentença que os decida/mantenha e o recurso da sentença de declaração de insolvência têm efeito suspensivo sobre a liquidação e partilha do ativo? Com todo o respeito, até será mais, face ao que sucede a seguir à deliberação de amortização, com esta última regra.

[20]  Diz a R/apelante (a fls. 28 da sua alegação) que “é certo que se, à data da deliberação, o arresto tivesse sido levantado ou a sentença revogada no âmbito do Recurso de Apelação, deixariam de estar verificados os pressupostos para a tomada da deliberação de amortização, pelo que a Recorrente e os seus acionistas em sede de assembleia geral, não poderiam deixar de considerar esse facto. Porém, tal não sucedeu!”. O que, com todo o respeito, suscita a seguinte pergunta: O que diria a R/apelante se, no dia seguinte à deliberação, a Relação revogasse o arresto?

[21] Será diferente, mas não releva a favor ou contra o trânsito, o caso do fundamento de amortização previsto no art. 7.º/1/e) dos estatutos, que remete para a oneração de ações em violação do “preceituado no artigo sexto”, uma vez que, aqui, não há uma determinação judicial, mas sim um ato voluntário do acionista a constituir penhor, usufruto ou qualquer outro ónus sobre as ações.

[22] Ou seja – colocando uma hipótese também estrema – um acionista, seguindo-se a tese interpretativa da R., poderia ser “amortizado” quase sem se poder pronunciar (restar-lhe-iam os referidos 90 dias para “sanar” o arresto e nada mais).

[23] E não é por a cláusula também incluir a “penhora” como fundamento de amortização que devemos dizer que, se fosse apenas para evitar a venda executiva, bastaria a penhora, querendo-se com isto dizer que, se está lá o arresto, é porque este tem em vista outra finalidade: do que se trata, com a previsão do arresto, é de conferir uma defesa mais “avançada” ao referido interesse da sociedade.

[24] A favor da sua tese interpretativa, a R/apelante cita um Ac. da Rel. de Lisboa de 17/07/2008, porém, da transcrição que faz nada se retira a favor (ou contra) a sua tese, uma vez que, ali, a causa da deliberação de amortização (que era uma penhora sobre uma quota) estava completamente estabilizada (e transitada), vindo o ali requerente invocar outra questão: que a quota penhorada é um bem comum e que a mulher pediu a separação de meações.

[25] Nem a própria R., como consta dos factos e já se referiu, empregou/aplicou verdadeiramente tal sentido, deixando passar mais de 8 meses (sobre o decretamento/efetivação do arresto) para dar início ao procedimento tendente à amortização das ações, ou seja, é o próprio comportamento da R. a “minar” a força persuasiva da sua tese interpretativa; uma vez que o mesmo transmite a clara impressão – até por, na comunicação de 07/11/2018, se falar em arresto decretado “em definitivo” – da própria R. haver considerado que a situação estatuída na cláusula exigia (para a amortização das ações) a estabilização do arresto, considerando, porém, a R., a seguir, que tal estabilidade acontecia logo com a 2.ª decisão (a referida no art. 372.º/3 do CPC) proferida em 1.ª instância.

[26] E a circunstância de nesta Secção (única com competência em matéria de comércio), todos, duma maneira ou de outra, já nos havermos debruçado e considerado provadas tais inúmeras violações por parte do aqui A..

[27] Embora a disciplina das sociedades anónimas não faça qualquer referência explícita à exclusão do sócio/acionista, o certo é que, maxime em SA de cariz personalístico, como é o caso, tal é possível, procedendo-se “à extensão teleológica da cláusula geral do art. 242.º/1 do CSC” (cfr. Carolina Cunha, A exclusão dos Sócios, Problemas de Direitos das Sociedades, IDET, pág. 231/3).
[28] Podia vir na PI, em 1.ª linha, pugnar pela caducidade do direito potestativo de amortização.

[29] O silêncio/inércia do A. durante o procedimento conducente à amortização de ações (quebrado com a carta de 21/03/2019) de modo algum pode ter gerado uma situação de confiança na R., uma vez que, em termos de significado, é totalmente inconcludente não haver respondido às duas comunicações que lhe haviam sido enviadas pela R.; o único indício de que poderia estar a aceitar o procedimento foi o pedido (dirigido ao tribunal em 19/03/2019) de levantamento do arresto, mas mesmo este “débil” indício só durou 2 dias.
[30] Oliveira Ascensão, in Invalidades das Deliberações Sociais, Problemas de Direitos das Sociedades, IDET, pág. 383.

[31] Embora, no caso, a “Reformatio” não tivesse qualquer consequência, uma vez que as duas modalidades de invalidade (nulidade e anulabilidade) produzem exatamente os mesmos efeitos; e a alteração resultasse apenas e só duma diferente qualificação jurídica do mesmo recorte factual.