Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6484/16.8T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
TRIBUNAIS PORTUGUESES
REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIA HABITUAL
MENOR
CRITÉRIOS
Data do Acordão: 10/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE VISEU – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 59º CPC; 7º E 8º DA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA. O REGULAMENTO (CE) Nº 2201/2003 DO CONSELHO DE 27/11/03.
Sumário:

I – Sobre a competência internacional reza o art.º 59º do C.P.C. - Competência internacional – ‘sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º’.

II - Da leitura do preceito resulta que a lei portuguesa dá prevalência às normas convencionais sobre tal matéria, pugnando o referido na Constituição da República Portuguesa, na media em que o seu art.º 8, em conjugação com outras normas, nomeadamente as constantes dos nºs 5 e 6 do art.º 7º, acolhe o princípio do primado do Direito Comunitário, e no seu nº 2 consagrou a doutrina da receção automática das normas do direito internacional particular, isto é, o direito convencional constante de tratados e acordos em que participe o Estado português, as quais são diretamente aplicáveis pelos tribunais, apenas condicionando a sua eficácia interna à publicação oficial no seguimento de ratificação ou aprovação.

III - O Regulamento (CE) Nº 2201/2003 do Conselho de 27/11/03, que revoga o Regulamento (CE) nº 1347/2000, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, nos seus artigos 8º, nº 1, 9º, nº 1 e 10.º estabelece como competentes os tribunais do Estado-Membro da residência habitual da criança para tomarem decisões em matéria de responsabilidade parental.

IV - Sendo a Alemanha e Portugal membros da Comunidade Europeia, haverá de atender-se ao disposto no Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, uma vez que o mesmo tem aplicação às matérias respeitantes à atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental - artº 1º, nº 1, alª b) - e se assume como instrumento jurídico comunitário vinculativo e diretamente aplicável para determinar as regras relativas à competência judiciária, de forma a ultrapassar as disparidades das regras nacionais em matéria de competência judicial - artº 17º.

V - Não define o Regulamento o que deva entender-se por residência habitual. Trata-se, em nosso entender, de um conceito autónomo da legislação comunitária, independente relativamente ao que possa constar das legislações nacionais, devendo ser interpretado em conformidade com os objetivos e as finalidades do Regulamento, e que deve ser procurado caso a caso pelo juiz, mas tendo em conta, desde logo, que o adjetivo “habitual” tende a indicar uma certa duração.

VI - Temos para nós que face à nota (12) daquele Regulamento (Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003) e na esteira do Ac. da Rel. de Lisboa de 12/7/2012, Proc.º n.º 1327/12.4TBCSC.L1.2, relatado por Sérgio Almeida, que o critério decisivo para a determinação da competência em sede de responsabilidade parental não é tanto a residência habitual mas sim a proximidade. Ou seja, a residência habitual é uma decorrência ou manifestação da proximidade, enquanto critério aferidor, e não o contrário.

VII - E, portanto, se a maior proximidade do menor for a outra ordem jurídica, será o Tribunal desta o competente (art.º 15), já que é o que melhor corresponde ao superior interesse na criança (nota 12), na medida em que é “o que se encontra mais bem colocado para conhecer do processo (art.º 15).

VIII - Sendo um dos fitos da atribuição da competência a um dado tribunal a melhor resolução da causa, por se entender que a proximidade dos contornos ou circunstancias do caso favorecem a consecução de uma decisão mais justa e conscienciosa, o caso vertente aconselha que seja o tribunal português, o de Viseu, a apreciar e decidir, desde logo pelo critério de aproximação e os superiores interesses do menor, que devem estar sempre na linha da frente, até porque o menor aqui nasceu e conviveu com os seus familiares, aqui mantendo as suas origens e raízes, por um lado, e por outro o pouco tempo que se encontra na Alemanha.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra

     

                                 1. Relatório

1.1.- L... requereu contra D... a alteração do regime de regulação das responsabilidades parentais em relação ao filho menor das partes, L..., tendo indicado, para si, uma residência habitual em Viseu e temporária na Guarda, e para a requerida uma residência na Alemanha e, quando em Portugal, em Viseu.

Para tanto alega, em síntese, que o filho menor, L..., reside com a mãe “alegadamente” na Alemanha, não conseguindo estabelecer contactos com o mesmo.

1.2. - Com vista à determinação do tribunal internacionalmente competente foi oficiado à autoridade policial competente para averiguar onde reside a criança e desde quando.

Na sequência da informação policial constante de fls. 27, o Ministério Público veio excepcionar a incompetência internacional deste Tribunal, o que mereceu a oposição do progenitor, requerente.

1.3. - Foi proferida decisão, onde se julgou, ao abrigo do disposto nos art.ºs 17.º do Regulamento Bruxelas II-A, 59.º, primeira parte e 590.º, n.º 1, ambos do CPC, procedente a excepção da incompetência internacional dos Tribunais Portugueses e, em consequência, indeferiu-se liminarmente a petição inicial, e em consequência condenou-se o requerente em custas art.º 527.º do CPC.

1.4. – Inconformado com tal decisão dela recorreu o requerente terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

....

XIII. Em conclusão e salvo melhor opinião, estando o Tribunal a quo melhor colocado para decidir sobre a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativos ao menor, por o mesmo ser de nacionalidade portuguesa assim como ambos os progenitores, e por o seu pai residir habitualmente em Portugal, país com o qual o menor mantém uma particular e forte ligação, não está afastada a sua competência ainda que o menor resida atualmente no estrangeiro.

XIV. Desta forma, mal andou a sentença requerida, pois ao decidir diferentemente, o tribunal a quo proferiu uma decisão formalista decorrente da análise simplista das normas em apreço, violadora do superior interesse do menor e do direito à parentalidade e da manutenção do vínculo entre pais e filhos em condições de igualdade, conforme artigos 35.º e 13.º da CRP.

XV. A sentença proferida pelo tribunal a quo mostra-se, assim, violadora dos artigos 9.º do RGPTC, 8.º e 17.º do Regulamento CE n.º 2201/2003, 25.º e 31.º, do CC e 13.º e 35.º da CRP, devendo, por isso, ser revogada, nos termos supra expostos.

Termos em que, deve o presente recurso merecer provimento em toda a sua extensão, com as legais consequências, e ser a sentença recorrida revogada.

1.5. Cumprido o art.º 221.º do C.P.C., o Ministério Público respondeu terminando a sua motivação com as seguintes conclusões que se transcrevem:

“1- No que toca à competência internacional, há que fazer apelo às normas do CPC respeitante a esta matéria, aplicável aos processos tutelares cíveis por via do art.º 33.º do RGPTC.

2-Atendendo ao art.º 59.º do CPC este normativo, verifica-se que os factores de atribuição da competência internacional dos tribunais portugueses só são tidos em conta se tal matéria não estiver estabelecida em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais.

3- E isto é assim, porque o direito convencional internacional, no caso dos autos, desde que ratificado ou aprovado, tem recepção automática no direito interno.

4- A este respeito existe o Regulamento 2201/2003 (Bruxelas II-A).

5- O art.º 8.º n.º 1 do Regulamento estabelece que os tribunais de um Estado-Membro da União Europeia são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro, à data em que o processo seja instaurado no tribunal.

6- O artigo 17.º do citado Regulamento dispõe “que o tribunal de um Estado-Membro no qual tenha sido instaurado um processo para o qual não tenha competência nos termos do presente regulamento e para o qual o tribunal de outro Estado-Membro seja competente, por força do presente regulamento, declara-se oficiosamente incompetente.”

7- O n.º1 do art.º 9.º do RGPTC, preceitua que: para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado.

8- Este artigo consagra a regra de competência territorial, insusceptível de derrogar normas relativas à competência absoluta dos Tribunais, mormente à competência internacional.

9-Acerca da questão da competência internacional e do citado Regulamento existem diversos acórdãos, os quais apontam no sentido de que a residência habitual do menor é o critério a considerar. (cfr. Ac TRL de 22-09-2011, proc.º 1729/10.0TMLSB-B.L1-8, A. RL de 12/07/2012, 1327/12.4TBCSC.L1, Ac. STJ de 20-01-2009, Proc. 08B2777, todos na base de dados do ITIJ).

10- Assim, embora o menor e seus pais tenham nacionalidade portuguesa, certo é que o menor neste momento e já desde 2012 tem a sua residência habitual na Alemanha, pelo que ao abrigo dos art.ºs. 59.º do CPC, e 17.º do Regulamento 2201/2003 este Juízo de Família e Menores de Viseu é internacionalmente incompetente.

11-É irrelevante que o progenitor apenas no decurso da acção tenha tido conhecimento onde residia o menor.

Assim e por tudo quanto fica exposto, entendemos que a decisão proferida fez uma correcta aplicação do RPTC e do Regulamento aplicável, pelo que deverá o presente recurso improceder.

                               1.6 – Com dispensa de vistos, cumpre decidir.

                                                               2. Fundamentação

                2.1. Factos assentes pelo tribunal “a quo” que se transcrevem: 

1) Por decisão proferida em 29-05-2012 na CRC de Viseu, foi decretado o divórcio entre L... e D..., tendo sido nessa ocasião reguladas as responsabilidades do filho menor L..., nascido a 10-11-2004 em Viseu – fls. 32.

2) A decisão referida em 1) fixou a residência do menor junto da mãe, competindo unilateralmente a esta o exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância da vida do menor e aí se prevendo que a mãe poderá viajar com o menor, com dispensa da autorização do pai, dentro dos seguintes países do espaço europeu: Espanha, França, Luxemburgo, Alemanha, Bélgica e Holanda – fls. 18 e seg.

3) O menor reside com a mãe na Alemanha desde Abril de 2012 – fls. 27.

4) - O menor, até ir com sua mãe para o Estrangeiro - Alemanha, sempre viveu em Viseu, com os progenitores.

5) - Nesta cidade continuam a viver as famílias de ambos os progenitores, designadamente avós e tios.

6) - Familiares que mantinham relacionamento pessoal com o menor e respectivos progenitores.

    3. Motivação

3.1. É, em principio, pelo teor das conclusões do/a recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (cfr. art.s 608, n.º 2, 635, n.º 4 e 639, todos do C.P.C.).

A questão a decidir resume-se, pois, a saber se o tribunal internacionalmente competente é Tribunal Português.

Antes de entrarmos na análise da questão em apreço, nos termos da alínea c) do n.º 2 do art.º 662 do C.P.C. aditaremos à matéria de facto os seguintes pontos factuais, colocados a negrito no respectivo local.

O menor, até ir com sua mãe para o Estrangeiro - Alemanha, sempre viveu em Viseu, com os progenitores.

Nesta cidade continuam a viver as famílias de ambos os progenitores, designadamente avós e tios.

Familiares que mantinham relacionamento pessoal com o menor e respectivos progenitores.

Dito, voltemos ao caso em apreço.

Segundo o recorrente o tribunal português é o internacionalmente competente, desde logo por da conjugação do artigo 9.º, n.º 1 do RGPTC com o disposto no artigo 8.º do Regulamento CE n.º 2201/2003, se deve ao estabelecido no n.º 7 do artigo 9.º do RGPTC, que refere que se no momento da instauração do processo a criança residir no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente é competente para apreciar e decidir a causa o tribunal de residência do requerente ou do requerido, tanto mais que tem residência habitual em Viseu, localidade onde o menor sempre viveu com os pais, os aqui recorrente e requerida, até se ausentar para o estrangeiro, e onde continuam a viver as famílias de ambos os progenitores, designadamente avós e tios, familiares que mantinham relacionamento pessoal com o menor e respetivos progenitores.

Opinião oposta tem o recorrido Ministério Público que pugna pela improcedência do recurso.

Vejamos.

 A decisão recorrida entendeu ser o tribunal português internacionalmente incompetente por o menor residir no estrangeiro.

                Sobre a competência internacional reza o art.º 59º do C.P.C. - Competência internacional - Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º.

                Da leitura do preceito resulta que a lei portuguesa dá prevalência às normas convencionais sobre tal matéria, pugnando o referido na Constituição da República Portuguesa, na media em que o seu art.º 8, em conjugação com outras normas, nomeadamente as constantes dos nºs 5 e 6 do art.º 7º, acolhe o princípio do primado do Direito Comunitário, e no seu nº 2 consagrou a doutrina da recepção automática das normas do direito internacional particular, isto é, o direito convencional constante de tratados e acordos em que participe o Estado português, as quais são directamente aplicáveis pelos tribunais, apenas condicionando a sua eficácia interna à publicação oficial no seguimento de ratificação ou aprovação.

Grande parte da doutrina constitucionalista admite a preferência do direito convencional sobre o direito ordinário para o que se socorre da parte final daquele nº 2 (cfr. Marcelo Rebelo de Sousa e José de Melo Alexandrino, na Constituição da República Portuguesa, Comentada, pag. 81e Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, vol. III, pag.70 e 71).

“O princípio do primado do Direito Comunitário sobre os Direitos internos dos Estados – membros constitui princípio fundamental estruturante daquele Direito e da própria realidade comunitária europeia, e é acolhido, sem reservas, no Direito Português, colocando as normas comunitárias originárias, bem como as derivadas dotadas de aplicabilidade directa acima da lei, ainda que abaixo da Constituição, e implicando a inaplicabilidade pela Administração Pública e pelos tribunais nacionais de lei contrária anterior e a proibição de lei contrária posterior (e ainda o dever de revogação ou modificação da lei anterior oposta ao Direito Comunitário)”, frisa o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa em Parecer que pode ser lido na Colectânea de Jurisprudência do ano 1999, tomo IV, pags 5 a 17. No mesmo local, mais adiante, pronunciando-se acerca da relevância jurídica dos Regulamentos de base do Conselho acentua dever ser “ excluída qualquer aplicação parcial ou selectiva, modificação ou aditamento ou qualquer emissão de actos ou normas nacionais susceptíveis de afectar o seu conteúdo ou os seus efeitos (ou de compreender discricionariedade na sua execução), para concluir que “ O primado dos regulamentos analisados coloca-os em posição de supremacia sobre o Direito interno infraconstitucional, isto é acima das leis e de todos os actos de administração (além de acima dos actos jurisdicionais, também)”.

Havendo que respeitar esta prevalência temos que a Convenção de Haia de 5 de Outubro de 1961, Relativa à Competência das Autoridades e à Lei Aplicável em Matéria de Protecção de Menores, aprovada pelo Dec.Lei nº 48.494, de 22/7/68, ratificada e promulgada pelo Estado Português, dispõe no seu art.º 1º que: “ As autoridades, quer judiciais, quer administrativas, do Estado da residência habitual do menor, sob reserva das disposições dos artigos 3º, 4º e 5º, alínea III, da presente Convenção, são competentes para decretar medidas visando a protecção da sua pessoa ou dos seus bens”.

Mas tal não inviabiliza que se as autoridades do Estado de onde o menor é nacional, considerarem que o interesse do mesmo assim o exige, possam decretar medidas visando a protecção da sua pessoa ou dos seus bens, depois de informarem aquele outro Estado (art. 4º).

Por seu turno, conforme estipula o seu art. 13º aplica-se a todos os menores que têm a sua residência habitual num dos Estados contratantes.

Posteriormente, o Regulamento (CE) Nº 2201/2003 do Conselho de 27/11/03, que revoga o Regulamento (CE) nº 1347/2000, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, nos seus artigos 8º, nº 1, 9º, nº 1 e 10.º estabelece como competentes os tribunais do Estado-Membro da residência habitual da criança para tomarem decisões em matéria de responsabilidade parental.

Sendo a Alemanha e Portugal membros da Comunidade Europeia, haverá de atender-se ao disposto no Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, uma vez que o mesmo tem aplicação às matérias respeitantes à atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental - artº 1º nº 1 alª b) - e se assume como instrumento jurídico comunitário vinculativo e directamente aplicável para determinar as regras relativas à competência judiciária, de forma a ultrapassar as disparidades das regras nacionais em matéria de competência judicial - artº 17º.

Porém, este Regulamento começa por consignar, nos seus considerandos (12), que “as regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade… a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado-Membro de residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental”.

                Não define o Regulamento o que deva entender-se por residência habitual. Trata-se, em nosso entender, de um conceito autónomo da legislação comunitária, independente relativamente ao que possa constar das legislações nacionais, devendo ser interpretado em conformidade com os objectivos e as finalidades do Regulamento, e que deve ser procurado caso a caso pelo juiz, mas tendo em conta, desde logo, que o adjectivo “habitual” tende a indicar uma certa duração (cfr. neste sentido Ac. S.T.J. de 19/9/1991, Proc.º n.º 080700, relatado por Pereira da Silva e Ac. Rel. de Lisboa de 22 de Setembro de 2011, Proc.º n.º 1729/10.0TMLSB-B-L18, relatado por Ilídio Sacarrão Martins).

Temos para nós que face à nota (12) daquele Regulamento (Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003) e na esteira do Ac. da Rel. de Lisboa de 12/7/2012, Proc.º n.º 1327/12.4TBCSC.L1.2, relatado por Sérgio Almeida, que o critério decisivo para a determinação da competência em sede de responsabilidade parental não é tanto a residência habitual mas sim a proximidade. Ou seja, a residência habitual é uma decorrência ou manifestação da proximidade, enquanto critério aferidor, e não o contrário.

E, portanto, se a maior proximidade do menor for a outra ordem jurídica, será o Tribunal desta o competente (art.º 15), já que é o que melhor corresponde ao superior interesse na criança (nota 12), na medida em que é “o que se encontra mais bem colocado para conhecer do processo (art.º 15).

A noção de ligação particular da criança a um Estado é-nos dada pelo n.º 3 do art.º 15, podendo destacar-se (al. c.) a nacionalidade da criança (a menor nasceu em Portugal e é portuguesa) e (al. d) um dos titulares da responsabilidade parental residir no país (o requerente /pai ).

Como se exarou no acórdão da Relação de Lisboa de 27-03-2012, Proc.º n.º 703/11.4TBLNH.L1-1, relatado por António Santos, justifica-se que “o mérito de um processo seja julgado por tribunal do Estado-Membro com o qual a criança tenha uma ligação particular, pois que prima facie estará ele melhor colocado/preparado para conhecer do processo. Ou seja, em sede de aferição da competência internacional do tribunal de um Estado-Membro para conhecer de uma acção de regulação do exercício do poder paternal, as regras comunitárias não devem ser aplicadas de uma forma mecânica, simplista, antes se impõe que a regra geral do nº 1, do artº 8º, seja aplicada sob reserva (como o refere o nº 2, do artº 8º), não olvidando nunca o superior interesse da criança e o critério da proximidade (ou como refere o artº 15º, o tribunal do Estado-Membro com o qual a criança tenha uma ligação particular)”.

                No caso em apreço resulta que o menor viu regulado o exercício do poder paternal em Portugal, no tribunal que agora se declarou incompetente internacionalmente, é verdade que a alteração de regulação do exercício do poder paternal constitui uma acção independente e autónoma em relação à acção onde inicialmente foi regulada a relação parental e por isso não impeditiva de se fixar nova competência, mormente a nível internacional. Mas não é menos verdade que nesse processo foram tidos em conta factos que podem continuar a ter interesse para o superior interesse da criança, podendo se assim, se entender ouvir pessoas que colheram ou tiveram conhecimento desses factos.

Por outro lado resulta que o menor se encontra a viver com sua mãe na Alemanha apenas desde Abril de 2012, tendo vivido em Portugal desde a data do nascimento 10-11-2004 até Abril de 2012 data em que foi viver para a Alemanha.

Por outro lado, resulta que o menor, até ir com sua mãe para o Estrangeiro - Alemanha, sempre viveu em Viseu, com os progenitores, que nesta cidade continuam a viver as famílias de ambos os progenitores, designadamente avós e tios, que mantinham relacionamento pessoal com o menor e respectivos progenitores.

Assim, sendo um dos fitos da atribuição da competência a um dado tribunal a melhor resolução da causa, por se entender que a proximidade  dos contornos ou circunstancias do caso favorecem a consecução de uma decisão mais justa e conscienciosa, o caso vertente aconselha que seja o tribunal português, o de Viseu, a apreciar e decidir, desde logo, pelo critério de aproximação e os superiores interesses do menor, que devem estar sempre na linha da frente, até porque o menor aqui nasceu, e conviveu com os seus familiares, aqui mantendo as suas origens e raízes, por um lado, e por outro o pouco tempo que se encontra na Alemanha.

Assim, face ao exposto a pretensão do recorrente tem de proceder, sendo competente para apreciar a questão em apreço o tribunal de menores “a quo”.                                                                                4. Decisão

Desta forma, por todo o exposto, acorda-se:

a)- Julgar procedente a pretensão do recorrente e em consequência revogar o despacho recorrido, substituindo-o por outro a determinar a competência ao tribunal “ a quo”.

Sem custas

Coimbra, 11/10/2017

                  Pires Robalo (relator)

        Sílvia Pires (adjunta)

       Jaime Ferreira (adjunto)