Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3166/08.8TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
ACEITAÇÃO DA OBRA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
REDUÇÃO DO PREÇO
Data do Acordão: 07/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 428, 1207, 1208, 1218, 1221, 1222, 1223 DO CC
Sumário: 1. Do facto de a ré [dona da obra] ter obtido a licença de utilização e se encontrar a laborar no edifício construído [obra], sem ter denunciado quaisquer defeitos nem exigido a sua eliminação, só se poderá concluir que aceitou a obra.

2. Tal conclusão decorre da presunção absoluta, inilidível, estabelecida no n.º 5 do artigo 1218.º do Código Civil, onde se prevê que “A falta da verificação ou da comunicação importa aceitação da obra”.

3. Tendo a ré [dona da obra] procedido à sua recepção sem reservas, não pode posteriormente invocar a excepção de não cumprimento, na acção em que a autora [empreiteira] requer o pagamento das duas prestações finais relativamente às quais as partes estipularam o pagamento aquando da conclusão dos trabalhos, dado que, a partir do momento em que recebeu a obra sem reservas, ficou a ré constituída em mora quanto a tais prestações.

4. Não tendo sido requerida a redução do preço, não pode o juiz decretá-la oficiosamente.

5. Apesar de se ter provado a existência de defeitos na obra, não sendo juridicamente viável a invocação da excepção de não cumprimento feita pela ré, e não tendo esta peticionado os direitos que a lei lhe facultava com exercício sequencial [i) em primeiro lugar, a eliminação dos defeitos; ii) caso tal eliminação não fosse viável, a exigência de nova construção, salvo situações de desproporcionalidade; iii) caso não fossem eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, a redução do preço ou a resolução do contrato, neste último caso, somente se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destinava], a acção terá que proceder.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório
L (..) Lda, intentou contra S (…) Sociedade de Vinhos Lda, a presente acção declarativa de condenação com processo comum sob a forma ordinária, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de € 39.903,82, acrescido de IVA à taxa legal, bem como juros até integral pagamento.
Como fundamento da sua pretensão, alegou a autora em síntese: no exercício da sua actividade, celebrou com a ré um contrato de empreitada referente à construção de um pavilhão; o preço acordado foi de 139.667,43€ + IVA, a efectuar de acordo com o escalonamento previsto no contrato; a execução da obra esteve suspensa por causas imputáveis à ré; a ré não pagou as duas últimas prestações (7ª e 8ª) – Caixilharia e Pintura, no valor de 14.9763,93€ e “Conclusão de Obra 24.939, 89€, acrescida do respectivo IVA à taxa legal; assim, está a ré em dívida para com a autora de parte ao preço da empreitada no montante de 39.903,82€, acrescido de IVA à taxa legal.
Contestou a ré, preconizando a improcedência da acção e a declaração de que “assiste à ré o direito de recusar o pagamento do preço em falta enquanto a autora não reparar os defeitos da obra e concluir os trabalhos em falta”.
Alegou a ré em síntese: os trabalhos foram executados pela autora em desconformidade com o projecto; encontram-se por executar vários trabalhos contratados; os atrasos da entrega da obra são da responsabilidade da autora, que não cumpriu os prazos acordados; a obra foi concluída apenas formalmente, para possibilitar à ré a obtenção da licença de utilização; a ré propôs à autora a entrega de dois cheques referentes às duas últimas prestações (7ª e 8ª) – Caixilharia e Pintura, no valor de 14.9763,93€ e “Conclusão de Obra 24.939, 89€ - com a condição de esta retomar os trabalhos, entregar o livro de obra e reparar os defeitos, mas a autora não aceitou.
A autora apresentou resposta, alegando genericamente que a obra não tem quaisquer defeitos (fls. 68).
Foi proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento da contestação, nomeadamente no que concerne à concretização dos defeitos invocados.
A ré respondeu ao convite através do requerimento de fls. 96.
Foi proferido despacho saneador em que se fixou o valor da causa, se definiu a matéria factual assente e se organizou a base instrutória, sem reclamações.
As partes apresentaram os seus meios de prova, tendo sido, nomeadamente, requerida peritagem colegial.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferido despacho (fls. 273 a 278), onde se decidiu a matéria de facto, sem reclamações.
Foi proferida sentença (fls. 279 a 289), onde se julgou a acção improdecente e se absolveu a ré do pedido.
Inconformada, apelou a autora, apresentando alegações, nas quais formula as seguintes conclusões:
(…)
A ré apresentou contra-alegações, onde preconiza a manutenção do julgado, concluindo:

(…)


II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A n.ºs 1 e 3 do CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões: i) apreciação das nulidades invocadas; ii) apreciação do recurso da matéria de facto; iii) apreciação do mérito da integração jurídica dos factos, nomeadamente no que concerne à aceitação da obra e às consequências jurídicas deste facto relativamente à invocação da excepção de não cumprimento.

2. Apreciação das nulidades invocadas
Nas conclusões de recurso 1.ª a 11.ª, alega a recorrente que a sentença sob censura enferma das nulidades previstas nas alíneas d) e e) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, dado que a ré foi absolvida “com recurso ao instituto da redução do preço”, sendo certo que a mesma “em momento algum dos presentes Autos (mormente em sede de reconvenção) peticionou, contra a Autora, a redução do preço”.
Conclui que o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, “conheceu de questão que lhe era vedado conhecer”, incorrendo “em excesso de pronúncia”.
Vejamos.
Dispõe o n.º 1 do artigo 688.º do Código de Processo Civil:
«1 - É nula a sentença quando:
[…]
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
[…]».
Como bem refere a recorrente, o direito à redução do preço, conferido ao dono da obra pelo artigo 1222.º, n.º 1 do Código Civil, na eventualidade de não serem eliminados os defeitos nem construída nova obra, tem que ser invocado em juízo, por via de acção ou de excepção [podendo sê-lo também por reconvenção] João Cura mariano, in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro Pelos Defeitos da Obra, 3.ª edição revista, Almedina, página 123, revelando-se imprescindível a formulação expressa de tal pedido.
Acontece, no entanto, que o M.º Juiz, ao contrário do que alegam os recorrentes, não decretou a redução do preço (que não lhe foi solicitada).
A decisão ditada na sentença recorrida foi outra: o M.º Juiz entendeu que “nada permite concluir que o custo da sua eliminação seja claramente inferior ao quantitativo em falta por parte da autora, o julgador deve aceitar que não há, contratualmente – e considerando o carácter sinalagmático do contrato – motivos para declarar a procedência da acção”, e a partir deste raciocínio, com apelo à figura da redução do preço, sem invocar expressamente a equidade Com o devido respeito, temos alguma dificuldade em entender a sentença nesta parte. Com efeito, o M.º Juiz depois de considerar que “nada permite concluir que o custo da eliminação (dos defeitos) seja claramente inferior ao quantitativo em falta por parte da Autora”, acaba por julgar a acção improcedente, aparentemente com base na equidade (sem invocação expressa desta figura), por entender que, face a tal custo (indeterminado), não pode decretar a procedência da pretensão da autora. Em suma, parece considerar que o custo da eliminação dos defeitos coincidirá com o valor em falta (apesar de desconhecer esse custo), fazendo operar a compensação., concluiu que a acção deveria improceder.
Transcreve-se a decisão nesta parte:

«Pungentes, visíveis, incomodativos, os defeitos não impediram a emissão de licença de utilização, baseada num compromisso de honra do técnico responsável, quando, na verdade – e como ocorre sistemática e impunemente em várias obras – são ostensivas as disparidades entre o projectado e o construído, a ponto de quem de direito (a inspecção económica) ter já feito sentir que a construção, como está, nem respeita as exigências legais para o fim a que se destina a obra. Logo, unicamente um caminho se lhe aponta: o da redução do preço. Como estipula o nº 2 do citado artº 1222º, a redução do preço ocorre com referência ao regime estatuído no artº 884º, ou seja, “a redução é feita por meio de avaliação”.

Nesta avaliação, obviamente, alguns factores essenciais devem ser ponderados: certos defeitos são de muito difícil (e onerosa) reparação. É, claramente, o caso da caixa de retenção de gorduras, do patamar, das paredes interiores, da falta de vigas e de juntas de dilatação, do tratamento anticorrosivo das superfícies metálicas, nomeadamente, na viga de torção do portão de entrada no pavilhão, das redes de esgoto. Estas considerações, indiscutivelmente, ou são evidentes, ou, no dizer do citado artº 264º nº 2 do código de processo civil, são a “consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa”. E, como se verifica do teor do despacho que decidiu a matéria de facto, existe um relatório de defeitos, realizado por pessoa tecnicamente apetrechada e conhecedora dos meandros da obra, que indicia valores que podem ser bem próximos dos aqui pedidos pela autora. É evidente que, sem dúvida, várias vozes sempre se levantariam no sentido de ser bem mais acertado, em termos processuais, suscitar o correspondente incidente, nomear peritos, pagar custas, enfim, gastar mais parte considerável dos valores apurados em diligências judiciais. Não obstante, e porque entendo dever mover-me, também, por critérios de respeito pelos sujeitos processuais e de operacionalidade das decisões, afigura-se-me correcto seguir o seguinte critério: se, provados os defeitos, nada permite concluir que o custo da sua eliminação seja claramente inferior ao quantitativo em falta por parte da autora, o julgador deve aceitar que não há, contratualmente – e considerando o carácter sinalagmático do contrato – motivos para declarar a procedência da acção.

Assim, a decisão final será no sentido da improcedência da acção…»

Poderá legitimamente argumentar-se que, apesar de não se decretar a redução do preço, a conclusão será a mesma, na medida em que, “dispensando” a autora de pagar a parte do preço em falta, o Tribunal de 1.ª instância acaba por reduzir esse preço.
No entanto, como se disse, a redução do preço não foi expressamente decretada pelo Tribunal recorrido [nem o poderia ser, porque não foi peticionada], tendo antes o M.º Juiz optado por considerar não haver “motivos para declarar a procedência da acção”, por entender que o custo da reparação dos defeitos seria equivalente a essa reparação Apesar de, com manifesta incongruência, começar por admitir desconhecer se existe ou não essa equivalência, afirmando: “nada permite concluir que o custo da sua eliminação seja claramente inferior ao quantitativo em falta por parte da autora..
Face ao exposto, concluímos que não se verifica a nulidade invocada, sem prejuízo da apreciação do mérito jurídico da decisão, que se fará na parte final da sentença.

3. Recurso da matéria de facto
(…)
4. Fundamentos de facto
Face à decisão que antecede, é a seguinte a factualidade relevante provada nestes autos O M.º Juiz especificou com letras maiúsculas cada um dos factos assentes por acordo, integrando na sentença os restantes (decorrentes da decisão sobre a base instrutória) “a granel”, sem numeração. No presente acórdão optou-se por enumerar todos os factos, com atribuição de um algarismo por ordem crescente.:
1) A autora é uma Sociedade Comercial, que tem por objecto a actividade comercial de construção e metalomecânica.
2) A autora e a ré celebraram o contrato junto aos autos a fls. 7 e 8, que intitularam como “Contrato de Empreitada Refª Sovilafões/03”, com o seguinte teor:
«Entre: S (…)– Sociedade de Vinhos, Lda., com sede em Oliveira de Frades, contribuinte n/503564478, na qualidade de dono da obra, adiante designado por primeiro contraente: e
L (…), Lda., c/ sede na EN. 2 – Repeses e Parque Industrial de Coimbrões, lotes 112/113 – Viseu, contribuinte n.° 502225050, na qualidade de empreiteiro, adiante designado por segundo contraente;
É reciprocamente estabelecido e aceite o presente contrato de construção de um pavilhão na Zona Industrial Oliveira Frades, nas medidas aprox. 45x20.
Primeira:
O presente contrato obedece ao cumprimento de:
A) Proposta de orçamento c/descrição dos trabalhos, fornecida pelo segundo contraente (doc.n.°l)
B) Os trabalhos a realizar serão obedecendo ao projecto de arquitectura e respectivas especialidades sendo que a especialidade de fundações e betão armado, será efectuada de acordo c/ o projecto do 2°contraente, a entregar na Câmara Municipal de Oliveira de Frades.
C) O segundo contraente compromete-se a executar os trabalhos de acordo com as normas de segurança em vigor e as regras profissionais.
D) São da responsabilidade do segundo contraente os meios necessários para garantir a segurança seus trabalhadores empregues na obra e do publico em geral, de forma a satisfazer os regulamentos de segurança.
E) São da responsabilidade do primeiro contraente o fornecimento de energia eléctrica e àgua para a execução da obra.
F) O prazo previsto para execução da obra é de cerca de 4 meses.
G) Os eventuais atrasos verificados na conclusão da obra, originados por factores alheios a L(…)a, nomeadamente fenómenos naturais, acidentes ou outros, não originam o cancelamento do contrato nem o pedido de indemnização por parte do primeiro contraente, sendo que o prazo de conclusão se prorrogara, a pedido do segundo contraente.
H) O 1º contraente reserva o direito de fiscalizar todos os trabalhos a executar, salvaguardando desta forma a qualidade dos serviços contratados, para tal e em sua representação terá um técnico em sua representação que visitara regularmente a obra. Assim devera o segundo contraente facultar os meios necessários para a plena execução do referido direito que assiste ao l°contraente.
Segunda:
A) O preço acordado para execução dos trabalhos descritos e de 139.663,43euros + IVA
B) O pagamento do montante indicado na alínea anterior será efectuado de acordo com as condições anexas (doc 2)
Terceira:
Em caso de incumprimento do estipulado na clausula primeira alíneas A,B,C,D, o primeiro contraente reserva o direito de exigir indemnização
Quarta:
Em caso de incumprimento do estipulado na claúsula anterior, o segundo contraente reserva o direito de suspender os trabalhos sem prejuízo de exigir indemnização.
Quinta:
Qualquer alteração à obra ou projecto agora acordados e descritos neste contrato, originam a respectiva revisão de preço e prazos de execução, e tem que ter o acordo mútuo de ambas as partes.
Sexta:
A propriedade dos materiais fornecidos e aplicados, apenas se transferira com o pagamento integral do preço previsto no presente contrato. Até à data do pagamento integral, o primeiro contraente será para todos os efeitos legais, simples detentor dos mesmos, pelo que se obriga a sua não alienação ou oneração.
Sétima:
Convencionou-se o foro da Comarca de Viseu, para resolução de questões emergentes do presente contrato, com renúncia expressa de qualquer outro.
Oitava:
Para alem das causas de resolução resultantes da lei, as partes contraentes podem resolver unilateralmente o presente contrato por incumprimento das disposições nele consignadas.
Em tudo o que mais não se encontre previsto no presente contrato, ambas as partes se obrigam a agir de boa fé e bem assim a respeitarem as disposições legais aplicáveis.
Assim sendo vão assinar o 1° e 2° contraentes, ficando um exemplar para cada uma das partes. Viseu, 11 de Outubro de 2003 O Primeiro contraente O Segundo Contraente S(…) (segue-se assinatura) L (…)a (segue-se assinatura)
3) Autora e ré acordaram as seguintes “condições de pagamento”, constantes do documento junto aos autos a fls. 16:
Prestações
1ª Entrada em Obra 9975.957941 2.000.000$00
2ª Execução de estrutura Metálica 19951.91588 4.000.000$00
3ª Cobertura do Pavilhão 14963.93691 3.000.000$00
4ª Revestimentos metálicos 19951,91588 4.000.000$O0
5ª Pavimento do Pavilhão 17457,9264 3.500.000$00
6ª Execução de lage do escritório 17457.9264 3.500.000$00
7ª Caixilharia e pintura 14963,93691 3.000.000$00
8ª Conclusão da obra 24939,89485 5.000.000$00
TOTAL FINAL 139663,4112 28.000.000$00
4) Através do documento junto aos autos a fls. 17, datado de 16.04.04, a Câmara Municipal de Oliveira de Frades, comunicou à ré que foi aprovado o licenciamento da obra, em reunião de 13.04.2004, e que tem o prazo de um ano contado desta notificação, para requerer o correspondente Álvara de Licença.
5) A autora enviou à ré o fax cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 18, em 2004/03/09, com o seguinte teor: “Exmos. Senhores; Conforme conversa telefónica e em virtude de V.Exas. não disponibilizarem a energia eléctrica necessária para o desenvolvimento normal da obra, conforme estipulado contratualmente, informamos que os trabalhos ficam suspensos ate resolução deste impasse. Sem outro assunto, subscrevemo-nos c/ consideração. Atenciosamente”
6) A autora enviou à ré o fax cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 19, com data de 2004/04/013, com o seguinte teor: “Exmos. Senhores; Serve o presente para informar que a alteração da escada em degraus directos c/1,10 mt para degraus c/ patamar c/1,20 mt, importa em € 625,00 + IVA. Mais se informa que e necessário facultar c/ máximo urgência os cortes da planta da fachada. Sem outro assunto, subscrevemo-nos c/consideração. Atenciosamente”
7) A autora enviou à ré o fax cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 20, com data de 2004/04/15, com o seguinte teor: “Exmos. Senhores; Reportando-nos ao n/ fax anterior relativamente a alteração da escada, informamos que e por vontade expressa do dono da obra, a execução da mesma será efectuada de acordo c/ o estipulado no projecto. Reiteramos a n/ opinião que a mesma não esta em consonância c/ a lei aplicável em vigor, pelo que qualquer problema de licenciamento a ela inerente será da exclusiva responsabilidade do dono da obra. Sem outro assunto, subscrevemo-nos c/ consideração. Atenciosamente”.
8) A autora enviou à ré o fax cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 20, com data de 2004/04/23 com o seguinte teor: “Exmos. Senhores, Como e do seu conhecimento e de acordo com o estipulado contratualmente, VExas. obrigam-se a o fornecimento de energia eléctrica para o normal desenvolvimento dos trabalhos. Acontece porem que mais uma vez fomos confrontados com o facto de não existir energia eléctrica suficiente para as máquinas afectas a obra poderem trabalhar e apesar das n/s inúmeras insistências V.Exas. ainda não resolveram esta situação. Assim sendo, agradecemos que procedam a resolução imediata desta situação de molde a se concluir os trabalhos. Para o efeito deverão V.Exas. aumentar a potência para os normais 30 A ou em alternativa o aluguer de gerador respectivo Mais se informa que momento está a ser utilizado um gerador de aluguer o que acarreta um incremento de custos na ordem dos 75€ diários os quais são da v/responsabilidade directa e obviamente serão debitados a V.Exas. Sem outro assunto, subscrevemo-nos c/consideração. Atenciosamente”
9) Encontra-se junta a fls. 22, cópia de uma carta que o Mandatário da autora enviou à ré com data de 2004/06/08 com o seguinte teor: «Exmos. Senhores. Pede-me a m/cliente L (…) LDA, para transmitir a V. Exa de que os trabalhos referentes à “5ª - Pavimento do Pavilhão” e “6ª - execução de lage do escritório” do Contrato de Empreitada se encontram prontos à cerca de 2 semanas. Assim, queiram proceder ao pagamento, dos respectivos preços (3.500.000$00 + 3.500.000$00) = 34.915€, nos próximos dias. Sob pena, de acordo com a clausula Quarta – a m/cliente suspender os trabalhos sem prejuízo de exigir indemnização»
10) Encontra-se junta aos autos a fls. 23, cópia de uma carta que o Mandatário da autora enviou à ré com data de 2006/06/01 com o seguinte teor: «Exmos. Senhores. Pede-me a m/cliente L (…) Lda, para transmitir a V. Exa que se encontra em atraso –desde o fim de 2005 – o pagamento relativo a colocação das caixilharias de conforme contrato de empreitada. Que reiteram o pagamento urgente. Mais solicitam que transmitam a descriminação de eventuais defeitos com vista a sua imediato. Com os m/melhores cumprimentos.»
11) Do preço acordado e mencionado, a ré não pagou a parte referente às duas ultimas prestações (7ª e 8ª) – “Caixilharia e Pintura”, no valor de 14.9763,93€ e “Conclusão de Obra”, no valor de 24.939,89€ a crescida do respectivo IVA a taxa legal.
12) Na sequência de negociações havidas, foi devido à circunstância da A. se ter proposto executar a empreitada no prazo de quatro meses que a R. aceitou adjudicar-lhe a obra.
13) Encontra-se junta aos autos a fls. 57, a notificação feita à ré pela Câmara Municipal de Oliveira de Frades, datada de 14.11.03, referente à construção de uma unidade industrial, na qual a referida entidade comunica à ré que o projecto de arquitectura apresentado foi aprovado em reunião de 11.11.2003 pelo que deverá apresentar nos serviços municipais os respectivos projectos da especialidade.
14) A autora quando assinou o contrato de empreitada em 11/10/2003, sabia que a R. havia entregue o projecto de arquitectura em 04/06/2003 na Câmara Municipal, e que naquela data ainda não tinha sido aprovado
15) Só após a aprovação do projecto de arquitectura são aprovados os projectos das especialidades.
16) O projecto de estabilidade foi elaborado pelo senhor Eng°. Jorge de Oliveira Santos, técnico da A., nos termos contratualizados, e deu entrada na Câmara Municipal em Dezembro de 2003.
17) Ao licenciamento destas obras foi atribuído o alvará nº 62/04 que foi emitido em 30 de Junho de 2004
18) Em 25/11/2003 a R. emitiu a favor da A. o cheque n° 5268293361, com a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), sacado sobre a C.C.A.M. de Lafões Vouzela, correspondente a primeira prestação, nos termos acordados.
19) Até ao dia 01/07/2004 a Ré havia pago à A. a quantia de € 99.783,70 (noventa e nove mil setecentos e oitenta e três e setenta cêntimos).
20) Na obra supra referida a ré executou uma rede de esgotos
21) Se os peitoris da obra não mostrarem a mesma saliência tal circunstância acarreta um deficiente aspecto estético e uma deficiente drenagem das águas.
22) A Ré solicitou à autora a entrega do Livro de Obra.
23) Foi-lhe referido pela A. que o mesmo se havia extraviado.
24) A ré solicitou uma segunda via do Livro.
25) Em tal Livro é efectuado um único registo pelo director técnico em 26 de Maio de 2008.
26) Em tal registo é ressalvada a existência de um diferendo entre A. e R., referindo a existência de algumas deficiências em obra.
27) A ré enviou à autora o fax datado de 24/05/2005, cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 62, com o seguinte teor:
«Exmos. Srs.
Vimos por este meio e uma vez mais, comunicar a V.Exas que não podemos continuar a aceitar a situação de abandono a que construção do pavilhão industrial, em Oliveira de Frades tem sido sujeita. Que origina que uma obra que a vossa empresa, aquando da assinatura do contrato se propunha a construir no prazo de quatro meses, continue inacabado, passados dois anos e meio, sem qualquer razão.
Conforme informámos, em carta enviada em 26 de Fevereiro de 2005, tais atrasos estavam a causar prejuízos incalculáveis a empresa S (…) atrasos esses sem qualquer razão a nós imputável. Ainda assim tentámos, de forma tolerante dar mais algum tempo para que a obra fosse finalizada, evitando desta forma transtornos a ambas as partes, o que de nada valeu, e a situação manteve-se na mesma atitude de abandono. Assim e como já vos foi dito por escrito e dezenas de vezes por telefone, os prejuízos por vós causados são imensuráveis e a situação não se pode arrastar indefinidamente, sob pena de despedimento de pessoal e mesmo encerramento desta empresa, por isso informamos V.exas que se a dita obra, não estiver concluída ate 17 de Junho de 2005, terão que ser apuradas judicialmente responsabilidades a quem as tiver.
Atentamente.»
28) Encontra-se junto a fls. 63 dos autos o documento intitulado “Alvará de Utilização n.º 57/2008”, datado de 16 de Julho de 2008 com o seguinte teor: “Por delegação, nos termos do artigo 74.° do Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de Dezembro, é emitido o alvará de autorização de utilização n.º 57 I 2008 em nome de S (…) – Sociedade de Vinhos, Lda., pessoa colectiva n.º 503564478. O presente alvará titula a autorização de utilização de uma Unidade Industrial armazenamento de vinhos e produção de vinagre, sita no lote 56 da Zona Industrial de Oliveira de Frades, da freguesia de Oliveira de Frades…”.
29) Foi aprovado o licenciamento da obra em reunião de 13 de Abril de 2004, tendo sido aprovado, em reunião de 11 de Novembro de 2003, o projecto de arquitectura.
30) Foi emitido, com validade de seis meses a partir de 30 de Junho de 2004, o correspondente alvará de obras.
31) Por missiva de 23 de Setembro de 2004, a L (…) comunicou à S (…)que estava a utilizar, na obra, um gerador alugado, por não dispor de potência suficiente, reclamando, por parte da S (…), a resolução do problema, e ainda que, por missiva datada de 5 de Março de 2004, comunicou que os trabalhos ficavam suspensos porque a ré não havia disponibilizado a energia eléctrica necessária para o desenvolvimento normal da obra.
32) Em termos, condições e momentos que não foi possível fixar com rigor, a L (…)parou as obras, invocando falta de pagamento atempado das prestações contratualmente estipuladas.
33) Cerca de finais de 2005, a autora não realizou mais quaisquer trabalhos.
34) A ré está a laborar na obra.
35) Foi obtida, com data de 16 de Julho de 2008, a licença de utilização.
36) A ré obteve outros orçamentos para a realização da obra.
37) O projecto de arquitectura da obra foi aprovado em reunião da Câmara Municipal em 11 de Novembro de 2003.
38) A autora iniciou os trabalhos em Novembro de 2003 sem alvará de licença.
39) A licença de construção foi levantada a 30 de Junho de 2004.
40) A final, constatou-se que houve trabalhos que constavam do projecto e que não foram executados.
41) Não foi executada a caixa de retenção de gorduras no esgoto da cozinha.
42) Não foi executado o patamar de entrada e a envolvente a zona de escritórios.
43) Não foram construídas as paredes interiores do armazém, previstas no projecto de arquitectura.
44) Falta a tampa de um sifão de pavimento nas instalações sanitárias dos homens.
45) Falta a ferragem de uma porta no piso dois.
46) No revestimento metálico falta executar o remate vertical entre a chapa e o reboco.
47) Na platibanda da fachada principal há deficiências de remate, que originam infiltrações.
48) No que respeita à caixilharia, os peitoris não mostram a mesma saliência.
49) Falta pintura no topo superior da viga que torneia o portão inserido no alçado superior.
50) Falta uma tampa das caixas de visita.
51) Pelo menos em parte das paredes exteriores, falta o isolamento térmico.
52) O revestimento exterior de argamassa projectada apresenta-se rachado e ou fissurado.
53) O revestimento das paredes exterior da zona de escritório foi executado em monomassa projectada com cor incorporada.
54) Algumas das rachas e fissuras decorrem da aplicação daquele revestimento sobre materiais diferentes, como sejam as estruturas metálicas e as paredes em alvenaria, outras decorrem da falta de vigas e de juntas de dilatação capazes de suportar as forças de torção e as dilatações diferentes dos distintos materiais.
55) Em várias zonas do revestimento, há afloramentos de corrosão e alterações cromáticas resultantes de infiltrações de água.
56) As asnes e pilares da estrutura metálica apresentam sinais de corrosão em resultado do deficiente tratamento anticorrosivo das superfícies metálicas antes da pintura, esclarecendo que tal ocorre, nomeadamente, na viga de torção do portão de entrada no pavilhão, nas asmas dos alpendres exteriores e em diversas zonas de soldadura.

5. Fundamentos de direito
5.1. Qualificação do contrato e regime (específico) do cumprimento defeituoso
O artigo 1154º do Código Civil define o contrato de prestação de serviço como aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
O contrato de empreitada, modalidade do contrato de prestação de serviço, encontra-se caracterizado no artigo 1207º do Código Civil como o «contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar uma obra, mediante um preço.»
A doutrina define a obra objecto típico da empreitada não só como a construção ou criação de uma coisa, mas também a reparação, a modificação ou a demolição de uma coisa Código Civil Anotado, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora 1987, Pires de Lima e Antunes Varela, página 703..
A factualidade provada permite-nos concluir que entre a autora e a ré foi celebrado um contrato de empreitada, tal como é aceite pelas partes e foi entendido na sentença sob censura.
A obra que a autora se obrigou a executar para a ré visa a obtenção por esta de um bem produtivo – pavilhão para o exercício de actividade industrial.
Destinando-se a obra que a autora se obrigou a executar para a ré, a uma actividade produtiva - actividade industrial -, conclui-se que o objecto do contrato celebrado entre a autora e a ré não constitui uma empreitada para consumo a que seja aplicável o regime do decreto-lei nº 67/2003, de 8 de Abril (cfr. artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-lei nº 67/2003, de 08 de Abril).
Prescreve o artigo 1208º do Código Civil, que o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.
Nos termos do n.º 1 do artigo 1221.º do diploma legal citado, se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação, se não puderem ser eliminados, o dono da obra pode exigir nova construção.
Prevê o n.º 2 do mesmo normativo, a cessação dos direitos enunciados no n.º 1, caso as despesas sejam desproporcionadas em relação ao proveito.
De acordo com o n.º 1 do artigo 1222º, n.º 1, do mesmo código, não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina.
O exercício dos direitos conferidos nos artigos 1221º e 1222º do Código Civil não exclui o direito a ser indemnizado nos termos gerais, face ao que dispõe o artigo 1223º.
A análise do regime jurídico do cumprimento defeituoso no contrato de empreitada permite constatar que o legislador facultou ao dono da obra uma série de direitos a exercer sequencialmente Concluímos supra, que não se trata de empreitada de bens para consumo, sendo certo que nesta modalidade contratual o consumidor não está sujeito à sequência prevista no Código Civil, apenas dependendo o exercício dos direitos à reparação ou substituição da coisa, de redução do preço ou de resolução do contrato da não impossibilidade ou do carácter não abusivo desse exercício, nos termos gerais (artigo 4º, nº 5, do decreto-lei nº 67/2003, de 08 de Abril)..
Assim, em primeiro lugar, o dono da obra goza do direito de exigir ao empreiteiro a eliminação dos defeitos A imposição legal de que o dono da obra exija do empreiteiro uma prestação de facto para remoção dos defeitos verificados não é considerada uma boa solução legislativa por parte de alguma doutrina, face à quase inevitável a perda de confiança no empreiteiro por parte do dono da obra, que em regra se verifica nestes casos, como refere João Cura Mariano, in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 3ª edição revista e aumentada, Almedina 2008, página 153. e, caso tal eliminação não seja viável, tem o direito a exigir nova construção, salvo, em ambos os casos, se as despesas com a eliminação dos defeitos ou a nova construção forem desproporcionadas em relação ao proveito.
Apenas no caso de não serem eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, tem o dono da obra o direito a exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, mas, neste último caso, somente se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina.
Resulta ainda dos normativos citados, que o dono da obra não tem o direito de por si próprio proceder à eliminação dos defeitos, apenas podendo actuar desse modo após o incumprimento definitivo por parte do empreiteiro da obrigação de eliminar os defeitos Neste sentido veja-se João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 3ª edição revista e aumentada, Almedina 2008, páginas 147 a 161..
Tal incumprimento terá que se traduzir na recusa do empreiteiro (nomeadamente na sequência da interpelação admonitória prevista no artigo 808º do Código Civil).
Perante a factualidade provada, teremos que concluir que a ré (dona da obra) não fez qualquer interpelação à autora (empreiteira), a denunciar os defeitos da obra e a exigir a sua eliminação.
Apenas quando é interpelada na presente acção para pagar as duas prestações em falta, a ré vem alegar (e provar) a existência de defeitos, invocando o instituto da excepção de não cumprimento Encontram-se juntas aos autos várias comunicações escritas (faxes) trocadas entre as partes no decurso da construção, na sua maioria remetidas pela autora à ré, não havendo qualquer referência a qualquer defeito da obra.
Tais comunicações encontram-se transcritas no elenco factual provado.
Nos faxes reproduzidos nos factos n.º 5, 6, 7, 8, 9 e 10, a autora (empreiteira) insiste com a ré (dona da obra), para que disponibilize energia eléctrica, alertando-a para as paragens da obra devido à falta de fornecimento de energia, ameaçando suspender definitivamente os trabalhos, se persistir o atraso no pagamento das prestações (facto 9).
No único fax remetido pela ré à autora (facto 27), apenas se faz referência aos atrasos na obra e aos prejuízos daí decorrentes..
Em nenhuma parte da sua contestação, a ré alega que interpelou a autora para num prazo razoável proceder à eliminação dos defeitos da obra.
Mais. A ré não alega sequer que tenha denunciado tais defeitos, alegando, isso sim, na contestação, a existência de defeitos, que se provaram.
Como adiante se concluirá, o não cumprimento do exercício sequencial dos direitos que a lei prevê no regime jurídico específico do cumprimento defeituoso no contrato de empreitada, tem, necessariamente, consequências negativas para o dono da obra.

5.2. A aceitação da obra sem reservas e suas consequências
A autora alegou que entregou a obra e que a ré a recebeu sem manifestar reservas, tendo-se consignado no quesito 6.º: “A autora entregou a obra pronta em finais de 2005 e a ré recebeu-a sem reservas?”
A ré alegou que a considerou a obra concluída apenas “informalmente”, tendo-se consignado no quesito 46.º: “A obra foi dada (formalmente) como concluída apenas para que a R obtivesse a “licença de utilização”?”
O Tribunal de 1.ª instância proferiu decisão sobre estes quesitos, que não foi objecto de qualquer impugnação, nestes termos:
Quanto ao quesito 6.º “Provado apenas que, cerca de finais de 2005, a autora não realizou mais quaisquer trabalhos, e ainda que a ré está a laborar na obra.”
Quanto ao quesito 46.º: “Provado apenas que foi obtida a licença de utilização com base numa declaração, sob compromisso de honra, de que a obra estava concluída e em conformidade com o projecto aprovado.”
Na fundamentação da decisão (fls. 277), consta a explicação de que “as entidades competentes não realizam vistorias às obras, ‘ficam-se pelo compromisso de honra’ dos técnicos”.
O “compromisso de honra” em causa foi prestado pelos técnicos identificados no Alvará (fls. 63), ao serviço da ré (dona da obra).
Em suma, provou-se que a ré está a laborar na obra, e que a mesma foi objecto de licença de utilização emitida pelos Serviços da Câmara Municipal.
Que conclusão se poderá extrair destes factos, no que concerne à aceitação da obra?
Dispõe o artigo 1218.º do Código Civil:

1. O dono da obra deve verificar, antes de a aceitar, se ela se encontra nas condições convencionadas e sem vícios.

2. A verificação deve ser feita dentro do prazo usual ou, na falta de uso, dentro do período que se julgue razoável depois de o empreiteiro colocar o dono da obra em condições de a poder fazer.

3. Qualquer das partes tem o direito de exigir que a verificação seja feita, à sua custa, por peritos.

4. Os resultados da verificação devem ser comunicados ao empreiteiro.

5. A falta da verificação ou da comunicação importa aceitação da obra.

Em anotação ao normativo que se transcreveu, escrevem Pires de Lima e Antunes Varela Código Civil Anotado, Volume II, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 729: “A solução que foi adoptada, tal como em Itália, não tomou por base uma presunção de vontade de aceitar. Foi imposta como sanção, ou, se se preferir, como presunção absoluta, iniludível Sublinhado nosso. São, com efeito, demasiadamente graves os efeitos da verificação ou da aceitação da obra, para que se deixem esses efeitos dependentes de circunstâncias fortuitas, de uma prova incerta, e, sobretudo, da vontade do dono da obra. Ele tem de aceitar ou não aceitar a obra, logo que esta seja posta à sua disposição para verificar se está ou não em conformidade com o convencionado”.
No mesmo sentido, refere João Cura Mariano Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 3ª edição revista e aumentada, Almedina 2008, página 98: “Estabeleceu-se aqui uma presunção absoluta de aceitação da obra, insusceptível de ser iludida”.
Ora, do facto de a ré (dona da obra) ter obtido a licença de utilização e se encontrar a laborar no edifício construído (obra), sem ter denunciado quaisquer defeitos nem exigido a sua eliminação, só se poderá concluir que aceitou a obra.
Por outro lado, a ré não alegou a comunicação à autora de quaisquer reservas Já concluímos atrás, que não alegou a denúncia de quaisquer defeitos nem a interpelação para a correcção dos mesmos, não tendo juntado aos autos qualquer comunicação com esse objectivo e alcance, sendo certo que a alegação (não provada) de “aceitação informal” é meramente conclusiva. Sobre a ré incumbia o ónus de alegar factos concretos traduzidos na comunicação à autora de que não aceitava a obra, ou de que a aceitava com reservas, com fundamento nos defeitos que deveria especificar em tal comunicação., nem a denúncia dos defeitos e a interpelação da autora para os eliminar A alegação e prova destes factos reveste-se de grande simplicidade, bastando para o efeito a junção de um qualquer documento (fax ou carta) com esse teor. No entanto, como já se referiu, a ré não alega na sua contestação qualquer facto que se pudesse traduzir nessa comunicação..
Como refere Cura Mariano Obra citada, pág. 94, o artigo 1219.º, do C.C., consagra uma situação de exclusão legal da responsabilidade do empreiteiro por defeitos da obra, sem necessidade deste elidir a presunção de culpa que sobre ele recai relativamente à existência desses defeitos.
Conclui o autor citado: “Nos termos deste dispositivo, a responsabilidade do empreiteiro é afastada, relativamente aos defeitos conhecidos pelo dono da obra à data da sua aceitação, se este a aceitou sem reservas, verificando-se aqui um caso de renúncia abdicativa, legalmente presumida. O legislador presumiu de forma absoluta que o dono da obra que aceita esta, conhecendo os seus defeitos, sem os denunciar nesse acto, renuncia à responsabilização do empreiteiro pelo cumprimento defeituoso da sua prestação.”
É certo que os defeitos podem ser verificados pelo dono da obra, em conhecimento posterior à sua aceitação, mas tais defeitos têm que ser denunciados logo que descobertos, e a ré em parte alguma alega o conhecimento posterior dos defeitos.
Face ao regime legal referido, concluímos que se deverá considerar que a ré aceitou a obra sem reservas.
Cumpre agora averiguar quais as consequências que advêm dessa aceitação, nomeadamente quanto à excepção de não cumprimento invocada.
A excepção de não cumprimento do contrato encontra-se prevista no n.º 1 do art. 428º do Código Civil, nestes termos: “Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.”
Este instituto, definido pela doutrina tradicional como exceptio non adimpleti contractus, traduz-se na faculdade que, nos contratos bilaterais, cada uma das partes tem de recusar a sua prestação enquanto a outra não realizar ou não oferecer a realização simultânea da sua contraprestação. O princípio do cumprimento simultâneo das obrigações sinalagmáticas surge, em tais contratos, como consequência directa da sua interdependência funcional.
Trata-se de uma causa justificativa de incumprimento das obrigações, que se traduz numa simples recusa provisória de cumprir a sua obrigação por parte de quem a alega - o excipiente apenas se opõe à exigência de cumprimento da sua obrigação feita pelo outro contraente, enquanto este não realizar ou não oferecer a realização simultânea da contraprestação a que, por seu turno, está adstrito. Como refere João Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção pecuniária Compulsória, Coimbra, 1987, pág. 334, trata-se de “uma excepção material dilatória: o excipiens não nega o direito do autor ao cumprimento nem enjeita o dever de cumprir a prestação; pretende tão-só um efeito dilatório, o de realizar a sua prestação no momento (ulterior) em que receba a contraprestação a que tem direito e (contra) direito ao cumprimento simultâneo”.
A excepção de não cumprimento corresponde a uma concretização do princípio da boa fé, na medida em que constitui um meio de compelir os contraentes ao cumprimento do contrato e de evitar resultados contraditórios com o equilíbrio ou equivalência das prestações que caracteriza o contrato bilateral Vide acórdão do STJ de 4.02.2010, proferido no processo n.º 4913/05.TBNG.P1.S1, acessível em http://www.dgsi.pt..
Considerando o teor do normativo legal citado, onde se prescreve que «cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe», resulta do recorte dogmático da figura jurídica em apreço, que este instituto só é aplicável nas situações em que estão por realizar as duas prestações correspectivas ou correlativas.
Por isso, ela vigora, não só quando a outra parte não efectua a sua prestação, porque não quer, mas também quando ela a não realiza ou não a oferece, porque não pode e vale tanto para o caso de falta integral do cumprimento, como para o de cumprimento parcial ou defeituoso, desde que a sua invocação não contrarie o princípio geral da boa fé consagrado nos arts. 227º e 762º, nº 2 Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, pág. 406..
No entanto, como refere João Cura Mariano Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 3ª edição revista e aumentada, Almedina 2008, página 180, a exceptio só pode ser oposta após o dono da obra ter denunciado os defeitos e manifestado a sua opção pelo direito que pretendia exercer Como já ficou dito, no regime jurídico do cumprimento defeituoso no contrato de empreitada o os direitos conferidos ao dono da obra terão que ser exercidos desta forma sequencial: i) em primeiro lugar, o dono da obra goza do direito de exigir ao empreiteiro a eliminação dos defeitos; ii) caso tal eliminação não seja viável, tem o direito a exigir nova construção, salvo, em ambos os casos, se as despesas com a eliminação dos defeitos ou a nova construção forem desproporcionadas em relação ao proveito; iii) apenas no caso de não serem eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, tem o dono da obra o direito a exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, mas, neste último caso, somente se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina. Nesse sentido, vide acórdão desta Relação, de 21.10.1993, proferido no Processo n.º 423/03, acessível em http://www.dgi.pt. Conta do referido acórdão, relatado pelo Desembargador Jorge Arcanjo:
“Com efeito, o regime próprio do contrato de empreitada, face ao cumprimento defeituoso da prestação, não legitima, desde logo, o dono da obra a opor a excepção do não cumprimento, pois se assim fosse, seria inútil a regulamentação exaustiva do contrato de empreitada, designadamente, no que concerne aos meios postos à disposição do dono da obra para reagir às situações de incumprimento.
É que perante o incumprimento do contrato, nele se incluindo o cumprimento defeituoso, o dono da obra terá de subordinar-se à ordem estabelecida nos arts.1221, 1222 e 1223 do CC, ou seja, (1) o direito de exigir a eliminação dos defeitos, caso possam ser supridos, (2) o direito a uma nova construção, se os defeitos não puderem ser eliminados, (3) o direito à redução do preço ou, em alternativa, a resolução do contrato, (4) o direito à indemnização, nos termos gerais.
Só que, para tanto, o dono da obra deve denunciar, no prazo legal, as situações de incumprimento lato senso, cujo ónus funciona como pressuposto do exercício dos referidos direitos.
Como elucida Pedro Martinez, “ A exceptio non rite adimpleti contractus poderá unicamente ser exercida após o credor ter, não só denunciado os defeitos, como também exigido que os mesmos fossem eliminados, a prestação substituída ou realizada de novo, o preço reduzido, ou ainda o pagamento de uma indemnização por danos circa rem “ (Cumprimento Defeituoso, 1994, pág.328).”
No mesmo sentido, vide acórdão desta Relação, de 6.12.2005, Proc. 2988/05 (site dgsi)..
Tendo a ré (dona da obra) procedido à sua recepção sem reservas, não pode posteriormente invocar a excepção de não cumprimento, por uma razão muito simples: a partir do momento em que recebeu a obra sem reservas, ficou constituída em mora quanto às prestações finais 7.ª e 8.ª (peticionadas pela autora), relativamente às quais as partes estipularam o pagamento aquando da conclusão dos trabalhos Nesse sentido, veja-se o acórdão da Relação de Évora, de 2.06.2011, proferido no Processo n.º 307619/09.3YPRT.E1, acessível em http://www.dgsi.pt: “A aceitação da obra, nos termos do artº 1211º, nº 2, na falta de convenção ou uso em contrário, define o momento do vencimento da obrigação de pagamento do preço.”.
A ré não pode alegar a exceptio encontrando-se, ela própria, em mora, como se decidiu no acórdão da Relação de Lisboa, de 2.05.2006 Proferido no Processo n.º 1215/2006-7, acessível em http://www.dgsi.pt, cujo sumário se transcreve: “I- No contrato de empreitada, salvo cláusula ou uso em contrário, o preço deve ser pago no acto de aceitação da obra (artigo 1211.º,n.º 2 do Código Civil). II- Assim, aceite esta pelo dono da obra, incorre em mora, não pagando o preço. III- Não pode, por isso, eximir-se ao pagamento exigido invocando ulteriormente a excepção de não cumprimento do contrato com base em defeitos da obra (artigo 428.º do Código Civil).” No sentido de que o contraente em mora está impedido de alegar a exceptio, vide acórdão do STJ, de 13.05.2003, proferido no Proc. n.º 03A1053, acessível em http://www.dgsi.pt
Como enfatiza o Professor Inocêncio Galvão Telles Manual dos Contratos em Geral, Refundido e Actualizado, Coimbra Editora, 4.ª edição, 2002, pág. 488: “Se uma das partes tiver cumprido, mas defeituosamente, a outra poderá ou não prevalecer-se da excepção de não cumprimento a que os antigos chamam, nesta hipótese, exceptio non rite adimpleti contractus conforme lhe seja ou não legítimo fazê-lo em face das circunstâncias, segundo os princípios da boa fé (art. 762.º, n.º 2). A, conhecedor dos defeitos da coisa prestada por B, mesmo assim recebe-a sem protesto ou reserva; será conforme com a boa fé que continue vinculado à sua prestação, podendo quando muito pretender que esta sofra a correspondente redução.”
Na situação sub judice, tendo-se concluído, perante a factualidade alegada e provada, e a presunção absoluta inilidível prevista no artigo 1218.º do Código Civil, que a ré aceitou a obra sem reservas, não tendo denunciado os defeitos e interpelado a autora para os corrigir, a ré entrou em mora na data dessa aceitação, relativamente às duas últimas prestações convencionadas (facto 3.º), não sendo legítima a invocação da excepção de não cumprimento, feita apenas quando, posteriormente, é citada na acção onde a autora peticiona o pagamento em falta
O M.º Juiz do Tribunal a quo ter-se-á apercebido desta dificuldade, face ao regime específico do cumprimento defeituoso no contrato de empreitada, e, perante a prova dos defeitos, optou por, invocando o instituto da redução do preço Salvo o devido respeito, sem qualquer fundamento válido, na medida em que a ré não peticionou tal redução., determinar a improcedência da acção, o que se justificaria por razões de equidade, se tal figura (traduzida na justiça do caso concreto), fosse viável in casu, mas não é, face à alínea a) do artigo 4.º do Código Civil.
Em conclusão: não é juridicamente viável a invocação da excepção de não cumprimento feita pela ré na contestação, pelo que, não tendo a ré peticionado os direitos que a lei lhe facultava com exercício sequencial [i) em primeiro lugar, a eliminação dos defeitos; ii) caso tal eliminação não fosse viável, a exigência de nova construção, salvo situações de desproporcionalidade; iii) caso não fossem eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o direito a exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, neste último caso, somente se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destinava], a acção terá que proceder.
Com os fundamentos expostos, terá que proceder o recurso, revogando-se a sentença recorrida.

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso, ao qual concedem provimento, revogando-se, em consequência, a sentença recorrida, e condenando-se a ré a pagar à autora a quantia de € 39.903,82, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, e de juros de mora a contar da citação até integral pagamento, à taxa de 4%.
Custas do recurso pela Apelada.
*
O presente acórdão compõe-se de trinta e oito folhas e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.
*

Coimbra, 11 de Julho de 2012

Carlos Querido ( Relator )
Virgílio Mateus
Carvalho Martins