Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
616/15.0PBCLD.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALEXANDRA GUINÉ
Descritores: PENA DE PRISÃO COM EXECUÇÃO SUSPENSA
PRÁTICA DE NOVO CRIME NO PERÍODO DE SUSPENSÃO
EXTINÇÃO DA PENA
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO
AUDIÇÃO PRESENCIAL DO CONDENADO
DIREITO DE CONTRADITÓRIO E DE AUDIÊNCIA
Data do Acordão: 02/22/2023
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - JUÍZO DE CENTRAL CRIMINAL DE LEIRIA – JUIZ 1
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO
Decisão: JULGAMENTO ANULADO
Legislação Nacional: ARTIGOS 32.º, N.º 5, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA
ARTIGOS 56.º, N.º 1, E 57.º, N.º 1, DO CÓDIGO PENAL
ARTIGOS 61.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E B), E 495.º, N.º 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I – Previamente à decisão relativa à falta de cumprimento dos deveres, regras de conduta ou outras obrigações impostos à suspensão da execução da pena é sempre obrigatória a audição prévia e presencial do condenado.

II – Esta audição é obrigatória mesmo quando o tribunal decida declarar extinta a pena suspensa por respeito pelo contraditório, porque a decisão implica sempre um juízo sobre a verificação dos requisitos de revogação da suspensão.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 5ª secção, do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

1. … foi, mediante despacho decidido que, não obstante a condenação sofrida pelo arguido AA, por crime de idêntica natureza no decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão, não se revelava, em concreto, que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam ser alcançadas pelo que se declarou extinta, pelo cumprimento, a pena de prisão aplicada.

2. … recorreu o Ministério Público apresentando as seguintes CONCLUSÕES …

«…

II – O arguido foi condenado, pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, alínea d) da Lei das Armas e de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º, alínea a) do DL 15/93, de 22.01., na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova.

III – Todavia, no período da suspensão da execução da pena de prisão - 20 de junho de 2018 a 20 de dezembro de 2020 - o arguido foi condenado pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade … na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de 7 prisão, por factos praticados no período compreendido entre julho e dezembro de 2019.

IV – Estabelece o artigo 56.º, n.º 1 do Código Penal os fundamentos para a revogação da suspensão da execução da pena …

V – O cometimento de novos crimes por parte do condenado é, assim, a assunção de que o objetivo falhou, que a mera ameaça de cumprimento de pena não foi suficiente para o impedir de cometer novos factos ilícitos, ainda mais quando o ilícito cometido é novamente aquele que determinou a suspensão da pena, de onde se conclui que “as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.

VI – … o arguido ao praticar novo crime, no período da suspensão da execução da pena, e de idêntica natureza ao do crime de determinou a sua condenação, invalida o juízo de prognose favorável que precedeu a decisão de suspensão e como tal, deverá cumprir a pena de prisão efetiva.

VII - Ao decidir extinguir a pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na execução, pelo cumprimento, o Tribunal violou o disposto no artigo 56.º, n.º 1, al. b) e 57.º, n.º 1, do Código Penal …».

3. O arguido, respondendo ao recurso …

4. … o Exmo. Procurador Geral Adjunto, emitiu parecer, no sentido de que se declare a nulidade insanável decorrente da não audição pessoal e presencial do arguido …

De acordo com as conclusões da motivação do recurso interposto nestes autos, é a seguinte a QUESTÃO a que cabe dar resposta:

- Da verificação dos requisitos para a revogação da suspensão.

*

II. DESPACHO RECORRIDO (TRANSCRITO NO QUE ORA RELEVA)

«… foi o arguido AA condenado, pela prática de um crime de detenção de arma proibida … e de um crime de tráfico de menor gravidade … na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova …

*

O prazo de suspensão da pena aplicada terminou no dia 20.12.2020.

No relatório social elaborado no final do período de suspensão … concluiu-se que o arguido havia cumprido o regime de prova elaborado, encontrando-se abstinente do consumo de estupefacientes e em tratamento …

Contudo, decorre da certidão da decisão condenatória … proferida em 08.11.2021 e transitada em julgado em 23.03.2022, no Processo Comum Coletivo 9/19...., deste Tribunal, que, no decurso do período da suspensão da pena aplicada (entre Julho e Dezembro de 2019), o arguido praticou um crime de tráfico de menor gravidade … pelo qual veio a ser condenado na pena de 2 anos e 9 meses de prisão.

Promoveu o Ministério Público, nos presentes autos, a revogação da suspensão da execução da pena aplicada, face à condenação do arguido pela prática do mesmo crime.

Pronunciou-se o arguido, opondo-se a tal revogação …

*

Decidiu-se pela realização de relatório social do mesmo …

Conclui-se no referido relatório nos seguintes termos:

‘Salienta-se um percurso de vida do arguido distante de instâncias estruturadas, condicionado por uma recusa de supervisão e organização, e essencialmente orientado para a satisfação de necessidades associadas a problemática aditiva.

Atualmente o arguido verbaliza estar disponível para um esforço de reorganização da vida pessoal, que será mais consistente se, associado à continuidade do suporte clínico especializado e a adoção de uma rotina promotora de hábitos estruturantes de trabalho e autonomia económica’.

Notificado do relatório junto, o arguido juntou aos autos … documentação comprovativa de formação profissional como técnico de cozinha/pastelaria … e na área da jardinagem … afirmando pretender começar a trabalhar numa quinta de agricultura biológica, arrendar uma casa e ajudar a sua mãe, assim se autonomizando …

*

Nos termos do disposto no artigo 56º do Código Penal …

Tal significa que a revogação não é automática e que não deverá ter lugar enquanto se não mostrarem esgotadas as possibilidades de ressocialização do agente.

*

Sopesado o supra exposto, e não obstante a condenação do arguido por crime idêntico ao dos autos, praticado no decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada, e considerando a data do referido ilícito (entre Julho e Dezembro de 2019), a forma de cumprimento da medida de coação e da pena aplicada nos mencionados autos … o teor dos dois últimos relatórios juntos e a data dos mesmos … dando conta de uma tentativa de ressocialização do arguido, a acrescer aos documentos comprovativos de formação profissional pelo mesmo juntos aos autos … considera-se que não se pode afirmar que se encontram totalmente esgotadas as possibilidades de reinserção do arguido.

Já não se revela viável a prorrogação do período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado (cfr. artigo 55º, alínea d) do Código Penal), porquanto tal prazo já se mostra decorrido.

Assim, e porque, não obstante a condenação sofrida pelo arguido por crime de idêntica natureza no decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao mesmo nos autos, não se revela, em concreto, ao Tribunal que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam ser alcançadas … declara-se extinta, pelo cumprimento, a pena de prisão aplicada ao arguido nos presentes autos».

*

III. APRECIANDO E DECIDINDO

1. Pretende o recorrente Ministério Público que seja revogada a decisão que declarou extinta, pelo cumprimento, a pena de prisão de 2 anos e 6 meses, suspensa na sua execução.

Alega que a prática, pelo arguido, no decurso do período de suspensão, de novo crime de idêntica natureza ao que determinou a sua condenação, invalida o juízo de prognose favorável que precedeu a decisão de suspensão.

2. A decisão recorrida de extinção da pena, censurada no recurso, implicou um juízo sobre o crime de idêntica natureza praticado pelo arguido no período de suspensão não revelar, em concreto, que as finalidades que estiveram na base desta «não puderam ser alcançadas».

… são dois os requisitos para a revogação da suspensão com base na alínea b) do n.º 1 do art.º 56.º do Código Penal:

- A prática de um crime durante o período da suspensão da pena, naturalmente reconhecida por sentença transitada em julgado;

- A verificação de que as finalidades que estavam na base da suspensão não foram atingidas.

3. Dos autos resultam os seguintes elementos:

- Por acórdão transitado em julgado a 20 de junho de 2018, o arguido foi condenado na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de detenção de arma proibida … e de um crime de tráfico de menor gravidade …

- O final do prazo 2 anos e 6 meses previsto para a suspensão ocorreu no dia 20 de dezembro de 2020;

- Por acórdão transitado em julgado … o arguido foi condenado na pena de um crime de tráfico de menor gravidade … na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, por factos praticados no período compreendido entre julho e dezembro de 2019.

- O arguido não foi ouvido presencialmente previamente à decisão que decorrido o prazo de suspensão declarou extinto, pelo cumprimento a pena de prisão.

Não resultam dos autos quaisquer elementos dos quais se infira a inviabilidade de tal audição.

4. Ora, não sofre dúvida que, no decurso do prazo de suspensão, o arguido praticou novo crime pelo qual foi condenado.

Portanto, encontra-se preenchido o primeiro dos requisitos da revogação da suspensão.

Defende o recorrente Ministério Público que se infirmaram, in casu, definitivamente as finalidades que estiveram na base da suspensão da pena, salientando a igual natureza de um dos crimes da condenação e do crime alegadamente justificativo da revogação.

Por sua vez, suportando-se no teor do relatório social, e outros documentos, no despacho recorrido pode ler-se que, não obstante a prática de crime de idêntica natureza no decurso da suspensão, se desenha «um trajeto de mudança por banda do arguido nos anos mais recentes» pelo que não se pode concluir que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam ser alcançadas …

5. Temos para nós que ninguém melhor do que o condenado está em condições de fornecer uma explicação que de alguma forma contribua reduza ou afaste o impacto negativo da nova atuação criminosa, em ordem a convencer o tribunal da subsistência das expectativas em si depositadas.

E, a nosso ver esta audição (sendo viável, naturalmente) deve ser presencial, por forma a observar-se o princípio do contraditório.

Efetivamente, nos termos do art.º 495.º do Código de Processo Penal:

«1 - Quaisquer autoridades e serviços aos quais seja pedido apoio ao condenado no cumprimento dos deveres, regras de conduta ou outras obrigações, impostos comunicam ao tribunal a falta de cumprimento, por aquele, desses deveres, regras de conduta ou obrigações, para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 51.º, no n.º 3 do artigo 52.º e nos artigos 55.º e 56.º do Código Penal.

2 - O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, bem como, sempre que necessário, ouvida a vítima, mesmo que não se tenha constituído assistente.

3 - A condenação pela prática de qualquer crime cometido durante o período de suspensão é imediatamente comunicada ao tribunal competente para a execução, sendo-lhe remetida cópia da decisão condenatória».

Não deixa de corroborar esta posição o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 491/2021 … quando «Julga inconstitucional a norma interpretativamente extraída do artigo 495.º, n.º 2, e do artigo 119.º, ambos do Código de Processo Penal, que permite a revogação da suspensão da pena de prisão não sujeita a condições ou acompanhada de regime de prova, com dispensa de audição presencial do arguido/condenado e sem que lhe tenha sido previamente dada a oportunidade de sobre a mesma se pronunciar, por esta preterição redundar em mera irregularidade».

É verdade que no caso concreto foi aplicado o regime de prova, mas não menos certo é que a revogação vem a ocorrer em virtude da condenação por crime cometido no decurso da suspensão.

A nosso ver são duas as ordens de razões que exigem a audição prévia e presencial do condenado:

- Para recolher os elementos necessários à revogação de suspensão, na medida em que a decisão revogatória implica um juízo negativo de que se frustraram definitivamente as finalidades que estiveram na base da suspensão;

- Para assegurar o respeito pelo princípio do contraditório, na consideração de que a decisão revogatória, atinge diretamente a esfera jurídica do arguido, contendendo com a sua liberdade ambulatória.

Por um lado, a suspensão da execução da pena é uma verdadeira pena (uma pena de substituição), pelo que a sua revogação se traduz, sempre, no cumprimento pelo condenado de outra pena – a pena de prisão.

Ora, um tal juízo só é suscetível de ser formulado após a recolha dos elementos para o efeito reputados indispensáveis, entre os quais a audição pessoa do arguido tendo em consideração que a prisão constitui sempre a última ratio do sistema criminal - Cf. Ac. TRC datado de 24.04.2018, proc. 218/14.1GCCLD.C1 (rel. Des. Brízida Martins).

Por outro lado, a revogação é um ato decisório que contende com a liberdade do arguido, o que implica o reconhecimento legal do direito constitucional de contraditório e de audiência.

Efetivamente, dispõe o art.º 32.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP) que «O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório».

Como o Tribunal Constitucional sintetizou no Acórdão n.º 372/2000, da 3.ª Secção, ponto 8.1., depois de recordar o entendimento da jurisprudência constitucional, que remonta ao Parecer n.º 18/81 da Comissão Constitucional … e reiterada, entre outros, pelos Acórdãos n.ºs 434/87, da 2.ª Secção, ponto 4, e 172/92, da 2.ª Secção, ponto 9, o conteúdo essencial do princípio do contraditório consiste «em que nenhuma prova deve ser aceite na audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efetiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar», e de que a extensão processual desse princípio abarca a audiência de julgamento e «os atos instrutórios que a lei determinar».

O aludido princípio, com consagração constitucional no artigo 32.º, n.º 5, da CRP, no que ao processo penal respeita consiste em «qualquer sujeito ou participante processual dever ser ouvido sobre as questões em que for interessado ou que o afetem e, designadamente, sobre a produção dos meios de prova» - Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2ª edª, págs. 46 e 47.

Da conjugação destes preceitos (do art.º 495.º n.º 2 CPP e 32.º n.º 5 da CRP) com o disposto no artigo 61º do CPP, que estabelece os direitos especiais do arguido (entre os quais «a) Estar presente aos atos processuais que diretamente lhe disserem respeito; b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete»), decorre que o despacho de revogação da suspensão da pena de prisão exige a prévia audição do condenado, só assim se garantindo o efetivo exercício do direito ao contraditório.

6. A decisão recorrida foi de extinção da pena, e não de revogação da suspensão.

Implicou, no entanto, um juízo sobre a verificação dos requisitos para a revogação da suspensão.

Não se conformando com a decisão recorrida, o Ministério Público retomou no recurso a posição, já anteriormente promovida nos autos, no sentido da verificação de tais requisitos, propugnando que o despacho em crise «deverá ser revogado e determinado o cumprimento da pena de prisão efetiva».

Cumpre, portanto, a esta Relação apreciar e decidir sobre a verificação dos requisitos da revogação.

Ora, na situação que nos ocupa, violando o princípio do contraditório, não foi ouvido presencialmente o arguido, (sendo viável a audição).

Quando, por outro lado, o condenado, que é a pessoa que, em princípio estará em melhores condições de fornecer uma explicação que de alguma forma contribua para reduzir ou afastar o impacto negativo da nova atuação criminosa, em ordem a convencer o tribunal da subsistência das expectativas em si depositadas, não foi ouvido.

Assim, e tudo ponderado, julgamos que, previamente a ser proferida a decisão recorrida impunha-se a obrigatoriedade da audição do arguido/condenado, sob pena de nulidade insanável, prevista no artigo 119.º al. c) do CPP.

O que não foi feito.

Conclui-se pela nulidade da decisão recorrida, devendo proceder-se à audição pessoal e presencial do arguido, e só após se deverá proferir decisão sobre a extinção da pena ou sobre a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

*

IV. DISPOSITIVO

Em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em declarar a nulidade insanável decorrente da não audição pessoal e presencial do arguido, declarando-se nula a decisão recorrida, devendo proceder-se à audição pessoal e presencial do arguido, e só após se deverá proferir decisão sobre a extinção da pena ou sobre a revogação da suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado nestes autos.

Sem custas, por não serem devidas.

*

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pela relatora e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).

*

Coimbra, 22.02.2023

Alexandra Guiné (relatora)

Ana Carolina Veloso Gomes Cardoso (adjunta)

João Novais (adjunto - vencido nos termos da declaração que se segue)

*

Voto vencido a decisão que antecede pelas seguintes razões:

a) Na tese que obteve vencimento, considerou-se que ocorria a obrigatoriedade da audição presencial do arguido/condenado, o que no caso não ocorreu, verificando-se assim uma nulidade insanável, determinando-se a remessa dos autos à 1ª instância para que se proceda à referida audição presencial.

Ora, concordando-se que nos casos em que o juiz esteja a ponderar a revogação da pena é necessária a audição presencial do arguido, no caso a decisão recorrida foi de extinção da pena, e não de revogação da suspensão; e nesses casos nada na lei ou na jurisprudência obriga a que o arguido seja ouvido presencialmente, especialmente quando já se tenha pronunciado por escrito, como é o caso.

Na tese que obteve vencimento, o juiz ainda que pondere unicamente a extinção da pena (e não a sua revogação), deve ouvir sempre presencialmente o condenado, o nos parece redundar na prática de um acto inútil. Neste campo, não concordamos com a argumentação no sentido de que deve proceder à audição presencial prevendo a possibilidade de o Ministério Público recorrer; não raramente o MP pronuncia-se no sentido da revogação, e depois de proferida a decisão - em sentido contrário ao por si anteriormente defendido - não recorre; e neste caso nota-se especialmente a inutilidade da audição presencial.

b) Note-se que no texto da tese que obteve vencimento são elencadas duas ordens de razões que exigiriam a audição prévia e presencial do condenado: “- Para recolher os elementos necessários à revogação de suspensão, na medida em que a decisão revogatória implica um juízo negativo de que se frustraram definitivamente as finalidades que estiveram na base da suspensão;

- Para assegurar o respeito pelo princípio do contraditório, na consideração de que a decisão revogatória, atinge diretamente a esfera jurídica do arguido, contendendo com a sua liberdade ambulatória.”

Ora, na óptica do tribunal a quo, nem era necessário a recolha dos elementos necessários à revogação de suspensão da execução da pena (uma vez que se decidiu pela extinção da pena), nem era necessário assegurar o respeito pelo princípio do contraditório (que até foi cumprido por escrito), uma vez que não pretendia proferir decisão revogatória, sendo que só esta atinge a esfera jurídica do arguido, contendendo com a sua liberdade; em suma, as razões acima transcritas que justificariam a necessidade de audição presencial não se adequam ao caso.

c) Assim sendo, discordando da decisão maioritária que antecede, é a seguinte a posição por mim defendida:

- Caso o juiz 1ª instância entenda que não é para revogar a suspensão, não tem que determinar a audição presencial do condenado (bastando o contraditório já prestado por escrito), ainda que o MP se tenha pronunciado no sentido da revogação;

- Caso o juiz de 1ª instância pretenda revogar a suspensão, deve ouvir presencialmente o condenado (mesmo que já tenha se pronunciado anteriormente por escrito) confrontando-o directamente com essa possibilidade e com as razões que a justificam.

Se o MP recorrer da decisão de não revogação da suspensão da pena (como ocorreu no caso), o procedimento repete-se, agora no tribunal da Relação, ou seja:

- Caso o colectivo de juízes Tribunal da Relação considerar que não é para revogar a suspensão da execução da pena, limita-se a confirmar a decisão de extinção da pena, sem determinar a audição presencial do condenado;

- Caso o colectivo de juízes Tribunal da Relação avalie o caso no sentido de conceder provimento ao recurso do MP (isto é, ponderando a revogação da suspensão da execução da pena), então deve determinar a audição presencial do condenado perante si (isto é, sem remessa à 1ª instância para que realize a mesma audição); acrescente-se, em reforço deste ponto, que a audição presencial do condenado só parece faz sentido se for prestada perante o juiz que vai decidir da revogação; é o juiz (ou, no caso da Relação, o colectivo de juízes) quem deve confrontar presencialmente o condenado com as razões pelas quais entende que a suspensão deve ser revogada para que este se possa defender directamente; a audição presencial só se justifica por permitir a imediação (senão por escrito seria suficiente); imediação essa que não é sequer assegurada com a remessa do processo para a 1ª instância, cabendo a decisão de revogação da Relação; o juiz da 1ª instância limitar-se-á a recolher acriticamente as declarações do condenado, gravando-as, até porque não conhece as razões pelas quais a Relação pretende revogar a suspensão, não podendo assim confrontar o condenado com as mesmas.

d) Aplicando ao caso:

- se a maioria deste colectivo de juízes do Tribunal da Relação entendesse que o recurso do MP não merece provimento (é a minha opinião), confirmar-se-ia a decisão de extinção (sem determinar a audição presencial do condenado, o que constituiria a prática de um acto inútil);

- se, pelo contrário, a maioria deste colectivo de juízes considerasse que talvez fosse de revogar a suspensão, então seria determinada a audição presencial do condenado no tribunal da Relação (ou por vídeo-conferência), confrontando-o directamente (ou seja, com imediação) com as razões pelas quais entendíamos que a suspensão da execução a pena deveria ser revogada, dando-lhe assim oportunidade de defesa concreta e imediata, com respeito pela imediação.

Em nenhum caso determinaria a remessa do processo para a 1ª instância para audição presencial do condenado, razão pela qual formulo este voto de vencido.

João Novais