Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4663/07.8TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO COSTA
Descritores: ARRENDAMENTO
CADUCIDADE
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 09/07/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA
Legislação Nacional: ARTS.350, 562, 798, 1043, 1044, 1051 CC
Sumário: Verificando-se a caducidade do contrato de arrendamento por impossibilidade superveniente, em virtude da perda da coisa, o arrendatário tem direito a ser indemnizado pelos prejuízos sofridos, desde que se prove a culpa do locador na produção do facto que desencadeou a caducidade.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

P (…) intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, a presente acção com processo sumário contra:

- D (…) pedindo a condenação deste a:

a) Reconhecer o contrato de arrendamento celebrado com o Autor;

b) Efectuar as obras necessárias a dotar o locado das condições para que se destina o arrendamento;

c) Pagar ao Autor, a titulo de indemnização pelo não cumprimento da obrigação de facultar o gozo da coisa locada e destruição dos objectos a que se refere o artigo 35°, a quantia de € 12.828, 71, acrescida de juros desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;

d) Pagar ao Autor as quantias que este tiver de despender pela ocupação de outro local para desenvolvimento da sua actividade profissional até que sejam efectuadas obras de reparação do local arrendado e lhe seja assegurado o respectivo gozo, a liquidar em oportuno incidente de liquidação.

Alegou, para tanto, em resumo, que está ligado ao Réu por um contrato de arrendamento destinado à sua actividade comercial de móveis; desde há tempos, o arrendado carece de obras de conservação, pois tem vindo a degradar-se, tendo o Autor dado conhecimento da situação ao Réu; o imóvel ficou de tal forma degradado que o telhado ruiu fazendo com que o soalho se degradasse, não permitindo a sua utilização; perante a falta de resposta quanto à realização das reparações necessárias, o Autor viu-se na contingência de deixar de exercer a sua actividade no arrendado, tendo de arrendar, ainda que provisoriamente, um novo local para dar integral continuidade à sua actividade, o que aconteceu em Setembro de 2002; não obstante, o Autor continuou a pagar as rendas atempadamente.

Contestou o Réu, alegando, também em resumo, que só em Janeiro de 2006 é que o Autor, depois de ter recebido uma carta remetida pelo mandatário do Réu (onde é informado de que o imóvel, ante o estado de degradação, havia sido entaipado pela C.M.L. e que, na hipótese de aquele ter deixado algo no interior, deveria proceder à sua remoção), vem invocar a deterioração do imóvel, e a sua qualidade de arrendatário; o Autor deixou voluntariamente o arrendado, nele não exercendo a sua actividade vai para cinco anos; além disso, o arrendado não oferece as mínimas condições de salubridade e segurança, pelo que caducou o contrato de arrendamento, por perda da coisa locada; termina pedindo a improcedência da acção.

Na resposta, o Autor concluiu como na petição inicial.

Proferiu-se o despacho saneador, consignaram-se os factos tidos como assentes e organizou-se a base instrutória, sem reclamações.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, finda a qual se respondeu à matéria da base instrutória, também sem reclamações.

Finalmente, verteu-se nos autos sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu:

a) Declarar extinto, por caducidade, o contrato de arrendamento existente entre Autor e Réu, absolvendo-se este dos 1º, 2º e 4º, pedidos formulados pelo Autor; e

b) Condenar o Réu a pagar ao autor a importância de 9.200,00 €, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a dada da presente sentença até integral pagamento.

Inconformado com o assim decidido, interpôs o Réu recurso para este Tribunal, o qual foi admitido como de apelação e efeito meramente devolutivo.

Alegou, oportunamente, o apelante, o qual finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1ª – “A questão fulcral do presente recurso, e que é o seu objecto, prende-se com a condenação do R. no pagamento ao A. da quantia de € 9.200,00, a título de indemnização devida por aquele a este, ante a sua culpa, no entender do Mmo Juiz a quo, na extinção do contrato de arrendamento por caducidade;

2ª – Ora, para que se verifique essa responsabilidade em indemnizar, tem de haver um nexo de causalidade (mais concretamente culpa) entre a conduta o R. e o facto que motivou, in casu, a extinção do contrato de arrendamento;

3ª – Tem de existir culpa do locador na eclosão do facto, isto é, na perda da coisa locada. Conferir a esse propósito o que diz Pedro Romano Martinez (in Contratos em Especial, 1995, pág. 100, citado por M. Januário C. Gomes, in Arrendamentos para Habitação 2ª Edição, Almedina, pág. 269, e Antunes Varela e Pires de Lima in C.C Anotado, anotações ao artº 798º) e de que atrás se transcreveu o que para aqui releva;

4ª – Da prova produzida nos autos, mormente dos depoimentos prestados pelas testemunhas (…) resulta de uma forma muito clara que o estado de degradação do imóvel era anterior à data em que o R. adquiriu o0 imóvel. Aliás é o A./Recorrido quem afirma que esse facto motivou a sua saída do locado… e isso ocorreu antes, pelo menos um ano antes, de o R/Recorrente ter adquirido o imóvel;

5ª – Logo não se consegue compreender a conclusão extraída pelo Mmo Juiz a quo para condenar o R.. Aliás na resposta dada à matéria de facto é dito que não se provou que o R. se tivesse recusado a fazer obras nem que não tivesse respondido às solicitações do A. (se as houve, acrescentamos nós, pois que da prova assente esse facto nãos e extrai);

6ª – O que torna incongruente, quando não contraditório, que o Mmo Juiz a quo tenha dado como provado na douta sentença o que consta das al.s N), D) e E), in fls. 12 da mesma, isto é, que o A. tivesse dado conhecimento ao R./Recorrente, e em resumo, de que o arrendado carecia de obras e que não era possível a sua utilização;

7ª – O Mmo Juiz a quo, em nosso modesto entender, não poderia ter dado como provado o quesito 8º porquanto a única testemunha que serviu de base a tal resposta, (…), não demonstrou, quanto a esse facto, ter conhecimentos bastantes para produzir as afirmações que fez;

8ª – Ela nunca viu o A., seu irmão pagar qualquer compensação, nunca foi ela pagar, não identificou o amigo (aliás nos autos ele não tem identidade), disse tão só que “sabe que o irmão compensa porque ele é incapaz de o não fazer…” (sic). Ora esta afirmação é uma conclusão não um facto;

9ª – Portanto, e em resumo: dos autos, mais concretamente do depoimento das testemunhas a que supra se aludiu não poderia o Mmo Juiz a quo ter retirado a ilação de que o R. agiu com culpa, ao não realizar obras, forçando assim na saída do A., e constituindo-se na obrigação do indemnizar, antes pelo contrário;

10ª – São claras as testemunhas quando afirmam que o imóvel se mostrava já degradado há anos a que acresce o facto de o R. só ter adquirido a qualidade de proprietário um ano depois de o A. ter afixado na porta do seu estabelecimento que ia mudar-se… tout court!

11ª – E que melhor forma de comprovar esse facto, de que o estado de degradação do imóvel era anterior à aquisição da qualidade de proprietário pelo Recorrente, que as afirmações que o A./Recorrido faz na sua P.I de que foi esse o facto motivador da colocação na porta da informação de que se havia mudado?

 12ª – Mas se porventura culpa houvesse, o que não se aceita, sempre a eventual indemnização a arbitrar ao A./Recorrente não podia basear-se facto de este ter despendido a quantia de € 200,00 mensais porquanto, e salvo melhor e mais esclarecida opinião, essa prova não foi feita (o depoimento de (…) não contém factos que sustentem a conclusão que retira de que o irmão – o A. – pagava tal compensação);

13ª – A que acresce um dado curioso, da mesma prova produzida em audiência de julgamento, ressalta claramente que o A. usava o imóvel para um dos fins para o qual o tomou de arrendamento: depósito de móveis;

14ª – Parece pois que o imóvel não estaria, como amiúde invoca o A./Recorrido para sustentar a sua pretensão, assim tão degrado…!

15ª – Não há pois qualquer fundamento quer de facto quer de direito que suporte a condenação do R./Recorrente no pagamento de uma indemnização ao A./Recorrido;

16ª – Mostram-se violados e/ou incorrectamente interpretados pelo Mmo Juiz a quo os artºs 798º e 799º do Código Civil”.

Não foi apresentada contra-alegação.



ÂMBITO DO RECURSO

O âmbito do recurso é delimitado, salvo questões de conhecimento oficioso, pelas conclusões dos recorrentes, nos termos do disposto nos artºs 684º, n.º3, e 690º, n.º 1, do C. de Proc. Civil, na versão anterior ao Dec. Lei nº 303/2007, de 24/8.

De acordo com as apresentadas conclusões, as questões a decidir por este Tribunal são as de saber se deve ser alterada a decisão da matéria de facto e se estão reunidos os pressupostos para o apelante pagar a arbitrada indemnização ao apelado.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.


...............


OS FACTOS

Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:

A) Por documento particular denominado "Contrato de Arrendamento", datado de 25.02.1987, A (…), na qualidade de senhorio, e P (…), ora autor, na qualidade de arrendatário, declararam que:

«fazem, entre si, um contrato de arrendamento de uma arrecadação que faz parte integrante do prédio sito na ... cujo prédio se acha inscrito na matriz urbana sob o artigo n.° ...da freguesia de ...do concelho de ...com as cláusulas seguintes:

1.º - O prazo da sua duração é de um ano a contar de 1 de Março de 1987, prorrogável por iguais e sucessivos períodos de tempo, nos termos da lei;

2.º - A renda anual é de 144.000$00 a pagar em duodécimos de 12.000$00, na residência do senhorio ou onde ele indicar no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito;

3.º - O local arrendado destina-se a oficina ou depósito de móveis não lhe podendo ser dado qualquer outro destino, sem ser sublocado, total ou parcialmente, sem autorização, por escrito do senhorio; (...)

4.º - Todas as obras de conservação e de que reparação de que o local arrendado interiormente carecer, ficam a cargo do inquilino que responderá por toda e qualquer deterioração nele causada por sua culpa ou negligência (...)»;

B) Desde 01.03.1987, o autor utilizou o arrendado, nele instalando a sua actividade comercial de oficina de móveis;

C) Desde há alguns anos que o réu se apresenta como proprietário do imóvel;

 D) O arrendado, de há uns tempos para cá, carece de obras de conservação, pois tem vindo a degradar-se;

E) O telhado do arrendado ruiu, fazendo com que o soalho se degradasse, não permitindo a sua utilização;

F) O arrendado foi vedado em todo o seu perímetro pela CML[1], mediante a colocação de taipais metálicos;

G) O réu comunicou ao autor que assumira a posição de senhorio em substituição de (…);

H) O autor passou a pagar a renda, depositando-a em conta bancária indicada pelo réu;

I) O autor pagou sempre as rendas atempadamente;

J) No presente, a renda é de 117,31€;

K) Até ao presente, o réu nunca recusou receber as rendas;

L) O autor em Setembro de 2002 deixou de utilizar o arrendado;

M) Em Setembro de 2002, o autor afixou um papel informativo na porta do arrendado com a indicação de que a partir de 14.09.2002 se encontrava num novo espaço;

N) O autor deu conhecimento ao réu da situação descrita em D) e E);

O) Devido ao estado de degradação do locado, o autor deixou de exercer nele a sua actividade;

P) Inicialmente, foi a título provisório que o autor passou a exercer a sua actividade noutro local que lhe foi cedido por um amigo/conhecido;

Q) Dado o seu elevado estado de degradação, o imóvel carece de reconstrução parcial e de obras de restauração de modo a poder ter qualquer tipo de uso e fruição;

R) O réu não fez quaisquer obras no locado;

S) O autor pelo novo local onde se instalou desde Setembro de 2002, paga uma compensação ao dono do local de cerca de 200,00 € mensais[2];

T) Mercê da derrocada do telhado, entrou água no imóvel;

U) E ficaram destruídos diversos objectos que se encontravam no locado, a saber:

a) uma cama,

b) duas mesas-de-cabeceira,

c) um guarda fatos,

d) uma mesa de sala com abas,

e) uma caixa de costureira,

f) chapas de vidros,

g) uma lixadeira,

h) uma plaina eléctrica,

i) um berbequim, e

j) uma máquina de aparafusar.   

Para além destes factos, esta Relação considera também como provado, nos termos do artº 659º, nº 3, do C. de Proc. Civil, mais o seguinte:

V) Por escritura pública lavrada no Cartório Notarial da ..., em 8 de Outubro de 2003, o Réu declarou comprar a (…), que declarou vender, o prédio sito na ..., na cidade de ..., inscrito na matriz sob o artº ... (doc. de fls. 94 e 95).


...............


O DIREITO

1 - A decisão da matéria de facto

(…)

Tendo o facto constante do quesito 8º sido alegado pelo Autor, a quem tal facto aproveita, a ele incumbia a respectiva prova (artº 342º, nº 1, do C.C.), pelo que a dúvida sobre a realidade do facto tem de resolver-se contra o próprio Autor (artº 516º do C.P.C.).

Deste modo, esta Relação decide alterar a resposta ao quesito 8º da base instrutória para «não provado».


(…)

.........


2 – Os fundamentos da indemnização pela privação do arrendado

A sentença recorrida declarou extinto, por caducidade, o contrato de arrendamento que vinculava as partes e, por força de tal extinção, julgou improcedentes os 1º, 2º e 4º pedidos formulados pelo Autor. E julgou parcialmente procedente o pedido (3º) de condenação em indemnização pela ocupação de outro local, condenando o Réu a pagar àquele a quantia de € 9.200,00, com base na quantia de € 200,00 de compensação paga pelo Autor e dada como provada na resposta ao quesito 8º da base instrutória.

Porque o Autor se conformou com a sentença recorrida, em causa está somente o ressarcimento do alegado dano correspondente à ocupação de outro local.

A sentença recorrida, para chegar à condenação proferida, para ressarcimento daquele dano, discorreu como segue:

A questão que ora se coloca é a de saber se assiste ao autor arrendatários o direito a ser indemnizado pelos prejuízos decorrentes desta caducidade.

Dispõe o arr. 798° do CC que "o devedor que falte culposamente ao cumprimento torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor".

Ao senhorio incumbia assegurar ao réu o gozo do locado para os fins a que este se destinava. Dever-se-á apurar se o senhorio deixou de cumprir a obrigação a que se encontrava adstrito por força do contrato (art. 1031°b) do CC). Dada a inversão do ónus da prova decorrente da presunção do art° 799°, n° 2 e 350° do CC, a culpa do senhorio presume-se. A lei faz impender sobre o senhorio o ónus de provar que a degradação do edifício de que fazia parte o locado não procedeu de culpa sua.

Ora o réu não logrou fazer prova de que não teve culpa na degradação do locado: teve conhecimento da degradação do locado e não demonstrou que tivesse tomado qualquer atitude no sentido de obviar a tal situação, o facto de o Município ter intervindo não exonerava o ré de tal intervenção, tanto mais que se o Município agiu foi porque, por falta das obras necessárias, o imóvel atingiu um estado de degradação que tornava perigosa a sua utilização.

Trata-se de um verdadeiro incumprimento susceptível de dar lugar a obrigação de indemnizar de acordo com o referido art° 798° do CC.

A factualidade dos autos demonstra a existência de danos, como também o nexo de causalidade entre este e a conduta negligente do réu na conservação do prédio (como se viu decorrente da presunção). A obrigação de indemnizar é realizada em primeira linha pela restauração natural, conducente a repor a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação tal como se depreende do art. 562° do CC. Não sendo viável a restauração natural a indemnização é fixada em dinheiro.

 No caso dos autos, quanto a danos emergentes, o autor só provou o facto que consta da al. S), de facto existe um nexo de causalidade entre a mudança de espaço para desempenhar a actividade comercial e o estado do locado. Entendemos nós que o senhorio só está obrigado a pagar o montante de 200,00 por cada mês em que o autor desenvolveu a sua actividade comercial noutro lugar desde o momento em que adquiriu o prédio (28/10/2008[3]) e a data da instauração da acção (20/7/2007) - tal como é referido no art. 34º da p .i.- montante esse que se computa em 9.200,00 €”. 

  Não está, agora, em causa saber se a perda do arrendado foi parcial ou total, já que a sentença, nessa parte transitada em julgado, considerou haver perda total, em consequência do estado de degradação do prédio.

Como escreveu Aragão Seia[4], “o locatário responde pela perda ou deterioração do arrendado, não exceptuadas no art. 1043.º, salvo se resultarem de causa que lhe não seja imputável nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização dela – art. 1044.º do C.C”.

Também Pedro Romano Martinez[5] escreveu: “Se o contrato de locação caducar por impossibilidade superveniente importa averiguar se há ou não culpa do locador, cuja actuação, por exemplo, levou à perda da coisa locada – hipótese de caducidade prevista no art. 1051.º, e) C.C., - ele será responsável, tendo de indemnizar o locatário por essa situação. O contrato, na realidade, caduca mas sobre o locador impenderá uma obrigação de indemnizar a contraparte se tiver havido culpa da sua parte no que respeita à produção do facto que desencadeou a caducidade. Não havendo culpa do locador não existirá a obrigação de indemnizar. Assim, se a casa arrendada ruiu porque o locador não fez as obras necessárias de reparação, o contrato caduca e haverá que indemnizar o locatário, mas se a casa ruiu em razão de um tremor de terra ou por força de um incêndio fortuito, não há qualquer obrigação de indemnizar”.

“A culpa pode ser definida, escreveu Vaz Serra[6], como um comportamento reprovado por lei. A lei reprova o comportamento contrário ao cumprimento da obrigação, quando ele é devido à falta de diligência ou a dolo do devedor, mas também à sua conduta interna. Saber quando procedeu o devedor diligentemente, é saber quando tomou o devedor as medidas que devia tomar. Ora, este problema não pode receber uma solução uniforme para as várias obrigações possíveis, pois, conforme os casos, pode o devedor estar obrigado a maior ou menor diligência, a praticar mais ou menos actos, a abster-se mais ou menos da prática deles”.

Revertendo ao caso dos autos, há a levar em conta que o Réu adquiriu o imóvel onde se situa o espaço arrendado, uma arrecadação, posteriormente à celebração do contrato de arrendamento em causa. O contrato de arrendamento remonta a 25/02/1987 e o Réu adquiriu o imóvel em 08/10/2003.

E que os factos não nos dizem a partir de quando o imóvel carece de obras de conservação. O certo é que essas obras são reclamadas há muito tempo, já que em Setembro de 2002 o Autor se viu constrangido a deixar de utilizar o arrendado (vide al. L) dos factos).

Ou seja, quando o ora Réu adquiriu o prédio, já há mais de um ano que o Autor deixara de utilizar o arrendado, por falta de condições.

Não pode, assim, imputar-se ao Réu a culpa pelo facto de o Autor, em Setembro de 2002, ter deixado de utilizar o arrendado.

Poderia, quando muito, imputar-se ao Réu a responsabilidade pela não realização das obras posteriormente a 08/10/2003, data em que passou a ser o dono do imóvel. Mas, perante os factos provados, afigura-se-nos que nem isso é de considerar.

Atente-se no facto de, segundo os factos provados, «o prédio encontra-se em elevado estado de degradação, carecendo de reconstrução parcial e de obras de restauração de modo a poder ter qualquer tipo de uso e fruição» (al. Q) dos factos). Os factos não nos dizem, porém, que este estado de degradação a que o prédio chegou já ocorreu após a respectiva aquisição pelo ora Réu.

A verdade é que não se deu como provado que o Réu se recusou alguma vez a fazer obras no arrendado (vide resposta restritiva ao quesito 7º).

Assim, à luz dos factos provados, não é possível considerar o Réu culpado pelo estado de degradação do prédio e pelo facto de o Autor ter deixado de exercer aí a sua actividade.

E se a culpa é dos anteriores proprietários do imóvel, a verdade é que eles não foram demandados na presente acção nem se provocou, em devido tempo, a sua intervenção nos presentes autos, pelo que a sua eventual culpa não pode ser aqui apreciada.

Por isso, aliado ao facto de se dar como não provada a matéria do quesito 8º, a acção tem de improceder também quanto ao formulado pedido de indemnização.

Procedem, pois, no essencial, as conclusões da alegação do apelante, pelo que a sentença recorrida, na parte impugnada, tem de ser revogada.


...............


DECISÃO

Nos termos expostos, decide-se julgar a apelação procedente e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, na parte em que condenou o Réu a pagar ao Autor a quantia de € 9.200,00, acrescida de juros, a qual se substitui por outra que julga, também nessa parte do pedido, a acção improcedente, dele absolvendo o Réu.

Custas, em ambas as instâncias, pelo Autor/apelado.

Coimbra,...............................


Emídio Costa ( relator )
Gonçalves Ferreira
Virgílio Mateus


[1] Consigna-se que na sentença recorrida, por evidente lapso, ficou a constar CIVIL.
[2] A matéria deste item foi dada como não provada, como se verá infra.
[3] A referência ao ano de 2008 deve-se a lapso manifesto, já que o Réu adquiriu efectivamente o prédio em 08/10/2003.
[4] Arrendamento Urbano Anotado e Comentado, 2ª ed., Almedina, 333.
[5] Contratos em especial, 1995, 100, citado por Januário Gomes, Arrendamento para habitação, 2ª ed., Almedina, 269.
[6] Culpa do devedor ou do agente, nº 2, Bol., nº 68, cit. por Pires de Lima e Antunes Varela, C.C. Anotado, 3ª ed., vol. 2º, 54.