Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
275/09.0TBNLS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: INSOLVÊNCIA
VERIFICAÇÃO ULTERIOR DE CRÉDITOS
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 09/28/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: NELAS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.128, 129, 130, 146, 149, 192 CIRE, 287 CPC
Sumário: 1. O meio adequado, depois do encerramento do processo de insolvência, dos credores puderam exercer os seus direitos contra o devedor, é o recurso à competente acção cível de condenação, sem quaisquer outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamento.

2. Julgando-se extinta a instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, o juiz não terá que fazer mais do que declarar extinta a instância, sem pronúncia judicial (que até é impedida), sem condenar ou absolver algumas das partes, a não ser no pagamento das custas.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

V (…) LDA, A. nos autos acima indicados, veio, notificada da sentença proferida nos presentes autos - onde se julgou a presente instância supervenientemente impossível -, não se conformando com o teor da mesma, interpor recurso de apelação, alegando e concluindo em síntese, que:

A - O presente recurso é interposto da sentença datada de 15.06.2010, proferida nos autos supra identificados em que refere que “tornou-se a presente instância supervenientemente impossível, o que implica a sua extinção nos termos do art. 287.2, al. d), do CPC, o que se determina”.

B-O processo de insolvência é, como o art.º 1º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) proclama, um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência

C- Em caso de insolvência, os credores do insolvente apenas poderão, durante a pendência do pertinente processo, exercer os seus direitos em conformidade com o CIRE — art 90º — tendo necessariamente de integrar-se naquela execução universal, concorrendo com os demais credores, todos submetidos às mesmas regras.

D- Esta reclamação estrutura-se como uma verdadeira e própria acção declarativa, isto é, como uma causa na qual se apreciará a existência e o montante do mesmo direito de crédito em discussão na acção declarativa (arts 130º e ss do CIRE).

E- Ora, reclamado tal crédito, será o mesmo objecto de verificação e graduação - art 130º, nº3, do mesmo diploma legal.

F- No caso dos autos, a que deu origem este apenso ( B) a Recorrente intentou a acção prevista no art. 146º do CIRE , em 16 de Setembro de 2009.

G- Com vista a obter o reconhecimento, graduação e, na medida possível, pagamento da quantia de € 78.241,23 € ( Setenta oito mil duzentos e quarenta e um Euros e vinte e três cêntimos ) relativa a um incumprimento contratual por parte da insolvente quanto ao contrato de ocupação de espaço de loja para comércio pelo período de 5 anos entre esta e a Recorrente.

H- Tratava-se de um crédito que poderá ou não ser judicialmente reconhecido na sequência e em função da prova produzida em audiência de julgamento, traduzindo-se a procedência do pedido.

I-O Sr. administrador da massa insolvente a 3 de Novembro de 2009, notificou a Recorrente, nos termos do art 129º, n 2 do CIRE , com base na acção de VUC — apenso B.

J- Na Lista Definitiva dos Créditos Reconhecidos na Reclamação de Créditos , o crédito da Recorrente nos termos do art. 129º do CIRE , referenciados aí como alínea (s) não foram impugnados, tendo porém, passando a constar da relação de créditos reconhecidos sob condição resolutiva, nos termos do art. 50, nº 1 do CIRE, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontram sujeitos à verificação ou não de um acontecimento futuro e incerto por forca de um negócio jurídico

K- O crédito reclamado da recorrente ficou na posição nº 178, e é no valor de € 78.24123 € (setenta e oito mil duzentos e quarenta e um Euros e vinte e três cêntimos).

1- Ficando definitivamente fixado na Sentença de Verificação de Créditos ainda que sob condição, de ser esse o valor a apurar na acção de verificação ulterior de créditos.

M- A reclamação no processo de insolvência, em tal figura se incluindo a propositura da acção prevista no art. 146ºdo CIRE é a única forma possível de os credores do insolvente lograrem a cobrança, total ou parcial, dos seus créditos, isto é, de se integrarem na execução universal em que o processo de insolvência se traduz.

N-A aqui Apelante recorreu à única opção que a Lei lhe faculta: intentou acção de verificação ulterior de créditos e de outros direitos, ao abrigo do artigo 146º do referido diploma, para que o seu crédito deixasse de estar sob condição

O- Ou seja, a sentença condenatória que se proferisse na acção de verificação ulterior de créditos não teria quaisquer efeitos no âmbito do processo de insolvência, sem que estivesse efectuada a respectiva reclamação de créditos, uma vez que o crédito, ainda que reconhecido definitivamente não estava determinado.

P- A situação sub judice, integra claramente a previsão legal do normativo citado, dado tratar-se de um crédito reconhecido sob condição, e controvertido, que imperativamente tem que ser apreciado no processo de insolvência (artigos 47.º, 90.º, 128.º n.º 1 e 3 do CIRE e alínea b) do n.º 2 do artigo 146.º do mesmo diploma legal a contrario)

Q- A acção de verificação ulterior de créditos e direitos é uma verdadeira e própria acção declarativa, e que segue a forma sumária, apesar do valor.

R- Nela se apreciará a existência, a título definitivo, do direito da Apelante à indemnização que reclama da recorrida.

S- A questão que se coloca, pois, é se no caso concreto, atenta a factualidade e a fase do processo em que este se encontrava ( aguardava saneador desde 20 de Janeiro de 2010) deveria a mesma ser extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, como decisão constante do despacho de que ora se recorre.

T- A Meritíssima Juíza a quo não considerou o facto de que a sentença de verificação ulterior de créditos a proferir nos presentes autos, é, no caso concreto, absolutamente imprescindível, para que o credor , aqui Recorrente , assim munido, reclamar o mesmo para obter a satisfação integral do seu crédito, contemplado e orçamentado já no Plano de insolvência aprovado e com vista ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, a liquidação da massa e a sua repartição pelos titulares daqueles créditos e pelo devedor (artigo 192.º do CIRE).

U- O julgamento da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide pressupõe a formulação de um juízo sobre o prosseguimento daquela e que dele resulte o convencimento de que esse prosseguimento é absolutamente inútil, -por o mesmo não conduzir à tutela efectiva dos direitos identificados pelo Recorrente e, portanto, não lhe trazer quaisquer benefícios.

W- Tecendo uma consideração ligeira sobre a “instância superveniente mente impossível” a Mma Juiz, determina erradamente a extinção da instancia baseando-se no normativo do art 287º alínea d) do CPC, que é consequência de desistência , confissão ou transacção.

X- Não tem justificação, de qualquer modo, uma decisão de extinção da instância declarativa, por inutilidade superveniente da lide, enquanto não ocorrer a concreta verificação de créditos do Recorrente.

Y- Mais se refere que, no plano jurídico-prático, verificar-se-ia a inutilidade superveniente da lide, caso os créditos da ora recorrente se encontrassem verificados e graduados por sentença proferida no âmbito do processo de insolvência da Ré, o que in casu, ainda não se verificou, já que está sob condição da VUC-Apenso B- ser julgada e provada.

Z- Consequentemente, a ora recorrente terá todo o interesse no prosseguimento da presente acção e na obtenção uma sentença que lhe confira o exercício dos seus direitos e lhe permita dela retirar toda a utilidade prática.

AA- Ora, o interesse na declaração dos direitos que a autora/recorrente pretende fazer valer nesta acção de verificação ulterior de créditos, só cessaria quando os mesmos já estivessem reconhecidos por outra decisão judicial, e em definitivo, e não sob condição.

BB- E não tendo ela tido lugar, a presente acção não se tornou inútil — a utilidade de decisão definitiva nesta acção continua a ter interesse, não só para a consolidação da Recorrente no processo de insolvência , como porque ocorreu já no Apenso B, o contraditório da Recorrida, com Contestação/ Pedido Reconvencional, ou seja impugnação , o que é possível mesmo que haja notícia nos autos que os créditos foram reconhecidos no âmbito da lista preliminar a que se refere o artigo 129º do C.I.R.E.), mas também para que a Recorrente , com base nela, possa activar os mecanismos do Plano De Insolvência, que já está a contar com o seu crédito.

 CC- Na espessura de utilidades que se podem retirar de uma acção judicial, basta que algumas delas, com consistência jurídica, continuem a subsistir para que, em termos práticos, o prosseguimento da acção não se torne inútil.

DD- Entende, a Recorrente ainda que, por uma questão de economia e celeridade processual, deve a presente acção prosseguir os seus termos, evitando-se assim, a propositura de uma nova acção contra a Recorrida, com inerentes custos e delongas.

EE- Pelo exposto, não entendemos como justificado o motivo para a decisão da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, proferida ao abrigo do artigo 287 al. e) do C.P.Civil.

FF-O Douto despacho/sentença recorrido ao não aplicar no caso sub Júdice a lei, e não julgando a causa conforme de direito, ao julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide não acautelou, no plano jurídico-prático, a vantagem que a ora recorrente poderá alcançar com o êxito da acção, violando não só o disposto nesse mesmo comando legal, como também, o disposto nos artigos 2°, nº 1, 660°, n 2, e 668°, n 1, al.b) e d), todos do Código de Processo Civil.

 GG) Deverá, em conformidade com o que ficou dito, ser concedido provimento ao recurso, devendo em consequência ser revogada a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos.

S (…), S.A., devedora insolvente, recorrida no recurso interposto pela Autora V (…), Lda,  notificada das alegações da recorrente, veio apresentar as suas contra-alegações, que pugnaram pela improcedência do recurso interposto, por sua vez concluindo que:

1. Deve ser negado provimento ao presente recurso.

2. A douta sentença recorrida não merece reparo, devendo ser confirmada.

3. A douta sentença recorrida não é violadora de qualquer normativo legal, mormente do artigo 287.°, alínea d) do CPC, e dos artigos 146.°, 128.°, 129.° todos do CIRE.

4. De factos, como os presentes autos a Recorrente visa a verificação ulterior de créditos no processo de insolvência a que se estes autos se encontram apensos, nos termos do artigo 146.° do CIRE.

5 No entanto, o processo de insolvência em causa já se encontra extinto, por sentença transitada em julgado, e já foi no mesmo proferida sentença de verificação e graduação de créditos, aprovado o plano de insolvência.

6 Assim, o prosseguimento dos presentes autos, de verificação ulterior de créditos no aludido processo de insolvência, seria inócuo de nenhuma utilidade, pelo mesmo ter sido declarado extinto.

7 Ora, estabelece o art° 287°, al. e), do C. de Proc. Civil, como uma das causas anormais de extinção da instância a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.

8 Ora, a lide, por um motivo superveniente, tornar-se inútil, ou seja, não teria utilidade alguma o seu prosseguimento face à pretensão formulada pela recorrente na petição inicial, ou seja, o reconhecimento do citado crédito.

9 Tanto mais que, o meio próprio, após o encerramento do processo de insolvência, dos credores puderam exercer os seus direitos contra o devedor, é o recurso à competente acção cível de condenação, sem quaisquer outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamento, neste sentido Acórdão da Relação de Coimbra 29 de Junho de 2010, Processo n.° 336/04. 1TBTMR.

10 Assim, a douta sentença recorrida deve ser confirmada, com as legais consequências.

II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa que:

- O processo de insolvência em causa já se encontra extinto, por sentença transitada em julgado, tendo já sido nele proferida sentença de verificação e graduação de créditos e aprovado o plano de insolvência.

- Do despacho de fls. 151 consta:

“Por decisão datada de 24.03.2010, já transitada em julgado, foram declarados extintos os autos de insolvência a que estes correm por apenso.

Pelo exposto, tornou-se a presente instância supervenientemente impossível, o que implica a sua extinção nos termos do art.° 287.°, al. d), do CPC, o que se determina.

Custas pela requerente (artigo 450.°, n.°3, do CPC)”.

Nos termos do art. 684°, n°3 e 690°, n°1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2 do art. 669°, do mesmo Código.

Das conclusões, ressaltam as seguintes questões elencadas, na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz:

1.AA- Ora, o interesse na declaração dos direitos que a autora/recorrente pretende fazer valer nesta acção de verificação ulterior de créditos, só cessaria quando os mesmos já estivessem reconhecidos por outra decisão judicial, e em definitivo, e não sob condição.

2.BB- E não tendo ela tido lugar, a presente acção não se tornou inútil — a utilidade de decisão definitiva nesta acção continua a ter interesse, não só para a consolidação da Recorrente no processo de insolvência , como porque ocorreu já no Apenso B, o contraditório da Recorrida, com Contestação/ Pedido Reconvencional, ou seja impugnação , o que é possível mesmo que haja notícia nos autos que os créditos foram reconhecidos no âmbito da lista preliminar a que se refere o artigo 129º do C.I.R.E.), mas também para que a Recorrente , com base nela, possa activar os mecanismos do Plano De Insolvência, que já está a contar com o seu crédito.

3.EE- Pelo exposto, não entendemos como justificado o motivo para a decisão da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, proferida ao abrigo do artigo 287 al. e) do C.P.Civil.

Apreciando, diga-se que, de acordo com o disposto no art. 128º CIRE (reclamação de créditos), designadamente da articulação do n.° 1 com o n.° 3, primeira parte, de tal artigo, resulta que todos os credores da insolvência, qualquer que seja a natureza e fundamento do seu crédito, devem reclamá-lo no processo de insolvência, para aí poderem obter satisfação. Tanto assim que a formulação ampla da primeira parte do n.° 3 é corroborada pela sua segunda parte que, à semelhança do que estatuía o n.° 3 do art.° 188.° do CPEREF, não dispensa a reclamação dos créditos que tenham sido reconhecidos por decisão definitiva, se os seus titulares pretenderem ser pagos no processo, à custa da massa insolvente.

No mesmo sentido da necessidade de reclamação de todos os créditos sobre a insolvência vai o facto de não se conter, no art.° 128,°, uma norma equivalente à do n.° 4 do art.° 188.° do CPEREF, que considerava reclamados o crédito do requerente da falência, bem como os créditos exigidos em outros processos, verificados os requisitos aí enumerados, nomeadamente o de serem mandados apensar ao processo de falência dentro do prazo fixado para a reclamação.

Assim se tornando vinculativa a circunstância de o prazo para a reclamação ser o fixado na sentença que declare a insolvência [ al. j) do art.° 36.°]. Leva-se em conta que o n.° 2 do art.° 188.° do CPEREF regulava expressamente o início da contagem do prazo; sendo que, na falta de norma correspondente no art.° 128.°, deve entender-se que o prazo se conta da data da citação ou notificação da sentença declaratória da insolvência, tendo em conta o disposto nos n.ºs 2 a 7 do art.° 37.°, mas com especial atenção ao estatuído no art.° 9º, n.° 4 (LUÍS A. CARVALHO FERNANDES-JOÃO LABAREDA, CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS ANOTADO, REIMPRESSÃO, Lisboa 2009, pp. 48-449).

Em tais termos, pois que, de acordo com o art. 129.° CIRE (relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos), o reconhecimento do crédito implica que o administrador da insolvência tenha ao seu alcance todos os elementos que, segundo as alíneas do n.° 1 do art.° 128.°, devem constar do requerimento de reclamação. Mas também os meios probatórios necessários para demonstrar a verificação dos elementos que a lista tem de conter.

Reconhecendo que, quanto à lista dos créditos precisamente não reconhecidos, as exigências são de outra natureza. Por razões facilmente compreensíveis, a plena individualização do crédito que, afinal, o n.° 2 impõe, não se torna aqui necessária. O que importa saber neste domínio — e é isso que o n.° 3 exige — são as razões que levam o administrador da insolvência a não reconhecer certo credor.

O regime fixado no n.° 4 visa a tutela dos credores não reconhecidos, daqueles cujos créditos foram reconhecidos sem terem sido reclamados e, ainda, dos titulares de créditos que foram reconhecidos em termos diferentes dos reclamados.

Embora por razões não coincidentes para todos estes credores, trata-se de lhes facultar a possibilidade de virem ao processo em defesa dos seus interesses, sustentando, quer que os seus créditos devem ser reconhecidos, quer que o devem ser em termos diferentes dos que constam da lista de credores reconhecidos (Sobre o tema pode ver-se o ac. da Rel. Pto., de 14/FEV/2007, in CJ, 2007,1, pág. 192).

Sem derrogação do que igualmente se consagra no art. 130º CIRE (impugnação da lista de credores reconhecidos), uma vez que a impugnação pode ter como fundamento o facto de certo crédito constar da lista de créditos reconhecidos, quando devia constar na lista dos não reconhecidos. Correspondentemente, pode o fundamento da impugnação ser o de estar excluído da lista dos créditos reconhecidos quando dela devia constar. Para além disso, a impugnação pode ter como fundamento incorrecções relativas ao crédito reconhecido, respeitantes ao seu valor ou às suas qualidades.

E nada impede o impugnante de oferecer uma impugnação por cada crédito impugnado e, por motivos que se prendem com a clareza e simplificação processual, devia até ser obrigado a fazê-lo. Não parece, no entanto, que isso constitua uma exigência da lei e o entendimento contrário é facilitado pelo facto de todas as impugnações, nos termos do art.° 132°, constituírem um único apenso.

Certo é que se houver impugnações, abre-se um incidente no processo de insolvência, regulado nos art.ºs 131.° a 140º. Se não houver impugnações, rege o n.° 3 do art.° 130.º. Segundo este preceito, verificada esta hipótese, o juiz profere de imediato sentença de verificação e graduação dos créditos constantes da lista de créditos reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência, nos termos que desta constam. Por outras palavras, que, de resto, traduzem a letra da lei, a sentença limita-se, então, a homologar essa lista, atribuindo-se efeito cominatório à falta de impugnações (LUÍS A. CARVALHO FERNANDES-JOÃO LABAREDA, CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS ANOTADO, REIMPRESSÃO, Lisboa 2009, pp. 455-456).

O que, nos Autos, em termos decisórios - tomando por horizonte temporal limite, sempre, o trânsito da sentença -, se não evidencia haver saído postergado. Antes que, bem ao invés, inevitavelmente, por decisão datada de 24.03.2010, já transitada em julgado, foram declarados extintos os autos de insolvência a que estes correm por apenso.

Nem a tal consegue obstar o invocado alcance do art. 192º CIRE (princípio geral), uma vez que o plano não constitui, proprio sensu, um mecanismo de recuperação. Sendo manifesta a impropriedade da utilização do conceito de derrogação que consta da parte final do n.° 1 deste art.° 192.°. Isto porque, ao lançar mão de um plano de insolvência como meio de auto-regulação de interesses, nos termos permitidos pela própria lei, os credores exercem, simplesmente, a faculdade que lhes é concedida de afastar, no caso concreto, o desencadeamento da solução supletiva legal, mas não abolem nem eliminam, ainda que parcialmente, nenhuma norma do Código, mantendo-se elas plenamente vigentes e aplicáveis em todas as demais situações em que não haja intervenção dos credores, diferentemente do que sucederia se se tratasse de um verdadeiro caso de derrogação.

Enquanto, no n.° 2 se acolhe uma regra geral de tutela que, a um tempo, beneficia todos os interessados no processo de insolvência — e no plano em particular — e, bem assim, todos os terceiros. Uns e outros só podem ser atingidos verificado que esteja um de dois pressupostos alternativos, a saber: o consentimento do próprio visado, ou a afectação nos precisos termos autorizados pelo Código. Quanto ao consentimento dos visados, sublinhe-se que a vontade dos credores não é, só por si, suficiente para legitimar a afectação dos interesses protegidos pela norma (LUÍS A. CARVALHO FERNANDES-JOÃO LABAREDA, CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS ANOTADO, REIMPRESSÃO, Lisboa 2009, pp. 635-636).

Não podendo deixar de vincular, pois - reconheça-se -, que, neste específico condicionalismo, o meio adequado, depois do encerramento do processo de insolvência, dos credores puderam exercer os seus direitos contra o devedor, é o recurso à competente acção cível de condenação, sem quaisquer outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamento (Cf. Acórdão da Relação de Coimbra 29 de Junho de 2010, Processo n.° 336/04. 1TBTMR).

Neste perfil, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide continuam a ser impossibilidade ou inutilidade jurídicas, não tendo que ver directamente com o objecto ou a coisa que se pede ou em virtude dos quais se litiga (Ac. STA, de 7.5.1992, BMJ. 417.°-795). Com a extinção da instância a verificar-se independentemente de qualquer declaração expressa nesse sentido (Ac. STJ, de 26.3.1968: BMJ, 175.°-251).

Assim acontecendo, julgando-se extinta a instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, o juiz não terá que fazer mais do que declarar extinta a instância, sem pronúncia judicial (que até é impedida), sem condenar ou absolver algumas das partes, a não ser no pagamento das custas (Ac. STJ, de 23.11.1982: BMJ, 321.°- 368).

O que responde negativamente às questões em 1, 2 e 3 formuladas.

4.FF-O despacho/sentença recorrido ao não aplicar no caso sub Júdice a lei, e não julgando a causa conforme de direito, ao julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide não acautelou, no plano jurídico-prático, a vantagem que a ora recorrente poderá alcançar com o êxito da acção, violando não só o disposto nesse mesmo comando legal, como também, o disposto nos artigos 2°, nº 1, 660°, n 2, e 668°, n 1, al.b) e d), todos do Código de Processo Civil.

Torna-se válido aqui, necessariamente com o mesmo alcance, o conjunto de apreciações anteriormente produzidas.

Impondo-se acrescentar que o art. 2º CPC (garantia de acesso aos tribunais) manteve, aqui, no esquisso que, juridicamente, se configura, integral plenitude. Tal, a pretexto de que, o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional, condensado no art. 20°, n.° 1, da lei fundamental, implica a garantia de uma protecção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efectiva. Ele desdobra-se, por isso, em três momentos distintos: primeiro, no direito de acesso a «tribunais» para defesa de um direito ou de um interesse legítimo, isto é, um direito de acesso à «justiça», a órgãos jurisdicionais, ou, o que é o mesmo, a órgãos independentes e imparciais (art. 206.° da Constituição) e cujos titulares gozam das prerrogativas da inamobilidade e da irresponsabilidade pelas suas decisões (art. 218.°, n.° 1 e 2, da lei fundamental); segundo, uma vez concretizado o acesso a um tribunal, no direito de obter uma solução num prazo razoável; terceiro, uma vez ditada a sentença, no direito à execução das decisões dos tribunais ou no direito à efectividade das sentenças (cf., J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5.ª ed., Coimbra, Almedina, 1991, págs. 666-668; J. González Pérez, El Derecho a la Tutela Jurisdiccional, Barcelona, Civitas, 1984, págs. 40 e segs.; A. Cano Mata, «Declaraciones de inadmision de recursos contencioso-administrativos y derecho de tutela judicial efectiva sin indefension», in Revista de Derecho Publico, ano XIII, vol. II, págs. 293 e segs.).

Na linha do exposto, o Acórdão do TC n.° 86/88 (publicado no Diário da República, 2.ª série, n.° 93, de 22 de Agosto de 1988) caracterizou o direito de acesso aos tribunais como sendo, «entre o mais, um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder «deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras (cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, vol. 1, Coimbra, 1956, pág. 364)» (do Ac. n.° 934/96 do TC, de 10.7.1996: DR, II, de 10.12.1996, pág. 17066 e seg.). O que, circunstancialmente, não sofre contestação.

A pretexto do art. 660.° CPC (questões a resolver — ordem do julgamento), as questões suscitadas, contanto que não estejam necessariamente prejudicadas pela decisão, têm de ser apreciadas na sentença, quer tenham ou não razão de ser, sejam ou não legalmente relevantes, sob pena de omissão de pronúncia (n.° 2 do artigo) (assim, Ac. RP, de 21.5.1969: JR, 15.°- 625). O que não deixou de acontecer, entendendo, exactamente, por questões os temas alegados pelas partes que constituem, de forma directa e imediata, dados integradores dos elementos constitutivos ou impeditivos dos direitos cuja tutela é procurada pelas partes na instância, na lógica e na perspectiva dos pedidos (Ac. STJ, de 13.1.2000: Sumários, 37.°-37).

A magna questão que se perfila na economia dos Autos foi aquela que motivou apreciar que, “por decisão datada de 24.03.2010, já transitada em julgado, foram declarados extintos os autos de insolvência a que estes correm por apenso. Pelo exposto, tornou-se a presente instância supervenientemente impossível, o que implica a sua extinção nos termos do art.° 287.°, al. d), do CPC”, que a recorrente entendeu contrária à sua pretensão, agora, de novo, apreciada, em via recursória.

Não sem olvidar - sempre - que o art. 660°, n.° 2, do Cód. Proc. Civil impõe que o tribunal resolva todas as questões que as partes lhe hajam submetido a julgamento, mas não a apreciação de todos os argumentos por elas produzidos (Ac. STJ, de 16.2.1995:BMJ, 444.°-595).

Por sua vez, ainda, a nulidade prevista na 1 .° parte da al. d) do n.° 1 do art. 668.° CPC está directamente relacionada com o comando fixado no n.° 2 do art. 660.°, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».

Tal norma suscita, de há muito, o problema de saber qual o sentido exacto da expressão «questões» ali empregue, o qual é comummente resolvido através do recurso ao ensinamento clássico de Alberto dos Reis Cód. Proc. Civ. Anot., 5.°-54, que escreve: «... assim como a acção se indentifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir) (...), também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado».

No âmbito lógico deste raciocínio, doutrina e jurisprudência distinguem, por um lado, «questões», e, por outro, «razões» ou «argumentos», e concluem que só a falta de apreciação das primeiras — das «questões» — integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das «razões» ou «argumentos» invocados para concluir sobre as questões (vid., assim, Alberto dos Reis, ob. e vo!. cits., pág. 143; RT, 78.°-172, 89.°-456, e 90.°--219; Acs. STJ, de 2.7.1974, de 6.1.1977, de 13.2.1985, de 5.6.1985, entre muitos outros).

Sendo que, do mesmo modo, as causas de nulidade de sentença ou de acórdão taxativamente enumeradas no art. 668.° do Cód. Proc. Civil não incluem no seu elenco o erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável. A lei só considera nulidade a falta absoluta de motivação ou seja a sua, ausência completa. Para que, também, ocorra nulidade prevista na al. c) do n.° 1 do art. 668.° do Cód. Proc. Civil é necessário que exista uma real contradição entre os fundamentos e a decisão, apontando a fundamentação num sentido e a decisão num sentido diferente (Ac. STJ, de 20.6.2000:Sumários, 42.°-21).

O que, tudo visto, na situação sub judice, não acontece.

Assim se configurando como negativa a resposta à questão com o nº 4.

Podendo, assim, concluir-se, sumariando, que:

1. O meio adequado, depois do encerramento do processo de insolvência, dos credores puderam exercer os seus direitos contra o devedor, é o recurso à competente acção cível de condenação, sem quaisquer outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamento.

2. Neste perfil, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide continuam a ser impossibilidade ou inutilidade jurídicas, não tendo que ver directamente com o objecto ou a coisa que se pede ou em virtude dos quais se litiga. Com a extinção da instância a verificar-se independentemente de qualquer declaração expressa nesse sentido. Assim acontecendo, julgando-se extinta a instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, o juiz não terá que fazer mais do que declarar extinta a instância, sem pronúncia judicial (que até é impedida), sem condenar ou absolver algumas das partes, a não ser no pagamento das custas.

3. Razões pelas quais a sentença recorrida não é violadora de qualquer normativo legal, mormente do artigo 287.°, alínea d) do CPC, e dos artigos 146.°, 128.°, 129.°, 130º e 149º todos do CIRE, tanto mais que a Recorrente visa a verificação ulterior de créditos no processo de insolvência a que se estes autos se encontram apensos, nos termos do artigo 146.° do CIRE, enquanto o processo de insolvência em causa já se encontra extinto, por sentença transitada em julgado,  já havendo nele sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos, aprovado o plano de insolvência.

III. A Decisão.

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

 Custas pela recorrente, fixando-se o imposto de justiça em 2 UC.


 António Carvalho Martins - Relator
Carlos Moreira - 1º Adjunto
João Moreira do Carmo - 2º  Adjunto