Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1262/13.9TBFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: RECURSO DE FACTO
ONUS DA IMPUGNA
SOCIEDADE IRREGULAR
LIQUIDAÇAO
Data do Acordão: 09/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - FIGUEIRA FOZ - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.615, 640 CPC, 406, 798, 980, 1002, 1007 CC, 36 C COMERCIAL
Sumário: 1 -Não cumpre as exigências do artº 640º do CPC o recorrente que não reporta a cada um dos factos impugnados a prova, ou parte dela, que invoca e valora diferentemente, e antes se limita a fazê-la incidir, em bloco e indiscriminadamente, sobre todo o acervo factual que pretende ver alterado.

2 - Provado nuclearmente, que duas pessoas contribuiram em igual quantia para aquisição de clientela de TOC, que outorgaram conjuntamente em contrato de arrendamento para o exercício desta atividade, e que abriram conta bancária conjunta na qual depositavam e retiravam quantias decorrentes e por causa da mesma, tem de concluir-se pela sua vontade de desempenho societário.

3- Provada a existência de sociedade irregular dissolvida por exoneração de uma sócia, e formulado pedido indemnização contra esta pela outra sócia, por exploração em benefício próprio de património social – clientes avençados – após a dissolução, a questão tem de ser decidida não por reporte às regras gerais do incumprimento – artºs 406 e 798º do CC - mas por consideração do regime da liquidação da sociedade – artºs 1010º e sgs do CC ex vi do artº 36º nº2 do CSComerciais –; e não podendo a ré, sob pena do vício condemnatio ultra petitum, ser responsabilizada, outrossim, por perspetivação do por a autora despendido na aquisição de tal clientela, mas apenas naqueles impetrados termos.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA.

1.

M (…) propôs contra S (…)  ação declarativa de condenação sob a forma de processo sumário.

Pediu que a ré seja:

1. Condenada a reconhecer que adquiriu juntamente com a Autora em finais de Agosto de 2012, em partes iguais, a A(…), Unipessoal, Ld.ª, por 40.000,00 Euros, quantia que foi realizada e paga com 20.000,00 Euros da mesma e 20.000,00 Euros da Autora:

- uma “carteira de clientes “ para efeitos de tratamento contabilístico, a qual integrou as contabilidades dos clientes identificados no artigo 48º deste articulado;

- o ativo imobilizado identificado no artigo 8º deste articulado;

- o direito a ocupar o espaço no qual funcionou o gabinete de contabilidade daquela sociedade unipessoal sito no 2º andar com entrada pelo 15 no (...) em Figueira da Foz;

2. Condenada a reconhecer que em Setembro e/ou Outubro de 21012 celebrou com a Autora um contrato de sociedade, que consubstanciou a constituição de uma sociedade irregular, imperfeita ou comercial de facto por não ter obtido denominação oficial, não ter sido reduzida a escritura pública ou do documento equivalente e não sido objeto de registo na respetiva Conservatória de Registo Comercial.

3. Condenada a reconhecer que aquela sociedade teve por objeto ou escopo social a prestação de serviços de contabilidade quer aos clientes que integravam a referida “carteira de clientes” quer a outros que no futuro viesse a mesma a angariar.

4. Condenada a reconhecer:

- que a referida sociedade começou por ter a sua sede no 2º andar do nº15 do (...)e a partir de 1 de Janeiro de 2013 e até ao presente, na Sala 1 do 1º andar esquerdo do nº 8 do mesmo (...)nesta cidade, sendo o seu capital titulado por ambas em partes iguais e pertencendo a sua administração a ambas com poderes iguais; e

- que a mesma se mantém na presente data em vigor por não dissolvida, liquidada e partilhada,;

5. Condenada a reconhecer que quer a “ carteira de clientes “quer o ativo imobilizado identificado no pedido formulado em 1.anterior constituíram as entradas ou contribuições de ambas as partes para aquela sociedade, em partes iguais, passando a constituir parte do património social da mesma.

6. Condenada a reconhecer que ambas são titulares arrendatárias do contrato de arrendamento alegado no artigo 13º deste articulado e retratado no documento nº 2 ora junto, cujo objeto ou bem locado foi e é a sala 1 do 1º andar esquerdo do prédio sito no (...) com entrada pelo nº 8 de policia em Figueira da Foz, e bem assim que é obrigação de ambas o pagamento da renda nele estipulada enquanto tal contrato não for por ambas denunciado perante o senhorio ou extinto por qualquer outra causa legal de extinção.

7. Condenada a reembolsar a Autora em metade do valor da totalidade das rendas (rendas inteiras) devidas por aquele contrato de arrendamento que esta vier efetivamente a pagar ao senhorio.

8. Condenada a indemnizar a sociedade identificada no pedido formulado em 2. anterior pela apropriação e uso, não autorizado pela mesma e pela Autora, de parte da “carteira de clientes” e recebimento das respetivas avenças, apropriação e uso que está a causar á mesma um prejuízo mensal de 1.961,35 Euros, devendo a liquidação considerar aquele prejuízo mensal por todo o período decorrente entre 30 de Abril do corrente ano e a data em que a mesma deixe de usar e servir-se do bem ou direito social constituído por parte daquela “ carteira de clientes “ e/ou até que se verifique a dissolução, liquidação e partilha da mesma,

Ou se assim se não entender,

Condenada a indemnizar a sociedade por ter passado a exercer, em concorrência com esta, uma atividade igual á da mesma sem sua e da Autora autorização, concorrência que lhe passou a causar um prejuízo mensal de 1.961,35 Euros, que traduz o valor das 29 avenças mensais que esta deixou de receber e do qual a Ré se está a apropriar pessoalmente, devendo a liquidação considerar aquele prejuízo mensal por todo o período decorrente entre 30 de Abril do corrente ano e a data em que a mesma cesse a situação de e/ou até que se verifique a dissolução, liquidação e partilha da mesma.

9. Condenada a indemnizar a sociedade em causa pela reparação de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que advenham da alteração ou extinção dos contratos de avença que vinculavam á data de 30 de Abril do corrente ano a sociedade aos 29 clientes da “carteira de clientes” identificada no pedido formulado em 1. anterior, e viceversa, de cujas contabilidades a mesma (Ré) se apropriou pessoalmente e passou a proceder ao seu tratamento contabilístico e á sua gestão.

Alternativamente

Se se entender não terem Autora e Ré constituído a sociedade irregular alegada no pedido formulado em 2., 3. e 4. anteriores, dado terem comprado com os 40.000,00 Euros (20.000,00 de cada uma) a “carteira de clientes” identificada no pedido formulado em 1. anterior, proporcionadora de 3.227,35 Euros mensais, e dado ter-se a Ré apropriado indevidamente da parte daquela “ carteira de clientes “ que proporciona um rendimento mensal de 1.961,35 Euros, deixando à Autora a parte que a esta proporciona 1.266,00 Euros mensais, deverá a mesma ser condenada a indemnizar a Autora em 4.309,108 Euros, acrescidos de juros de mora á taxa legal desde 30/04/2013 e até ao seu efetivo reembolso, sem prejuízo do reconhecimento de que passa a mesma a ser titular do contrato que tem por objeto as 29 avenças da referida “carteira de clientes” (da qual que se apropriou em 30 de Abril do corrente ano) e a Autora titular das 8 avenças restantes.

Alegou:

Estabeleceu relações com a Ré tendentes à aquisição a concretizar por ambas – e pelo preço de € 40.000,00, suportado em metade por cada uma delas – de uma carteira de clientes a um contabilista de nome (…) – que integraria 37 avenças mensais no valor global de € 3.227,35 –, envolvendo tal valor a idêntica transmissão do activo imobilizado do gabinete por aquele titulado e a ocupação do espaço onde este funcionava.

Autora e ré instalaram-se no sobredito gabinete e passaram a tratar, a partir de 15 de Novembro de 2012, das contabilidades dos clientes que englobavam a sobredita carteira.

Tendo divisado a existência de um espaço que assegurava melhores condições para o exercício da actividade de contabilidade, procederam à celebração do correspondente contrato de arrendamento por reporte a uma renda mensal de € 250,00.

 Não obstante toda a descrita actividade ter sido desenvolvida em função do propósito reciprocamente assumido de concretização de uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada tendente à prestação de serviços de contabilidade aos clientes envoltos em tal avença e daqueles que fossem ulteriormente angariados, a Ré foi, sucessivamente e quando interpelada, relegando tal constituição para um futuro incerto.

A Ré pôs termo, em Abril de 2013, à actividade desenvolvida por ambas, tendo deixado o local arrendado e levado consigo os dossiers – e, nessa senda, os próprios clientes – respeitantes a 29 das referenciadas avenças, deixando, subsequentemente, a Autora (…) como única responsável pela liquidação da renda e como beneficiária de meras 8 avenças a providenciar um rendimento de € 1.266,00.

Entendendo existir uma sociedade irregular cujos bens sociais foram objecto de apropriação indevida pela contraparte – não tendo esta, por outra via, liquidado a sua quota parte dos compromissos assumidos.

Contestou a ré.

Impugnou o alegado quanto ao desejo comum orientado para a constituição de uma sociedade.

Dizendo que, não obstante terem partilhado o mesmo espaço, o propósito das partes se centrou, invariavelmente, numa mera repartição dos custos de funcionamento do escritório.

 Com o que nunca se divisou qualquer escopo de obtenção e repartição de lucros, não existindo clientes comuns e apesentando-se os rendimentos obtidos pela A. e pela R. como proveitos próprios advenientes de avenças exclusivas de cada uma.

O que sucedia mesmo por reporte à carteira de clientes adquirida ao indicado F (...) e que foi objecto de imediata repartição com atribuição de contas equivalentes a cada um dos sujeitos processuais.

Mais peticionou a Ré (..) a condenação da Autora (…) como litigante de má-fé.

Em sede de despacho saneador foi a ré absolvida da instância, no atinente aos pedidos 1 a 6, com fundamento na falta de interesse em agir, pois que tais pedidos mais não são do que os fundamentos da ação.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«decide-se julgar a presente acção como parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a Ré S (…) a pagar à Autora M (…) as seguintes importâncias:

a) O valor que se vier a apurar em sede de liquidação em execução de sentença como correspondendo à diferença proporcional entre o valor de € 20.000,00 e o montante que, por reporte a tal investimento inicial, representarem os proveitos oriundos dos clientes descritos na alínea ae) dos factos provados (tal como descrito no ponto 11 supra);

b) O valor que se vier a apurar em sede de liquidação em execução de sentença como correspondendo à diferença entre o montante equivalente a metade dos rendimentos proporcionados pelas avenças descritas nas alíneas ad) e ae) dos factos provados entre as datas de 30 de Abril e 31 de Dezembro de 2013 e o valor que foi efectivamente auferido pela Autora (…) em tal lapso temporal, na decorrência das avenças descritas na alínea ae) dos factos provados (tal como descrito no ponto 12 supra);

c) O valor que se vier a apurar em sede de liquidação em execução de sentença como correspondente a metade das rendas vencidas na decorrência do contrato descrito na alínea t) dos factos provados e por reporte ao lapso temporal que mediou entre Maio de 2013 e Dezembro de 2013 que a Autora (…) tenha sido ou venha a ser forçada a liquidar (tal como descrito no ponto 13 supra);

d) O valor correspondente aos juros de mora vencidos e vincendos sobre as quantias descritas nas alíneas a) a d) da decisão desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.»

3.

Inconformada recorreu a ré.

Rematando as suas alegações com as seguintes - prolixas e redundantes, como bem refere  a recorrida - - conclusões:

1 – E sentença enferma de uma gritante falta de fundamentação quanto à matéria De facto que foi dada (…)

Contra alegou a autora pugnando pela manutenção do decidido, desde logo com indeferimento do recurso quqnto à matéria de facto, por a ré não ter cumprido os requisitos dos artº 640º do CPC.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª – Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª – (Im)procedência da ação.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade  - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

5.1.2.

Ademais, e em termos de direito positivo, urge atentar que o impugnante da decisão sobre a matéria de facto tem de cumprir, desde logo liminarmente e  com  o maior rigor possível, as exigências formais do artº 640º do CPC.

“1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

Perante o estatuido neste preceito tem-se entendido, por um lado, que:

«A exacta indicação das passagens da gravação…não se identifica com a mera indicação do local, no suporte de registo áudio disponibilizado ao Tribunal de recurso, onde começa e termina cada um dos depoimentos em causa…Daí que ao recorrente…seja mister indicar, por referência ao suporte em que se encontra gravado o depoimento que pretende utilizar, o início e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento, em que se funda o seu recurso.» - Ac. da RC de 17-12-2014, no proc. nº 6213/08.0TBLRA.C1 in dgsi pt.

Por outro lado e e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genéricamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

E, assim, querendo impor, em termos mais ou menos apriorísticos, a sua subjetiva convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem julga é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma análise concreta, discriminada, objetiva, crítica, logica e racional, de todo o acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.

Tudo, aliás, para se poder cumprir a exigência de o recorrente transmitir à parte contrária os seus argumentos, concretos e devidamente delimitados, de sorte a que esta possa exercer cabalmente o contraditório – cfr.neste sentido, os Acs. da RC de  29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1 e de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 in dgsi.pt; e de 16.06.2015, p. nº48/11.0TBTND.C2, ainda inédito.

5.1.3.

No caso vertente, e como bem aduz a recorrida,  a recorrente não cumpre  com suficiência algumas das aludidas exigências formais.

Na verdade, e vistas as suas conclusões, nelas se verifica, por um lado, que a insurgente não contraria, na totalidade e em toda a extensão, os meios de prova e os argumentos – vg. de cariz lógico e da experiência comum – invocados, aliás exaustivamente, pelo julgador.

Antes se limitando a aduzir e analisar parcialmente alguns meios probatórios, como sejam certas testemunhas e a atribuir-lhes significado e valoração diversa dos que lhe foram atribuidos pelo Sr. Juiz.

Por outro lado, e decisivamente, a recorrente não liga, discriminadamente, os meios probatórios invocados e a interpretação e valoração que deles opera, a cada um dos factos que pretende deverem ser considerados não provados.

Efetivamente, e depois de se ter pronunciado sobre tais meios de prova, sem os reportar a qualquer facto, mas apenas à decisão como um todo, acaba por mencionar, na conclusão 16ª, qual a sua pretensão: a não prova dos factos dados como provados nas als. m), n), p), r), s), t), v), ac), ad), af, ag), ae) e aj) da decisão fáctica da sentença.

Simplesmente, não reporta, discriminadamente, os elementos de prova por si invocados e a valoração que lhes atribui, a cada facto que consubstancia cada uma das mencionadas alíneas.

Sendo certo que, naturalmente, tais factos assumem jaez proprio e diferenciado, e, assim, sendo certo que nem todos os elementos de prova invocados pela recorrente, valem para todos os factos impugnados, obviamente que tal operação, de concretiçação/relacionação/descriminação entre os elementos de prova relevantes para certo e determinado facto, se impunha.

Pois que, ex vi dos princípios legais supra plasmados, não cumpre ao tribunal ad quem operar tal  concreta e inequívoca ligação/conexão probatório-factual.

Nesta conformidade, e desde logo por razões formais/legais,  esta vertente recursiva teria de ser liminarmente indeferida.

5.1.4.

Mas mesmo que assim não fosse ou não se entenda…

O Sr. Juiz operou a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto ao longo de trinta páginas, de um modo – quiçá exagerado - exaustivo e dilucidante.

O qual, reproduzimos, em síntese:

«Para a decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal tomou em consideração todas as provas constantes dos autos tal como produzidas e analisadas em audiência de julgamento com recurso às regras da lógica e da experiência de vida…

Vejamos…

E para tal constatação assumiu, desde logo, papel fulcral o teor da prova documental constante dos autos e, mormente, a informação bancária de fls. 35 a evidenciar a existência de uma conta comum à Autora e Ré com equivalente repartição entre ambas dos montantes depositados a título de honorários pelos serviços de contabilidade prestados.

(a versão da ré dos artºs 16.º e 17.º da contestação)

 (…)  depositavam o valor das avenças, apenas dos clientes que adquiriram ao A (...), por forma a pagar as despesas de funcionamento do escritório, retirando o valor em excesso, em partes iguais, o que iria acontecer até ao final de 2013. (16.º)

Nesta data iriam avaliar se tinham conseguido pagar o investimento, e efectuar o respectivo acerto de contas com o dinheiro sobrante, atendendo que o valor das avenças não era rigorosamente de 50% para cada uma, mas o valor mais aproximado a estes 50% (17.º).

(é)…versão absurda, …claramente ilógica…tanto mais quando pensamos que nada garantia a manutenção de tais clientes – quer por desagrado em face da nova contabilista, desinteresse, falta de solvabilidade, encerramento de actividade, etc. – ao ponto de puder ocorrer, no extremo, que um dos sujeitos processuais assistisse ao eclipsar das suas avenças enquanto a outra as mantivesse em pleno.

Temos, pois, que um negócio de tal índole – que corresponde, em suma, à materialização de um investimento unitário de € 20.000,00 com vista à obtenção de metade diferenciada de uma carteira de clientes – se acharia absolutamente destituído de racionalidade económica. O que já não pode ser afirmado se aceitarmos a causa de pedir da Autora e onde o risco de perca (melhor seria dito “perda”) de clientela não se projecta na criação de uma desproporção entre os benefícios colhidos pelas adquirentes…Efectivamente, a adquirirem as mesmas a carteira de clientela com vista a uma prestação conjunta e indiferenciada de serviços de contabilidade – com recebimento igualitário dos proveitos –, teremos que as eventuais percas em matéria de clientela se reflectiriam em ambas numa intensidade equivalente.

um juízo seguro e definitivo sobre a realidade os autos…ancora-se…de forma inequívoca, na conta bancária e nas subsequentes movimentações documentadas a fls 35 … verdadeiramente inusitado seria que procedessem…ao depósito em tal conta comum da totalidade dos rendimentos próprios oriundos da carteira de avenças adquirida a (…)..

a faceta mais concludente da prova …centra-se na circunstância de Autora e Ré terem cada uma retirado, de tal conta comum e após liquidarem os custos de funcionamento do escritório, o preciso montante de € 5.650,00 entre 5 de Novembro de 2012 e 19 de Abril de 2013…(é que) mesmo na versão oferecida por esta última, existiria uma paridade aproximada mas não exacta entre os rendimentos globais comparados gerados pelas avenças que ficaram com cada uma. Isto mesmo é, aliás, assumido no artigo 17.º da contestação …

Sucede que os clientes ali assumidos como titulados pela Ré representam um valor global em matéria de avenças mensais – isto por reporte ao mapa que este próprio sujeito processual toma como correcto – que se computa em € 1.677,85… ao passo que os clientes afectos à Autora perfazem uma grandeza total de € 1.439,00…representam um diferencial de € 238,85 a favor da primeira.

a ser assim, mal se compreenderia que ambas tivessem contribuído com idêntico montante de € 20.000,00 com vista à aquisição da carteira de contabilidade a (…). Efectivamente, apenas a ser a Autora absolutamente inábil de zelar pelos seus interesses é que consentiria num negócio que, sem outra contrapartida ou benefício e investindo grandeza equivalente, proporcionaria uma vantagem à Ré que se mostra mais de 15% superior.E idêntica inépcia se divisaria, em tal eventualidade, à ao admitir a repartição dos montantes depositados na conta bancária comum não obstante ter o legítimo direito a auferir um valor consideravelmente superior – e que, ao final de um ano, representaria € 2.866,20…

(não sendo)  minimamente credível ou razoável …tolerar uma alocação inusitada de rendimentos a favor da Autora– e em que esta também não teria particular interesse pois que careceria de o restituir ulteriormente – apenas com vista a viabilizar uma peculiar sindicância em matéria de amortização do investimento… É que existiriam dezenas de formas mais simples de concretizar tal … e que não operariam, ademais, transtornos.

 Podemos assim afirmar que a mera mobilização das regras do bom-senso e da experiência por reporte à documentação junta aos autos se mostra já suficiente para excluir em absoluto qualquer autenticidade da narração apresentada pela Ré!

Foi, aliás, patente a sucessiva titubeação da na exposição materializada, tendo aquela introduzido consecutivas variações na sua história …tendo  apresentado, em sequência e à medida em que ia sendo confrontada com a incredulidade do Tribunal, as seguintes versões:

Tínhamos cada uma os seus clientes. Eu passava os meus recibos verdes e ela passava os dela

A única intenção era partilhar as despesas do espaço. Dividimos assim e logo os clientes do Sr. (…), sendo que era cada uma para ficar com os seus clientes. A divisão foi, ademais, feita conforme o valor das avenças que o Sr. (…) referiu que cada cliente proporcionava por forma a alcançar uma equivalência de montantes.

(…)

Começámos a trabalhar no espaço do Sr. (…) Arrendámos depois outro escritório e a ideia sempre foi a de dividir as despesas mas já não as receitas. Mas como estas eram mais ou menos iguais, acabámos por também as dividir.

Cada uma tratava dos clientes que lhe ficaram entregues na decorrência do negócio com o Sr. F (...).

(…)

A maior parte das receitas ficava para cada uma mas havia algumas que depositávamos em comum. Mas só acontecia assim por questão de ser mais fácil para depois pagarmos as contas.

[Se eu pedir um extracto bancário desta conta, não haverá lá mais dinheiro que o necessário para tais despesas?] Tudo o que não fosse para tais despesas ia directamente para a conta bancária de cada uma

(...)

O que era posto na conta comum, era o necessário para as despesas. Púnhamos lá mais algum que depois íamos dividindo. [Mas porquè?] Só porque era mais fácil e os montantes eram mais ou menos iguais. [Mas se o dinheiro era seu, porque razão colocar nessa conta? Porque razão era mais fácil?] Pois… [Ia dinheiro para a conta comum sem ser para pagar despesas?] Ia e ia algum também para a nossa conta pessoal. [Então quais as percentagens?] Não sei

(…)

Era para dividir as receitas vindas dos clientes do Sr. (…) pois que era mais ou menos igual

(…)

[Então os valores dos clientes vindos do Sr. F (...) eram colocados nesta conta?] Sim. [Na totalidade?] Sim. [E eram divididos segundo quê critério?] Após pagamento das despesas, eram distribuídos em partes iguais

(…)

Nunca chegámos a ponderar a constituição de uma sociedade, nem tal seria possível fiscalmente.

Constata-se assim que a história da Ré sofreu sucessivas mutações! Na verdade, a ideia inicialmente propalada de os montantes alocados à conta comum tenderem tão somente ao custeio de despesas rapidamente se alterou para um paradigma em que os rendimentos proporcionados pelas avenças oriundas de (…) seriam, sem critério – ainda que persistindo no ideário de clientes próprios de cada uma –, parcialmente depositadas na conta comum – onde, após custearem os encargos, seriam repartidas …

Atente-se, por outra via, que a Ré (…) nunca tenta reconduzir a motivação de tais depósitos e repartição equitativa ao desejo plasmado na contestação de viabilização das contas a realizar quanto à aferição do sucesso do investimento e de materializar, a final, um acerto. Temos, para tal efeito, que a mesma se limita a estabelecer que os sobreditos depósitos eram assim processados por ser “mais fácil” e “porque os valores eram mais ou menos iguais”. Mas não só não justifica as razões de tal simplicidade não obstante as insistências do Tribunal como sabemos já que o sobredito pressuposto de equivalência de avenças – na versão da Ré (…) de existência de clientes próprios – se acha longe de estar correcto.

Conclui-se, assim, que as declarações vacilantes e inconstantes da Ré (…) nada logram clarificar quanto às muitas questões suscitadas pelo recorte por si oferecido em sede de contestação. Com o que se facilmente se compreende a falta de credibilidade que lhe foi conferida pelo Tribunal.

(…)”

Temos assim que o julgador valorou, acima de tudo e essencialmente, a prova documental, maxime a conta bancária conjunta da autora e ré.

E bem andou.

Na verdade a restante prova não foi decisiva.

As declarações das partes, por motivos óbvios.

A prova testemunhal porque se revelou comprometida, o que decorre de circunstâncias objetivas: as testemunhas ou eram familiares das partes, ou eram delas conhecidos e amigos; e, assim, notando-se que sempre propenderam para apresentar uma versão, no que ao cerne da questão tange -  a (in)existência de acordo societário entre autora e ré  -, que fosse de encontro à posição da apresentante.

Resta apurar se a interpretação que o Sr. Juiz operou e a  valoração  que ele retirou  da prova, maxime, documental, se revelam inadmissíveis.

E a resposta é negativa.

Valendo aqui, na sua essencialidade relevante, os argumentos expendidos na fundamentação.

Em seu abono e em apertada síntese – «to cut a long story short», passe o Anglicismo – dir-se-á o seguinte:

Há factos que indiciam a vontade societária.

O primeiro é o pagamento em partes iguais de 20.000,00 euros pela aquisição da clientela.

Nada se apurou sobre se houve, ou não houve, equitativa divisão dos clientes, e, acima de tudo, se tal divisão, a existir, iria, ou não, operar um retorno ou um lucro igual ou muito equivalente para cada uma das partes.

Logo, é admissível, porque lógico e dimanante das regras da experiência comum, que elas apenas  anuíram em tal pagamento igualitário, porque consensualizaram a divisão igualitária dos lucros, independentemente de os clientes de uma ou de outra implicarem um retorno maior, ou menor, para o negócio.

Caso contrário, o pagamento, à cabeça e sem qualquer compensação futura,  de metade do custo do negócio, poder-se-ía revelar intoleravelmente arriscado para qualquer uma; e, assim e logicamente,  devendo ter-se como não assumido.

Depois, temos que elas outorgaram as duas no contrato de arrendamento como arrendatárias, o que domonstra o intuito de se vincularem, solidária ou conjuntamente, no pagamento de uma despesa que assumia alguma relevância para o desenvolvimento da atividade em conjunto.

E nem se diga que era para evitar o aluguer de um outro espaço e poupar na renda.

Mesmo que assim fosse, o  mais normal seria o arrendamento ficar em nome de uma delas e a outra comparticipar no pagamento.

Até porque se tinham - e certamente viriam a ter no futuro -, clientelas diferentes em quantidade e qualidade, tal viria a acarretar uma ocupação mais intensa, quantitativa (em termos físicos)  e qualitativamente (em termos de assiduidade dos clientes),  com a inerente e normal exigência/direito de comparticipação diferenciada no quantum arrendatício.

Finalmente, «last but not the least», a conta bancária conjunta.

Se não tivesse existido intuito societário, não faria qualquer sentido abrir uma conta bancária  conjunta na qual eram depositadas quantias oriundas da atividade de TOC tanto da autora como da ré.

As quais, e independentemente de constituirem, ou não, a totalidade dos honorários auferidos por autora e ré no exercício de tal atividade, iam para além, excediam, o valor necessário  para o pagamento das despesas correntes da atividade.

E tanto assim era que de tal conta chegaram a retirar, para além de dinheiro para as despesas, € 5.650,00 da sobredita conta, entre as datas de 5 de Novembro de 2012 e 19 de Abril de 2013.

Sendo de notar que tal verba é o resultado de saídas mensais de algumas centenas de euros,  normalmnte iguais para a autora e para a ré, as quais, com grande e perfeitamente admissíve probabilidade, representavam para cada uma delas a contrapartida do seu desempenho  na atividade – cfr. doc 4 junto com a pi.

Já no atinente  ao facto de se ter dado como provado que a ré ficou, após a separação física da atividade e a divisão dos clientes, com rendimentos mais elevados, mostra-se perfeitamente plausível a fundamentação vertida na sentença de que tal conclusão factual  deriva do facto de a ré ter ficado com um maior numero de clientes, sendo que nada se apurou, de fidedigno, no que tange ao valor das avenças de cada um deles.

Nesta conformidade se concluindo que a decisão sobre a matéria de facto não merece censura.

5.1.5.

Por conseguinte, os factos a considerar são os apurados na 1ª instância, a saber:

a) A Autora (…) e a Ré (…) são Técnicas Oficiais de Contas inscritas na Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas; (artigo 1.º da p.i.)

b) Em Junho de 2012, a Ré (…) informou a Autora (…) da existência de um contabilista de nome (…) que pretendia ceder onerosamente a carteira de clientes por si detida e a quem prestava serviços de contabilidade, (artigo 6.º da p.i.)

c) Achando-se tal carteira composta pelos seguintes clientes:

(…)(artigo 48.º da p.i.)

d) Tendo a Autora (…) e a Ré (…), na decorrência das negociações encetadas, ajustado com o sobredito (…) a cedência da carteira de clientes com consequente entrega do conjunto dos elementos físicos e informatizados que traduziam as correspondentes contabilidades, (artigos 7.º e 8.º da p.i.)

e) Bem como a transmissão do equipamento que integrava o gabinete do mesmo F (...) e que se achava composto por;

i. Três secretárias, em metal e madeira; ii. Uma mesa de suporte de impressoras, em metal e madeira; iii. Três computadores Desktop e respectivo software; iv. Três monitores de computadores; v. Sete prateleiras metálicas; vi. Um móvel metálico de duas portas; vii. Uma mesa metálica com rodízios; viii. Um móvel metálico com três gavetas; ix. Uma impressora HP; x. Uma cadeira preta com rodízios; (artigo 8.º da p.i.)

f) O negócio delineado por (…) com a Autora (…) e Ré (…) envolvia, ademais, a possibilidade de estas ocuparem o espaço onde funcionava o gabinete de contabilidade por aquele titulado sito no 1.º andar do n.º 15-2.º do (...), Figueira da Foz, (artigo 8.º da p.i.)

g) Tendo o correspondente senhorio assumido para com aquelas o compromisso de celebrar um novo contrato de arrendamento com manutenção da renda então em vigor; (artigo 8.º da p.i.)

h) Também por força de tal negócio, (…) deveria comparecer, durante 1 ano, no gabinete a ser ocupado pela Autora (…) e pela Ré (…) com vista a apresentá-las aos antigos clientes e ir criando laços de confiança; (artigo 9.º da p.i.)

i) O negócio descrito nas alíneas d) a h) dos factos provados foi concluído em finais de Setembro de 2012 e tendia à produção dos seus efeitos a partir de 1 de Outubro de 2012, (artigo 10.º da p.i.)

j) Tendo a Autora (…) e a Ré (…) entregue a (…) o valor de € 40.000,00 como contrapartida do descrito nas alíneas d) a h) dos factos provados; (artigos 7.º, 10.º 15.º da p.i.)

k) A importância descrita na alínea j) dos factos provados foi satisfeita pela Autora (…) e pela Ré (…) em parcelas equivalentes, tendo cada uma desembolsado, nessa decorrência, o valor de € 20.000,00; (artigos 7.º e 15.º da p.i.)

l) Em 1 de Outubro de 2012 e na sequência do negócio supra descrito, a Autora (…) e a Ré (…) passaram a ocupar o gabinete mencionado na alínea f) dos factos provados, (artigo 10.º da p.i.)

m) Tendo, a partir de 15 de Novembro de 2012, iniciado a prestação, de forma conjunta e em exclusivo, de serviços de contabilidade aos clientes mencionados na alínea c) dos factos provados, (artigo 12.º da p.i.)

n) Repartindo Autora (…) e Ré (…), equitativamente, os rendimentos provenientes dos serviços prestados aos mesmos; (artigo 17.º da p.i.)

 o) A Autora (…) e a Ré (…) abriram, em 5 de Novembro de 2012 e nessa decorrência, uma conta na C (...) com o n.º 0731005459900 da qual ficaram ambas titulares, (artigo 16.º da p.i.)

p) Depositando, em tal conta, os valores provenientes das avenças pagas pelos clientes mencionados na alínea c) dos factos provados, (artigos 16.º e 17.º da p.i.)

q) E procedendo, com o saldo de tal conta, à satisfação das despesas com os serviços de telefone e internet consumidos no gabinete mencionado na alínea f) dos factos provados, com as rendas e com os demais custos de funcionamento, (artigo 17.º da p.i.)

r) Operando, após a liquidação de tais encargos, a distribuição, entre ambas e em parcelas equivalentes, das importâncias remanescentes, (artigo 17.º da p.i.)

s) Tendo, nessa decorrência, retirado cada uma o valor unitário de € 5.650,00 da sobredita conta entre as datas de 5 de Novembro de 2012 e 19 de Abril de 2013; (artigo 16.º da p.i. e documento n.º 4 objecto de remissão em tal artigo)

t) Em 2 de Janeiro de 2013 e por terem tomado conhecimento da existência de gabinete com uma renda inferior, concluíram a Autora (…) e a Ré (…), na qualidade de arrendatárias, com (…)na qualidade de senhorios, o negócio constante de fls. 27 e do qual consta, sob a epígrafe «Contrato de Arrendamento para Fim Não Habitacional com Prazo Certo com Fiança», designadamente o seguinte:

Cláusula 1.ª

Os primeiros outorgantes são donos e legítimos possuidores de diversas fracções autónomas do prédio urbano sito no (...), n.º 7 a 11, na Figueira da Foz, descrito na matriz da Freguesia de S. Julião, sob o n.º 1243, e descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz, sob o n.º 1443.

Cláusula 2.ª

Pelo presente contrato, os Primeiros Outorgantes arrendam às Segundas Outorgantes e estas tomam de arrendamento, livre de quaisquer ónus ou encargos, a sala n.º 1 do primeiro andar esquerdo, com o n.º 8 do prédio melhor identificado na Cláusula 1.ª supra;

Cláusula 3.ª

1. O prazo de arrendamento é de dois anos e tem início no dia 1 de Janeiro de 2013, terminando por isso em 31 de Dezembro de 2015.

(…)

3. Os Segundos Outorgantes poderão denunciar, a todo o tempo, mediante comunicação escrita a enviar aos Senhorios por carta registada com aviso de recepção, com a antecedência mínima de 120 dias sobre a data pretendida, o presente contrato de arrendamento.

Cláusula 4.ª

O local agora arrendado destina-se exclusivamente ao exercício de gabinete de contabilidade pelas segundas outorgantes e nenhum outro lhe pode ser dado sem o prévio consentimento dos senhorios.

Cláusula 5.ª

1. Pelo local arrendado, pagarão os arrendatários aos Primeiros Outorgantes no primeiro ano, a renda mensal de € 250,00 até ao dia 8 do mês anterior àquele a que disser respeito.

(…)

Cláusula 6.ª

1. A renda será actualizada anualmente de acordo com os coeficientes de actualização de rendas, aprovados por Portaria, nos termos do artigo 1077.º do Código Civil;

2. A primeira actualização da renda será exigida um ano após o início de vigência do presente contrato e as seguintes, sucessivamente, um ano após a actualização anterior. (artigo 13.º e 14.º da p.i. e documento n.º 2 objecto de remissão em tal artigo)

s) A Autora (…) e a Ré (…), ao se proporem a concluir o negócio descrito nas alíneas d) a j) e a desenvolverem a actividade mencionada na alínea m) dos factos provados, fizeram-no com a intenção reciprocamente assumida e ajustada de contribuírem com a sua actuação para o exercício comum de serviços de contabilidade aos clientes mencionados na alínea c) dos factos provados e para outros que eventualmente viessem a ser obtidos com vista à repartição dos proveitos de tal actuação, (resposta restritiva aos artigos 3.º a 5.º, 19.º e 28.º da p.i.)

t) Tendo definido entre ambas, para tal efeito e no âmbito das negociações descritas na alínea d) dos factos provados, que tal actuação e propósito seriam concretizados mediante a constituição futura de uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada; (artigo 19.º da p.i.)

u) No início de 2013, a Autora (…) passou a interpelar a Ré (…) no sentido de formalizarem a constituição da sociedade descrita na alínea t) dos factos provados, (artigo 21.º da p.i.)

v) Replicando a Ré (…), no entanto e não obstante o constante da alínea s) dos factos provados, que aquele não seria o momento adequado para a constituição da sociedade e que a mesma deveria ser relegada para momento ulterior; (artigo 21.º da p.i.)

w) Em Fevereiro de 2013, a Ré (…) informou a Autora (…) que seria a altura de se separarem e ir cada uma para o seu lado; (artigo 25.º da p.i.)

x) Por missiva remetida em 9 de Abril de 2013, a Ré (…) comunicou à Autora (…), designadamente, o seguinte:

Venho, por meio da presente missiva, informar que vou sair do escritório sito no (...), n.º 7 a 11, sobre qual existe um contrato de arrendamento para fim não habitacional com prazo certo com fiança onde constamos ambas como arrendatárias. Nesta mesma data, dei também conhecimento da minha pretensão ao Senhorio.

Neste contexto, uma vez que o contrato de telefone e net se encontra em meu nome, irei proceder ao pedido de transferência dos serviços junto da PT Comunicações.

Irei, de igual forma, solicitar junto da C (...) a retirada do meu nome de titular da conta em que somos ambas titulares.

Como é do seu conhecimento, nunca existiu a pretensão de uma sociedade entre nós, apenas e tão só a divisão de um espaço de forma a reduzir despesas. Nunca trabalhamos em conjunto. Cada uma de nós tem os seus próprios clientes. Inclusive aquando a compra da carteira de clientes ao Sr. F (...) ficou logo expresso quais os clientes pertença de cada uma de nós.

Contudo com o passar do tempo, a divisão do espaço comum tornou-se insustentável pelo que me vejo obrigada a sair, assim, conforme exposto até ao final do mês irei retirar as minhas pertenças. (artigo 26.º da p.i. e documento objecto de remissão em tal artigo)

y) Ao ser confrontada com a missiva descrita na alínea x) dos factos provados, a Autora (…) interpôs a providência cautelar constante do apenso A e na qual, após enunciar a factualidade supra referenciada nas alíneas a) a x) dos factos provados, peticionou o arrolamento do imobilizado do escritório e das pastas e dossiers dos clientes descritos na alínea c) dos provados, [facto adquirido no processo em função do apenso A]

z) Arrolamento que foi determinado por decisão proferida em 18 de Abril de 2013 e que foi materializado por diligência datada de 24 de Abril de 2013; [facto adquirido no processo em função do apenso A]

aa) Na decorrência da oposição à providência cautelar descrita na alínea y) dos factos provados tal como materializada pela Ré (…), foi alcançada, em diligência tendente à inquirição de testemunhas datada de 11 de Julho de 2013, a transacção de fls. 130 e da qual consta, designadamente, o seguinte:

1.º

Acordam Requerente e Requerida que se mantenha na posse daquela os bens arrolados e identificados nas verbas 1, 2, 3, 4, 5, 6, 6-A, 7, 8, 8-A, 9, 10, 11, 12 e 13 do auto de arrolamento.

2.º

Sem prejuízo do que vier a ser decidido na acção principal relativamente À qual os presentes autos correm por apenso e de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 383.º do C.P.Civil, do qual resulta não ter qualquer influência naquela decisão o acordo ora alcançado, e ainda atneto o facto de pelo menos desde 25 de Abril de 2013, a Requerida dar tratamento às contabilidades a que se reportam as pastas e dossier’s levados às verbas 14, 15, 16, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 26, 28, 29, 30, 31, 32, 36, 37, 38, 42, 43, 45 e 47 do auto de arrolamento, a Requerente também pelo menos desde aquela data dar tratamento Às contabilidades dos clientes identificados nas verbas 13, 17, 24, 25, 27, 33, 34, 35, 39, 40, 41 44 e 46 do mesmo auto, acordam em, a partir da presente data, passar a ter na sua posse a Requerida as pastas e dossier’s das contabilidades a que vem dando tratamento, mantendo a Requerente a posse das pastas e dossier’s das contabilidades a que igualmente vem dando tratamento.

(…)

4.º

O alegado nas Cláusulas anteriores fica prejudicado relativamente Às contabilidades dos clientes (…) (verba 43 do referido auto) e (…)  (marido de (…) (verba 45 do mesmo auto) tratadas pelo menos desde 25 de Abril, pela Requerida, na justa medida da entrega por parte da Requerente aos próprios das pastas , dossier’s  e demais documentação retratadas nas duas declarações que se anexam à presente transacção. [facto adquirido no processo em função do apenso A]

ab) A Ré (…), na data da diligência de arrolamento descrita na alínea z) dos factos provados e na sua sequência, abandonou as instalações descritas na alínea t) dos factos provados e instalou um gabinete de contabilidade na Rua do (...), n.º 1, 2.ª Sala Dta., Figueira da Foz, (artigo 38.º da p.i.)

ac) Tendo, paralelamente, contactado com os clientes mencionados na alínea c) dos factos provados para que a acompanhassem nas novas instalações por si montadas no âmbito da prestações de serviços de contabilidade, (artigo 38.º da p.i.)

ad) Logrando, nessa sequência, que a acompanhassem os seguintes clientes – cujos dados informáticos das contabilidades levou consigo –

(…)

ae) Na decorrência da actuação da Ré (…) tal como descrita na alínea ac) dos factos provados, mantiveram-se como clientes da Autora (…):

i. (…)

af) A Autora (…) e a Ré (…) mantêm a prestação de serviços de contabilidade aos clientes respectivamente descritos nas alíneas ae) e ad) dos factos provados, os quais proporcionam a cada uma um rendimento mensal não concretamente apurado em matéria de avenças, (resposta restritiva aos artigos 49.º e 51.º da p.i.)

ag) Mas sendo o rendimento proporcionado pelos clientes descritos na alínea ad) dos factos provados à Ré (…) superior ao valor gerado pelos clientes descritos na alínea ae) dos factos provados em benefício da Autora (…); (resposta restritiva aos artigos 49.º e 51.º da p.i.)

ah) Na decorrência da conversa mencionada na alínea w) dos factos provados, as relações entre a Autora (…) e a Ré (…) passou a pautar-se por conflitualidade, (resposta restritiva aos artigos 24.º da p.i. e 24.º da contestação)

ai) Tendo a Autora (…) nessa decorrência, passado a insistir em estar presente nas reuniões mantidas com todos os clientes mesmo após lhe ser solicitado pela Ré (…) que saísse. (resposta restritiva ao artigo 24.º da contestação);

aj) A Ré (…) sabe e não pode ignorar que a factualidade descrita nas alíneas m), n), r), s), t) e ac) dos factos provados correspondente à realidade. (actividade inquisitória oficiosamente concretizxada pelo Tribunal em função da aparente existência de litigância de má fé e por reporte à qual se facultará, a final, o contraditório);

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

Na sentença o julgador considerou que, não obstante estarmos perante uma sociedade irregular, o caso não podia ser decidido com base nas disposições atinentes, porque, afinal, a exoneração como sócio é livre – artº 1002º CC – e, assim, não ilícita.

Mais mencionou que sendo a exoneração lícita, «nenhuma compensação deveria ser materializada em favor da Autora…pela circunstância de a ré se ter decidido a pôr termo à colaboração com a Autora decorridos que se achavam apenas 6 meses sobre o seu início»

Pelo que,  ao que parece para atingir a justiça do caso, cindiu a atuação das partes em «diversos esquemas negociais sucessivos» posto que  interdependentes .

Vislumbrando  um primeiro  momento negocial como sendo o  «ajuste entre a Autora  e a Ré no sentido de operarem a aquisição da carteira de clientes a (…) e de constituírem, nessa decorrência, uma sociedade.»

E alcançando como último esquema negocial « o contrato de sociedade que deveria ter sido firmado entre as partes e que se apresentou como a razão de ser dos negócios anteriores.»

Concluindo que: «a Ré (…), ao ter-se recusado a impulsionar a formação da sociedade por quotas, incorreu em inobservância do negócio originário»

 Devendo, assim, a questão ser decidida apenas com base no regime geral das obrigações e, designadamente, dos artigos 406.º e 798.º do Código Civil.

E, destarte, conexionando a indemnização, e condenando, desde logo, em função da perspetivação do valor de 40 mil euros – vinte mil para cada parte – que a autora e ré despenderam na aquisição da carteira de avenças.

Mas acabando por admitir que: «O carácter injusto da conduta da Ré apenas sobressai…quando complementamos tais dados com a consideração que a aquisição daquela precisa carteira de clientes foi acordada em função do exercício de uma actividade comum e, por conseguinte, de constituição da sociedade

(sublinhado nosso).

5.2.2.

Sdr. esta atividade exegética  não se alcança como plenamente curial perante os factos provados, apresentando-se até como algo  redundante, rebuscada, e, inclusive, incongruente, nos seus próprios, e prolixos, termos.

Em primeiro lugar, não se enxerga matéria que possa levar à cisão ou autonomização de diversos «esquemas», fases, ou até momentos negociais.

  Pelo menos com força bastante para acarretar a atribuição de efeitos juridicos proprios.

O que se alcança de tal acervo factual é uma vontade, una e indivisivel, de constituição de uma sociedade na atividade de TOC.

Obviamente que para consecutirem tal desiderato, as partes tiveram de diligenciar para tal, vg. adquirindo e pagando igualitáriamente a carteira de clientes, arrendando um espaço e iniciando a atividade.

Mas este iter teve sempre uma vontade e objetivo únicos: o desempenho de um atividade em comum, dimamante de uma inicial, assumida e contínua "affectio societatis".

Em segundo lugar,  e por via de regra, o momento relevante para fazer emergir as normas jurídicas que para o caso se revelem pertinentes é o da pratica do ato genético consubstanciador da obrigação de indemnizar.

No caso vertente estes atos são, desde logo, a vontade de a ré desfazer a sociedade, a sua saída do lugar comum de exercício da atividade, e a apropriação, em benefício próprio, da maioria das avenças.

Ora todos estes atos foram praticados já na vigência da sociedade irregular.

Logo, são as normas que para esta regem que devem ser chamadas à colação.

Em terceiro lugar, a decisão decorrente da rebuscada tese plasmada na sentença, consubstancia-se como uma decisão  «ultra petitum», que fere a sentença de nulidade – artº  615º nº1 al. e) do CPC – pois que condena em quantidade superior e/ou objeto diverso do pedido.

Na verdade a autora,  e unicamente com fundamento na violação do pacto societário, apenas reporta o seu pedido, no que ao pedido de indemnização tange, ao desvio e exploração em proveito próprio, por banda da ré, de 29 avenças  do lote total que adquiriram ao (…).

Já o Sr. Juiz, e por consideração de normas jurídicas de cariz geral, reconduz ainda o direito indemnizatório da autora ao montante que ela despendeu aquando da aquisição das avenças

Isto porque entendeu que o regime jurídico das disposições e normas invocados pelas partes não ressarciam devidamente a autora.

Mas, mesmo que assim fosse, não pode o julgador preencher as lacunas e suprir as falhas das partes, pondo, inclusive, em causa  a sua exigível postura de equidistância para com elas.

 Tal o impedem os princípios da substanciação, do dispositivo e da autoresponsabilidade das partes, os quais ganham especial relevo em processos de jaez do presente em que apenas estão em apreciação direitos e interesses de índole privada e, essencialmente, patrimonial.

Aliás, nunca tendo as partes aventado a solução jurídica neste particular gizada pelo julgador, e não lhes tendo ele dado conhecimento prévio da sua intenção de subsumir os factos nos termos em que o fez, a decisão constitui, neste particular conspeto, uma decisão surpresa.

Na verdade:«Quer o exercício ativo do direito de ação, quer a estrutração da defesa, assentam numa determinada qualificação jurídica dos factos carreados para o processo, que as partes tiveram por pertinente e adequada…

Deste modo, qualquer alteração do módulo jurídico perfilhado, designadamente quando assuma um grau particularmente relevante, é suscetível de comprometer a posição das partes…e os direitos que pretendem fazer valer..e daí a proibição imposta pelo nº3»  (do artº 3º do CPC) – Abílio Neto, in Breves Notas ao CPC, 2005, p.10.

(sublinhado nosso)

5.2.3.

Posto isto,perscrutemos.

Como já se disse, e como bem foi declarado na sentença,  os factos apurados demonstram a existência de uma sociedade irregular – cfr., muttatis mutandis, o Ac. do STJ de . 27.06.2000, p. 00A424 in dgsi.pt.

Pois que presente aqui se encontra a previsão do artº 36º nº2 do CS Comerciais, a saber:

« Se for acordada a constituição de uma sociedade comercial, mas, antes da celebração do contrato de sociedade, os sócios iniciarem a sua actividade, são aplicáveis às relações estabelecidas entre eles e com terceiros as disposições sobre sociedades civis.»

O regime perspetivavel é, pois, o do artº 980 e sgs. do CC.

Dos factos provados decorre, ou presume-se com suficiência, que as partes quiseram formar uma sociedade por quotas em que os sócios seriam a autora e a ré - artº 197º do CComercial.

Aplicando-se o regime civilista, e, assim, não sendo convocáveis as normas do C. Comercial, vg. o artº 240º, que estabelece condicionalismos quanto à exoneração de sócio, e não  se tendo provado ter sido estabelecido prazo para a duração da sociedade, todo o sócio tem o direito de se exonerar da mesma – artº 1002º nº1 do CC.

No entanto a exoneração só produz efeitos no fim do ano social em que é feita a comunicação respetiva – nº3 do artº 1002º.

Atenta a natureza da sociedade irregular supra aludida, que implica, para a sua existência, uma pluralidade de sócios, a extinção desta pluralidade, acarreta a sua dissolução – artº 1007º al. d) do CC.

Ora, dissolvida a sociedade, o modo/processo jurídico normal para a sua total extinção e  para a composição dos  interesses dos seus sócios e de terceiros é a sua liquidação – artº 1010º do CC e Ac. do STJ de  22.11.2001, p. 01B3222 in dgsi.pt.

A liquidação pode ser extrajudicial ou, na falta de acordo, judicial.

Neste caso terá de seguir processo e ritualismo especificamente plasmados na lei.

5.2.4.

No caso vertente.

À data da propositura da ação – maio de 2013 – estava ainda em vigor o processado atinente à liquidação judicial de sociedades previsto no artº 1122º e segs do CPC.

A autora deveria, pois, deitar mão de tal iter adjetivo.

Pelo que, bem vistas as coisas, constata-se a existência do erro na forma do processo, vício previsto no artº 199º do CPC  na redação pretérita, e no atual artº 193º.

O qual poderia levar à absolvição da instância.

Porém, o conhecimento de tal vício está está vedado, pois que ela apenas podia  ser invocado pelas partes até à contestação, ou ser suscitado oficiosamente pelo Juiz até ao saneador, ou, o mais tardar, até à sentença final – artºs 204º e 206º do CPC e 198º e 200º do NCPC.

Acresce que com a reforma de setembro de 2013, tal processado foi abolido.

Importando ainda perspetivar o dever de gestão processual que nuclearmente impõe ao juiz diligenciar pelo andamento simples e célere do processo para a justa composição do litígio – artº 6º do NCPC.

Sendo ainda de referir, que não obstante a autora pedir, a título principal, a condenação em favor da sociedade – o que era defensável, pois que esta, apesar de dissolvida mantém a personalidade jurídica e judiciária: artºs 146º nº2 do CSComercial e 6º als. C) e d) do CPC – , ela impetra outrossim, a título subsidiário, a condenação em seu favor.

Ademais, a justacomposição do litígio, atento o modo como as partes delinearam a ação, cumpre-se, com maior acuidade ou prevalentemente, com a responsabilização em favor da autora, que não da sociedade.

Na verdade, estamos perante uma sociedade irregular dissolvida, relativamente à qual pouco ou nada se provou quanto ao seu substrato fáctico-jurídico, e em que os factos alicerçantes da responsabilização da ré se reportam a atos  não praticados pela sociedade, mas praticados pela demandada, rectius, o desvio de grande parte dos clientes avençados para a socidedade e a apropiação do valor das avenças em seu único benefício.

Nesta perspetiva, a plasticidade/adequação adjetiva às circunstâncias de cada caso  concreto, e a justa composição, real e efetiva, dos direitos e interesses que em cada um deles se dilucidam, clamam, neste presente caso concreto, a postergação e desatendimento do pedido principal.

5.2.5.

Nesta conformidade, a definição da sorte da ação, no que à indemnização por danos patrimoniais respeita, considerando os factos apurados, as normas aplicáveis supra mencionadas e o pedido formulado pela autora, assume-se simples.

  Quanto à condenação proferida na al. a) do decisório, ela, pelos motivos acima aduzidos, alcança-se como inadmissível, porque, desde logo, extravaza o pedido, e não colhe cobertura nos normativos  invocados na sentença.

Quanto à condenação proferida na al. b) esta já se vislumbra legal.

Na verdade, e como se viu, a exoneração de sócia por banda da ré em 24.04.2013, não fez cessar os efeitos do trato social, os quais, à míngua da prova do início e fim  de ano social consensualizado,  apenas se devem ter por  terminados em 31.12.2012.

Neste interim, a atividade das sócias tinha de continuar a pautar-se em função da demonstrada vontade de affectio societatis e em benefício da sociedade.

Efetivamente, e se tal dimana dos princípios gerais, emerge, desde logo, do disposto no artº 1021º nº1 do CC  o qual estatui, no que para aqui interessa, que  no caso de  liquidação por «exoneração…de um sócio…se houver negócios em curso, o sócio…participarão (á) nos lucros e perdas deles resultantes».

Ora no caso sub judice e como se diz na sentença, posto que sem aderirmos à  destrinça nela operada entre dano emergente – a condenação em a) do decisório - e lucro cessante – a condenação em b) -, porque, como se viu, nem sequer é admissível aquela imposição, provou-se que «a conduta da Ré privou a Autora de parte dos rendimentos proporcionados pelas avenças e obstou a que esta auferisse o equivalente a metade dos proveitos gerados. Valores a que a Autora tenha indubitável direito conquanto as correspondentes avenças se mantivessem como clientes da sociedade.

Com o que se mostra inquestionável que deverá arbitrar a favor da mesma o valor correspondente aos rendimentos que deixou de auferir na decorrência da tais clientes terem sido desencaminhados da sociedade».

Sendo que este prejuízo da autora: «não poderá ser computado de outra forma que não a condenação da Ré a pagar o diferencial entre o montante equivalente a metade dos rendimentos proporcionados pelas avenças descritas nas alíneas ad) e ae) dos factos provados entre as datas de 30 de Abril e 31 de Dezembro de 2013 e aquele que foi efectivamente auferido pela Autora na decorrência dos clientes mencionados na sobredita alínea ae).»

Em conclusão final, e brevitatis causa, (im)procede parcialmente o recurso.

6.

Sumariando:

I -Não cumpre as exigências do artº 640º do CPC o recorrente que não reporta a cada um dos factos impugnados a prova, ou parte dela, que invoca e valora diferentemente, e antes se limita a fazê-la incidir, em bloco e indiscriminadamente, sobre todo o acervo factual que pretende ver alterado.

II - Provado nuclearmente, que duas pessoas contribuiram em igual quantia para aquisição de clientela de TOC, que outorgaram conjuntamente em contrato de arrendamento para o exercício desta atividade, e que abriram conta  bancária conjunta na qual depositavam e retiravam quantias decorrentes e por causa da mesma, tem de concluir-se pela sua vontade de desempenho societário.

III - Provada a existência de sociedade irregular dissolvida por exoneração de uma sócia, e formulado  pedido indemnização contra esta pela outra sócia, por exploração em benefício próprio  de património social  – clientes avençados – após a dissolução, a questão tem de ser decidida não por reporte às regras gerais do incumprimento – artºs 406 e 798º do CC - mas por consideração do regime da liquidação da sociedade – artºs 1010º e sgs do CC ex vi do artº 36º nº2 do CSComerciais –; e não podendo a ré, sob pena do vício condemnatio ultra petitum, ser responsabilizada, outrossim, por perspetivação do por a autora despendido na aquisição de tal clientela, mas apenas naqueles impetrados termos.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, absolver a ré da condenação constante na al. a) do decisório.

No mais se mantendo a sentença.

Custas na proporção de ¼ para autora e 3/4 para a ré.

Coimbra, 2015.09.08.

Carlos Moreira ( Relator )

Anabela Luna de Carvalho

Moreira do Carmo