Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
232/12.9GEACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
INDEMNIZAÇÃO
VÍTIMA
NULIDADE
Data do Acordão: 05/28/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 21º DA LEI N.º 112/2009, DE 16/9 E Nº 1, AL. C), DO ART. 379º DO C.P.P.
Sumário: 1.- Em caso de condenação por crime de violência doméstica há sempre que arbitrar uma indemnização à vítima, ou porque ela a pediu ou, não o tendo feito e não se tendo oposto ao seu arbitramento expressamente, por via do disposto no art. 21º da Lei n.º 112/2009, de 16/9.

2.- A sentença que, ao condenar o arguido pela prática de um crime de violência doméstica, não se pronuncia sobre tal questão, é nula, por omissão de pronúncia.

Decisão Texto Integral: Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO


1.

Nos presentes autos foi o arguido A... condenado na pena de 2 anos e 4 meses pela prática de um crime de violência doméstica, do art. 152º, nº 1, al. a), do Código Penal.

A execução da pena foi suspensa pelo período de 2 anos e 4 meses.

O arguido foi, ainda, condenado na pena de proibição de contactos, por si ou por interposta pessoa, com B..., pelo período de 2 anos, com excepção dos necessários à resolução dos litígios pendentes, contactos estes a efetuar por advogados.

Quanto ao mais, foi o arguido absolvido de um crime de violência doméstica, do art. 152º, nº 1, al. b), do Código Penal.

2.

Inconformado, o Ministério Público recorreu, retirando da motivação as seguintes conclusões:

«1. Nos presentes autos foi proferida sentença condenando o arguido A... na pena de dois anos e dez meses de prisão, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do Código Penal

2. Nos termos do disposto no artigo 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, «1 - A vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável. 2 - Para efeitos da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser».

3. No caso especial dos crimes de violência doméstica, da conjugação do teor dos artigos 21.º/1/2 da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, com o artigo 82.º-A/1 do Código de Processo Penal, conclui-se que, em caso de condenação, impõe-se ao tribunal condenar o agente do crime no pagamento à vítima de uma indemnização arbitrada a título de reparação dos prejuízos [materiais e/ou morais] sofridos, independentemente de particulares exigências de protecção da vítima (por já serem inerentes ao tipo de crime em causa e, precisamente, porque «há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal»], salvo oposição expressa da vítima.

4. Ora, por mero lapso, a sentença não se pronuncia sobre a atribuição à vítima do crime de uma indemnização por parte do agente do crime e a condenação deste no respectivo pagamento à vítima, pelo que verifica-se a violação da norma estabelecida no artigo 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.

5. A omissão de pronúncia sobre a referida questão consubstancia uma nulidade da sentença a arguir em sede de recurso, nos termos combinados das disposições dos artigos 379.º/1, alínea c) e 410.º/3, ambas do CPP.

6. Assim, a ora arguida nulidade deverá ser sanada, mediante o reconhecimento à vítima de uma indemnização a arbitrar pelo tribunal a título de reparação dos prejuízos [materiais e/ou morais] sofridos e a consequente condenação do arguido no respectivo pagamento».

3.

O recurso foi admitido.

O Exmº P.G.A. emitiu parecer pugnando pelo provimento do recurso.

Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do C.P.P..

4.

Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.

Realizada a conferência cumpre decidir.

 


*

*


FACTOS PROVADOS

5.

Dos autos resultam os seguintes factos, relevantes à decisão:

- o arguido A... foi condenado na pena de 2 anos e 4 meses, suspensa pelo mesmo período, pela prática de um crime de violência doméstica, do art. 152º, nº 1, al. a), do Código Penal, na pessoa de B...;

- a ofendida não deduziu pedido de indemnização;

- do processo não consta declaração, escrita ou oral, da ofendida opondo-se ao arbitramento de indemnização decorrente da prática do crime.

DECISÃO

Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.

Por via dessa delimitação a questão a decidir respeita à invocada nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, por não arbitramento de indemnização civil à ofendida decorrente da condenação do agente pelo crime de violência doméstica.


*


A Lei n.º 112/2009, de 16/9, que instituiu o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das vítimas destes crimes, estabelece no seu art. 21º o direito da vítima à indemnização, nos seguintes termos:

«1 - À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável.

2 - Para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.

…».

            E é a seguinte a redação do art. 82º-A do C.P.P., que versa sobre a reparação da vítima em casos especiais:

«1 – Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.

2 – No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.

3 – A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização».

            Assim, e como se alega, em caso de condenação por crime de violência doméstica há sempre que arbitrar uma indemnização à vítima, ou porque ela a pediu ou, não o tendo feito e não se tendo oposto ao seu arbitramento expressamente, por via do disposto no art. 21º da Lei n.º 112/2009, de 16/9.

            A sentença recorrida condenou o arguido A... pela prática de um crime de violência doméstica, do art. 152º, nº 1, al. a), do Código Penal, na pessoa de B....

            No entanto, não se pronunciou sobre a indemnização a atribuir à vítima, apesar de esta não ter feito qualquer declaração de oposição a essa atribuição.

            Nos termos do nº 1, al. c), do art. 379º do C.P.P. é nula a sentença «quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar …».

            Portanto, a sentença recorrida é nula porque o tribunal recorrido não se pronunciou sobre questão que a lei impõe que conhecesse.

Assim, o processo terá que regressar à 1ª instância para arbitramento da indemnização a atribuir à vítima.

Previamente à pronúncia há, porém, que dar a conhecer ao arguido a questão e para que isto suceda terá a audiência que ser reaberta.

Caso tal se mostre necessário haverá, ainda, produção de prova relacionada com esta matéria, finda a qual haverá que proferir nova sentença, que sane a omissão ocorrida.


*

            DISPOSITIVO

            Por todo o exposto, e na procedência do recurso, anula-se a sentença recorrida, devido ao vício de omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado sobre a indemnização a atribuir à vítima.

            Caso tal se mostre necessário, deverá a audiência ser reaberta para eventual produção de prova.

Sem custas.


Coimbra, 2014-05-28

Relatora: Olga Maurício

Adjunto: Luis Teixeira