Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1756/11.0TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: CO-ASSUNÇÃO DE DÍVIDA
PAGAMENTO
PREÇO
DONO DA OBRA
EMPREITADA
Data do Acordão: 03/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU -4º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 595.º, N.º 1, ALÍN. B) E 2, DO CC
Sumário: - O pagamento pelo dono da obra de parte do preço de materiais fornecidos, de da responsabilidade da firma empreiteira, por dificuldades financeiras desta e com vista à não paralisação da obra, a imputar posteriormente no preço da empreitada, não o constitui devedor por co-assunção ou assunção cumulativa de dívida relativamente aos demais fornecimentos necessários à conclusão da obra (art.º 595.º, n.º 1, alín. b) e 2, do CC).
Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                       

            I. Relatório

            “A..., Lda.” propos, no 4.º Juízo Cível de Viseu, acção com forma de processo especial para cumprimento de obrigação pecuniária contra B... e mulher C..., com vista à condenação solidária de ambos no pagamento da quantia de € 10.008,95, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de € 601,09 e nos vincendos até efectivo e integral pagamento.

            Alegou, para tanto, em resumo, ter fornecido à firma F..., Lda.” granitos para construção de uma obra dos RR., assumindo o R. marido perante si a obrigação do respectivo pagamento se essa sociedade o não fizesse, como não fez de forma integral relativamente a uma factura (n.º 5811), no valor de € 13.777,93, de que apenas pagou a importância de € 2.500,00, pagando o R. o diferencial (€ 11.277,00), nada mais este pagando das demais facturas emitidas e porque aquela firma da demais quantia entregue (€ 1.684,83) pagou a factura n.º 633 (€ 246,09) e parte da 6227, estão os RR. em dívida da quantia objecto da petição inicial.

            Citados, contestaram os RR., fundamentalmente e com interesse negando a co-assunção da dívida, antes, face às dificuldades financeiras da empreiteira “ F..., Lda.” e a pedido desta e sob pena de paragem das obras, pagaram à A. a importância de € 11.277,00 correspondente a uma das facturas, quantia essa a abater no preço final da empreitada, nada tendo que ver com o contrato de fornecimento entre a A. e essa sociedade, jamais se tendo responsabilizado pelo pagamento de todas e quaisquer quantias em dívida pela empreiteira, só sendo contra si proposta a acção dado o estado de inactividade e insolvência técnica dessa firma.

            Concluíram pela improcedência da acção e consequente absolvição do pedido.

            Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença a julgar improcedente a acção e absolver os RR. dos pedidos.

            Inconformada, recorreu a A., apresentando alegações, rematadas com as seguintes úteis conclusões:

1. Existe oposição entre os factos dados como provados no ponto 13 e os factos dados como não provados no parágrafo 13 da sentença, no que se refere à alegada intenção do apelado ao efectuar os pagamentos para supostamente impedir o empreiteiro de os utilizar para outros fins;

2. Existe oposição e contradição entre a matéria de facto dada como provada no ponto 22 e 28 dos factos dado como provados, no que se refere à data em que a sociedade empreiteira abandonou a obra, o que gera a nulidade da sentença;

3. Não se encontra fundamentada na prova produzida, testemunhal e documental, a matéria de facto dada como provada no ponto 5 da sentença;

4. Não se encontra fundamentada na prova a matéria de facto constante do ponto13 dos factos dados como provados no que se refere à alegada intenção do apelado ao proceder ao pagamento à apelante, no sentido de impedir o empreiteiro de utilizar o dinheiro para outro fim;

5. Também a matéria de facto dada como provada no ponto 16 dos factos provados “ … e a solicitação deste …”, bem como no ponto 17 “… por ordem… da sociedade empreiteira”, não se encontram fundamentadas na prova indicada na sentença sob censura;

7. Aliás, consta das declarações apostas pela sociedade empreiteira na cópia do cheque de fls. 52, precisamente o contrário “Autorizo este pagamento à A...”, ou seja, consta uma autorização, e não, uma ordem;

8. Os factos dados como não provados identificados nos pontos 1 a 11 da motivação deveriam ter sido dados como provados pelo tribunal a quo;

9. Não só resultam dos meios de prova indicados na motivação, como são subsumíveis do comportamento dos apelados;

10. Para além de um conjunto de factos inclusive dos dados como provados que são subsumíveis da prova documental e testemunhal que indiciam e provam o invocado acordo de assunção de dívida, tais como:

a) Os pagamentos efectuados pelo apelado marido, com dois cheques pessoais, nomeadamente o primeiro de fls. 15 entregue no momento da entrega da mercadoria, conforme resulta dos factos dados como provados nos pontos 15 e 18;

b) O inegável interesse real e objectivo dos apelados em assumirem pessoal e solidariamente com a sociedade empreiteira o pagamento, por forma a permitirem a continuação dos fornecimentos do granito e consequente continuação e prosseguimento da sua obra, conforme resulta da parte final dos factos dado como provados no ponto 17;

c) A falta de solvabilidade e dificuldades económicas da sociedade empreiteira, conforme documento de fls. 10 e factos dados como provados no ponto 8 e 14;

d) Que culminaram na sua inactividade económica conforme resulta dos factos dados como provados no ponto 34;

e) O fornecimento e entrega da mercadoria constante do documento de fls. 11, foi efectuado após o abandono da obra por parte da sociedade empreiteira e antes da carta remetida pelo apelado a resolver o contrato;

g) A contagem final da obra após ter sido abandonada pelo empreiteiro e resolvido o contrato levada a cabo após o envio da carta de resolução do contrato por parte dos apelados, através do legal representante da apelante e apelado marido;

11. Todos estes indícios apontam no sentido da assunção cumulativa de dívida que o tribunal “a quo” não analisou correctamente;

12. Tais indícios e comportamentos são fundamentais para se aferir da vontade das partes, tendo em conta que, no caso sub judice, o acordo foi verbal, sendo certo que, a assunção de dívida não está sujeita ao princípio da consensualidade;

13. Tais factos e indícios permitem ao Tribunal “ad quem”, no âmbito dos seus poderes de cognição em matéria de facto, concluir no sentido de que o comportamento do apelado revela em inequívoco – art. 217.º, nº 2 do Cód. Civil – um acordo constitutivo de contrato de assunção de dívida a que se refere o art. 595.º, nº 1 al. b) do Cód. Civil;

14. O comportamento do apelado de se eximir ao pagamento após criar na apelante a confiança pela aparência que se assumia como devedor solidário é subsumível à figura do abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium” que é de conhecimento oficioso;

15. Assim, como existiria sempre uma situação de enriquecimento sem causa por parte dos apelados que, a título subsidiário, foi invocado pela apelante e que o tribunal não se pronunciou, o que configura omissão do dever de pronúncia, a gerar nulidade da sentença;

16. O disposto no art.º 767.º do Cód. Civil envolve as situações em que a dívida é transmitida a terceiro, como acontece no caso da assunção prevista no art. 595.º do Cód. Civil.

17. Não se pode daí extrair, como faz o tribunal a quo que, por norma, o terceiro não é devedor;

18. Assim, a sentença sob censura violou, entre outros, o disposto nos art.ºs 334º, 473.º, 595.º e 767.º todos do Cód. Civil e nº 2 do art. 660.º, nº 1 al. d) do art. 668.ºambos do CPC, impondo-se a substituição da sentença por decisão que julgue procedente a acção e condene os apelados a pagar à apelante o valor peticionado.

Houve lugar a resposta, no sentido da confirmação do decidido.

Cumpre decidir, sendo questões a apreciar:

a) – As nulidades de sentença;

b) – A impugnação (modificabilidade) da matéria de facto;

c) – O abuso de direito;

d) – O enriquecimento sem causa;

e) – A co-assunção de dívida.


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II. Fundamentação

II. 1. De facto

A) - A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

1. A Autora é uma sociedade comercial que tem por objecto o corte, transformação e venda de inertes, tais como: granitos, mármores e outras pedras ornamentais;

2. Os Réus adjudicaram à sociedade comercial “ F..., Lda.” a construção de uma casa de habitação no lugar do ..., concelho de Viseu, completamente pronta a habitar, através de um contrato de empreitada reduzido a escrito no dia 23 de Março de 2009;

3. Nos termos daquele contrato incumbia à sociedade construtora e empreiteira fazer a moradia com revestimentos exteriores, fachadas em granito bujardado de 15 x 40 de espessura e com juntas de 3 cm, cunhais de 50 x 20 cm e pilares igualmente bujardados, designadamente;

4. No âmbito da execução daquele contrato de empreitada, a Autora foi contactada pelo empreiteiro para proceder ao fornecimento à referida sociedade dos granitos para aplicar na mencionada obra dos Réus, invocando a existência de um contrato de empreitada entre ambos;

5. O pagamento desses fornecimentos seria feito pela referida sociedade “ F..., Lda.”;

6. A Autora efectuou vários fornecimentos/venda com a entrega junto da obra de quantidades várias de granito amarelo, tais como, placas para revestimento, pilares, entre outros, cujas quantidades, preços e características esta apurou nos documentos contabilísticos denominados facturas a saber:

a) Factura n.º 5811, datada de 27.04.10, no valor de € 13.777,93;

b) Factura n.º 6227, datada de 29.07.10, no valor de € 11.130,06;

c) Factura n.º 6228, datada de 29.07.10, no valor de € 317,63;

d) Factura n.º 6333, datada de 02.09.10, no valor de € 246,09.

7. Todos os materiais constantes das referidas facturas foram aplicados na obra dos Réus;

8. A sociedade comercial empreiteira tinha graves problemas financeiros.

9. E foi atrasando os pagamentos de alguns fornecimentos de granitos feitos pela Autora;

10. Esta, por volta do mês de Abril de 2010, recusou continuar a fornecer as pedras de granito se não lhe fosse entregue pela “ F..., Lda.” algum dinheiro relativo a esses fornecimentos;

11. Esta última contactou telefonicamente o Réu marido e pô-lo ao corrente das dificuldades financeiras porque passava e da previsível paragem da obra devido à suspensão dos fornecimentos de pedra pela Autora caso não lhe fossem entregues alguns dinheiros dos granitos já fornecidos e assentes na obra;

12. Aquela sociedade empreiteira e o Réu marido acordaram, então, em este último adiantar àquela cerca de € 11.277,00 destinados à liquidação da factura da Autora n.º 5811, de 27.04.2010;

13. Dinheiro esse que seria abatido pela empreiteira “ F..., Lda.” ao valor da adjudicação da obra constante do contrato de empreitada referido e entregue directamente pelo Réu marido à Autora, para impedir que a empreiteira o utilizasse para outros fins;

14. A sociedade empreiteira limitou-se a entregar € 2.500,00;

15. O Réu marido no dia 27.04.2010 entregou em mão ao sócio-gerente da Autora, Sr. H..., o cheque sacado sobre a sua conta pessoal junto do J... , com n.º 4214461732, no montante de € 6.000,00, pré-datado para 30.04.2010;

16. Tendo-o feito na presença do sócio-gerente da empreiteira “ F..., Lda.”, Sr. G..., e a solicitação desta;

17. O Réu marido pagou aquele valor à Autora por ordem e com a autorização da sociedade empreiteira e como forma de resolver o pagamento desta à Autora, permitindo com essa conduta que a Autora continuasse a fornecer à sociedade empreiteira o granito necessário para a edificação da moradia;

18. Em 14-05-10, este através de cheque pessoal com o n.º 4214462217, sacado sobre a sua conta pessoal, efectuou a entrega de mais € 5.277,00, acabando por liquidar o valor da factura n.º 5811;

19. Em ambos os casos foram emitidos pela Autora à “ F..., Lda.” os competentes recibos de quitação dessas quantias;

20. Perante as entregas referidas por parte do Réu marido, a Autora continuou a fornecer a referida obra;

21. Os Réus são emigrantes em França e não acompanharam directamente a construção da obra;

22. A “ F..., Lda.” não cumpriu os prazos de construção contratados e abandonou a construção da moradia em Junho de 2010, não mais tendo regressado à obra ou feito ou mandado fazer nela quaisquer trabalhos ou serviços;

23. O que fez com que os Réus tivessem resolvido o contrato de empreitada, através de carta registada com aviso de recepção enviado àquela sociedade em 26 de Agosto de 2010 e por ela recebida no dia seguinte;

24. Após os fornecimentos, e resolvido o contrato de empreitada que tinham celebrado com a empreiteira “ F..., Lda.” os Réus adjudicaram à sociedade comercial “I...., Lda.” a conclusão da mesma moradia, através de contrato de empreitada reduzido a escrito em 07.12.2010;

25. Continuando a Autora a fornecer o granito para a moradia a esta nova sociedade empreiteira;

26. A sociedade essa que acabou por liquidar à A. a quantia de € 1.684,83, referente a parte do material descrito na factura n.º 6227 e liquidação integral da factura n.º 6333;

27. Tendo a A. emitido à sociedade construtora F..., Lda., a nota de crédito n.º 336 de 25-05-11;

28. Após a sociedade empreiteira “ F..., Lda.” ter abandonado a construção da moradia dos Réus, por volta do mês de Dezembro de 2010 o sócio-gerente da Autora, Sr. H ..., acompanhado do Réu marido procederam à mediação da pedra e contagem dos pilares fornecidos até essa altura;

29. As medições foram apontadas numa folha pelo sócio-gerente da Autora que, depois entregou ao Réu marido uma cópia das mesmas com os respectivos valores, feitos pelo seu próprio punho;

30. Só existe na obra um pilar com as dimensões 1.30 x 0,40 x 0,40;

31. O pilar (€ 203,38 + IVA a 23%), bem como a quantia relativa a 14,580 m2 de granito amarelo cortado a 15 cm (1.166,40 + IVA a 23%) voltaram a ser debitados à “ I ..., Lda.”, após a emissão da nota de crédito a favor da “ F..., Lda.”;

32. O que foi contratado entre o Réu marido e a sociedade empreiteira “ F..., Lda.” foi que tanto o revestimento em granito, como os pilares seriam bujardados, e não facetados a areia, como se encontram actualmente na obra;

33. Após o corte da pedra existem desperdícios, originando que a medição final em obra seja inferior às quantidades objecto de facturação;

34. A sociedade comercial – “ F..., Lda.” – encontra-se actualmente inactiva, sem qualquer actividade industrial e não possui qualquer património que possa servir de garantia à A;

35. Os fornecimentos/vendas foram efectuados para a construção da futura casa de morada de família de ambos os Réus;

36. Com o conhecimento da Ré mulher, quer quanto aos fornecimentos, quer quanto aos pagamentos efectuados pelo R. marido que saíram da conta bancária titulada por ambos, com o seu consentimento e autorização, e em proveito comum de ambos.


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B) - E deu como não provados os seguintes factos:

a) - A Autora foi contactada pelo Réu marido, para proceder ao fornecimento à “ F..., Lda.” dos granitos para aplicar na obra dos Réus, invocando a existência de um contrato de empreitada entre ambos;

b) - Foi-lhe comunicado pela Autora que esta não faria fornecimentos a crédito à referida sociedade, uma vez que a referida sociedade não oferecia solvabilidade, pois, tinham conhecimento através de outras empresas, que a mesma tinha várias situações de débitos em atraso para com outros fornecedores;

c) - Pelo que foram informados pela A. que só aceitariam fornecer a obra dos Réus mediante prévio sinal e pagamento no acto de entrega da mercadoria;

d) - Perante tal situação, veio o Réu marido junto da Autora solicitar que fossem efectuados os fornecimentos a crédito dos granitos necessários que fossem solicitados pela empreiteira para a sua obra, tendo-se este comprometido e assumido expressamente pagar todos esses fornecimentos/vendas da A., caso a empreiteira o não fizesse e que deduziria o valor que viesse a pagar à Autora à empresa construtora;

e) - Foi contudo solicitado que as vendas deveriam ser facturadas em nome da sociedade construtora;

f) - O R. marido entregou ainda junto da A. cópia de uma declaração assinada pela sociedade “ F... Lda.”, em que esta aceitaria que fosse deduzido no valor do contrato de empreitada celebrado entre ambos os valores que este viesse a pagar à A;

g) - Perante o compromisso assumido pelo R. marido de pagamento dos fornecimentos necessários à sua obra e tendo em conta que este gozava, à data, de bom crédito, a A. aceitou fornecer os granitos para a sua obra, sem exigir o pagamento a pronto;

h) - Os fornecimentos de granito foram efectuados em conformidade com tal acordo;

i) - Os pagamentos efectuados pelo réu marido foram efectuados em face do acordo assumido por este junto da A;

j) - Perante a assunção de pagamento, a Autora continuou a fornecer a referida obra;

l) - No decurso da construção da aludida moradia a sociedade comercial empreiteira começou a ter graves problemas financeiros;

m) - O réu marido entregou o cheque no valor de €5.277,00 à Autora na presença do sócio-gerente da firma “ F..., Lda.”;

n) - O dinheiro adiantado pelo réu marido foi pago directamente à Autora, para impedir que a empreiteira o utilizasse para outros fins;

o) - A nova sociedade comercial construtora da obra, “ I ..., Lda.” solicitou ao Réu marido e à Autora que fossem medir toda a pedra e contar os pilares colocados até essa data na moradia, de modo a que no futuro não restassem dúvidas quanto à pedra fornecida pela Autora à dita “ F..., Lda.” e não houvesse confusão com outra que viesse a fornecer à nova sociedade empreiteira;

p) - A medição da pedra e contagem dos pilartes foi efectuada na presença também de alguns trabalhadores da “ I ..., Lda.”;

q) - A decisão de medir a obra deveu-se também ao pedido do Réu tendo em conta o compromisso de pagamento assumido por este antes dos fornecimentos por forma a determinar-se em concreto, nessa data, o valor a liquidar pelo mesmo antes da realização de quaisquer outros trabalhos e ou fornecimentos;

r) - Não foram colocados na obra 41.399 m2 de pedra de granito amarelo cortada a 15cm;

s) - Houve pedra facturada a mais;

t) - A “ I ..., Lda.” pagou duas vezes a quantia relativa ao pilar (€ 203,38 + IVA a 23%), e a quantia relativa a 14,580 m2 de granito amarelo cortado a 15 cm (1.166,40 + IVA a 23%);

u) - As horas de trabalho descritas na factura nº6228 a título de corte de várias pedras resultaram de acertos e ajustamentos nas pedras que foram fornecidas mal cortadas e apresentam defeitos face ao ajustado e contratado entre a Autora e a “ F..., Lda.”;

v) - As pedras que foram fornecidas à sociedade comercial e empreiteira da moradia “ F..., Lda.” com o corte a 20 cm e a 35 cm não constam do contrato de empreitada celebrado entre o Réu marido e aquela firma;

x) - Existiram acesas discussões entre o réu marido e o sócio-gerente desta a propósito do revestimento do granito;

z) - As pedras de granito caso fossem bujardadas teriam um custo inferior em pelo menos 15 € por metro quadrado;

aa) - O primeiro fornecimento de pedra da Autora para a obra ocorreu em Abril de 2010, sendo que antes não havia sido efectuado qualquer fornecimento;

bb) - Tendo em conta que o acabamento em jacto de areia era mais rápido e tendo em conta a urgência manifestada pelo Réu marido na conclusão da obra, por sugestão da Autora e com a autorização do Réu marido, este aceitou que o acabamento fosse efectuado através de jacto de areia.


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            II. 2. De direito

            Quanto à 1.ª questão, das nulidades de sentença, as causas de tal vício estão enunciadas no art.º 668.º do CPC (como os demais que sem origem se mencionarão).

            E porque esse elenco é taxativo, aí não tem qualquer guarida a alegada oposição entre a matéria de facto provada e entre esta e a não provada, patologia que, a coberto do vício da contradição, tem o seu enquadramento legal no n.º 4 do art.º 712.º.

            Quanto à omissão de pronúncia no que tange ao enriquecimento sem causa (alín. d) do n.º 1 daquele normativo), invocado na acta de audiência de discussão e julgamento de fls. 83 (embora à margem de qualquer preceito processual, dado que se tratou de ampliação da causa de pedir sem que a acção suporte réplica – art.º 273.º, n.º 1)) e com fundamento em que, encontrando-se a pedra fornecida pela A. aplicada em casa dos RR. e não assumindo estes o seu pagamento enriqueceram à sua custa, o seu conhecimento desde logo ficou prejudicado dada a conclusão obtida na sentença de que não era sobre os RR. que impendia o seu pagamento, mas à construtora empreiteira “ F..., Lda.”, e o pagamento que aqueles fizeram por esta (pagamento por conta) seria imputado no preço estipulado no contrato de empreitada celebrado entre esta e os RR.

            Assim sendo e atento ainda o disposto na 1.ª parte do n.º 2 do art.º 660.º, indeferem as nulidades arguidas.


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            2. Quanto à impugnação da matéria de facto, de acordo com o disposto no n.º 1 alín.s a) e b) do art.º 712.º a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a facticidade pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art.º 685.º-B, a decisão com base neles proferida e se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.

            Dir-se-á que, face ao valor da causa, o n.º 3 do art.º 3.º do regime instituído pelo DL n.º 269/98, de 1.9, facultava às partes requerer a gravação da audiência e não o fizeram.

            Por outro lado, alerte-se que, de acordo com o que se consignou no preâmbulo do DL n.º 39/95, de 15.2, “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”, mais acrescentando que “o objecto do 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a relação, mas, mais singelamente, a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento, o que atenuará sensivelmente os riscos emergentes da quebra da imediação na produção da prova (que, aliás, embora em menor grau, sempre ocorreria, mesmo com a gravação em vídeo da audiência”.

            Acresce que, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas (art.º 655.º, n.º 1) nada impede que o juiz tome em consideração o depoimento de testemunhas para lá da matéria a que as partes as indicaram e, não sendo gravado os respectivos depoimentos, o tribunal superior desde logo está impedido de os sindicar e inflectir o juízo alcançado pela 1.ª instância com base neles.

            À luz deste quadro legal vejamos, então, a concreta impugnação da matéria de facto.

            Desde logo, quanto à contradição entre o ponto 13 da matéria de facto provada da sentença e o ponto não provado do 13.º parágrafo do respectivo elenco, é conhecida e respeitada a jurisprudência uniforme de que não pode haver vício, vg., de obscuridade ou contradição, entre uma resposta positiva e outra negativa, dado que quanto a esta tudo se passa como se alegação não houvesse.

            Ainda assim se dirá que o pressuposto de uma e outra resposta é diverso: naquele ponto, o dinheiro correspondente à quantia de € 11.277,00 destinada à liquidação da factura da A. (…), como se provou, e, naquele parágrafo, o cheque no valor de € 5.277,00 (…), que se não provou, pelo que a conclusão não tinha (não podia) que ser a mesma!

            Não há, portanto, contradição.

            Quanto à matéria dos pontos 22 e 28 da mesma peça processual, contradição também não há quanto à data do abandono da construção da obra pela firma empreiteira, que ocorreu, como aí se indica, em Junho de 2010, sendo que a indicação da data de Dezembro de 2010 não é reportada ao abandono, mas, manifestamente, à medição da pedra.

            Uma vírgula, aí, cumpriu a sua missão…

            Prosseguindo, quanto à falta de fundamentação, fosse do ponto 13, fosse do 5, do 16 ou do 17, à falta do registo da prova testemunhal e atenta a natureza particular dos diversos documentos a que o tribunal se ateve e face ao quadro legal exposto e porque bastante a fundamentação (cujo vício não constitui nulidade, mas reenvio do processo para a devida fundamentação – n.º 5 do art.º 712.º), nada se impõe determinar.

            Quanto à matéria dada como não provada, recortada pela recorrente e por si alegada, a mesma constitui a versão que enformou a causa de pedir do contrato de co-assunção de dívida pelos RR., contrária àqueloutra, provada, excludente, da negação de tal acordo contratual.

            Porque desde logo a recorrente não demonstra de forma alguma a incorrecção do julgamento, nem os concretos meios probatórios que imponham decisão diversa, repetindo-se não ter havido gravação dos depoimentos produzidos (art.º 685.º-B, n.ºs 1 e 2), sendo o que se apoda de “indícios” (v. g. o pagamento pontual do R. com cheques pessoais, o seu interesse real, ou que houvesse fornecimentos após abandono da obra pela empreiteira, sabido que por norma este é um processo gradual, ou da posterior medição que foi feita do granito fornecido…) não basta para modificar a factualidade dada como provada, as regras da experiência no respeitante à facturação em nome da firma empreiteira e dos respectivos recibos de quitação apontam para a versão que obteve vencimento: a de que os RR., se bem que adiantando o pagamento de uma parte dos fornecimentos por conta do preço final da empreitada, para a obra então não parar, não pode concluir-se terem assumido o compromisso do pagamento dos demais fornecimentos à firma empreiteira.

            Há a acrescentar terem sido desvalorizados os depoimentos das testemunhas D... e E... , trabalhadores da A., de que ouviram do R. que pagaria se a empreiteira não pagasse, por não apuramento das circunstâncias concretas em que tais afirmações teriam sido proferidas (poderiam reportar-se aos pagamentos efectuados – acrescentamos nós), sem que melhores elementos probatórios a recorrente aduza no sentido da sua confirmação.

            Em suma, mantém-se incólume o elenco dos factos provados na sentença recorrida.


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            3. Quanto ao abuso de direito, na modalidade do venire contra factum proprium (art.º 334.º do CC), o que com ele se tutela é a confiança induzida noutrem por determinado comportamento, que aqui poderia equacionar-se ser a assunção cumulativa da dívida e sua posterior negação após fornecimento dos produtos, afrontando-se o princípio da boa fé.

            Crê-se, contudo, que a hipótese assim posta não passaria de vulgar incumprimento contratual, mas porque não provada a respectiva factualidade pela base cai a excepção.


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            4. Quanto ao enriquecimento sem causa, para lá exposto, são seus requisitos (art.º 473.º):

            a) – Um enriquecimento;

            b) – Que esse enriquecimento não tenha causa que o justifique;

            c) – Que seja obtido à custa do empobrecimento de quem pede a restituição;

            d) – Que não haja um outro acto jurídico entre o acto gerador do prejuízo e a vantagem obtida pelo enriquecido.[1]

            A par disso e nos termos do art.º 474.º do CC o instituto tem carácter subsidiário, desde logo não sendo aplicável (et pour cause) se para tutela do direito houver a possibilidade de uso de acção para se exigir o cumprimento contratual.

            O autor só pode socorrer-se de da acção de locupletamento quando não possa socorrer-se de qualquer outra acção.[2]

            Ora, da factualidade apurada decorre a falência de todos esses pressupostos. Nem há enriquecimento porque os materiais fornecidos pela firma empreiteira (como em princípio assim sempre ocorre nos contratos de empreitada – art.º 1210.º, n.º 1 do CC) tiveram, o seu sinalagma no preço pago (ou eventualmente a pagar pela empreitada), nem que não tenha causa (precisamente esse contrato), ou que o enriquecimento fora obtido à custa da vendedora de tais produtos que os negociou com terceiro, ou seja, aquela firma, de quem deverá exigir a sua prestação (pagamento).


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            5. Quanto à co-assunção de dívida, dispõe o n.º 1, alín. b), do art.º 595.º do CC que a transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor e, o n.º 2, que, em qualquer dos casos, a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor, de contrário o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado.

            Como é sabido, a assunção de uma dívida consiste no acto pelo qual um terceiro (assuntor) se vincula perante o credor a efectuar a prestação devida por outrem.

            A ideia que lhe está subjacente é a da transparência da dívida do antigo para o novo devedor, mantendo-se a relação obrigacional.

            Se o antigo devedor fica exonerado, a assunção diz-se liberatória e se a responsabilidade do novo devedor se junta à do anterior, que continua vinculado, a assunção diz-se cumulativa ou co-assunção de dívida.[3]

            Ora, da factualidade assente não resulta que os RR. se houvessem obrigado perante a A. a efectuar a prestação devida pela firma empreiteira. Simplesmente, em relação a uma das facturas, adiantaram dinheiro por conta do preço da empreitada, face às dificuldades financeiras por que a construtora passava e isto de forma a não paralisarem as obras por falta de materiais.

            Os RR. não se constituíram assim devedores da A., devedora sendo a firma empreiteira.

            Dir-se-á que efectuaram o pagamento a coberto do disposto no art.º 767.º do CC que permite que a prestação possa ser feita tanto pelo devedor, como por terceiro com interesse, ou não, no cumprimento da obrigação.

            E, assim tendo decidido a sentença recorrida, mister é seja confirmada, soçobrando todas as conclusões recursivas.


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            III. Sumariando (n.º 7 do art.º 713.º do CPC)

            - O pagamento pelo dono da obra de parte do preço de materiais fornecidos, de da responsabilidade da firma empreiteira, por dificuldades financeiras desta e com vista à não paralisação da obra, a imputar posteriormente no preço da empreitada, não o constitui devedor por co-assunção ou assunção cumulativa de dívida relativamente aos demais fornecimentos necessários à conclusão da obra (art.º 595.º, n.º 1, alín. b) e 2, do CC).


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            IV. Decisão

            Face ao exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.

            Custas pela apelante.


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Francisco Caetano (Relator)
António Magalhães
Ferreira Lopes


[1] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, I, pág. 454.
[2] Moitinho de Almeida, “Enriquecimento Sem Causa”, 2.ª ed., pág. 80.
[3] Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 3.ª ed., pág. 571.