Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
259/16.1T8PBL.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA
FUNDO DE RESOLUÇÃO
PESSOA COLECTIVA DE DIREITO PÚBLICO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
COLIGAÇÃO
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 06/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - POMBAL - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.4 Nº1 G) ETAF, 145 G RGICSF, LEI Nº 267/2007 DE 31/12, ARTS. 99, 2509, 590 CPC
Sumário: 1.- A competência do tribunal em razão da matéria afere-se de harmonia com a relação jurídica controvertida, tal como definida pejo autor no que se refere aos termos em que propõe a resolução do litígio, a natureza dos sujeitos processuais, a causa de pedir e o pedido.

2.- A regra básica da atribuição de competência aos tribunais administrativos é a da apreciação de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas.

3.- Sendo o Fundo de Resolução, detentor do capital do Novo Banco, uma pessoa coletiva de direito público, cuja atividade se encontra regulada no RGICSF e seus regulamentos (normas de direito administrativo), onde se estabelece a disciplina de relações jurídicas administrativas, a sua eventual responsabilidade é competência exclusiva dos tribunais administrativos.

4.- Em função do disposto no art. 99º NCPC (efeito da incompetência absoluta) -, “a instância, embora se inicie com a propositura da ação, apenas se aperfeiçoa, como dispõe o art. 259-2, com a citação do réu. Assim, se o processo comportar despacho liminar e o juiz, ao proferi-lo, julgar o tribunal absolutamente incompetente, a petição inicial é liminarmente indeferida, nos termos do art. 590-1, pois não faria sentido a absolvição da instância dum réu perante o qual a propositura da ação ainda não houvesse produzido efeito.

5.- Não comportando o processo despacho liminar ou, comportando-o, não tendo o juiz nele conhecido da incompetência, o conhecimento desta em momento posterior ao da citação do réu dá lugar à absolvição da instância.

6.- A incompetência material dos tribunais judiciais para conhecer do pedido formulado contra o Fundo de Resolução estende-se aos demais Réus, BES e Novo Banco, por aplicação da norma do art. 4º/2 do ETAF, pois que o Recorrente formulou na respectiva petição inicial um pedido de condenação solidária de todos os Réus e, nos termos da referida norma, é a componente jurídico-pública deste litígio que se propaga à totalidade do respectivo objecto, atribuindo-a aos tribunais da jurisdição administrativa.

Decisão Texto Integral:



Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

C (…) interpôs o presente recurso interposto da sentença notificada em 17-02-103 2017 que julgou:

“(…) procedente a exceção dilatória de incompetência absoluta  em razão da matéria do Juízo Cível da Instância Local de Pombal para conhecer do pedido formulado pelo Autor C (…) e, em consequência, abstenho-me do conhecimento do mérito da causa e absolvo os Réus “Banco Espírito Santo, S.A., Novo Banco S.A. e Fundo de Resolução da Instância”,

alegando e concluindo que:

            (…)


*

FUNDO DE RESOLUÇÃO, Recorrido no processo à margem identificado, tendo sido notificado das alegações de recurso de apelação interposto pelo Autor C (…) – não tendo sido, entretanto, homologada a desistência, apresentada pelo Autor no requerimento de interposição do respectivo recurso, do pedido contra si formulado – veio, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 638º/5 do Código de Processo Civil, apresentar as suas contra-alegações, por sua vez, alegando e concluindo que:

(…)

*

II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa as que constam do elemento narrativo dos Autos.

*

Nos termos do art. 635º do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608°, do mesmo Código.

*

Das conclusões, ressalta as seguintes questões elencadas, na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz:

a.    Como questão prévia, perfila-se a seguinte:

Não obstante o Tribunal a quo não tenha homologado a desistência do pedido formulada pelo Autor no requerimento de interposição de recurso, ela constitui um acto processual inequivocamente contraditório com a vontade de recorrer, justificando-se, portanto, que seja relevada por este Tribunal, nomeadamente para os efeitos do art. 632º/3 do CPC.

Apreciando, diga-se que a aceitação, expressa ou tácita, da decisão, depois de proferida e notificada às partes ou delas conhecida, tem efeitos equiparados à renúncia ao direito a recorrer. Impede, pois, a interposição do recurso, extinguindo o direito processual em causa. A aceitação expressa não suscita especiais dificuldades (devendo, claro, ser interpretada como qualquer declaração de vontade: art. 236 CC); a aceitação tácita tem de derivar da prática de qualquer facto "inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer" (no CPC de 1939, a expressão equivalente era a de "prática, sem reserva alguma, de um facto incompatível com a vontade de recorrer").

A restrição do recurso a uma parte das decisões desfavoráveis, seja no requerimento de interposição, seja nas conclusões da alegação, implica, em regra, a aceitação tácita da parte não impugnada (TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos cit., p. 386) (Cf. José Lebre de Freitas/Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Tomo I, 2ª Edição, 2008, p. 32).

Circunstancialmente, em termos de matriz processual assumida pelo recorrente, tal qual os Autos evidenciam, e como

 

“pode(ndo) ver-se pelo nº I do requerimento de interposição de recurso, de 6 de Março de 2017, o Autor veio desistir do pedido de condenação formulado contra o Fundo de Resolução, sustentando que "[n]ão considera [. .. ] fundamental para o prosseguimento dos autos, nem condição do seu pedido formulado contra o R. BES, a presença do R. Fundo de Resolução nos mesmos".

Sucedendo, no entanto, e não obstante, que (o Autor) acaba por recorrer (cf. nº II do mesmo requerimento) da sentença do Tribunal a quo, inclusivamente na parte que respeita à absolvição da instância do Fundo de Resolução”.

Ou seja, o A. “maius dixit, quam voluit”, ao pretender colher efeitos (reactivos face à decisão proferida), neste específico tempo e modo processual, de internalidades adjectivas diferenciadas e incompatíveis (negativa, no que respeita à velada “desistência do pedido de condenação formulado contra o Fundo de Resolução, sustentando que "[n]ão considera [. .. ] fundamental para o prosseguimento dos autos, nem condição do seu pedido formulado contra o R. BES, a presença do R. Fundo de Resolução nos mesmos”; positiva, “recorrendo (cf. nº II do mesmo requerimento) da sentença do Tribunal a quo, inclusivamente na parte que respeita à absolvição da instância do Fundo de Resolução”.

O que traduz um evidenciado impossível categórico, em função do próprio texto actual do art. 632º (perda do direito de recorrer e renúncia ao recurso) (que) reproduz o anterior art. 681.°, tendo acrescentado, na parte final do n.º 5, o inciso "até à prolação da decisão", o que clarificou o termo final quanto à desistência do recurso.

A liberdade de desistência do recurso mediante simples requerimento - regra que já constava do anterior art. 681.° - sofreu, deste modo -, no novo texto, uma limitação relevante, uma vez que só pode ter lugar "até à prolação da decisão", evitando-se, assim, que o recorrente, ao ver “agravada” a sua situação em resultado do recurso, só viesse desistir após ter tido conhecimento do seu resultado, mas antes do seu trânsito em julgado, o que equivalia a manter, a final, a decisão recorrida, o que não era líquido (sobre a desistência e a renúncia ao recurso vid. CARLA BRÁS CÂMARA, Recursos em Processo Civil, em As Recentes Reformas na Acção Executiva e nos Recursos, 2010, ps. 224 e ss; também, Glosa de Abílio Neto ao art. 632º  NCPC, in Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª Edição Revista e Ampliada, Janeiro/2014, p. 771).

Esta sendo a resposta à questão configurada como pressuponente às demais, em perfil.

*

I.

R- O Tribunal a quo assenta, outrossim, a sua decisão de se julgar materialmente incompetente no facto de o pedido dirigido ao Fundo de Resolução (doravante “FdR”) não ter sido autonomizado dos demais.

S- Ora, a competência tem de se aferir pelos termos da relação jurídico-processual tal como foi apresentada em juízo, havendo que atender ao pedido e especialmente à causa de pedir, tal como o autor (aqui recorrente) o formula.

T- O fundamento dessa responsabilidade advém do facto de o FdR, enquanto entidade de direito público, ser a detentora do capital social de um banco, pelo que atua no âmbito das suas atribuições como acionista e não enquanto atribuição de direito público, que lhe estão legalmente cometidas.

U- Com efeito, o recorrente, ao invés do que o Tribunal a quo defende não foi afetada nos seus direitos pelo FdR, mas sim por decisões ou atos do Banco de Portugal.

Apreciando, sequencialmente, refira-se que a competência em razão da matéria, nomeadamente no confronto entre a jurisdição cível e a jurisdição administrativa e fiscal, constitui uma permanente fonte de litígios como o atesta a actividade desenvolvida pelo próprio Tribunal dos Conflitos, matéria esta que reclama uma urgente e mais rigorosa intervenção do legislador, que ponha termo a este estado de incerteza.

Como quer que seja, a competência em razão da matéria dos tribunais é determinada pela forma como o autor configura a acção na sua dupla vertente do pedido e da causa de pedir (Ac, STJ. de 10.4.2008: Proc. 08B845.dgsi.Net). Que o mesmo é dizer que tal competência, em razão da matéria, se impõe determinar pelo conteúdo da lide, aferir face à relação jurídica que se discute na acção, tal como o demandante a configura, seja quanto aos elementos objectivos (causa de pedir e pedido), seja quanto aos elementos subjectivos (partes) (Ac. STJ. de 10.4.2008: Proc, 08B396.dgsi.Net).

Por sua vez, as entidades públicas ou para-públicas podem exercer as suas atribuições em pleno pé de igualdade com outras pessoas físicas ou jurídicas de escopo congénere, portanto desprovidas do poder de supremacia que em princípio lhes adviria da sua qualidade de ente público  administrativo. Os actos assim praticados serão de qualificar como de "gestão privada". O verdadeiro "distinguit" - para efeitos da apreciação/avaliação de um certo acto, facto ou contrato gerador de responsabilidade civil para com terceiros numa ou noutra das categorias (gestão privada/gestão pública) reside em saber se as concretas condutas alegadamente ilícitas e danosas se enquadram numa actividade regulada por normas comuns de direito privado (civil ou comercial) ou antes numa actividade especificamente disciplinada por normas de direito público administrativo (Ac. STJ, de 17.3.2005: Proc. 05B431.dgsi.Net).

É, assim que, de acordo com as novas regras do ETAF, compete à jurisdição administrativa o julgamento das causas em que o Estado seja parte, independentemente de a relação jurídica em litígio ser regulada pelo direito privado ou pelo direito administrativo. Os tribunais comuns são, portanto, também, materialmente incompetentes para apreciar os pedidos de responsabilidade extracontratual, baseados em factos praticados por servidores do Estado (Ac. STJ, de 27.9.2007:Proc. 07B1477.dgsi.Net).

Do mesmo modo, a consideração da competência, em razão da matéria - devendo aferir-se face à relação jurídica que se discute na acção, tal como desenhada pelo autor -, atento o disposto no art. 4.° n.º 1, aI. g) do ETAF, determina competir aos tribunais da jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham por objecto questões em que, nos termos da lei, haja lugar - mesmo -, a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, quer, consequentemente, por actos de gestão pública, quer por actos de gestão privada praticados no exercício da função pública (Ac. STJ, de 25.6.2009: Proc. 1186/07.9TBVNO.C1.S1. dgsi.Net).

Sendo que, do regime decorrente do ETAF não é instituído um foro privativo para as entidades públicas, antes procurou submeter-se os litígios que envolvam estas entidades aos tribunais judiciais quando a resolução dos litígios não envolva a aplicação de normas de direito administrativo ou fiscal ou a prática de actos a coberto do direito administrativo. Sendo a responsabilidade civil imputada, circunstancialmente, igualmente, à actuação do recorrido Fundo, relativamente à sua gestão e advindo-lhe essa incumbência da função administrativa que lhe foi confiada em vista da satisfação de interesses públicos, o litígio envolve uma situação de responsabilidade civil extracontratual de uma pessoa colectiva de direito público conexa com uma relação jurídica administrativa referente à prestação de um serviço público. Assim acontecendo, os tribunais de jurisdição administrativa são os competentes para dirimir a responsabilidade extracontratual da recorrente (Cf. Ac. STJ, de 2.7.2009: Proc. 334/09.9YFLSB.dgsi.Net).

De acordo com tais pressupostos, revela-se de perfeita adequação - perante o esquisso processual configurado pelo recorrente -, o se haver considerado, em decisório, que:

«não estamos perante um caso de natureza meramente civilista, antes perante relações jurídicas complexas que envolvem entidades públicas e normas de direito administrativo.

O Fundo de Resolução é aqui demandado, não enquanto accionista – sendo certo que gozando o “Novo Banco, S.A.” de personalidade jurídica mal se compreenderia que se demandasse o respectivo accionista, atento o disposto nos artigos 5.º e 271.º do Código das Sociedades Comerciais – mas justamente enquanto entidade, como vimos, com autonomia financeira, receitas e património próprio para prestar apoio financeiro à aplicação das medidas de resolução.

Ao ser demandado em regime de solidariedade com os demais Réus, terá necessariamente de ser apreciada a sua responsabilidade civil, sendo a exposta causa de pedir complexa, porquanto dirigida à celebração de contratos de natureza privada e à violação de normas jurídicas civis e administrativas, sendo o pedido indemnizatório fundado também quer em responsabilidade contratual quer extracontratual.

Especificamente quanto ao Fundo de Resolução, a sua responsabilidade quedar-se-á pelo domínio extracontratual, visto que nenhum contrato celebrou com o Autor e sempre por violação de normas de direito administrativo.

Ora, sendo o Réu Fundo de Resolução uma pessoa de direito público, são os tribunais administrativos e fiscais os competentes para aferir de tal eventual responsabilidade [art.º 4.º, n.º 1, alínea g), do E.T.A.F.].

Sendo pedida indemnização a suportar solidariamente por todos os Réus, não existe forma de conhecer da responsabilidade dos demais. E mesmo que houvesse, ainda assim a causa de pedir estaria irremediavelmente ligada à interpretação e validade de normas de direito público para as quais não têm os tribunais comuns competência, contrariamente aos tribunais administrativos e fiscais [a coberto do art.º 4.º, n.º 2 do E.T.A.F.].

De tudo resulta não dispor este Tribunal de competência em razão da matéria para apreciar o presente processo, circunstância que a pluralidade de Réus não impede, visto ser único o pedido formulado, com a consequente absolvição de todos eles da instância.

Ainda que assim não se entendesse e se considerasse que os pedidos são autónomos e diversas as causas de pedir consoante os Réus, o que não se concede, ainda assim teriam os mesmos que ser absolvidos da instância, porquanto haveria lugar a uma coligação ilegal (art.º 37.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).

Nesta hipótese, o Tribunal seria competente para o pedido dirigido contra os Réus “Banco Espírito Santo, S.A.” e “Novo Banco, S.A.” mas claramente incompetente em razão da matéria quanto ao pedido formulado contra o Fundo de Resolução, sufragando-se o entendimento segundo o qual sobrevém nestes casos uma coligação ilegal insuprível (neste sentido, a título meramente exemplificativo, o Acórdão da Relação de Guimarães de 11/10/2007, in www.dgsi.pt.

Ou seja, nesta conformidade apreciativa, encontra, igualmente, justificação a expressão de contraditório, assumida nos Autos e, na sua essência, reconduzida - de modo inarredável, no presente circunstancialismo - à seguinte tópica obsidiante:

«c. Sendo a responsabilidade assacada ao Fundo de Resolução uma responsabilidade extracontratual, então os tribunais competentes para o respectivo conhecimento e julgamento são os da jurisdição administrativa, nos termos da alínea f) do art. 4º/1 do ETAF, aplicável independentemente de se tratar de uma responsabilidade decorrente de um acto praticado ou de uma abstenção verificada no domínio da gestão pública ou no âmbito da gestão privada.

d. Em qualquer dos casos, e independente da qualificação que se desse à responsabilidade que o Recorrido imputa ao Fundo de Resolução, a sua suposta qualidade de “accionista único” do Novo Banco – e é esse o único fundamento invocado pelo Recorrente para demandar o ora Recorrido – é uma qualidade que sempre lhe assistiria enquanto pessoa colectiva de direito público, advindo-lhe de normas e de actos de direito administrativo, não de actos ou de normas de direito civil ou comercial.

e. Advém-lhe tal qualidade, na verdade, do art. 145º-G/4 do RGICSF e do art. 4º do Anexo 1 da Medida de Resolução do BES, de 3 de Agosto de 2014, adoptada por acto administrativo da autoria do Banco de Portugal, sendo certo que a dotação de capital dos bancos de transição, como o Novo Banco, pelo Fundo de Resolução é fruto exclusivo de um dever de capitalização que lhe impõem normas de direito administrativo (o referido art. 145º-G/4 do RGICSF).

f. Não deriva essa capitalização do Novo Banco de qualquer acto voluntário de accionista praticado pelo Fundo de Resolução ao abrigo das correspondentes normas do Código das Sociedades Comerciais.

g. Por esse motivo, o Fundo de Resolução não é, portanto – para efeitos da responsabilidade assacada pelos arts. 491º e 501º do CSC às sociedades com domínio total –, accionista único do Novo Banco, mas mero detentor do seu capital social.

h. Não lhe cabendo, nomeadamente, por exemplo, a decisão da criação do banco de transição, a aprovação dos respectivos estatutos, a nomeação dos membros dos seus órgãos sociais e a própria direcção da gestão do banco de transição, que é administrado segundo as “orientações e recomendações” do Banco de Portugal (nºs 5 e 11 do art. 145º-G do RGICSF).

i. Estando legalmente constituído no dever jurídico-público de apoio financeiro à adopção de medidas de resolução pelo Banco de Portugal, através da realização do capital dos bancos de transição.

j. Aliás, toda a sua actividade e responsabilidades se encontram extensa e exclusivamente reguladas no RGICSF, no referido art. 145º-G e nos subsequentes arts. 153º-B a 153º-U, bem como, ainda, na alínea c) do nº 1 e no nº 3 do art. 145º-B.

k. Todas as normas, citadas (…) em relação à constituição, capitalização, administração dos bancos de transição, bem como à responsabilização, nesse quadro, do Fundo de Resolução, são manifesta e tipicamente normas de direito administrativo, estabelecendo-se nelas, e nos actos jurídicos concretos praticados ao seu abrigo, a disciplina de relações jurídico--administrativas em que simples particulares não podem estar constituídos – isto é, a disciplina de relações jurídicas das quais são sujeitos únicos e obrigatórios o Fundo de Resolução (o Banco de Portugal) e os bancos de transição.

l. Subsumindo-se, por tudo, a parte do presente litígio que respeita à alegada responsabilidade do Fundo de Resolução pela satisfação do suposto direito de crédito da Autora, enquanto detentor do capital social do Novo Banco, nas alíneas a) e f) do art. 4º/1 do ETAF e, em todo o caso, sempre na respectiva alínea o) [também, na alínea f) do art. 2º/2 do CPTA]».

Desta forma, pois que a coligação continua a exigir, como pressuposto em caso algum inultrapassável, que o tribunal seja absolutamente competente para todos os pedidos cumulados (art. 31.º-1). «Assim, a coligação (só) não é admissível se o tribunal não for material, hierárquica e internacionalmente competente para apreciar todos os pedidos coligados (…). Releva para essa solução que a coligação (passiva) contém uma pluralidade de partes (demandadas)» (M. TEIXEIRA DE SOUSA, As Partes, O Objecto e a Prova na Acção Declarativa, 1995, pág. 91), circunstancialmente, sem nenhum tipo de perturbação processual.

Continuando, do mesmo modo, a dever ponderar-se um dos principais inconvenientes da excessiva proliferação de processos (paralelos ou) especiais - a impossibilidade de cumular na mesma causa pretensões substancialmente conexas, por motivos da incompatibilidade (vg) das formas de processos que lhes cabem - mostra-se sensivelmente atenuado com a afirmação do princípio da adequação e o consequente reconhecimento ao juiz de admitir aquela cumulação, sempre que a tramitação processual correspondente aos vários pedidos se não revele totalmente incompatível e haja efectivas vantagens (ou necessidade) de operar um julgamento conjunto.

Tudo para significar, pois, que o critério para a atribuição da competência material aos tribunais administrativos, é o litígio fundar-se numa relação jurídico-administrativa, por a esta se aplicarem normas de cariz administrativo e/ou, na acção, ser parte entre público que actue ou invoque poderes de "jus imperii'' que o coloquem numa posição de superioridade. Em casos de dúvida ou de fronteira, deve atribuir-se a competência ao tribunal que, perante a natureza da causa petendi, do pedido e das demais circunstâncias do caso, esteja em melhor posição para, presumivelmente, decidir com maior celeridade, eficácia e propriedade (Ac. RC, de 20.6.2012: Proc. 486/11.8TBCTB-B.C1.dgsi.Net). Como na relação configurada nos Autos.

Sendo esta a resposta às questões em I.

II.

Y- Concluiu o tribunal a quo, erradamente no nosso entendimento, que a decisão aqui em análise estando a natureza da presente causa atribuída, por disposição legal, a tribunal de outra ordem jurisdicional, designadamente aos tribunais administrativos, o Tribunal a quo é materialmente incompetente para conhecer a presente ação.

Z- O tribunal a quo poderia, sem qualquer desrespeito pelo regime da solidariedade, julgar procedente a exceção de incompetência material do tribunal, o que implicaria, nos termos do art. 99º, n.º 1 do CPC, - somente - a absolvição do réu FdR da instância (no mesmo sentido, vide o art. 577º, al. a) e 576º, n.º 2 do CPC).

Tendo em conta a recorrência do argumento vertido na questão, deverá insistir-se - convocando -, em que, “após a revisão constitucional de 1989, foi doutrinalmente debatida a questão de saber se o artigo 212,º, n.º 3 CRP, consagra uma reserva material absoluta de jurisdição em favor dos tribunais administrativos e fiscais, impedindo o legislador ordinário de atribuir aos tribunais judiciais o poder de dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais ou aos tribunais administrativos e fiscais o poder de dirimir litígios emergentes de relações jurídicas de outra natureza.

O entendimento que veio claramente a prevalecer na doutrina foi o de que não nos encontramos, aqui, perante uma reserva absoluta. O legislador dispõe, assim, de uma certa margem de liberdade de conformação, no respeito pelo núcleo essencial caracterizador do âmbito material de cada uma das jurisdições, pelo que pode proceder à atribuição pontual a uma das jurisdições do poder de dirimir litígios que, na ausência de tal determinação, corresponderiam à outra jurisdição (em geral sobre o tema, cfr. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, 8.ª ed., Coimbra, 2006, págs. 109 segs.). Este entendimento veio a ser recebido, quer pelos tribunais administrativos (cfr., por todos, os Acórdãos do STA de 14/6/2000, Proc. n.º 45633, e de 27/01/2004, Proc. n.º 1116/03), quer pelo Tribunal Constitucional (cfr., v. g., AcsTC n.ºs 607/95,799/96,927/96, 1102/96, 65197 e 284103).

(…)

(Assim se) justifica a atribuição, em bloco, aos tribunais administrativos do poder de dirimir os litígios (mesmo) em zonas de fronteira em que as questões colocadas são predominantemente de natureza administrativa, mas "há dúvidas de qualificação ou zonas de intersecção entre as matérias administrativas e as restantes" (VIEIRA DE ANDRADE, op. cit., p. 114). É o que sucede, por força do disposto no artigo 4.°, n,º 1, alíneas c), e), g) e l), do ETAF, com a atribuição aos tribunais administrativos do poder de julgar a esmagadora maioria dos litígios respeitantes aos contratos celebrados por entidades públicas e a totalidade dos litígios relativos à responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas e à prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos por parte de entidades públicas (em geral sobre os dois aspectos mencionados, cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL/MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Grandes linhas da reforma do contencioso administrativo, 3ª ed., Coimbra, 2004, págs. 25 segs.).

(…)

Deste modo, como os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal (artigo 211.°, n.º 1), pode, assim, dizer-se que os tribunais administrativos e fiscais são os tribunais comuns em matéria administrativa e fiscal. Na ausência de expressa determinação legal em sentido contrário, são, portanto, os tribunais judiciais que julgam as questões em matéria cível e criminal e os tribunais administrativos e fiscais que julgam as questões em matéria administrativa e fiscal. Por conseguinte, quando não esteja expressamente atribuída por lei a qualquer jurisdição, toda a questão cível e criminal é julgada pelos tribunais judiciais e toda a questão administrativa e fiscal é julgada pelos tribunais administrativos e fiscais.

Não vale, assim, para a matéria administrativa e fiscal a previsão do artigo 211.°, n.º 1, da Constituição (e do artigo 66.° do CPC - 64º NCPC), segundo a qual os tribunais judiciais "exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais". A matéria administrativa e fiscal está, na verdade, desde logo atribuída, em bloco, à ordem jurisdicional administrativa e fiscal pela própria Constituição, no artigo 212.°, n.º 3” (Cf. Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, 2007, pp. 148-151).

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Na configuração sequente da questão, aprecie-se - em função do disposto no art. 99º NCPC (efeito da incompetência absoluta) -, que “a instância, embora se inicie com a propositura da ação, apenas se aperfeiçoa, como dispõe o art. 259-2, com a citação do réu. Assim, se o processo comportar despacho liminar e o juiz, ao proferi-lo, julgar o tribunal absolutamente incompetente, a petição inicial é liminarmente indeferida, nos termos do art. 590-1, pois não faria sentido a absolvição da instância dum réu perante o qual a propositura da ação ainda não houvesse produzido efeito.

Não comportando o processo despacho liminar ou, comportando-o, não tendo o juiz nele conhecido da incompetência, o conhecimento desta em momento posterior ao da citação do réu dá lugar à absolvição da instância.

O n.º 2 constitui manifestação do princípio da economia processual, na vertente da economia de atos e formalidades processuais. Decretada a incompetência depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se se o autor requerer a remessa do processo para o tribunal competente e o réu não se opuser, ou não se opuser de modo justificado.

(…)

Sublinhe-se que, por este meio, o autor evita a inutilização do processo, mas não obvia à absolvição do réu da instância - o que, no atual código, decorre inequivocamente da alusão ao trânsito em julgado da decisão sobre a incompetência absoluta -, pelo que no tribunal competente se inicia uma nova instância” (Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 3ª Edição, 2014, pp. 203-204).

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Por sua vez, na emergência do art. 577º NCPC (excepções dilatórias), não pode deixar de se reconhecer que há vários tipos de processos - e o presente poderá ser um bom exemplo -, em que a posição das partes (autores/réus) não é linear, pois há interesses paralelos, outros antagónicos, alguns coincidentes, num ambiente processual onde se podem cruzar incidentes e/ou oposições com maior ou menor autonomia (Cf. Ac. RC, de 6.12.2011: CJ, 2011, 4.°- 45).

Sendo que, conjugadamente com o alcance próprio do art. 576º NCPC (excepções dilatórias e peremptórias), a defesa por excepção pode revestir duas formas, a saber: a defesa através de excepções dilatórias -defesa meramente processual - ou a defesa através de excepções materiais ou substantivas - peremptórias -, ou seja, mediante a alegação de factos que sirvam de causa modificativa, extintiva ou impeditiva do direito alegado pelo autor (Ac. RL, de 11.1.2011: Proc. 5039/108.dgsi. Net).

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Nesta conformidade, também, “a nulidade de todo o processo dá-se em consequência da ineptidão da petição inicial (art. 193-1 -186º NCPC), da sua irregularidade, não sanada, por falta de um requisito legal (ver art. 508º -590º NCPC)

(…)

As partes, tal como o autor as determina ao propor a acção declarativa (contra o réu), devem ser aquelas que, perante os factos narrados na petição apresentada em juízo, o direito substantivo considera como as que podem ocupar-se do objecto do processo, sob pena de ilegitimidade processual (ver art. 26 -30º NCPC). Esta ilegitimidade é sanável quando resulta de não ter demandado, ou não ter sido demandada, determinada pessoa, que devia tê-lo sido juntamente com o autor ou o réu (arts. 28 e 269 - 33º e 261º NCPC).

A lei processual admite, em determinadas circunstâncias, que haja, na acção declarativa, uma pluralidade de autores ou de réus, não obstante os pedidos formulados não serem comuns a todos (ver art. 30 -36º NCPC). Quando essas circunstâncias não estejam reunidas e, no entanto, vários pedidos sejam deduzidos, diferenciadamente, por autores ou contra réus distintos, a coligação é ilegal e há absolvição da instância se o autor, convidado para tal pelo juiz, não indicar o pedido, dos formulados, em função do qual o processo há-de prosseguir (art. 31-A - 38º NCPC).

O art. 31-B (39º NCPC) permite, em paralelismo com o art. 469 (554º NCPC), a dedução dum pedido principal por um autor ou contra um réu e a dedução dum pedido subsidiário (a ser atendido só se o primeiro não tiver acolhimento) por outro autor ou contra outro réu (coligação subsidiária), bem como a dedução do mesmo pedido por um autor ou contra um réu a título principal e por outro autor ou contra outro réu a título subsidiário (litisconsórcio subsidiário), no caso de dúvida fundamentada sobre a existência ou a titularidade dum direito ou dum dever (art. 31-B – 39º NCPC). Quando não se esteja no âmbito da mesma relação jurídica ou perante duas relações jurídicas entre si ligadas por a existência de uma depender da inexistência da outra, ou quando o autor não configure a situação de dúvida sobre os factos ou a determinação, interpretação e aplicação duma norma jurídica, falham os requisitos da figura da pluralidade subjectiva e a excepção verifica-se” (Cf. José Lebre de Freitas/A. Montalvão Machado/Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 2ª Edição, pp. 336-337).

Não sem olvidar que “o DL 329-A/95 alargou a subsidiariedade à coligação activa e, na sequência da crítica formulada, substituiu o requisito da referência à mesma relação jurídica ou à mesma pretensão pelo da "dúvida fundada sobre o sujeito da relação controvertida", segundo a sugestão de TEIXEIRA DE SOUSA. Mas continuou a deixar de fora o litisconsórcio subsidiário e manteve a epígrafe do projecto.

O DL 180/96 introduziu a figura do litisconsórcio subsidiário ("dedução subsidiária do mesmo pedido") e consequentemente substituiu a epígrafe do artigo, de modo a abarcar as situações do litisconsórcio e da coligação.

Assentando em que o litisconsórcio e a coligação se distinguem pelo critério da unidade ou pluralidade de pedidos (ver art. 30 - 36º NCPC), há litisconsórcio subsidiário quando o mesmo pedido é deduzido por ou contra uma parte a título principal e por ou contra outra a título subsidiário e coligação subsidiária quando é deduzido por ou contra uma parte um pedido e por ou contra outra, a título subsidiário, um pedido diverso.

Num ou noutro caso, a dúvida sobre a pessoa do titular do direito ou do dever pode residir na necessidade de apuramento da matéria de facto ou na interpretação da norma jurídica” (Cf. José Lebre de Freitas/A. Montalvão Machado/Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 2ª Edição, p. 70).

-

Perante tal tessitura institucional, por constatação, e, como de resto não deixou, igualmente, de se destacar em decisório:

«(…) apesar da dispersa factualidade alegada pelo Autor na presente acção, declarativa para alicerçar o respectivo pedido, vemos, desde logo, que na mesma é demandado, em solidariedade com os demais Réus, o Fundo de Resolução. Este é uma pessoa colectiva de direito público, é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, que funciona junto do Banco de Portugal  (art.º 153.º-B do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro – Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras – R.G.I.C.S.F.).

Regendo-se por normas de direito administrativo, foi criado para possibilitar ao Governo Português aplicar medidas de resolução em instituições sujeitas ao Banco de Portugal, nomeadamente de transferência parcial ou total da actividade para instituições de transição (art.º 145.º-E, n.º 1 do R.G.I.C.S.F.) e “tem por objeto prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adotadas pelo Banco de Portugal, nos termos do disposto no artigo 145.º-AB, e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas” (art.º 153.º-C do R.G.I.C.S.F.).

Tais medidas visam assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais para a economia; prevenir a ocorrência de consequências graves para a estabilidade financeira, nomeadamente prevenindo o contágio entre entidades, incluindo às infra-estruturas de mercado, e mantendo a disciplina no mercado; salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público, minimizando o recurso a apoio financeiro público extraordinário; proteger os depositantes cujos depósitos sejam garantidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e os investidores cujos créditos sejam cobertos pelo Sistema de Indemnização aos Investidores; e proteger os fundos e os activos detidos pelas instituições de crédito em nome e por conta dos seus clientes e a prestação dos serviços de investimento relacionados (art.º 145.º-C, n.º 1 do R.G.I.C.S.F.).

Foi para zelar pelos sobreditos interesses públicos que o Banco de Portugal deliberou, em 13 de Agosto de 2014, aplicar a medida de resolução do “Banco Espírito Santo, S.A.” e a criação do “Novo Banco, S.A.”.

Ora, ainda que a Autora alegue na petição inicial que demanda o Fundo de Resolução na qualidade de accionista único do “Novo Banco, S.A.” (cfr. artigos 1.8, 1.32., 1.33 daquele articulado), percebe-se do restante arrazoado e dos demais articulados juntos aos autos que assim não é verdadeiramente.

Efectivamente, desprende-se da causa de pedir ali exposta que os danos por si alegadamente sofridos advieram ou têm como causa directa a imposição determinada pelas ditas resoluções do Banco de Portugal de criação do Novo Banco e da não transferência dos passivos ou responsabilidades para este último».

Fazendo-se notar, igualmente, com adequação, perante o esquisso processual configurado, que:

«De tudo resulta não dispor este Tribunal de competência em razão da matéria para apreciar o presente processo, circunstância que a pluralidade de Réus não impede, visto ser único o pedido formulado, com a consequente absolvição de todos eles da instância».

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Aqui, também, como decorrência de que «o que se pretende com a interpretação jurídica não é compreender, conhecer a norma em si, mas sim obter dela ou através dela o critério exigido pela problemática e adequada decisão justificativa do caso. O que significa que é o caso e não a norma o prius problemático - intencional e metódico» (do Assento STJ, 27-9-1995: DR, IA, de 14-12-95, pág. 7878).

Ênfase específica que, do mesmo modo, se não deixou de destacar, com arrimo, por isso impostergável, em exercício de contraditório, ao se clangorar, de modo confluente, que:

 “decidiu bem, também, o Tribunal a quo ao entender que a incompetência material dos tribunais judiciais para conhecer do pedido formulado contra o Fundo de Resolução, nos termos e com os fundamentos antes explicitados, se estende aos demais Réus, BES e Novo Banco, por aplicação da norma do art. 4º/2 do ETAF, pois que o Recorrente formulou na respectiva petição inicial um pedido de condenação solidária de todos os Réus e, nos termos da referida norma, é a componente jurídico-pública deste litígio que se propaga à totalidade do respectivo objecto, “contaminando” a competência material dos tribunais comuns e atribuindo-a aos tribunais da jurisdição administrativa”.

-

Ou, como já se julgou, em circunstâncias similares:

«(…) verifica-se que a autora dirigiu o pedido de condenação solidária contra o Fundo de Resolução. O que significa que, através dos factos que alegou (acima transcritos), quis invocar a responsabilidade solidária do dito Fundo. A lógica jurídica implícita na petição é, pois, a de que existe um vínculo jurídico de solidariedade entre o Fundo e as outras entidades demandadas (v. Monteiro, em A Causa de Pedir na Acção Declarativa, pág. 507 e seg). E é essa lógica que conta, independentemente do bem ou mal fundado da pretensão, não se podendo vir agora dizer no recurso que a responsabilidade do accionista único é apenas subsidiária.

Argumenta o recorrente que o tribunal poderia, sem desrespeito pelo regime da solidariedade, julgar procedente a excepção de incompetência material do tribunal, o que implicaria, nos termos dos arts. 99°, n." 577°, al. a) e 576°, n." 2 do CPC, a absolvição do réu Fundo de Resolução da instância.

Mas não pode ser assim.

O art. 4°, nº 2 do ETAF é claro: a competência, nesse caso, dos tribunais administrativos estende-se a todos os pedidos.

Argumenta, também, a recorrente que a petição é inepta relativamente ao Fundo de Resolução, por falta de causa de pedir, ineptidão essa que deve conduzir à absolvição da instância daquele réu.

Todavia, não se pode, nesta sede de recurso, apreciar a ineptidão e a nulidade do processo que daí decorre (art. 186, n° 1 do CPC).

Com efeito, a referida nulidade só pode ser apreciada no despacho saneador, se o não tiver sido antes, podendo conhecer-se dela até à sentença final, se o processo não comportar despacho saneador (art. 202, nº 2 do CPC). Tal significa, portanto, que, ficando precludida a sua apreciação no momento em que é proferida sentença em 1 a instância, não pode a referida nulidade ter-se por verificada, mesmo por impulso oficioso do Tribunal, na fase de recurso (Ac. STJ de 26.3.2015, em www.dgsi.pt).

Finalmente, não colhe o recurso na parte em que considera a decisão recorrida violadora do princípio do dispositivo, nos termos do art. 5 do CPC, na medida em que a decisão recorrida se limitou a fazer apelo à responsabilidade dos réus em regime de solidariedade, em conformidade com o alegado pela autora.

Em suma: os tribunais administrativos são os competentes para apreciar o litígio dos autos, ao abrigo do art. 4, n° 2 do ETAF (Ac. TRC, de 28 Março de 2017, Apelação nº333.16.4T8CTB.C1).  

Daí se configurar como negativa a resposta à questão em II.

*

III.

EE- Para se estar perante ineptidão por falta de causa de pedir é necessário uma total ausência dos factos que servem de base de fundamento à pretensão ou uma total omissão de factos susceptíveis de preencherem a previsão do facto jurídico de que procede a pretensão do autor. In casu, e salvo devido respeito por opinião contrária, existe essa ausência de factos.

FF-Apesar da contestação do réu FdR, não estamos perante um caso que seja integrável no art. 186º, n.º 3 do CPC, porque entendemos que a ausência de factos principais é tal que não é suprível.

GG- Assim, não tendo sido invocados factos que fundamentem o pedido tal como foi formulado, temos de concluir que a petição é, nesta parte, inepta. Ineptidão que constitui exceção dilatória que impede, nesta parte, o conhecimento do mérito da causa, conduzindo à absolvição da instância do réu em causa (arts. 1º, n.º 1, al. a), 576º, n.º 2 e 577º, al. b), todos do CPC).

HH- O A., aqui recorrente, - mau grado aqui ter de o reconhecer – não  alegou ou aduziu factualidade suficiente e idónea a produzir os efeitos jurídicos pretendidos, i.e. que o FdR fosse, em última análise, responsabilizado pela “cessão de créditos” operada por via  das deliberações de uma entidade terceira, ou seja, o Banco de  Portugal, que pudesse levar o tribunal a considerar que o FdR pudesse ser condenado (na parte que lhe competia) pelos maiores prejuízos decorrentes da resolução face àqueles em que o A. e todos os credores poderiam ter de suportar perante um cenário de liquidação.

Na contextura da presente questão - e perante configuração de individualizado venire contra factum proprium, recte, expresso decisionismo voluntarista, assim revelado e, contextualmente, assumido -, há que dar, aqui, igualmente, como reproduzidas em fórmula, forma e contexto, as considerações já, nas respostas anteriores, expressas, uma vez que com pontos tangenciais de análise decisória que, neste segmento, se projectam.

Depois, consignar - em conceitualização tradicional -, que «se o autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, serviu-se da linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que pretendia obter, a petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta» (ALBERTO DOS REIS, Com., 364).

«Podem dar-se dois casos distintos: a) a petição ser inteiramente omissa quanto ao acto ou facto de que o pedido procede; b) expor o acto ou facto, fonte do pedido, em termos de tal modo confusos, ambíguos ou ininteligíveis, que não seja possível apreender com segurança a causa de pedir. Num e noutro caso, a petição é inepta, porque não pode saber-se qual a causa de pedir» (ALBERTO DOS REIS, Com., 2.°-371).

Todavia, «importa não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente ... Quanto a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite facto ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito de autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a acção naufraga» (ALBERTO DOS REIS, Com., 2.°-372).

Tanto assim, pois, não podendo deixar de vincular, perante tal perfil assumido, que, em abono do acontecido e deste modo revelado, a decisão recorrida se fundou, baseando-se, no pedido de condenação solidária formulado pelo próprio Autor; na causa de pedir da sua actuação contra o Fundo de Resolução; e na interpretação e aplicação das Deliberações do Banco de Portugal, no que respeita, quanto a resolução do Banco Espírito Santo, e das próprias normas de direito administrativo, abrangentes, convocadas.

No mais, valendo a apreciação supra consignada, em particular, quanto ao perfil da questão prévia suscitada.

Em perfil de confluência decisória, a este respeito, convoque-se, também, precedente judiciário, do seguinte teor:

«Além disso, em relação ao Fundo de Resolução, é ainda inequívoco que o A. com ele não estabeleceu, na sua própria versão, qualquer relação contratual. O que implica, necessariamente, a vontade de responsabilizar aquele R. com base na responsabilidade extracontratual. Aliás, o A. reconhece-o ao afirmar que o único acionista do Novo Banco, S.A., ou seja, o Fundo de Resolução. é, devido à medida de resolução tomada pelo Banco de Portugal, "o responsável máximo pelas relações jurídicas confiscadas e pelos prejuízos derivados dessa sub-reptícia "cessão de créditos"" (ponto 1.29, da petição inicial). O fundamento dessa responsabilidade, pois, como sustenta, agora o Apelante (ela. M), "advém do facto de o FdR, enquanto entidade de direito pública., ser a detentora do capital social de um banco ... ".

Mas, essa posição, ao contrário do sustentado pelo Apelante, não o  transforma, só por isso, "em acionista sujeito às regras do direito civil ou comercial, mas sim, enquanto pessoa coletiva de direito público, com base em atos de direito administrativo - cfr. normas citadas na sentença recorrida ( ... ), quanto à sua criação e normas que o regem, designadamente os artigos 153.0 e 154.° do RGICSF, bem como as deliberações do Banco de Portugal que o sustentam, todas elas tipicamente de direito administrativo, estabelecendo-se nelas a disciplina de relações jurídicas administrativas, das quais são sujeitos obrigatórios o Fundo de Resolução e o Banco de Portugal” (Cf. Ac. TRG de 26/0112016, Processo nº 1358/16.5T8BRG.G1, do qual dois dos membros deste coletivo foram subscritores).

De resto, o Fundo de Resolução disponibiliza os recursos determinados pelo Banco de Portugal, para efeitos da aplicação de medidas de resolução, mas fica como credor da instituição participante, que seja objeto da medida de resolução, no montante correspondente a esses recursos e beneficiando de privilégios creditórios que a lei lhe reconhece (artigo 153.º-M, n.ºs 1 e 2 do RGICSF).

Mais: após a devolução dos montantes determinados pelo Banco de Portugal, se houver remanescente do produto da alienação, é o mesmo devolvido à instituição de crédito originária ou à sua massa insolvente, caso aquela tenha entrado em liquidação, e nunca ao Fundo de Resolução (artigo 145.° -1, n.º 4, do RGICSF).

Bem se vê, assim, quanto o Fundo de Resolução está afastado da categoria de acionista que vigora no direito comercial. O seu papel limita-se a prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adotadas pelo Banco de Portugal e desempenhar todas as demais funções que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas, e não propriamente a colher dividendos das instituições intervencionadas (artigo 153.o-C do RGICSF).

De modo que, por todas as razões já apontadas, não há como sustentar que os tribunais judiciais são materialmente competentes para a apreciação do presente litígio.

O Apelante, de resto, parece, nalguma medida, reconhecê-lo, ao pretender fazer vingar a tese de que o tribunal recorrido devia ter excluído o Fundo de Resolução desta demanda. Seja através da consideração de que o pedido contra este R. é subsidiário, seja mesmo pelo reconhecimento de que a petição inicial por ele próprio apresentada é inepta, por ausência de fundamentos que permitam a responsabilização desse mesmo R.

Mas, como é bom de ver, e resulta do já exposto, nenhuma destas razões pode ser acolhida.

A primeira, porque, como já vimos, se traduz numa completa distorção da pretensão apresentada pelo A., que peticionou a condenação solidária (e não subsidiária) de todos os RR.

E, a segunda, porque, como também já vimos, é o próprio A. que, além de indicar na petição inicial as razões para a demanda do Fundo de Resolução, continua a insistir neste recurso que a responsabilização deste R. "advém do facto de o FdR, enquanto entidade de direito pública, ser a detentora do capital social" do Novo Banco, S.A ..

Além de contraditória, pois, esta argumentação recursiva é, de todo, improcedente» (Ac. TRG. De 9.02.2017, Proc. nº6194.15.8T8BRG.G1).

É, por isso, igualmente negativa  a resposta às questões em III.

IV.

II- Salvo melhor entendimento, esta conclusão que o Tribunal a quo extraiu e na qual, outrossim, fundamentou o seu juízo para determinar a incompetência material do Tribunal, por referência quer à causa de pedir quer ao pedido, é claramente violadora do princípio do dispositivo, enquanto princípio basilar relativo à prossecução processual que faz recair sobre as partes o dever de formularem o pedido e de alegarem os factos que lhe servem de fundamento – artº 5º do CPC.

JJ- Deve, por conseguinte, considerar-se que o Tribunal a quo violou, com a sua decisão, o princípio do dispositivo, consagrado no art. 5º do CPC, o que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos.

Neste segmento, depois de tudo o que vem de se apreciar, haverá mais de se referir que «o princípio da controvérsia traduz-se na liberdade de alegar os factos destinados a constituir fundamento da decisão, na de acordar em dá-los por assentes e, em certa medida, na iniciativa da prova dos que forem controvertidos. O seu aspeto principal consiste em que às partes cabe a formação da matéria de facto da causa, mediante a alegação, nos articulados, dos factos principais, isto é, dos que integram a causa de pedir, fundando o pedido, e daqueles em que se baseiam as exceções perentórias. Sem prejuízo de os factos da causa poderem ser alegados por qualquer das partes, cada uma tem o ónus da alegação daqueles que têm um efeito que lhe é favorável (alegação dos factos constitutivos do direito a cargo de quem se arroga tê-Io- art. 552-1-d - e dos factos impeditivos, modificativos e extintivos a cargo da contraparte - art. 576-3), cuja inobservância dá lugar, consoante o caso, à improcedência da ação ou à improcedência da exceção, sem prejuízo ainda de a não individualização da causa de pedir pelo autor (art. 58 1-4), implicando violação do ónus da substanciação, dar lugar à ineptidão da petição inicial (art. 186-2-a).

(…)

O juiz não pode considerar, na decisão, factos principais diversos dos alegados pelas partes (em articulado ou em resultado da instrução da causa). Por muito que suspeite da sua verificação ou que deles tenha até conhecimento, o juiz não pode, em regra, deles servir-se.

A regra mantém-se quanto aos factos em que se fundam as exceções dilatórias: o n.º 1 não distingue quando fala de exceção e o n.º 2 (do art. 5º NCPC) tão-pouco o faz quando refere os factos a considerar na decisão. Independentemente da distinção, no plano do direito, entre a exceção de conhecimento oficioso e aquela que só é invocável pelas partes (arts. 578 e 579), os factos em que uma e outra se baseiam estão sujeitos à alegação das partes, explícita ou apenas implícita (a apresentação dum documento, por exemplo)» (Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 3ª Edição, 2014, pp. 14-15). Consequentemente, não ocorre qualquer violação do art. 5º do CPC.

Expressão de convergência decisória, igualmente a tal respeito, é a que decorre da consignada no Ac. RG. de 26.Janeiro, 2017, Proc. nº1358.16.5T8BRG.G1, no seguinte jaez:

«A competência do tribunal em razão da matéria afere-se de harmonia com a relação jurídica controvertida, tal como definida pejo autor no que se refere aos termos em que propõe a resolução do litígio, a natureza dos sujeitos processuais, a causa de pedir e o pedido.

A regra básica da atribuição de competência aos tribunais administrativos é a da apreciação de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas.

Sendo o Fundo de Resolução, detentor do capital do Novo Banco, uma pessoa coletiva de direito público, cuja atividade se encontra regulada no RGICSF e seus regulamentos (normas de direito administrativo), onde se estabelece a disciplina de relações jurídicas administrativas, a sua eventual responsabilidade é competência exclusiva dos tribunais administrativos.

Tendo sido formulado um pedido de condenação solidária, todos os demais réus terão que ser absolvidos».

No mesmo sentido, de conformidade sentenciadora, a tal pretexto suscitada, confronte-se o Ac. RL, de 30 de Março de 2017, Proc. nº146.16.T8AVR, ao considerar, em tal segmento de análise, que:

«(…) os demais RR foram demandados conjuntamente com o Fundo de Resolução tendo sido requerida a condenação solidária de todos.

O disposto no n.º 2 do artigo 4.º do ETAF, ao dispor que "pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos" o que transporta obrigatoriamente para o âmbito da competência exclusiva destes tribunais o conhecimento do mérito da causa.

Não se trata aqui ao contrário do que sustenta o apelante de duas causas de pedir, antes de uma única causa de pedir - o ato ilícito contratual- complexa- a resolução e transferência operada por deliberação do BP do património do BES para o Novo Banco e a titularidade deste, à qual de resto correspondeu o pedido de condenação solidária de todos os RR.

A incompetência material estende-se, por isso, a todos os RR.

Assim porquanto a alínea a) do art. 96º CPC postula que "a infração das regras de competência em razão da matéria [ ... ) determina a incompetência absoluta do tribunal" - excepção dilatória que é causa de absolvição da presente instância art. 99º nº 1, 576º/2 e alínea a) do art. 577º do CPC, sendo o momento próprio conhecer da mesma conforme arte 98º do CPC aquele em que findam os articulados, todas as demais exceções conhecidas pelo Tribunal "a quo" e que constituem o objeto deste recurso não podiam ter sido objeto de decisão uma vez que a competência lhes é prévia, já que, esta é a quantidade de jurisdição atribuída por lei a cada tribunal, estando ausente, in casu, nos termos sobreditos.

(…)

Também não colhe a alegação que sentença apelada violou o disposto no artº 5º do CPC uma vez que esta se limitou a interpretar a lei aplicando-a ao concreto articulado inicial.

Improcede, assim o recurso e mantém-se a decisão de absolvição de instância dos RR.

Destacadamente:

A acção destinada a efetivar a responsabilidade civil extracontratual de uma pessoa coletiva de direito público, é regulada no Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades públicas, aprovado pela lei n2 67/2007, de 31 de Dezembro nos termos da qual «correspondem ao exercício da função administrativa as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo" (art. 1º, nº 2)

Sempre que essas pessoas devam responder extracontratualmente por prejuízos causados a outrem, o julgamento da respectiva causa pertencerá à jurisdição administrativa, independentemente da qualificação do acto lesivo como acto de gestão pública ou de gestão privada uma vez que o artº 4º nº 1 f) do ETAF é de natureza imperativa.

Numa causa, em que haja RR de natureza privada e RR de natureza pública ligados, entre si, na alegada relação causal, de que resulta o pedido de condenação solidária de todos rege o artigo 4.º n.º 2 do ETAF, cabendo aos Tribunais Administrativos ou Fiscais a competência para dirimir os litígios quanto a todos os RR.

O que acarreta responder, do mesmo modo, negativamente à questão em IV.

                                                        *

Podendo, assim, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº 7 NCPC), que:

1.

 A liberdade de desistência do recurso mediante simples requerimento - regra que já constava do anterior art. 681.° CPC - sofreu, deste modo -, no novo texto (art. 632º NCPC), uma limitação relevante, uma vez que só pode ter lugar "até à prolação da decisão", evitando-se, assim, que o recorrente, ao ver “agravada” a sua situação em resultado do recurso, só viesse desistir após ter tido conhecimento do seu resultado, mas antes do seu trânsito em julgado, o que equivalia a manter, a final, a decisão recorrida, o que não era líquido (sobre a desistência e a renúncia ao recurso).

-

2.

A competência em razão da matéria dos tribunais é determinada pela forma como o autor configura a acção na sua dupla vertente do pedido e da causa de pedir. Que o mesmo é dizer que tal competência, em razão da matéria, se impõe determinar pelo conteúdo da lide, aferir face à relação jurídica que se discute na acção, tal como o demandante a configura, seja quanto aos elementos objectivos (causa de pedir e pedido), seja quanto aos elementos subjectivos (partes).

3.

As entidades públicas ou para-públicas podem exercer as suas atribuições em pleno pé de igualdade com outras pessoas físicas ou jurídicas de escopo congénere, portanto desprovidas do poder de supremacia que em princípio lhes adviria da sua qualidade de ente público administrativo. Os actos assim praticados serão de qualificar como de "gestão privada". O verdadeiro "distinguit" - para efeitos da apreciação/avaliação de um certo acto, facto ou contrato gerador de responsabilidade civil para com terceiros, numa ou noutra das categorias (gestão privada/gestão pública), reside em saber se as concretas condutas alegadamente ilícitas e danosas se enquadram numa actividade regulada por normas comuns de direito privado (civil ou comercial) ou antes numa actividade especificamente disciplinada por normas de direito público administrativo.

4.

A consideração da competência, em razão da matéria - devendo aferir-se face à relação jurídica que se discute na acção, tal como desenhada pelo autor -, atento o disposto no art. 4.° n.º 1, aI. g) do ETAF, determina competir aos tribunais da jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham por objecto questões em que, nos termos da lei, haja lugar - mesmo -, a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, quer, consequentemente, por actos de gestão pública, quer por actos de gestão privada praticados no exercício da função pública.

5.

Subsumindo-se, por tudo, a parte do presente litígio que respeita à alegada responsabilidade do Fundo de Resolução pela satisfação do suposto direito de crédito da Autora, enquanto detentor do capital social do Novo Banco, nas alíneas a) e f) do art. 4º/1 do ETAF e, sempre, na respectiva alínea o)como, também, na alínea f) do art. 2º/2 do CPTA.

6.

Deste modo, pois que a coligação continua a exigir, como pressuposto em caso algum inultrapassável, que o tribunal seja absolutamente competente para todos os pedidos cumulados (art. 31.º-1). Assim, a coligação (só) não é admissível se o tribunal não for material, hierárquica e internacionalmente competente para apreciar todos os pedidos coligados. Releva para essa solução que a coligação (passiva) contém uma pluralidade de partes (demandadas), circunstancialmente, sem nenhum tipo de perturbação processual.

7.

Continuando a dever ponderar-se um dos principais inconvenientes da excessiva proliferação de processos (paralelos ou) especiais - a impossibilidade de cumular na mesma causa pretensões substancialmente conexas, por motivos da incompatibilidade (vg) das formas de processos que lhes cabem - mostra-se sensivelmente atenuado com a afirmação do princípio da adequação e o consequente reconhecimento ao juiz de admitir aquela cumulação, sempre que a tramitação processual correspondente aos vários pedidos se não revele totalmente incompatível e haja efectivas vantagens (ou necessidade) de operar um julgamento conjunto.

8.

Tudo para significar, pois, que o critério para a atribuição da competência material aos tribunais administrativos, é o litígio fundar-se numa relação jurídico-administrativa, por a esta se aplicarem normas de cariz administrativo e/ou, na acção, ser parte entre público que actue ou invoque poderes de "jus imperii'' que o coloquem numa posição de superioridade. Em casos de dúvida ou de fronteira, deve atribuir-se a competência ao tribunal que, perante a natureza da causa petendi, do pedido e das demais circunstâncias do caso, esteja em melhor posição para, presumivelmente, decidir com maior celeridade, eficácia e propriedade.

9.

Assim se justifica a atribuição, em bloco, aos tribunais administrativos do poder de dirimir os litígios (mesmo) em zonas de fronteira em que as questões colocadas são predominantemente de natureza administrativa, mas "há dúvidas de qualificação ou zonas de intersecção entre as matérias administrativas e as restantes". É o que sucede, por força do disposto no artigo 4.°, n,º 1, alíneas c), e), g) e l), do ETAF, com a atribuição aos tribunais administrativos do poder de julgar a esmagadora maioria dos litígios respeitantes aos contratos celebrados por entidades públicas e a totalidade dos litígios relativos à responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas e à prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos por parte de entidades públicas.

10.

Em função do disposto no art. 99º NCPC (efeito da incompetência absoluta) -, “a instância, embora se inicie com a propositura da ação, apenas se aperfeiçoa, como dispõe o art. 259-2, com a citação do réu. Assim, se o processo comportar despacho liminar e o juiz, ao proferi-lo, julgar o tribunal absolutamente incompetente, a petição inicial é liminarmente indeferida, nos termos do art. 590-1, pois não faria sentido a absolvição da instância dum réu perante o qual a propositura da ação ainda não houvesse produzido efeito.

Não comportando o processo despacho liminar ou, comportando-o, não tendo o juiz nele conhecido da incompetência, o conhecimento desta em momento posterior ao da citação do réu dá lugar à absolvição da instância.

O n.º 2 constitui manifestação do princípio da economia processual, na vertente da economia de actos e formalidades processuais. Decretada a incompetência depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se se o autor requerer a remessa do processo para o tribunal competente e o réu não se opuser, ou não se opuser de modo justificado.

11.

Ainda que a Autora alegue na petição inicial que demanda o Fundo de Resolução na qualidade de accionista único do “Novo Banco, S.A.” (cfr. artigos 1.8, 1.32., 1.33 daquele articulado), dos demais articulados juntos aos autos depreende-se da causa de pedir ali exposta que os danos por si alegadamente sofridos advieram ou têm como causa directa a imposição determinada pelas ditas resoluções do Banco de Portugal de criação do Novo Banco e da não transferência dos passivos ou responsabilidades para este último.

12.

 A incompetência material dos tribunais judiciais para conhecer do pedido formulado contra o Fundo de Resolução, nos termos e com os fundamentos antes explicitados, estende-se aos demais Réus, BES e Novo Banco, por aplicação da norma do art. 4º/2 do ETAF, pois que o Recorrente formulou na respectiva petição inicial um pedido de condenação solidária de todos os Réus e, nos termos da referida norma, é a componente jurídico-pública deste litígio que se propaga à totalidade do respectivo objecto, atribuindo-a aos tribunais da jurisdição administrativa.

13.

Em perfil dual, pode: a) a petição ser inteiramente omissa quanto ao acto ou facto de que o pedido procede; b) expor o acto ou facto, fonte do pedido, em termos de tal modo confusos, ambíguos ou ininteligíveis, que não seja possível apreender com segurança a causa de pedir. Num e noutro caso, a petição é inepta, porque não pode saber-se qual a causa de pedir. Todavia, importa não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente. Quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite facto ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito de autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a acção naufraga.

14.

Justifica-se a atribuição, em bloco, aos tribunais administrativos do poder de dirimir os litígios (mesmo) em zonas de fronteira em que as questões colocadas são predominantemente de natureza administrativa, mas "há dúvidas de qualificação ou zonas de intersecção entre as matérias administrativas e as restantes". É o que sucede, por força do disposto no artigo 4.°, n,º 1, alíneas c), e), g) e l), do ETAF, com a atribuição aos tribunais administrativos do poder de julgar a esmagadora maioria dos litígios respeitantes aos contratos celebrados por entidades públicas e a totalidade dos litígios relativos à responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas e à prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos por parte de entidades públicas.

15.

O juiz não pode considerar, na decisão, factos principais diversos dos alegados pelas partes (em articulado ou em resultado da instrução da causa). Por muito que suspeite da sua verificação ou que deles tenha até conhecimento, o juiz não pode, em regra, deles servir-se. A regra mantém-se quanto aos factos em que se fundam as exceções dilatórias: o n.º 1 não distingue quando fala de exceção e o n.º 2 (do art. 5º NCPC) tão-pouco o faz quando refere os factos a considerar na decisão. Independentemente da distinção, no plano do direito, entre a exceção de conhecimento oficioso e aquela que só é invocável pelas partes (arts. 578 e 579), os factos em que uma e outra se baseiam estão sujeitos à alegação das partes, explícita ou apenas implícita (a apresentação dum documento, por exemplo).

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Desta arte:

15.1.

A competência do tribunal em razão da matéria afere-se de harmonia com a relação jurídica controvertida, tal como definida pejo autor no que se refere aos termos em que propõe a resolução do litígio, a natureza dos sujeitos processuais, a causa de pedir e o pedido.

15.2.

A regra básica da atribuição de competência aos tribunais administrativos é a da apreciação de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas.

15.3

Sendo o Fundo de Resolução, detentor do capital do Novo Banco, uma pessoa coletiva de direito público, cuja atividade se encontra regulada no RGICSF e seus regulamentos (normas de direito administrativo), onde se estabelece a disciplina de relações jurídicas administrativas, a sua eventual responsabilidade é competência exclusiva dos tribunais administrativos.

15.4.

Tendo sido formulado um pedido de condenação solidária, todos os demais réus terão que ser absolvidos».

*

III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, mantendo-se o Despacho (recorrido) em causa.

 Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

*

António Carvalho Martins ( Relator)

Carlos Moreira

Moreira do Carmo