Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
530/11.9TTLRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: ROL DE TESTEMUNHAS
DESCONFORMIDADE
ALTERAÇÃO
Data do Acordão: 03/22/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 63º, Nº 2 E 98º-J DO CÓDIGO PROCESSO DE TRABALHO; 5º, Nº 1 E 6º DA PORTARIA Nº 114/2008, DE 06/02
Sumário: I – A jurisprudência tem entendido que havendo desconformidade entre a prova indicada no formulário (ou melhor, no caso de falta de indicação de prova) e a prova indicada na peça processual remetida a juízo em ficheiro anexo, o tribunal deve admitir a prova indicada na peça processual remetida através de ficheiro anexo.

II – Se o legislador prevê que depois de ser indicado num articulado o rol de testemunhas pode sempre ser aditado até 20 dias antes da audiência final, seria uma restrição injustificada do direito a litigar (e uma violação do artº 20º da CRP) rejeitar o aditamento do rol realizado no próprio momento da apresentação do articulado, em ficheiro anexo ao formulário.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I A..., na qualidade de trabalhadora na presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, em que é empregadora B..., inconformada com o despacho proferido em 12 de Setembro de 2011 (fls. 2) que decidiu admitir o rol de testemunhas apresentado pela empregadora, dele veio apelar.


***

II – Nas alegações apresentadas, concluiu:

[…]


+

Respondeu a empregadora alegando em síntese conclusiva:

[…]

Deverá ser mantido o despacho proferido de admissão do rol de testemunhas da Ré, ora apelada, por ser o único que possibilitará a busca da verdade material e a verdadeira igualdade das partes no acesso a uma justa decisão.


+

A Exmª PGA em fundamentado parecer é do entendimento que apelação não deve proceder.

+

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

***

III - Conforme decorre das conclusões da alegação dos recorrentes que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso (artºs 684º nº 3 e 685º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), a questão que importa resolver reside em saber qual a consequência da desconformidade entre o rol de testemunhas indicado no formulário preenchido para a apresentação electrónica do articulado do empregador previsto no artigo 98º-J do Cód. Proc. Trabalho e o rol de testemunhas que constava da motivação do despedimento enviado e ficheiro anexo àquele[1].

Tem interesse para a decisão a seguinte factualidade:

1. Na mesma comunicação electrónica, a mandatária da empregadora enviou, por correio electrónico, para o tribunal a quo, o formulário preenchido previsto no art. 5°, nº 1 da Portaria nº 114/2008, de 06-02, alterada e republicada pela Portaria nº 1538/2008, de 30-12, para apresentação da peça processual prevista no art. 98°-J do CPT, indicando, no local do formulário respeitante à indicação do rol de testemunhas, apenas uma testemunha;

2. Em ficheiro anexo, remeteu a mesma peça processual, com o rol de testemunhas do qual constavam 3 testemunhas.


+

Sob a epígrafe “preenchimento dos formulários” dispõe o art. 6° da citada Portaria:

1 - Quando existam campos no formulário para a Inserção de Informação específica, essa Informação deve ser Indicada no campo respectivo, não podendo ser apresentada unicamente nos ficheiros anexos.

2 - Em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários

Daí que, a apelante defenda a prevalência do rol de testemunhas indicado no formulário, em detrimento do indicado no ficheiro anexo.

A jurisprudência produzida sobre a matéria, tal como refere a Exmª, PGA vai no sentido de que havendo desconformidade entre a prova indicada no formulário ( ou melhor no caso de falta de indicação de prova) e a prova indicada na peça processual remetida em ficheiro anexo, o tribunal deve admitir a prova indicada na peça processual remetida através de ficheiro anexo.

Para um melhor enquadramento, passamos a transcrever o Ac. da Rel. do Porto de 2010-04-12, Proc. n° 823/08.2TBCHV-A.P1, consultável em www.dgsi.pt/jtrp.

“Por sua vez, o nº 2 do mesmo artigo 6º estabelece uma regra de prevalência do conteúdo dos formulários sobre a informação constante dos ficheiros, caso haja desconformidade entre ambos, donde se extraí que a lei pressupõe que o campo específico do formulário tenha sido preenchido, uma vez que o termo "desconformidade" utilizado no preceito etimologicamente significa uma falta de acordo, discordância, desarmonia, divergência

Por conseguinte, se a lei menciona uma "discordância entre" conteúdos, a expressão pressupõe um referencial comparativo, pelo menos, entre dois parâmetros, cada um com o seu conteúdo material, havendo uma divergência, uma desarmonia, uma discordância nos respectivos conteúdos. Por isso, não se afigura minimamente aceitável, atento o artigo 9º nº 3 do Código Civil, que o legislador tenha querido abranger com a expressão "desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros" situações em que a comparação não é possível de ser feita pela positiva, por ter sido omitido por completo a inserção do conteúdo no formulário.

Mas para além disso, também resulta da interpretação do sentido da norma que o apuramento da desconformidade impõe a comparação entre conteúdos (e não entre um conteúdo e a omissão do mesmo), pois o legislador impôs no nº 1 do mesmo preceito que havendo campo específico, o conteúdo não pode constar apenas do ficheiro. Ou seja, o legislador previu a hipótese de o conteúdo não constar do ficheiro, mas não concebeu a hipótese do conteúdo ser omitido no formulário, daí que tenha apenas prescrito a regra da prevalência do conteúdo aposto no formulário.

Consequentemente, quando o campo do formulário relativo aos meios de prova não foi preenchido, estando o rol de testemunhas apenas inserido na peça processual apresentada, ocorre uma lacuna na previsão normativa quanto às consequências jurídicas dessa omissão, que cumpre colmatar, em conformidade com as directrizes do artigo 10º do Código Civil

No caso, afigura-se-nos que poderiam ser aventadas três possibilidades:

1ª- não aceitação do conteúdo do ficheiro e recusar o recebimento do rol de testemunhas (opção que o Tribunal recorrido perfilhou):

2ª- aceitar o rol de testemunhas inserido na peça processual anexada ao formulário.

3ª- mandar completar o preenchimento do formulário no campo específico em causa, dando-se cumprimento ao comando vertido nº 1 do artigo 6º da Portaria e, nomeadamente, aplicar a regra da prevalência inserta nº 2 do mesmo preceito, sendo caso disso.

Destas três soluções, não temos muitas dúvidas em afirmar que aquela que deve ser excluída categoricamente, é a primeira, considerando tudo o que atrás se mencionou quanto aos objectivos prosseguidos pelo projecto da desmaterialização e simplificação de actos e processos judiciais, apresentando-se como altamente contraditório que medidas que visam, em última instância, desburocratizar e simplificar procedimentos judicias, acabem por ser interpretadas como limitativas ou restritivas dos direitos das partes.

Partes estas que, provavelmente, não terão conseguido assimilar e dominar com suficiente eficácia e prontidão todos os procedimentos exigidos pela aplicação, não sendo alheia a tal dificuldade a necessidade de conhecerem e de se adaptarem a um sistema totalmente diferente, que exige a utilização de meios electrónicos, com os quais poderão não estar muito familiarizadas e que, seguramente, rompem com rotinas e procedimentos sedimentados.

Mas para além desta razão de ordem geral, há que procurar o sentido da norma que o legislador criaria, legislando dentro do espírito do sistema onde se insere a Portaria nº 114/2008, atento o disposto no nº 3 do artigo 10º do Código Civil.

Considerando que todos os mecanismos criados neste diploma visam garantir um único ficheiro, com um determinado formado digital (pdf-portable document formar- cfr. artigo 7º nº 1 da Portaria nº 114/2008, na redacção dada pela Portaria nº 457/2008, de 2006), constituído pela própria peça processual, documentos e informação que se inseriu nos campos do formulário, ficheiro esse devidamente organizado, de forma a permitir o acesso, manuseamento e consulta rápida, mas também a segurança, integralidade, autenticidade do seu conteúdo, afigura-se-nos que a norma a criar sempre salvaguardaria a possibilidade de ser levado em conta o conteúdo dos ficheiros anexados, considerando que os mesmos fazem parte integrando do referido ficheiro único criado pela aplicação informática em causa.

E constatando-se que o legislador não elegeu como fazendo parte dos campos dos formulários todo o conteúdo das peças processuais, nem sequer todos os meios probatários, sem que com isso signifique que a parte não os possa requerer na peça processual que anexa ao formulário, e que o campo relativo à indicação da prova testemunhal, na fase da apresentação da petição inicial e da contestação, nem sequer é de preenchimento obrigatório, em termos de colmatação da lacuna, a solução que se apresenta como mais próxima da solução acolhida na Portaria nº 114/2008, e portanto aquela que o legislador teria previsto, passa pela atendibilidade daquele meio probatório, desde que inserido na peça processual, ainda que omitido no preenchimento do formulário.

Também se nos afigura que se deve excluir a possibilidade de aperfeiçoamento do preenchimento do formulário, na medida em que o acto se afigura perfeitamente inútil! e, por isso, não deve ser praticado (artigo 137º do CPC).

Na verdade, se em face do artigo 6º nº 2 da Portaria nº 114/2008, podemos interpretar a exigência da inserção do rol de testemunhas no campo específico como um mecanismo de resolução de desconformidades ente conteúdos (do formulário e da peça processual), é manifesto que da omissão do preenchimento daquele campo resulta a impossibilidade de ocorrer essa desconformidade. Portanto, ordenar o preenchimento apenas para aferir da eventual e futura desconformidade, afigura-se impensável, dada a manifesta falta de utilidade da correcção, tendo o grave inconveniente de criar uma delonga processual inusitada e despropositada, absolutamente adversa à finalidade última visada pela referida Portaria. Por isso, não parece existir qualquer justificação que determine esse tipo de intervenção processual.

E, nesse aspecto, discordamos da apelante que, afinal, centra toda a impugnação na invocação da prática duma nulidade - que não se vislumbra, já que a omissão do preenchimento do campo do formulário é exclusivamente imputável à parte que o preenche - ou no dever do juiz suprir irregularidades praticadas pela parte, em prol de um principio da igualdade processual das partes (artigo 266º nº 2 do CPC), que, a nosso ver, não se encontra minimamente beliscado, já que nada indicia que tenha havido qualquer tratamento diferenciado das partes do processo.

Já acompanhamos a ideia, também aflorada pela apelante, que o exagerado formalismo na interpretação e aplicação das regras jurídicas acaba por impedir uma justa composição do litígio, descredibilizando a eficácia da actuação da função jurisdicional, na medida em que se dá predominância à forma em detrimento da substância, transformando o acessório em principal”

Mas conforme refere a Exmª PGA “é certo que, sempre se poderia argumentar que, no caso sub iudice, a solução não pode ser a adoptada no douto acórdão ora citado, porque não houve uma omissão do preenchimento do campo do formulário relativo à indicação do rol de testemunhas, mas uma desconformidade entre o rol de testemunhas indicado no preenchimento do campo do formulário e o o rol de testemunhas indicado na peça processual enviada em anexo (este correspondente ao primeiro, mas aditado)”.

Porém, o art. 63° do CPT diz o seguinte:

“Artigo 63º Indicação das provas

1 - Com os articulados, devem as partes juntar os documentos, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas.

2 - O rol de testemunhas pode ser alterado ou aditado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade no prazo de 5 dias»

Ora se o legislador prevê que, depois de ser indicado num articulado, o rol de testemunhas pode sempre ser aditado até 20 dias antes da audiência final, parece-nos que seria uma restrição injustificada do direito a litigar (e uma violação do art. 20° da CRP) rejeitar o aditamento do rol realizado no próprio momento da apresentação do articulado, em ficheiro anexo ao formulário”

Na verdade, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei devendo, designadamente, ter em conta a unidade do sistema jurídico, unidade esta cada vez mais reclamada nos tempos que correm considerando a grande proliferação legislativa.

Há necessidade de procurar a harmonia no sistema jurídico, de forma a torná-lo compreensível e não contraditório com vista a obter rápidas e entendíveis resposta às diversas solicitações dos intervenientes desse sistema, dando prevalência à substância em detrimento da forma.

Assim sendo, atento o disposto no nº 2 do artigo 63º do Cód. Proc. Trabalho não se compreenderia que não fosse possível aditar o rol no próprio momento da apresentação do articulado em ficheiro anexo ao formulário.

Daí que a apelação deva improceder.

Quanto à questão de saber se uma das pessoas arroladas como testemunha pode depor nessa qualidade é questão a decidir no tribunal a quo pois não vemos que tenha já havido pronúncia sobre tal questão.


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VI Termos em que se delibera julgar totalmente improcedente a apelação com integral confirmação da sentença recorrida.

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Custas a cargo da apelante (sem prejuízo do apoio judiciário)

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Joaquim José Felizardo Paiva (Relator)



Manuela Bento Fialho


Luís Miguel Ferreira de Azevedo Mendes


[1] Na decisão a tomar seguiremos de perto o parecer da Exmº PGA com o qual concordamos.