Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1959/08.5PBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ABÍLIO RAMALHO
Descritores: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
FUNDAMENTO JURÍDICO
Data do Acordão: 06/01/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 4º JUÍZO CRIMINAL DAS VARAS DE COMPETÊNCIA MISTA E JUÍZOS CRIMINAIS DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NULIDADE DA RECLAMAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGO 417º Nº 8 CPP
Sumário: 1.- A figura jurídica de reclamação prevenida no n.º 8 do art.º 417 do CPP, como em qualquer ramo do direito cuja disciplina a contemple, constitui uma prerrogativa legal, procedimental de controlo, de impugnação dalgum dos actos decisórios enunciados nos nºs. 6 e 7 do citado normativo 417.º, posta à disposição do destinatário da respectiva decisão que por ela se considere prejudicado, tendente à referente revogação, modificação ou substituição por ilegalidade, por si exercitável, se e enquanto se não tiver conformado – expressa ou tacitamente – com o atinente acto;
2.- A reapreciação – em conferência – do acto reclamado por órgão colegial não tem por finalidade uma eventual desautorização do relator fundada num qualquer ideado critério de força, de autoridade resultante de virtual somatório de diferentes sensibilidades da maioria mas antes, a ponderação de pertinente argumentação jurídica que o reclamante de novo necessariamente aduza no respectivo acto de reclamação, no sentido demonstrativo da ilegalidade da concernente apreciação e decisão pelo relator;
3.- Daí que não se apontando na reclamação a específica ilegalidade crítica e dogmática à fundamentação jurídica da questionada decisão-sumária, deixa o invocado mecanismo jurídico-processual de reclamação esvaziado de conteúdo e, dessarte, verdadeiramente corrompido pelo vício de ineptidão, por falta da causa-de-pedir (fundamento jurídico).
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO


1 – O cidadão-arguido PM..., inconformado com a sentença – exarada a fls. 137/153 – que, na sequência de pertinente julgamento, o condenou à reacção penal de 7 (sete) MESES DE PRISÃO, suspensa na respectiva execução pelo período de 1 (um) ano, a título punitivo da pessoal autoria comissiva duma infracção criminal de simulação de crime, (p. e p. pelo art.º 366.º, n.º 1, do Código Penal) – consistente na informação à competente autoridade policial, em 24/09/2008, de que o seu veículo automóvel (Toyota Celica, de matrícula n.º « …»), que momentos antes ilegalmente conduzira (sem carta), e com que embatera noutro veículo, e que entretanto abandonara na via, lhe houvera sido anteriormente subtraído (furtado) –, dela recorreu[1], pugnando pela atenuação especial da correspondente pena, em essencial razão de suposto arrependimento e reposição da realidade histórica, como se observa, máxime, do quadro-conclusivo da respectiva motivação – consabidamente delimitador do objecto e fundamento do dissídio:
«[…]
1. Vem o arguido condenado numa pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, por um crime de simulação de crime (de furto de veículo automóvel) p. p. pelo artigo 366 do CP.
2. Tal falsa participação de factos como crime desperou a sua consciência ética no sentido de voluntariamente, e imediatamente a seguir a tais factos ilícitos, repor a verdade dos factos, reparando o mal causado e evitando aturada investigação.
3. Confessou, mais uma vez todos os factos constantes da acusação em sede de audiência e julgamento.
4. Apesar do extenso passado criminal (que aliás não engloba em regra a violação do bem jurídico aqui protegido), a conduta do arguido parece-nos reveladora o bastante da sua orientação para a ressocialização e para o não cometimento de novos crimes, prevenção especial a que além do mais se destina o sistema punitivo português e que assim deveria ter intervindo mais comedidamente.
5. A douta sentença condenatória em crise não sopesou o bastante essa conduta do arguido na determinação da medida concreta da pena, desconsiderando uma eventual atenuação (prevista pelo artigo 72º do CP) sobre a qual se deveria ter pronunciado - sob pena de nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.
6. Foram assim, em nosso entender, violados os artigos 40º, nº 2, 71º, nº 1, al. e), e 72, nº 2, al. c), todos do CPenal quanto à medida da pena.
[…]»

2 – Realizado o pertinente exame preliminar, em conformidade com o estatuído no n.º 6, al. b), do art.º 417 do CPP, por decisão-sumária do desembargador-relator – exarada a fls. 173/176 – foi o recurso rejeitado, por manifesta improcedência, em essencial razão do irrebatimento jurídico da bem estruturada e assisada fundamentação da particular vertente do sindicado julgado – medida da pena, [processada ao longo de quatro páginas, (de fls. 146 a 150)] –, em inobservância, pois, do ónus postulado pelo art.º 412.º, n.º 2, al. b), do C. P. Penal.   

3 – Dela reclamou o id.º arguido/recorrente para a conferência[2], reiterando – no que de útil emerge da respectiva discorrência – a convicção[3] do casual/particular cabimento da atenuação especial da pena e do cometimento – pelo julgador – da nulidade prevenida no art.º 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, por não ter sido apreciada/contemplada na sindicada/questionada[4] sentença.


II – AVALIAÇÃO


O dissídio do id.º sujeito quanto à validade jurídica da enunciada decisão-sumária queda-se, essencialmente, pela mera manifestação da pessoal discordância relativamente ao juízo nela documentado sobre a inidoneidade da fundamentação recursória à legitimação jurídico-processual da propugnada alteração decisória, desacompanhada de preciso/ponderável rebatimento jurídico das atinentes razões que, naturalmente, lhe caberia, já que, como é bom-de-ver, a reapreciação em conferênciado acto reclamado por órgão colegial não tem por finalidade uma eventual desautorização do relator fundada num qualquer ideado critério de força, de autoridade resultante de virtual somatório de diferentes sensibilidades da maioria – como, afinal, desplantemente se acaba por assumir na peça de reclamação, na medida em que expressamente se sustenta assistir ao arguido o direito (potestativo?!) ao recurso meramente com vista à obtenção de segunda opinião mais benevolente (!), e portanto, meramente fundada em critérios subjectivos, (cfr. fls. 180)[5] –, mas antes, evidentemente, a ponderação de pertinente argumentação jurídica que o reclamante de novo necessariamente aduza no respectivo acto de reclamação, no sentido demonstrativo da ilegalidade da concernente apreciação e decisão pelo relator, posto que, pela própria natureza e definição, a figura jurídica de reclamação prevenida no n.º 8 do art.º 417 do CPP, como em qualquer ramo do direito cuja disciplina a contemple, sempre se haverá que constituir numa prerrogativa legal, procedimental de controlo, de impugnação dalgum dos actos decisórios enunciados nos ns. 6 e 7 do citado normativo 417.º, posta à disposição do próprio destinatário da respectiva decisão que por ela se considere prejudicado, tendente à referente revogação, modificação ou substituição por ilegalidade[6], por si exercitável, se e enquanto se não tiver conformado – expressa ou tacitamente – com o atinente acto[7].

De facto, não basta a simplista contraposição de vã afirmação do cometimento pelo julgador do invocado vício de nulidade da sentença por omissão de específica apreciação da aplicabilidade do instituto jurídico de atenuação especial da pena, sem que se demonstre ter-lhe sido oportunamente demandada a respectiva ponderação – o que, aliás, se não vislumbra, máxime porque nada na peça de contestação se alega a esse propósito (ou doutro), limitando-se o respectivo conteúdo à simples remissão para o mérito dos autos, (cfr. fls. 103) –, e que, por isso, sobre tal questão se houvesse (o julgador) necessariamente que pronunciar, como se pressupõe na convocada al. c) do n.º 1 do art.º 379.º do CPP, ou, ainda, o operado retorquimento de pretensa perfectibilização do ónus postulado pelos ns. 1 e 2, al. b), do art.º 412.º do CPP, cuja irrealização expressamente se ajuizou no despacho ora reclamado.

Assim, como se conforta com a singela afirmação do contrário, sem que qualquer específica ilegalidade crítica e dogmaticamente aponte à fundamentação jurídica da questionada decisão-sumária, deixa o invocado mecanismo jurídico-processual de reclamação apodicticamente esvaziado de conteúdo e, dessarte, verdadeiramente corrompido pelo vício de ineptidão, por falta da causa-de-pedir (fundamento jurídico), por si gerador da respectiva nulidade, excepção dilatória comprometedora do conhecimento da formulada pretensão de ponderação da aplicabilidade do instituto jurídico de atenuação especial da pena, e de decorrente alteração da objectada sentença, [cfr. arts. 193.º, n.º 2, al. a); 288.º, n.º 1, al. b); 493.º, ns. 1 e 2; 494.º, al. b), e 495.º, do C. P. Civil, e 4.º do C. P. Penal].


III – DISPOSITIVO


Por conseguinte, o órgão colegial judicial reunido para o efeito em conferência neste Tribunal da Relação de Coimbra delibera:

1 – Julgar/declarar a avalianda reclamação como afectada pela excepção dilatória de nulidade, por falta de específica censura jurídica da fundamentação da questionada decisão-sumária, e, consequentemente, abster-se de qualquer resolução quanto ao respectivo merecimento.

2 – A condenação do id.º recorrente/reclamante PM... ao pagamento da sanção pecuniária equivalente a 3 (três) UC, a título de taxa de justiça, pelo decaimento na reclamação, (cfr. normativos 513.º, n.º 1, do CPP; 82.º e 84.º, do Código das Custas Judiciais, ainda aplicável ao caso sub judice, por força do estatuído no art.º 27.º, n.º 1, do D.L. n.º 34/2008, de 26/02).


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Acórdão elaborado pelo relator, primeiro signatário, (cfr. art.º 94.º, n.º 2, do C. P. Penal).

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Coimbra, 1 de Junho de 2011.

Os Juízes-desembargadores:

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(Abílio Ramalho, relator)

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(Luís Ramos)


[1] Pela peça processual junta a fls. 155/157, cujos dizeres nesta sede se têm por reproduzidos.
[2] Pela peça junta a fls. 179/181.
[3] Decerto a pessoal do seu Ex.mo defensor!
[4] Sinonímias da expressão afrontada, utilizada no despacho ora reclamado, e que, desconcertantemente, tanto incomodou o Ex.mo advogado signatário da reclamação, que, quiçá por distracção/irreflexão, equivocamente a interpretou com o sentido de aviltação, menosprezo, ultraje, (…!).
[5] «[…]
Assim como em boa verdade não nos se nos afigura errónea a convicção […] de que é lícito ao arguido pretender ver do tribunal superior (em segunda opinião mais benevolente) reduzida a sua pena. – (realce do relator)
[6] Em direito administrativo também por inconveniência, (cfr. art.º 159.º do Código de Procedimento Administrativo).
[7] Vide, a propósito da reclamação no domínio do direito administrativo, arts. 158.º, ns. 1 e 2, al. a), 159.º, 160.º e 53.º, n.º 4, do Código de Procedimento Administrativo (CPA), e, por todos, Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, in Direito Administrativo Geral – Actividade Administrativa, Tomo III, 1.ª Edição (Fevereiro de 2007), Editora Dom Quixote, pags. 207/211].