Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5614/10.8TBLRA-I.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO SANTOS
Descritores: INSOLVÊNCIA
MEIO PROCESSUAL
FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
SUB-ROGAÇÃO
CRÉDITO
GARANTIA
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
TRABALHADOR
HABILITAÇÃO
Data do Acordão: 02/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T. JUDICIAL DE LEIRIA 5º J. CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 322º DA LEI N.º 35/2004, DE 29 DE JULHO DE 2004
Sumário: O meio processual próprio para o Fundo de Garantia Salarial requerer, em processo de insolvência, a sub-rogação nos direitos de crédito e respectivas garantias, nomeadamente privilégios creditórios dos trabalhadores, na medida dos pagamentos que lhe efectuou, acrescidos dos juros de mora vincendos, nos termos do artigo 322º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho de 2004, é o incidente de habilitação.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª secção cível do tribunal da Relação de Coimbra



O Fundo de Garantia Salarial [FGS] requereu, no processo de insolvência da sociedade A... , “se considerasse o Fundo sub-rogado nos direitos e privilégios creditórios dos trabalhadores supra referidos na medida dos pagamentos efectuados, acrescidos dos juros de mora vincendos, nos termos do artigo 322º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho”.
Em abono da sua pretensão alegou que pagou aos trabalhadores da insolvente A... , SA, identificados no mapa resumo de créditos, o valor constante da certidão junta como documento n.º1; que o valor pago pelo FGS refere-se a créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação devidos aos trabalhadores pela sociedade insolvente; que os créditos, incluindo o crédito de juros de mora, gozam de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário geral, sendo graduados imediatamente a seguir à posição dos créditos dos trabalhadores.
A Meritíssima juíza do tribunal a quo ordenou a notificação do requerente para, em 10 dias, e sob pena de indeferimento liminar, juntar aos autos os elementos a que aludem os n.ºs 3 e 4 do artigo 376º do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro.
Notificado deste despacho, o Fundo de Garantia Salarial alegou que não concordava com o entendimento da Meritíssima juíza do tribunal a quo. Segundo o Fundo, ele não reclamava o pagamento dos seus créditos por os ter adquirido ou por os mesmos lhes terem sido cedidos por qualquer tipo contratual gratuito ou oneroso, mas porque, nos termos legais, competia ao FGS, em caso de incumprimento da entidade patronal, assegurar aos trabalhadores o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho ou os provenientes da sua cessação, nomeadamente nos casos em que fosse declarada a insolvência.
Pronunciando-se sobre a resposta do Fundo de Garantia Salarial, a Meritíssima juíza do tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: “Sem prejuízo do acerto substantivo do que vem exposto, certo é que, na ausência de disposição especial, a substituição processual das partes há-de obedecer aos mecanismos legalmente previstos no Código de Processo Civil, estranhando-se até a posição ora vertida pelo FGS que, em situações idênticas à dos autos, já providenciou, como deve, pela junção dos elementos em causa. Renovo, pois, o 2º parágrafo do despacho de fls. 9 do p.p.”.
Notificado deste despacho, o Fundo de Garantia Salarial alegou que continuava a considerar que não estava perante um incidente de habilitação; que a posição defendida pelo FGS tinha merecido acolhimento unânime nos tribunais em que efectuou reclamações de créditos; que juntava o requerimento apresentado pelo trabalhador para efeitos de pagamento dos seus créditos emergentes de contrato de trabalho e a informação do processo sobre o qual recaiu o despacho de deferimento parcial, por forma a não provocar os atrasos que da interposição do recurso adviriam para a marcha do processo.
De seguida, a Meritíssima juíza do tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: “uma vez que duas vezes notificado para o efeito, o requerente persiste em não juntar os elementos a que aludem os n.ºs 3 e 4 do artigo 376º do CPC, na redacção conferida pelo Decreto-lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro, sem justificar validamente tal omissão (como já exarado no despacho proferido a fls.4 do pp), indefiro liminarmente o requerimento inicial.
O Fundo de Garantia Salarial não se conformou com este despacho e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo:
1. Se declarasse que os créditos reclamados se encontravam devidamente documentados;
2. Se declarasse que não era através do recurso ao incidente de habilitação de adquirente, nos termos vazados no artigo 376º, nº 1 do CPC, que o FGS podia vir a substituir-se ao trabalhador/credor por falta de verificação de pressuposto essencial e que se prendia com a inexistência de litígio sobre a quantia paga pelo FGS;
3. Se declarasse que, pago o débito que a insolvente tinha para com a sua trabalhadora, ficava por via desse pagamento o FGS sub-rogado nos poderes que ao trabalhador competiam – artigo 593º do CC – e era nessa qualidade que se dirigia ao tribunal onde corria o processo de insolvência, o que podia fazer mediante requerimento autónomo devidamente instruído;
4. Se declarasse, consequentemente, que o FGS se encontrava, nos presentes autos, sub-rogado nos direitos e privilégios creditórios da trabalhadora supra referida, na medida dos pagamentos efectuados, acrescidos dos juros de mora vincendos, nos termos do art. 322º da Lei 35/2004, de 29 de Julho, tudo com inerentes consequências legais.
Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes:
1. Em 21.10.2011 o FGS apresentou nos autos principais, ao abrigo do art. 322º da Lei 35/2004, de 20 de Julho, requerimento de reclamação de créditos para efeitos de sub-rogação, tendo junto os documentos necessários para instruir e provar os factos alegados.
2. Como consta da conclusão de 08.01.2013, o requerimento apresentado pelo FGS foi junto, aquando da sua apresentação, a fls. 50 a 56 do apenso de reclamação de créditos, sendo que, por despacho de 28.11.2012, foi ordenado o seu desentranhamento e autuação como apenso próprio.
3. Por despacho de 08.01.2013, foi ordenada a notificação do FGS para, em 10 dias e sob pena de indeferimento liminar, juntar aos autos os elementos a que aludem os nºs 3 e 4 do art. 376º do CPC, na redacção conferida pelo DL 226/2008, de 20 de Novembro.
4. Face a tal despacho, e porque se tratava de uma situação completamente nova, o FGS apresentou um requerimento no qual manifestou a sua discordância com o ordenado, fundamentando, no essencial, a sua posição com o facto de não se estar perante um incidente de habilitação, já que o FGS não reclama o pagamento dos seus créditos por os ter adquirido ou por os mesmos lhe terem sido cedidos por qualquer tipo contratual gratuito ou oneroso, mas sim porque, nos termos legais, compete ao FGS, em caso de incumprimento da entidade patronal, assegurar aos trabalhadores o pagamento dos créditos emergentes dos contratos de trabalho, ou os provenientes da sua cessação, nomeadamente nos casos em que seja declarada a insolvência.
5. Concluiu o FGS aquele requerimento, requerendo novamente que fosse considerado sub-rogado nos direitos e privilégios creditórios da trabalhadora em causa, na medida dos pagamentos efectuados, acrescidos dos juros de mora vincendos, nos termos do art. 322º da Lei 35/2004, de 29 de Julho.
6. Por despacho de 11.02.2013, o Mmo. Juiz a quo, manteve o seu despacho anterior.
7. Não obstante o FGS ter continuado a entender que a tramitação da sua reclamação não deveria ser efectuada através do incidente de habilitação previsto no art. 376º do CPC, posição que se encontra apoiada, quer na prática de outros tribunais, nomeadamente, do mesmo círculo judicial como se pode constatar pelos documentos que ora se juntam (doc.s 1 a 4), mas principalmente e acima de tudo no teor do Acórdão da Relação de Coimbra, de 30.10.2010, proferido no âmbito do processo 2057/08.7TBACB-EC1- in http://www.dgsi.pt/jtrc.
8. O FGS, após ter sido notificado daquele despacho, deu, em 19.04.2013, cumprimento ao mesmo, tendo junto aos autos, como ordenado, os restantes dois documentos de que dispunha relativamente ao crédito em causa, a saber: o requerimento apresentado pela trabalhadora para efeitos de pagamento dos seus créditos emergentes de contrato de trabalho, e a Informação do processo elaborada pelos serviços do FGS, sobre a qual recaiu despacho de deferimento parcial.
9. Com a junção aos autos destes dois documentos, ficaram estes devidamente instruídos com todos os documentos que o FGS detém para fundamentar o seu pedido, ou seja: os referidos supra, e os juntos com o requerimento inicial.
10. Tendo-se por certo que o tribunal sabe que a intervenção do FGS decorre de um procedimento administrativo desencadeado pelo trabalhador, o qual tem início num requerimento apresentado pelo credor/trabalhador e dirigido ao FGS para efeitos de pagamento dos seus créditos emergentes de contrato de trabalho, no qual não se verifica qualquer litígio sobre a quantia paga pelo FGS, não se percebe a que elementos aludidos nos nºs 3 e 4 do art. 376º do CPC o tribunal se refere, sendo que tais elementos pressupõem a existência de um litígio que no caso concreto não se verifica.
11. Consequentemente, tendo o FGS junto aos autos todos os documentos de que dispõe para apreciação do seu requerimento, mesmo que se entenda que o mesmo deva ser apreciado no âmbito do incidente de habilitação, deve ser considerado que se encontra devidamente provado documentalmente o seu requerimento, ao contrário do decidido na decisão em crise.
12. O despacho de que se recorre tem por base o entendimento que o FGS deverá reclamar o pagamento dos seus créditos por meio do incidente de habilitação previsto nos artigos 371º e seguintes do CPC.
13. Não pode o FGS concordar com tal entendimento, pois não estamos perante um incidente de habilitação, já que o FGS não reclama o pagamento dos seus créditos por os ter adquirido ou por os mesmos lhe terem sido cedidos por qualquer tipo contratual gratuito ou oneroso, ou até litigiosamente, mas sim porque, nos termos legais, compete ao FGS, em caso de incumprimento da entidade patronal, assegurar aos trabalhadores o pagamento dos créditos emergentes dos contratos de trabalho, ou os provenientes da sua cessação, nomeadamente nos casos em que seja declarada a insolvência.
14. Os créditos reclamados nos autos respeitam a indemnização e compensação devidas a uma trabalhadora pela cessação do contrato de trabalho, os quais se venceram nos seis meses que antecederam a data da propositura da acção, e estão devidamente documentados, como se verifica pelos documentos juntos com a petição inicial, quer pelos documentos juntos em 19.04.2013.
15. Nos termos do art. 322º do Regulamento do Código do Trabalho, o FGS fica subrogado nos direitos e privilégios creditórios dos trabalhadores, na medida dos pagamentos efectuados acrescidos dos juros de mora que se venham a vencer.
16. Quer isto dizer, que o FGS passa a ocupar a posição de credor que lhes competia até ao limite do que lhes tiver pago.
17. No caso sub judice a A... , S.A., foi declarada insolvente e o FGS pagou à trabalhadora identificada na petição inicial os valores correspondentes a indemnização e compensação descriminados naquela peça.
18. Tratando-se, como se trata, de uma sub-rogação legal - não de uma habilitação – o FGS deverá ocupar na fase de pagamento o lugar daquela trabalhadora, em função da respectiva graduação.
19. Em abono da posição aqui sustentada pelo FGS, veja-se o do Acórdão da Relação de Coimbra, de 30.10.2010, proferido no âmbito do processo 2057/08.7TBACB-EC1- in http://www.dgsi.pt/jtrc.
20. Ao decidir como decidiu, violou o Mmo. Juiz a quo o disposto no art. 322º do Regulamento do Código do Trabalho
Não houve resposta ao recurso.
  Considerando o que se acaba de expor, entende-se que a questão suscitada pelo recurso é a de saber se a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que declare que o Fundo de Garantia Salarial se encontra sub-rogado nos direitos e privilégios creditórios da trabalhadora B... , na medida dos pagamentos efectuados pelo Fundo, acrescidos dos juros de mora vincendos, nos termos do artigo 322º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho.
Deve dizer-se que a este tribunal não cabe, mesmo que julgue procedente o recurso, declarar, na parte dispositiva do acórdão, o que é pedido pelo recorrente, ou seja:
1. Declarar que os créditos reclamados se encontravam devidamente documentados;
2. Declarar que não era através do recurso ao incidente de habilitação de adquirente nos termos vazados no artigo 376º, nº 1 do CPC, que o FGS pode vir substituir-se ao trabalhador/credor por falta de verificação de pressuposto essencial e que se prende com a inexistência de litígio sobre a quantia paga pelo FGS;
3. Declarar que pago o débito que a insolvente tinha para com a sua trabalhadora, ficava por via desse pagamento o FGS sub-rogado nos poderes que ao trabalhador competiam – artigo 593º do CC – e era nessa qualidade que se dirigia ao tribunal onde corria o processo de insolvência, o que podia fazer mediante requerimento autónomo devidamente instruído.
E não cabe porque os recursos, sendo meios de impugnação de decisões judiciais, têm por fim a alteração ou a anulação da decisão recorrida, como resultava com clareza do n.º 1 do artigo 676º do CPC de 1961 [ao dispor que “as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos”] e do n.º 1 do artigo 685º-A, do mesmo diploma [ao dispor que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”], normas em vigor aquando da interposição do recurso. E assim sendo, o que a lei consente ao recorrente é que peça a alteração ou a anulação do que foi decidido. A lei não lhe consente que formule novos pedidos, transformando o recurso numa espécie de acção de simples apreciação, como sucede no caso.
Com isto não se quer dizer que este tribunal não se pronuncie sobre a alegação do recorrente segundo a qual os créditos se encontram devidamente documentados, ou sobre a alegação de que não é através do incidente de habilitação que o Fundo se pode substituir ao trabalhador ou sobre a alegação de que, pago o débito que o insolvente tinha para com a sua trabalhadora, fica o Fundo, por essa via, sub-rogado nos poderes que ao trabalhador competiam.
Certamente que irá pronunciar-se sobre elas. Porém, irá fazê-lo porque estas alegações fazem parte das razões pelas quais o recorrente pede a revogação do despacho recorrido e a substituição dele por outro que declare que o Fundo de Garantia Salarial se encontra sub-rogado nos direitos e privilégios creditórios da trabalhadora B.... .         
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Os factos relevantes para a decisão são os constantes do relatório do acórdão e ainda os seguintes:
1. A sociedade A... , SA foi declarada insolvente por decisão proferida em 9 de Novembro de 2010.
2. O prazo para a reclamação de créditos terminou em 13 de Janeiro de 2012.
3. B... reclamou créditos no montante de €81 403,76 (oitenta e um mil quatrocentos e três euros e dezassete cêntimos).
4. Deste montante, € 46 263,80 foram reclamados a título de indemnização por cessação do contrato de trabalho; € 3 110,10 foram reclamados a título de férias e subsídios de férias e de natal proporcionais ao tempo de trabalho prestado no ano da cessação do contrato de trabalho (2010); € 30 034, 17 foram reclamados a título de retribuição devida desde Junho de 2009 até Abril de 2010; € 1995,69 foram reclamados a título de férias vencidas e não gozadas. 
5. Em 24 de Outubro de 2012, o administrador da insolvência apresentou a relação dos créditos reconhecidos e dos não reconhecidos. Entre os reconhecidos figura o crédito reclamado por B... no montante de € 81 403,76.
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Descritos os factos, passemos à apreciação dos fundamentos o recurso, a fim de dar resposta à questão por ele suscitada.
O recorrente contesta a decisão com a seguinte linha argumentativa:
1. A intervenção do FGS decorre de um procedimento administrativo desencadeado pelo trabalhador, o qual tem início num requerimento apresentado pelo credor/trabalhador e dirigido ao FGS para efeitos de pagamento dos seus créditos emergentes de contrato de trabalho, no qual não se verifica qualquer litígio sobre a quantia paga pelo FGS, não se percebe a que elementos aludidos nos nºs 3 e 4 do art. 376º do CPC o tribunal se refere, sendo que tais elementos pressupõe a existência de um litígio que no caso concreto não se verifica;
2. Tendo o FGS junto aos autos todos os documentos de que dispõe para apreciação do seu requerimento, mesmo que se entendesse que o mesmo deva ser apreciado no âmbito do incidente de habilitação, deve ser considerado que se encontra devidamente provado documentalmente o seu requerimento, ao contrário do decidido na decisão em crise;
3. A reclamação de créditos do Fundo não deve fazer-se por meio do incidente de habilitação previsto nos artigos 371º e ss. do CPC, já que o FGS não reclama o pagamento dos seus créditos por os ter adquirido ou por os mesmos lhe terem sido cedidos por qualquer tipo contratual gratuito ou oneroso, ou até litigiosamente, mas sim porque, nos termos legais, compete ao FGS, em caso de incumprimento da entidade patronal, assegurar aos trabalhadores o pagamento dos créditos emergentes dos contratos de trabalho, ou os provenientes da sua cessação, nomeadamente nos casos em que seja declarada a insolvência;
4. Os créditos reclamados nos autos respeitam a indemnização e compensação devidas a uma trabalhadora pela cessação do contrato de trabalho, os quais se venceram nos seis meses que antecederam a data da propositura da acção, e estão devidamente documentados, como se verifica pelos documentos juntos com a p.i., quer pelos documentos juntos em 19.04.2013;
5. Nos termos do art. 322º do Regulamento do Código do Trabalho, o FGS fica subrogado nos direitos e privilégios creditórios dos trabalhadores, na medida dos pagamentos efectuados acrescidos dos juros de mora que se venham a vencer; isto é, o FGS passa a ocupar a posição de credor que lhes competia até ao limite do que lhes tiver pago.
6. Tratando-se, como se trata, de uma sub-rogação legal - não de uma habilitação – o FGS deverá ocupar na fase de pagamento o lugar daquela trabalhadora, em função da respectiva graduação;
7. Ao decidir como decidiu, o despacho recorrido violou o disposto no artigo 322º do Regulamento do Código do Trabalho.
Como se procurará demonstrar, esta alegação não procede contra a decisão recorrida.
É certo, como alega o recorrente:
1. Que o Fundo de Garantia Salarial assegura ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos casos em que o empregador não cumpre a sua obrigação e seja declarado insolvente. É o que resulta do disposto nos artigos 317º e 318º, n.º 1, da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho. A propósito deste diploma cabe esclarecer o seguinte. A Lei n.º 35/2004 regulamentou a Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho. O artigo 12º, alínea b), da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, revogou a Lei n.º 35/2004. Porém, o n.º 6 deste mesmo artigo 12º estabeleceu que a revogação dos artigos 317º a 326º da Lei 35/2004 sobre o Fundo de Garantia Salarial só produzia efeitos a partir da entrada em vigor do diploma que regulamentasse a mesma matéria. Como esta regulamentação ainda não foi feita, estão em vigor os artigos da Lei n.º 35/2004 relativos ao Fundo de Garantia Salarial.
2. Que o Fundo de Garantia Salarial efectua o pagamento dos créditos mediante requerimento do trabalhador, e com observância do procedimento previsto nos artigos 323º a 326º da Lei n.º 35/2004.
3. Que após o pagamento ao trabalhador dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, o Fundo fica sub-rogado nos direitos de crédito e respectivos garantias, nomeadamente privilégios creditórios dos trabalhadores, na medida dos pagamentos efectuados acrescidos dos juros de mora vincendos [artigo 322º da Lei atrás referida].
4. Que a sub-rogação do Fundo nos direitos e garantias dos trabalhadores é legal, pois tem como fonte a lei e não a vontade das partes.
5. Que está demonstrado nos autos que a trabalhadora B... requereu ao Fundo de Garantia Salarial o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação celebrado com a insolvente e que o pedido foi parcialmente deferido.
Sucede que nenhuma destas alegações responde aos fundamentos da decisão recorrida.
Como se escreveu acima, o despacho recorrido indeferiu o requerimento inicial por entender       que o ora recorrente, notificado duas vezes para o efeito, não juntou com o requerimento os elementos a que aludem os n.ºs 3 e 4 do artigo 376º do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro, sem justificar tal omissão.
Considerando que os n.ºs 3 e 4 do 376º do CPC, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro, dizem respeito aos documentos que devem instruir o requerimento de habilitação do adquirente ou cessionário da coisa ou direito em litígio, para com ele prosseguir a causa, vê-se o que serviu de fundamento à decisão recorrida foi o entendimento de que a pretensão do Fundo de Garantia Salarial, no sentido de se considerar sub-rogado nos direitos e privilégio de uma das trabalhadores da insolvente [ B... ], devia efectuar-se através do incidente de habilitação previsto no artigo 376º do CPC.
Por sua vez, a circunstância de o tribunal a quo ter ordenado que o requerimento do Fundo, junto inicialmente ao apenso de verificação e graduação de créditos, fosse desentranhado e autuado por apenso, significou que o tribunal a quo entendeu que o requerimento do Fundo constituía o requerimento de habilitação, a que se refere a parte final do n.º 1 do artigo 376º do Código de Processo Civil.
Logo, as razões do recurso que podiam levar à revogação da decisão eram apenas as que visavam directa ou indirectamente os fundamentos jurídicos que serviram de base à decisão recorrida,
Ora, as alegações que têm relação com o fundamento jurídico do que foi decidido são as constituídas pela afirmação de que o Fundo não reclama o pagamento dos seus créditos por os ter adquirido ou por os mesmos lhe terem sido cedidos por qualquer tipo contratual gratuito ou oneroso, ou até litigiosamente, mas porque nos termos legais, lhe compete em caso de incumprimento da entidade patronal assegurar aos trabalhadores o pagamento dos créditos emergentes dos contratos de trabalho ou provenientes da sua cessação, nomeadamente nos casos em que seja declara a insolvência e pela afirmação de que, como ficou sub-rogado nos direitos da trabalhadora por força da lei, o Fundo deverá ocupar na fase de pagamento o lugar da trabalhadora sem necessidade de habilitação. 
Com efeito, ao alegar nos termos expostos, o recorrente contesta os pressupostos em que assentou a decisão recorrida, argumentando como se a transmissão de direitos que desse lugar ao incidente de habilitação previsto no artigo 376º do CPC fosse apenas a que tivesse origem contratual e como se, nos casos de sub-rogação legal, o sub-rogado passasse a ocupar no processo a posição do credor sem necessidade de habilitação.
Como se procurará demonstrar, esta interpretação não tem amparo nem no Código de Processo Civil [referimo-nos ao Código de Processo Civil de 1961, pois era o que estava em vigor quando foi proferido o despacho recorrido] nem no CIRE.
O incidente de habilitação estava previsto no artigo 376º do CPC.
Segundo o n.º 1 deste preceito, a habilitação do adquirente ou cessionário da coisa ou direito em litígio, para com ele seguir a causa, fazia-se por termo de cessão lavrado no processo ou por requerimento de habilitação.
O incidente estava relacionado com o que dispunha o artigo 271º do CPC, segundo o qual no caso de transmissão, por acto entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continuava a ter legitimidade para a causa, enquanto o adquirente não fosse, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo.
Conjugando estas duas normas, via-se que o incidente de habilitação tinha como pressuposto a transmissão, por acto entre vivos, da coisa ou direito em litígio. Habilitação que não era obrigatória, pois o transmitente continuava a ter legitimidade para a causa, enquanto o adquirente não fosse, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo. Habilitação que tanto podia ser promovida pelo transmitente, como pelo adquirente, como pela parte contrária [n.º 7 do artigo 376º do CPC]. 
Embora a lei não dissesse o que se devia entender por “transmissão por acto entre vivos, da coisa ou direito em litígio”, nem indicasse os actos nela compreendidos, a fórmula da lei era suficientemente ampla para não excluir nenhum acto, que destinando-se a produzir efeitos em vida de quem o praticava, tivesse como efeito a transmissão da coisa ou direito em litígio.
E assim cabiam nela os actos indicados pelo recorrente, ou seja, os contratos gratuitos ou onerosos que tivessem por efeito a transmissão da coisa ou direito em litígio. Era o que sucedia com o contrato de compra e venda [artigo 879º, alínea a), do Código Civil] e com o contrato de doação [artigo 954º, alínea a), do Código Civil]. Mas nela também cabia a sub-rogação, quer se tratasse de sub-rogação pelo credor [artigo 589º do Código Civil], de sub-rogação pelo devedor [artigo 590º do Código Civil], de sub-rogação em consequência de empréstimo feito ao devedor [artigo 591º do Código Civil] ou sub-rogação legal [artigo 592º do Código Civil].
Na verdade, os efeitos de qualquer uma destas modalidades de sub-rogação são os definidos no n.º 1 do artigo 593º, do Código Civil, ou seja, “o sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao credor, os poderes que a este competiam.”
A favor do entendimento de que a sub-rogação é um meio de transmissão de créditos citam-se Pires de Lima e Antunes Varela que, em anotação ao artigo 589º do Código Civil, começam precisamente por afirmar que “a sub-rogação é havida no nosso direito como uma forma de transmissão do crédito e não comum uma forma de extinção da obrigação…” [Código Civil Anotado, Volume I; 4ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, página 548], e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume III, 8ª Edição, Almedina, página 48, ao escrever que “tanto a sub-rogação como a cessão de créditos são formas de transmissão do crédito”.
Segue-se do exposto que quem quisesse substituir, num processo judicial, a parte a quem adquiriu, por acto entre vivos, a coisa ou direito em litígio, só o podia fazer por meio de habilitação.
Ora, o requerimento do Fundo de Garantia Salarial, no sentido de se considerar sub-rogado nos direitos e privilégios de uma das trabalhadoras da insolvente, visa precisamente habilitá-lo a intervir no processo de insolvência em substituição da trabalhadora.
É certo que o Fundo visa substituir a trabalhadora apenas no exercício de alguns dos direitos que estavam em litígio. Quanto aos restantes, a trabalhadora continua a ter legitimidade para o exercício deles.
Sucede que o incidente de habilitação previsto no artigo 376º, n.º 1, do CPC tanto serve para habilitar a intervir na causa aquele que adquiriu a totalidade dos direitos em litígio como o que adquiriu apenas parte desses direitos.
E assim conclui-se que, à luz do que dispunham os artigos 271º, n.º 1, e 376º, nº 1, ambos do CPC, o meio processual próprio para o Fundo de Garantia Salarial pedir a sub-rogação nos direitos de crédito e respectivas garantias, nomeadamente privilégios creditórios dos trabalhadores, na medida dos pagamentos que lhes efectuou, acrescidos dos juros de mora vincendos, nos termos do artigo 322º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho de 2004, era o incidente de habilitação.
Esta solução só seria de afastar se o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ou a legislação relativa ao Fundo de Garantia Salarial contivessem normas que dispusessem em sentido contrário.
Não era, no entanto, o que sucedia.
A legislação relativa ao Fundo de Garantia Salarial não contém qualquer norma sobre esta matéria.
O CIRE refere-se à transmissão de créditos no decorrer do processo de insolvência para dizer que “são equiparados aos titulares de créditos sobre a insolvência à data da declaração de insolvência aqueles que mostrem tê-los adquirido no decorrer do processo”.
Socorrendo-nos das palavras de Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, o sentido da norma é o de que “… uma vez transmitido um crédito no decurso do processo, o transmissário adquire uma posição idêntica à do transmitente, pelo que, obviamente, tem de ser havido como titular de crédito sobre a insolvência” [Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, página 225].
Desta norma não resulta que o transmissário do crédito, para intervir no processo de insolvência, esteja dispensado de o fazer por meio de habilitação.
Assim, era de aplicar ao caso a solução que resultava dos artigos 271º, n.º 1, e 376º, n.º 1, uma vez que nos termos do artigo 17º do CIRE o processo de insolvência rege-se pelo Código de Processo Civil, em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código”.
Do exposto resulta que não vale contra a decisão recorrida a alegação de que não era necessária a habilitação para o Fundo pedir a sub-rogação nos direitos e privilégios da trabalhadora B... , na medida dos pagamentos efectuados.
Também não vale contra a decisão recorrida a alegação de que os elementos aludidos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 376º pressupunham a existência de um litígio e, no caso concreto, o litígio não se verificava. É que a interpretação que está subjacente a esta alegação não tem na letra do artigo 376º do CPC um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, razão pela qual não pode ser considerada pelo intérprete [n.º 2 do artigo 9º do Código Civil].
Com efeito, o que é pressuposto do incidente de habilitação é que a coisa ou o direito litigioso seja transmitida por acto entre vivos durante a pendência da causa. E o sentido de direito litigioso, para efeitos do disposto no artigo 271º, do CPC, não é o que lhe é dado pelo artigo 579º n.º 3 do Código Civil, segundo o qual “diz-se litigioso o direito que tiver sido contestado em juízo contencioso, ainda que arbitral, por qualquer interessado”. Seguindo o entendimento de Paula Costa e Silva, “… é litigioso o direito relativamente ao qual o autor deduz uma afirmação jurídica, cuja fundamentação pretende seja declarada de forma definitiva e imutável, ou dito de outra forma, é litigioso o direito que constitui o objecto do processo”, ou ainda numa outra formulação “… será litigioso o direito (real ou obrigacional) relativamente ao qual tenha eclodido um conflito de interesses, conflito que se traduzirá na afirmação feita em juízo pelo autor de que a sua posição jurídica é tutelada pelo direito [A Transmissão da Coisa ou Direito em Litígio, Coimbra Editora, páginas 70 e 71].
Interpretando “direito em litígio” com este sentido, é bom de ver que os direitos de crédito da trabalhadora, nos quais ficou sub-rogado o Fundo de Garantia Salarial, eram direitos em litígio, pois constituíam objecto do processo de verificação e graduação de créditos.
Contra o despacho recorrido também não vale a alegação de que, ainda que se entendesse que a habilitação era o meio próprio para o ora recorrente deduzir o pedido que fez, devia considerar-se que “se encontrava provado documentalmente o seu requerimento”. Vejamos.
Nos termos do n.º 3 do artigo 376º do CPC, no caso em que a habilitação se faz por requerimento de habilitação deve ser junto:
a) O título da aquisição ou cessão;
b) A prova da notificação da aquisição ou cessão ao devedor que deve conter: i) a menção dos elementos referidos no n.º 2 do artigo 235º; ii) a menção de que o notificado pode impugnar a validade do acto ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo; e iii) a morada para onde o notificado pode enviar a contestação, caso o pretenda fazer.
O n.º 4 estabelece que, nos casos referidos no número anterior, o requerimento deve ainda ser acompanhado:
a) Da contestação do notificado; ou
b) Da declaração de que o notificado aceitou a aquisição ou a cessão; ou
c) Da declaração de decurso do prazo de contestação sem que o notificado tenha contestado a aquisição ou cessão.
Não se vê como pode o recorrente sustentar que o requerimento está provado documentalmente, no sentido de que está acompanhado pelos documentos exigidos pela lei. Com efeito, o ora recorrente nem juntou a prova de que pagou à trabalhadora da insolvente parte dos créditos reclamados por ela na insolvência, nem juntou a prova de que notificou a aquisição do crédito ao devedor, no caso, a notificação da aquisição ao administrador da insolvência, uma vez que era ele quem representava a devedora [artigo 81º, n.º4, do CIRE].
Por último, também não vale contra a decisão a alegação de que ela violou o artigo 322º da Lei 35/2004.
Com efeito, só faz sentido imputar à decisão recorrida a violação das normas jurídicas que constituíram fundamento jurídico do que foi decidido. É por esta razão que o artigo 639º, n.º 2, alíneas a) e b), do novo CPC [tal como sucedia com o artigo 685º-A, n.º 2, alíneas a) e b), do anterior Código de Processo Civil] dispõe que, versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar as normas jurídicas violadas e o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas.
Ora, como resulta do exposto acima, a norma que justificou o indeferimento do requerimento inicial não foi a do artigo 322º da Lei n.º35/2004, de 29 de Julho. Assim, não faz sentido imputar à decisão a violação desta norma.
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Decisão:
Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.
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Sem custas por delas estar isenta o recorrente [artigo 4º, n.º 1 alínea p), do Regulamento das Custas Processuais].
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Emídio Francisco Santos (Relator)
Catarina Gonçalves
Maria Domingas Simões