Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
12/07.3TBPNC.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRESSUPOSTOS
ÓNUS DA PROVA
SERVIDÃO
Data do Acordão: 09/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: PENAMACOR
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: N.º 1 DO ART.º 1380.º DO CÓDIGO CIVIL, 342.º, N.º 1 E 1550º DO CÓD. CIV.).
Sumário: I. O exercício do direito de preferência fundado na confinância, consagrado no n.º 1 do art.º 1380.º do Código Civil, exige e pressupõe que a venda tenha sido efectuada a quem não seja proprietário confinante, requisito negativo cuja alegação e prova recai sobre o autor (art.º 342.º, n.º 1 do Cód. Civ.).

II. Não satisfaz o ónus probatório a mera junção de certidão registral do prédio alienado, porquanto, fazendo a presunção “juris tantum” consagrada no art.º 7.º do Código do Registo Predial pressupor que o direito existe, emerge do facto inscrito e pertence ao titular inscrito, já não abrange, nem a área, nem as confrontações.

III. O direito de preferência concedido ao dono do prédio serviente pressupõe que a servidão se ache já constituída, exigindo ainda que a mesma pudesse ser judicialmente imposta, assim devendo ser entendido o conceito de servidão legal para os efeitos do art.º 1550.º do Código Civil.

Decisão Texto Integral: I. Relatório
No Tribunal Judicial de Penamacor, a Herança indivisa aberta por óbito de A..., representada pelo cônjuge sobrevivo e cabeça de casal, B..., esta também por si, e pelos chamados C..., D... e mulher, E..., e F..., vieram instaurar contra:
G... e cônjuge, H...;
I... e cônjuge, J...;
L... e cônjuge, M...;
N... e cônjuge, O...;
P...e cônjuge, Q..., acção declarativa constitutiva, a seguir a forma sumária do processo comum, pedindo a final:
-seja declarado o direito de preferência das autoras e, consequentemente, o direito a haver para si, pelo preço global de € 3 750,00 (três mil, setecentos e cinquenta euros) e acréscimos legais, o direito de propriedade sobre cada um dos prédios rústicos inscritos sob os artigos 298.º-C e 300.º-C, ambos da matriz predial da freguesia de (...), descritos na Conservatória do Registo Predial de Penamacor sob os nºs 1389/20060825 e 1388/20060825, respectivamente;
-sejam os RR condenados a entregarem às autoras tais prédios rústicos, livres e desocupados, no estado em que se encontravam à data da aquisição, ordenando-se o cancelamento dos registos do facto impugnado em juízo e comprovados pelos registos a que correspondem a inscrição G, Ap. 4, de 2006/09/01, aquisição (ficha n.º 1389/20060825 da freguesia de (...)) e inscrição G- Ap. 4, de 2006/09/01, aquisição (ficha n.º 1388/20060825 da freguesia de (...)), sendo sujeitos activos P... e cônjuge, Q....
Em fundamento, alegaram, em síntese útil, que na sobredita (...) existe um caminho de pé posto com cerca de 60 cm de largura, o qual nasce na Rua Ocidental, entre o n.º 47 e um palheiro, segue para poente, prosseguindo depois no sentido sul e poente, bordeja, por dentro dos limites e pela sua confinância sul, o prédio inscrito sob o art.º 302.º da secção C, atravessa, no sentido nascente-poente, o prédio inscrito sob o art.º 298.º da mesma secção, bordeja, por dentro dos limites, na sua confinância sudeste, o prédio inscrito sob o artigo 297.º-C, atravessa, no sentido norte-sul, o prédio inscrito sob o art.º 296.º-C e morre junto a um poço de água sito dentro dos limites do prédio inscrito sob ao art.º 300.º-C, todos da matriz predial rústica da referida freguesia de (...).
As autoras são donas dos prédios inscritos sob os artigos 302.º-C e 297.º-C, ambos de natureza rústica, o primeiro com a área de 400 m2 e o segundo com a área de 40 m2, omissos na Conservatória respectiva, os quais foram adquiridos por usucapião que expressamente invocam.
Sucede que para acesso de pé posto aos prédios inscritos sob os artigos 298.º e 300.º da secção C referida, os seus possuidores e aqueles que às suas ordens e no seu interesse agem, têm vindo a utilizar o descrito caminho que, tendo o seu início na Rua Ocidental, bordeja os aludidos prédios das autoras (artigos 302.º-C e 297.º-C). Tal acesso vem sendo utilizado desde há mais de 30 e até 50 anos, utilização que, por reunir os caracteres da posse pública, pacífica e de boa fé, conduziu à aquisição de um direito de servidão de passagem em benefício daqueles outros rústicos, onerando os prédios das demandantes.
Acresce que os prédios pertencentes às autoras, inscritos sob os artigos 302.º-C e 297.º-C, e o identificado prédio inscrito sob o art.º 298.º-C, confinam entre si pelos lados poente/nascente e nascente/poente, respectivamente.
Sem que disso tivessem dado conhecimento às demandantes, os 1.º a 8.º RR venderam aos 9.º e 10.º, pelo preço declarado de € 1 875,00 cada um, os prédios inscritos sob os artigos 298.º e 300.º da secção C da matriz predial referida, os quais se encontram actualmente inscritos em favor dos adquirentes, que não eram proprietários de nenhum prédio confinante.
Invocando a seu favor a existência de direito de preferência na venda dos identificados prédios rústicos por força do disposto no artigo 1555.º, n.º 1 do CC, sendo que, no que se reporta ao prédio inscrito sob o art.º 298.º, tal direito surge reforçado por via da confinância com os prédios preferendos, nos termos do 1380.º, nºs 1 e 2, al. b) do mesmo diploma legal, pretendem exercitar o seu direito potestativo de preferir na venda efectuada e haver para si os prédios vendidos.
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Regularmente citados os RR, contestaram os demandados P... e mulher, os quais impugnaram, por falsa, diversa factualidade alegada na petição inicial. Mais alegaram terem celebrado contrato promessa tendo em vista a aquisição do palheiro sobre cujo logradouro pretendem que se inicia o caminho a que as AA aludem, existindo assim concurso de direitos de preferência. Acrescentam que todos os prédios integram o perímetro urbano da (...), facto que, em seu entender, exclui o funcionamento das regras do emparcelamento, impondo-se, também com este fundamento, a improcedência da acção.
Também os RR G...e mulher apresentaram contestação, tendo igualmente alegado que a aludida passagem se inicia em prédio que integra o acervo hereditário da herança aberta por óbito de (...), de quem os contestantes são herdeiros, o qual prometeram vender aos RR P... e mulher, tendo feito entrega do mesmo prédio aos promitentes compradores, de quem receberam já metade do preço.
Invocaram ainda a excepção peremptória da caducidade do direito que as autoras pretendem exercer, dado que há muito lhes foi dado a conhecer o projecto de venda dos prédios entretanto alienados.
Os RR P... e mulher vieram apresentar articulado superveniente, tendo alegado que por escritura outorgada no dia 29 de Outubro de 2007 adquiriam por compra o prédio urbano que identificam, prédio que, por si e antepossuidores, vêm gozando e fruindo de modo público, pacífico e de boa fé desde há mais de 20, 30 e até 50 anos, e em cujo logradouro haviam alegado iniciar-se o caminho de pé posto a que as autoras aludem na sua petição. Encontrando-se tal prédio onerado com a servidão de passagem que serve, quer os prédios das autoras, quer os preferendos, deve prevalecer o direito dos contestantes.
Admitido o articulado superveniente, pronunciaram-se as AA sobre o seu teor, anotando que à data da propositura da acção nenhum direito de preferência assistia aos RR adquirentes.
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Teve lugar audiência preliminar e nela, frustrada a tentativa de conciliação, foi determinado o prosseguimento dos autos, tendo sido seleccionados os factos assentes e organizada a base instrutória, peças que se fixaram na ausência de reclamações.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo que da acta consta, tendo o Tribunal respondido à matéria de facto controvertida pela forma constante de fls. 352 a 356 dos autos.
Na devida oportunidade foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo os RR dos pedidos formulados.
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Inconformados com o decidido, interpuseram os AA a presente apelação e, tendo produzido as necessárias alegações, em ostensiva desobediência ao preceituado no n.º 1 do art.º 685.º-A do CPC, vieram a reproduzi-las nas conclusões que formularam, das quais se extraem, por relevantes, as seguintes:
i. O exercício do direito de preferência face ao prédio rústico inscrito sob o art.298º secção C funda-se, sem prejuízo do infra alegado, na confinância deste com os prédios 302 e 297 ambos da secção C, estes últimos propriedade das AA (cfr. ponto nº 3 da matéria provada).
ii. Não sendo tal requisito suficiente para que a preferência seja procedente, resultou provado que os prédios das AA. têm na sua composição terreno de horta, sendo que a unidade de cultura para a região Castelo Branco é de 0,5 hectares e os prédios das AA. têm área muito inferior (cfr. ponto n.º 25 da matéria de facto provada).
iii. Considerou o meritíssimo juiz “a quo” que as AA. não provaram quais os proprietários dos prédios confinantes à data da alienação dos prédios preferidos e não provaram que a esse tempo os RR. P... e mulher não eram proprietários confinantes dos prédios vendidos, de modo a ser ponderada a possibilidade de licitação entre preferentes, nos termos do art.º 1380.º n.º 03 do C.C.
iv. Analisando a matéria de facto assente e provada verifica-se que os prédios preferidos (art.º 298.º C e 300.º C) estão descritos na Conservatória do Registo Predial de Penamacor (cfr. pontos n.º 7 e 8 da matéria de facto provada).
v. Encontram-se juntas aos autos as certidões prediais dos prédios art.ºs 298 e 300 (cfr. docs. 02 a 04 da P.I.), das quais consta que o art.º 298 secção C foi descrito na Conservatória em 25/08/2006 com as seguintes confrontações, NORTE (...), SUL - (...) e A... (A.), NASCENTE e POENTE- A... (A.);
vi. Quanto ao prédio inscrito na matriz sob o art.º 300.º C constam as seguintes confrontações, NORTE (...) e A... (A.), SUL - (...); NASCENTE- (...), POENTE- (...), actualizadas ao dia 25/08/2006 (data da abertura da descrição na Conservatória do Registo Predial).
vii. A venda dos prédios preferidos aos RR. ocorreu em 30/08/2006 (cfr. ponto nº06 da matéria provada), isto é cinco dias após o registo dos prédios.
viii. Face ao exposto, dispõe o tribunal de factualidade para aferir se os RR. P... e mulher eram proprietários de prédios confinantes com os vendidos/preferido.
ix. A certidão registral e o registo predial fazem fé pública face a terceiros, pelo que a fundamentação do Juiz “a quo”, salvo o devido respeito, não é correcta.
x. A certidão predial tem valor probatório para todos os elementos e identificação dos prédios que dele constam, nos termos do artigo 109.º (Valor probatório dos títulos).
xi. Assim, as AA. alegaram e provaram que os RR. compradores não eram confinantes com os prédios preferidos, alegando que os prédios vendidos estão descritos na Conservatória do Registo Predial, da qual consta a composição do prédio, área, confrontações, entre outras.
xii. Por outro lado, considera-se que o juiz “a quo” fez uma interpretação errada dos art.ºs 1380.º e 416.º do C.C., uma vez que não incumbe as AA. alegar e provar a inexistência de confinância do prédio preferido com outro de natureza rústica pertencente ao mesmo dono que adquiriu o prédio objecto da preferência e contra o qual a acção vem intentada.
xiii. Acresce que das descrições do registo predial supra referidas não consta que os art.ºs 298.º e 300.º da secção C confrontem com qualquer via pública ou caminho; inversamente, da matéria de facto assente (als. A e B. do saneador) consta que para acesso a pé de e para os prédios inscritos sob os art.ºs 298 e 300 da secção C, os seus possuidores e aqueles que às suas ordens e no seu interesse agem, têm vindo a utilizar o caminho referido em 01, que confina com os prédios 302 e 297 secção C, pelas confinâncias Sul e Nascente, respectivamente.
xiv. Dos factos assentes resulta ainda que só existe um caminho que dá acesso aos prédios 298 e 300, o que resulta da seguinte frase “Em (...), concelho de Penamacor, existe um caminho, com cerca de 60 cm de largura…” (tal como consta de certidão de fls.19 a qual cujo teor se dá por reproduzido).
xv. Da análise dos documentos 01 a 04 da P.I. verifica-se a existência de um só caminho de acesso aos prédios preferidos, isto é o caminho que onera os prédios das AA. (factos provados nº01 e 02 da sentença), pois passa num certo trecho do percurso pelo interior dos seus prédios (art. 297 e 302 secção C).
xvi. No caso em apreço, a prova que se obteve foi que a faixa de terreno por onde se faz a passagem é um caminho sobre a propriedade das recorrentes, o que significa que os prédios das autoras estão onerados com uma servidão legal de passagem.
xvii. O conceito de servidão legal, para os fins previstos no art. 1555.º do CC, abrange as servidões constituídas por qualquer título, mas que, se não fosse a existência desse título, podiam ser judicialmente impostas, e não apenas as que tenham por título a sentença, concedendo-se, nessa medida, o direito de preferência aos proprietários de prédios onerados com o encargo legal de constituição de servidão, encontrando-se esta efectivamente constituída, qualquer que tenha sido o título, nomeadamente por usucapião.
xviii. No caso dos autos verifica-se toda a factualidade para a constituição por usucapião de servidão legal de passagem a favor dos prédios preferidos sobre os prédios das AA. (cfr. pontos nºs 18 a 23 dos factos provados da sentença).
Com tais fundamentos, pretendem a revogação da sentença proferida e sua substituição por outra que, julgando reconhecido o direito de preferência invocado, dê procedência aos pedidos formulados.
Os apelados contra alegaram doutamente, defendendo naturalmente a manutenção do julgado.
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Sabido que o objecto do recurso se limita e delimita em face das conclusões insertas nas alegações do recorrente, como resulta do preceituado nos art.ºs 684 n.º 3 e 685.º-A do CPC, constituem questões a decidir:
i. determinar se os documentos juntos aos autos, mormente as certidões prediais atinentes aos prédios alienados, fazem prova de que os RR adquirentes não eram proprietários, à data da aquisição, de prédios confinantes;
ii. determinar se das mesmas certidões se extrai que os aludidos prédios se encontram encravados, resultando ainda dos factos provados que os prédios das autoras se encontram onerados com uma servidão legal de passagem a favor daqueles;
iii. indagar da verificação dos factos constitutivos do invocado direito de preferência, nomeadamente se é sobre o autor que recai o ónus da alegação e prova de que a venda foi feita a terceiro não preferente, e ainda se o direito de opção concedido pelo art.º 1555.º ao proprietário do prédio serviente pressupõe a existência de uma servidão legal de passagem, ou seja, em benefício de um prédio encravado, seja qual for o título por que se tenha constituído.
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II Fundamentação de facto
Pretendem as apelantes que as certidões registrais juntas aos autos, atinentes aos prédios alienados -inscritos na matriz predial rústica da freguesia de (...), concelho de Penamacor sob os art.ºs 298.º e 300.º, ambos da secção C, e agora descritos na Conservatória do Registo Predial de Penamacor sob os nºs 1389/20060825 e 1388/20060825, respectivamente- fazem prova de que tais prédios, com referência à data da alienação, não confinavam com nenhum outro de que fossem titulares do direito de propriedade os adquirentes e aqui 9.º e 10.º RR P... e mulher, Q..., delas se extraindo ainda que os mesmos prédios não confinam com caminho ou via pública, donde impor-se a conclusão de que se trata de prédios encravados.
Nos termos do art.º 659.º do CPC, aplicável aos acórdãos por força da remissão do n.º 2 do art.º 713.º do mesmo diploma legal, na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o Tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer. Deste modo, e à luz do apontado normativo, a resultar dos documentos em causa quanto pretendem os apelantes, nada obstaria à consideração desses factos. Todavia, e contrariamente ao sustentado, a força probatória das certidões invocadas não cobre os factos em referência. Com efeito, e segundo jurisprudência persistente, de que se não conhece dissidência, a finalidade do registo predial não é assegurar os elementos de identificação do prédio, as suas confrontações, área e limites, mas apenas, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário, a de assegurar que relativamente a determinado prédio se verificam certos factos jurídicos (cf. art.º 1.º do Código do registo Predial). Podendo a descrição dos prédios resultar de simples declarações dos interessados, não se trata de facto de que o conservador se aperceba directamente ou se certifique com os seus sentidos, donde encontrarem-se subtraídos à disciplina da primeira parte do n.º 1 do art.º 371.º do Código Civil. Deste modo, a presunção “juris tantum” derivada do registo predial consagrada no art.º 7.º do CRPredial, faz pressupor que o direito existe e emerge do facto inscrito, pertencendo ao titular inscrito, encontrando-se todavia excluídas do seu âmbito a área e as confrontações dos prédios.
Do exposto resulta não terem os documentos em causa força probatória bastante para que este Tribunal considere demonstrada a verdade material das confinâncias dos prédios alienados.
Por outro lado, não tendo as AA sequer alegado que os prédios alienados se encontram encravados, facto que, conforme se referirá infra, é essencial à procedência da pretensão deduzida, sempre estaria vedado o recurso a presunção judicial, em ordem a extrair tal facto da circunstância de não constar da descrição dos aludidos prédios a sua confinância com caminho ou via pública, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 349.º e 351.º do CC e 264.º, 514.º, 515.º e 665.º, estes do CPC[1].
Improcedem assim as conclusões formuladas de i. a xi.
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Deste modo, não sendo de introduzir qualquer alteração à factualidade que nos chega da 1.ª instância, são os seguintes os factos a atender, agora convenientemente ordenados:
A. As AA são donas dos seguintes prédios:
a) rústico, sito aos Quintais, limites da freguesia de (...), concelho de Penamacor, composto de terreno de regadio com culturas hortícolas, vulgo horta, a confrontar de norte com (...), do sul como (...), de nascente e poente com P..., com a área de 400 m2, inscrito na matriz predial sob o n.º 302 da secção C e não descrito na Conservatória do registo predial de Penamacor;
b) rústico, sito aos Quintais, limites da freguesia de (...), concelho de Penamacor, composto de terreno de regadio com culturas hortícolas, vulgo horta, a confrontar de norte e poente com (...), do sul com C..., e do nascente com P..., com a área de 40 m2, inscrito na matriz predial sob o art.º 297.º da secção C e não descrito na Conservatória do registo predial de Penamacor;
B. Os prédios referidos na al. anterior advieram aos AA por sucessão por morte de (...)(antes de 1995) e cônjuge, (...)(em 1996) e de A... (em 1987), pais e cônjuge da autora B....
C. Desde há mais de 50 anos que as AA., por si e seus antepossuídores, têm vindo a possuir os prédios rústicos inscritos na matriz predial sob o nº. 302., da Secção C, não descrito na Conservatória do Registo Predial de Penamacor e sob o nº. 297., da Secção C, não descrito na Conservatória do Registo Predial de Penamacor, o que ocorre à vista de toda a gente, sem qualquer oposição ou interrupção, de modo pacífico, continuadamente, amanhando, tratando e colhendo as hortas, recolhendo todos os seus frutos e demais utilidades, na convicção de que não ofendiam quem quer que seja, e que os prédios rústicos lhe pertenciam e pertencem.
D. O prédio rústico inscrito sob o nº. 298.º da Secção C é uma terra de regadio com culturas hortícolas, vg. horta, com a área de 80 m2.
E. O prédio rústico inscrito sob o art.º 300.º da Secção C, é uma terra de regadio com culturas hortícolas, vg. horta, com a área de 560 m2.
F. Em (...), concelho de Penamacor, existe um caminho, com cerca de 60 cm. de largura, que
- nasce na Rua Ocidental, entre o n.º 47 e um palheiro, em direcção a poente, depois a sul e poente, atravessando no seu início o logradouro do prédio dos RR P... e Q...;
- bordeja, por dentro dos limites e pela confinância sul, o prédio inscrito sob o nº. 302.º da Secção C da matriz predial rústica da freguesia de (...);
- atravessa, no sentido nascente-poente, o prédio inscrito sob o nº. 298.º da Secção C da mesma matriz predial;
- bordeja, por dentro dos limites e pela confinância SE, o prédio inscrito sob o nº 297.º da Secção C da mesma matriz predial;
- atravessa, no sentido norte-sul, o prédio inscrito sob o nº. 296.º da Secção C da mesma matriz predial, acabando junto a um poço de água, sito dentro dos limites do prédio inscrito sob o nº. 300.º da Secção C da mesma matriz predial.
G. O caminho referido em F) é utilizado desde há mais de 50 anos pelos donos dos prédios com os nºs. 302.º-C e 297.º-C, ou agindo sob as ordens e no interesse daqueles, para acesso aos prédios que cultivavam e para alcançarem a água dos poços situados nos limites dos prédios inscritos sob os artigos 302.º, 298.º e 300.º.
H. Para acesso a pé, de e aos prédios rústicos inscritos sob os artigos 298.º e 300.º da Secção C, os seus possuidores e aqueles que às suas ordens e no seu interesse agem, têm vindo a utilizar o caminho referido em F), que confina com os prédios com os nºs. 302.º-C e 297.º-C pelas confinâncias sul e nascente, respectivamente.
I. Para acesso de e aos prédios rústicos inscritos sob os nºs. 298.º e 300.º da Secção C referida, os seus possuidores e aqueles que às suas ordens e no seu interesse agem, utilizam o caminho referido em F) há mais de 50 anos, à vista de toda a gente, e sem qualquer oposição ou interrupção, de modo pacífico, sempre que tinham necessidade de o fazer para o amanho e exploração dos prédios rústicos inscritos nos artigos 298.-C e 300.-C, na convicção de que não ofendiam quem quer que seja, e que o podiam utilizar.
J. Os prédios rústicos nºs. 302.º-C e 297.º-C e o prédio nº. 298.º-C confinam entre si pelas confinâncias poente-nascente e nascente-poente respectivamente.
K. O prédio inscrito sob o artigo 300.º da Secção C da matriz predial rústica da Freguesia de (...) não confina com nenhum dos prédios da herança das AA.
L. Os RR G...e cônjuge, H...; I... e cônjuge, J...; L... e cônjuge, M...; N... e cônjuge, O..., venderam a P... e cônjuge, Q..., conforme consta da declaração modelo 1. do CIMT, com o nº. 185.559, apresentada em 29/08/2006, no Serviço de Finanças de Penamacor e da escritura de compra e venda lavrada no dia 30/08/2006, a fls. 81/83 do Livro nº. 145-C do Cartório Notarial de Penamacor: por € 1.875,00, o prédio rústico inscrito sob o art.º 298.º da Secção C; por € 1.875,00, o prédio rústico inscrito sob o art.º 300.º da Secção C.
M. O prédio rústico inscrito sob o art.º 298.º da Secção C, da matriz predial rústica da freguesia de (...), concelho de Penamacor, encontra-se descrito sob o nº. 1389/20060825, da freguesia de (...), da Conservatória do Registo Predial de Penamacor.
N. O prédio rústico inscrito sob o art.º 300.º da Secção C, da matriz predial rústica da freguesia de (...), concelho de Penamacor, encontra-se descrito sob o nº. 1388/20060825, da freguesia de (...), da Conservatória do Registo Predial de Penamacor.
O. O negócio descrito em L) foi realizado pelos 1.º a 8.º RR. sem conhecimento dos AA.
P. Os AA. depositaram e colocaram à disposição dos autos € 4.369,65, resultado da liquidação seguinte: -a) preço da aquisição € 3.750,00; b) custo da escritura € 159,89; c) IMT € 187,50; d) despesas tabulares (na proporção) € 272,26.
Q. Por escritura outorgada no dia 29 de Outubro de 2007 no Cartório Notarial de Penamacor, os RR P... e mulher, Q..., compraram a I... e mulher, a L... e mulher, e a N... e mulher, o prédio urbano constituído por casa de rés do chão com logradouro, destinada a armazéns e actividade industrial, sito na Rua Ocidental, freguesia da (...), descrito na Conservatória do Registo Predial de Penamacor sob o n.º 1442 da mesma freguesia e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art.º 1386.
R. O prédio identificado na antecedente alínea tem como confrontações: do norte, (...); sul (...); nascente A... e do poente A... e via pública.
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De Direito
Do reconhecimento do direito de preferência com fundamento na confinância
Como se alcança do alegado em sede de petição inicial, as AA, com um duplo fundamento -confinância, no que se refere ao prédio inscrito na matriz sob o art.º 298.º, e existência de uma servidão legal de passagem em favor de ambos os prédios alienados, onerando os identificados em A), estes sua pertença- pretendem que lhes assiste o direito de preferência relativamente àqueles prédios, identificados nas als. M) e N), cujo direito de propriedade foi objecto de transmissão mediante contratos de compra e venda celebrados entre os RR 1.º a 8.º como vendedores, e os últimos demandados, como compradores.
Tal como foi reconhecido na sentença sob recurso e aqui não se questiona, demonstrado está que os prédios pertencentes às AA inscritos na matriz sob os art.ºs 302.º e 297.º, ambos da secção C da matriz predial rústica da freguesia da (...), confinam com o art.º 298.º da mesma secção, objecto de venda aos 9.º e 10.º RR, tendo aqueles área inferior à unidade de cultura fixada para a região.
Nos termos do disposto no art.º 1380º do Código Civil (diploma a que pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem) os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à da unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante (vide n.º 1 do preceito em referência). Acresce que, conforme ficou definido no Assento do STJ de 18 de Março de 1986, in BMJ n.º 355, hoje com valor de AUJ, mas de cuja doutrina não se vê razão para dissentir, “O direito de preferência conferido pelo art. 1380 do CC não depende da afinidade ou identidade de culturas nos prédios confinantes.”
Encontrando-se firmado nos autos que os identificados prédios das AA confinam com o prédio inscrito sob o art.º 298.º, julgou o Mm.º Juiz “a quo” verificado o primeiro requisito legalmente exigido para o reconhecimento do direito de preferência quanto a este prédio.
Acresce que, dependendo o reconhecimento do invocado direito de preferência com este fundamento da demonstração de que pelo menos um dos terrenos possuía área inferior à unidade de cultura fixada para a zona, atenta a natureza dos terrenos[2], verifica-se que também esta prova se encontra feita, quando se considerem as apuradas características dos terrenos e a unidade de cultura em vigor nos termos da Portaria 202/70, de 21 de Abril.
Não obstante, veio o Mmº Juiz “a quo” a recusar o reconhecimento do direito de preferência com o aludido fundamento, por considerar não ter sido pelas AA feita a prova, como lhes competia, de que a venda foi feita a terceiro não confinante.
Pois bem, a propósito, cabe desde logo referir assistir razão ao Mm.º juiz “a quo” quando perfilha o entendimento de que, tratando-se embora de um requisito negativo é, ainda assim, facto constitutivo do direito de preferência, recaindo sobre as AA, em adverso do que estas defendem nas suas alegações, o pertinente ónus de alegação e prova (cf. art.º 342.º, n.º 1)[3]. E por assim ser, não pode deixar de se sancionar o juízo da 1.ª instância quando assinala que, tendo por referência a data da alienação, não resultou demonstrada a identidade dos proprietários dos prédios confinantes. Logo, e decorrência lógica de tal omissão, não lograram as demandantes fazer prova de que os RR adquirentes P... e mulher não fossem também, a esse tempo relevante, proprietários confinantes dos prédios vendidos.
Atenta a inobservância, pelas AA, do ónus probatório que sobre elas recaía, não podia a pretensão formulada, atento este específico fundamento, deixar de improceder, tal como ficou decidido.
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Do reconhecimento do direito de preferência conferido pelo art.º 1555.º
Servidão predial, di-lo a lei no seu artigo 1543.º, é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro pertencente a dono diferente. Estamos assim perante um direito real de gozo sobre coisa alheia, mediante o qual o dono de um prédio se encontra habilitado a usufruir ou aproveitar as vantagens ou utilidades de prédio alheio em benefício do próprio, acarretando uma restrição ao gozo efectivo por banda do proprietário do prédio onerado.
O art.º 1550.º confere aos proprietários de prédios sem comunicação directa com a via pública ou com comunicação insuficiente, a faculdade de exigirem a constituição de servidões de passagem sobre os prédios vizinhos (vide nºs 1 e 2).
Preceitua, por seu turno, o n.º 2 do art.º 1547.º que “As servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa, conforme os casos”. Face ao assim estipulado, conclui-se que as servidões legais se distinguem das voluntárias pela susceptibilidade, que assiste às primeiras, de serem coactivamente impostas.
As situações de encravamento, como decorre do artigo 1550.º citado, conferem ao proprietário do prédio encravado o direito potestativo de constituírem a favor do seu prédio uma servidão legal de passagem.
Sob a epígrafe “Direito de preferência na alienação do prédio encravado”, dispõe o art.º 1555.º que “1. O proprietário de prédio onerado com a servidão legal de passagem, qualquer que tenha sido o título constitutivo, tem direito de preferência no caso de venda, dação em cumprimento ou aforamento do prédio dominante”.
No confronto das assinaladas disposições legais há quem considere que uma servidão de passagem constituída por usucapião não por ser considerada servidão legal para efeitos de conceder ao proprietário do prédio dominante a preferência estabelecida na lei, enquanto outros admitem que possa ser qualquer um o título constitutivo, nomeadamente a usucapião[4]. Não obstante tal divergência doutrinária e jurisprudencial, consenso existe quanto à exigência de que o prédio alienado se encontre numa situação de encravamento, tal como a definem os nºs 1 e 2 do art.º 1550.º[5]. Com efeito, mesmo para quem perfilhe aquele último entendimento, menos restritivo -e que parece ser o prevalecente no nosso mais alto Tribunal- admitindo-se a constituição da servidão sem atentar no título constitutivo, condição é que se verifique a susceptibilidade da mesma poder ser coactivamente imposta. Conforme sintetizado pelo STJ em recente aresto[6]O conceito de servidão legal, para os fins previstos no art. 1555.º do CC, abrange as servidões constituídas por qualquer título, mas que, se não fosse a existência desse título, podiam ser judicialmente impostas, e não apenas as que tenham por título a sentença, concedendo-se, nessa medida, o direito de preferência aos proprietários de prédios onerados com o encargo legal de constituição de servidão, encontrando-se esta efectivamente constituída, qualquer que tenha sido o título, nomeadamente por usucapião”.
Sem tomar aqui posição expressa sobre tal querela, mas assentando em que o direito de opção só é conferido ao proprietário do prédio dominante no caso do prédio alienado se encontrar encravado, entendimento que, de resto, parece ser igualmente o perfilhado pelas apelantes, como se vê da conclusão xvii, evidenciando os factos apurados a constituição por usucapião de uma servidão de passagem em benefício dos prédios alienados e onerando os prédios das demandantes -a par de outros, um dos quais pertencente aos adquirentes, como resulta do facto vertido em F)-, a verdade é que não ficou demonstrado que os prédios alienados se encontrassem encravados, factualidade que, em bom rigor, nem sequer foi alegada.
Com efeito, e subscrevendo os considerandos a propósito expendidos na decisão recorrida, da matéria de facto apurada não se logra inferir a situação legal de encrave, mas tão somente que pelos possuidores dos prédios alienados vem sendo feita utilização do acesso devidamente identificado, não resultando todavia que seja o único a facultar comunicação legalmente digna com a via pública. Decorrentemente, porque os prédios pertencentes às demandantes não se podem considerar onerados por servidão legal de passagem, inexiste direito de opção ancorado no invocado artigo artigo 1555.º, com o que improcedem as restantes conclusões recursivas.
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III Decisão
Acordam os juízes da 1.ª secção cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo a sentença apelada.
Custas a cargo dos recorrentes.
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Sumário (n.º 7 do art.º 713.º do CPC)
I. O exercício do direito de preferência fundado na confinância, consagrado no n.º 1 do art.º 1380.º do Código Civil, exige e pressupõe que a venda tenha sido efectuada a quem não seja proprietário confinante, requisito negativo cuja alegação e prova recai sobre o autor (art.º 342.º, n.º 1 do Cód. Civ.).
II. Não satisfaz o ónus probatório a mera junção de certidão registral do prédio alienado, porquanto, fazendo a presunção “juris tantum” consagrada no art.º 7.º do Código do Registo Predial pressupor que o direito existe, emerge do facto inscrito e pertence ao titular inscrito, já não abrange, nem a área, nem as confrontações.
III. O direito de preferência concedido ao dono do prédio serviente pressupõe que a servidão se ache já constituída, exigindo ainda que a mesma pudesse ser judicialmente imposta, assim devendo ser entendido o conceito de servidão legal para os efeitos do art.º 1550.º do Código Civil.
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Maria Domingas Simões (Relatora)
Nunes Ribeiro
Helder Almeida


[1] V. neste preciso sentido, aresto do STJ de 20/1/2010, proferido no processo n.º 644/04.5 TBSXL-B.L1.S1, aí se tendo considerado não ser admissível por presunção judicial considerar-se provado um facto concreto, essencial à sorte do litígio, que carece de ser alegado para poder ser tomado em consideração pelo Tribunal (arts. 349.º e 351.º do CC e arts. 264.º, 514.º, 515.º e 665.º do CPC.
[2] Cfr., quanto à interpretação a dar ao art.º 1380º após a entrada em vigor do DL 344/88 de 25 de Outubro, que dispõe para o regime do emparcelamento, o douto Ac. STJ de 13 de Outubro de 1993, in CJ 1993, tomo 3º, pág. 64, o aresto do mesmo Tribunal de 13/3/2001, proferido no âmbito dos autos de recurso 21/2001, disponíveis em www.dgsi.pt, e ainda Acs. Relação de Lisboa de 24/11/2005, processo nº 10489/2005-6, e Rel. de Coimbra de 9/5/2006, acessíveis no mesmo site.
[3] Trata-se de entendimento jurisprudencial que cremos uniforme, citando-se, a título meramente exemplificativo, o aresto do STJ de 15/5/2007, processo nº 07 A 958, também disponível em www.dgsi.pt
[4] V. sobre a temática, arestos desta mesma Relação de 13/9/2011, processo n.º 60/07.3 TBPNC.C1, que os RR fizeram juntar com as suas alegações, e ainda de 16/10/2012, processo n.º 2763/08.6 TBPBL.C1, também disponíveis em www.dgsi.pt.
[5] V., por todos, acs. STJ de 5/2/2007, processo n.º 07ª767, de 24/6/2010, processo n.º 2370/04.2 TBVFR.S1.
[6] Ac. de 2/5/2012, processo n.º 1241/07.5 TBFIG.C1.S1, ainda no identificado sítio, sendo nosso o destaque.