Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
328/15.5T8CNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
CONTA BANCÁRIA
CONTA SOLIDÁRIA
MOVIMENTAÇÃO
Data do Acordão: 05/03/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – CANTANHEDE – INSTÂNCIA LOCAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 941.º DO CPC E ART. 1161.º/D) DO C. CIVIL
Sumário: 1 - Não é por se ser co-titular duma conta bancária (colectiva e solidária) que se pode exigir a prestação de contas, nos termos do art. 941.º do CPC, dos movimentos efectuados em tal conta bancária pelo outro co-titular da mesma conta bancária; uma vez que o direito do co-titular movimentar/levantar/transferir os fundos depositados é o contraponto da obrigação que o banco tem de restituir os fundos depositados aos titulares da conta e não o resultado dum contrato de mandato entre os co-titulares da conta.

2 - Sem se estabelecer que um co-titular movimenta o que não lhe pertence falta suporte factual para a posterior construção duma situação jurídica de mandato (indispensável para gerar uma obrigação de prestar contas – cfr. art. 1161.º/d) do C. Civil).

Decisão Texto Integral:


Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A... , casada, residente na Rua (...) , Cantanhede, intentou a presente acção especial de prestação de contas contra B... , solteira, residente na mesma morada; pedindo que esta “preste contas da sua administração no período compreendido de 01/01/2012 a 31/12/2013 das contas [bancárias na CGD] (...) 200 e (...) 800

Alegou, em resumo, que são irmãs e viveram diversas décadas juntas, sendo a R. que, até ao casamento da A., “geria o património de ambas, incluindo as contas bancárias”, por “a A. não saber ler nem escrever (apenas assinando o seu nome)”; que, no início de 2012 “começaram as desavenças entre A. e R., decidindo fazer vidas autónomas e independentes”, ocasião em que foi “à Caixa Geral e verificou que a R. fez vários levantamentos e transferências [identifica alguns] para as suas contas pessoais, sem o seu consentimento”; motivo por que, tendo-lhe pedido, sem sucesso, para prestar contas “do dinheiro que levantou”, vem requerer que “a R. preste contas da sua administração no período compreendido de 01/01/2012 a 31/12/2013” e que “junte aos autos os extractos das contas bancárias onde é titular ou co-titular com a A., ou ainda contas onde é autorizada a movimentar que detinha ao tempo que vivia com a sua irmã”.

A R., citada, contestou a obrigação de prestar contas, dizendo que nunca administrou os bens da A. e que, inclusivamente, se limitava, “como mais nova e afilhada, a obedecer às ordens da irmã mais velha a quem tratava por você”; que “a A., embora sem saber ler, conhecia muito bem o valor do dinheiro, tendo apenas necessidade de que a irmã preenchesse e assinasse os cheques para as despesas que pagavam”; e que a A. “nunca teve preocupação em amealhar valores”, sendo a R. “muito poupada”, razão por que era a R. a “titular” do dinheiro depositado na CGD e que movimentou.

Respondeu a A., insistindo que a R. “administrou dinheiro que não lhe pertencia só a ela, uma vez que as contas (…) são solidárias, presumindo-se que o dinheiro ali depositado é metade de cada uma”, pretendendo que “com a presente acção (…) que a R. informe o destino do dinheiro levantado e transferido” das contas solidárias sem o seu conhecimento ou consentimento.

Entendendo-se que o estado dos autos permitia, sem necessidade de produção de prova, a apreciação do pedido, passou-se de imediato a proferir sentença – tendo sido declarada a total regularidade da instância, estado em que se mantém – em que se concluiu pela improcedência da acção, absolvendo-se a R. do peticionado.

Tendo-se, para tal, exposto (inter alia) o seguinte:

“ (…) o direito de exigir a prestação de contas está directamente relacionado com a qualidade de administrador em que alguém se encontra investido quanto a bens que não lhe pertencem ou que não lhe pertencem em regime de exclusividade, e a finalidade da acção especial aí prevista é “o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha apurar-se”.

Por conseguinte, na petição inicial do processo especial de prestação de contas o autor deverá alegar factualidade de onde se extraia o seu direito de exigir a prestação de contas e a correspondente obrigação do réu as prestar.

Para fundar a sua pretensão a autora invoca a circunstância de a ré ter movimentado as contas solidárias de ambas sem o seu consentimento ou conhecimento, desconhecendo a autora o destino do dinheiro levantado e transferido.

Ora, a mera contitularidade de contas bancárias não comporta, por si só, poderes de administração de bens ou interesses alheios.

Nenhuma outra factualidade é alegada que, uma vez provada, permita concluir que a ré se encontrava na administração do património da autora a partir de início de 2012, tanto mais que a própria autora alega que a partir dessa altura passaram a fazer vidas autónomas e independentes, não sendo bastante a invocada movimentação da conta pela ré para o que, de resto, estava contratualmente autorizada.

O que parece sugerir o arrazoado dos articulados da autora é uma suspeita acerca de um possível desvio de valores pertencentes em exclusivo à demandante dessas contas bancárias solidárias, pretendendo a mesma, como refere em resposta, esclarecer o destino do dinheiro levantado e transferido e a respectiva e futura restituição dos valores indevidamente movimentados.

É certo que a obrigação de prestar contas é uma derivação da obrigação mais ampla de informação, e esta existe sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias - artigo 573º do CC.

Todavia, não basta que impenda sobre o réu um dever de informação para que se lhe possa assacar uma obrigação de prestar contas. É pressuposto essencial da acção especial de prestação de contas a existência de uma administração de bens alheios, geradora de recíprocos créditos e débitos cujo saldo se pretende apurar e que, nos termos do art. 944º, nº 1 do CPC, devem ser apresentadas em forma de conta corrente.

(…)

Ora, no caso concreto, a factualidade exposta pela autora não traduz qualquer relação juridicamente relevante de onde ressume a incumbência para a demandada de administrar bens ou interesses alheios que lhe tenha sido confiado.

Importa, por conseguinte, concluir que, não estando em causa qualquer administração de bens alheios por parte da requerida geradora de recíprocos créditos e débitos a apurar, não tem a autora o direito de exigir, nem aquela o dever, de prestar contas.

É pois manifesta a improcedência da presente acção, por não estar a demandada obrigada a prestar contas. (…)”

Inconformada com tal decisão, interpôs a A. recurso de apelação, visando a sua revogação parcial e a sua substituição por outra que reconheça a existência da obrigação de prestar contas.

Terminou a sua alegação com uma segunda e idêntica alegação a que chamou “conclusões”[1]; e que aqui transcrevemos – pese embora a sua redundância e extensão – tendo em vista facilitar e tornar perceptíveis as respostas que, em sede de apreciação/fundamentação jurídicas, lhe daremos:

1. A... instaurou contra B... a presente ação especial para prestação de contas referente ao período compreendido de 01 de janeiro de 2012 a 31 de Dezembro de 2013.

2. Para fundar a sua pretensão invoca em suma a seguinte factualidade:

- A autora e ré são irmãs, sendo que até ao casamento da primeira e enquanto ambas eram solteiras, a ré geria o património de ambas, incluindo as contas bancárias.

-Desde o início de 2012 começaram as desavenças entre autora e ré, decidindo fazer vidas autónomas e independentes.

-Foi nesta altura que a autora verificou que a ré fez vários levantamentos e transferências, que indicou, para as suas contas pessoais sem o seu consentimento nem conhecimento

3. Requereu a final que “a ré junte aos autos os extratos das contas bancárias onde é titular ou co-titular com a autora, ou ainda de contas onde é autorizada a movimentar que detinha ao tempo que vivia com a sua irmã e que preste contas da sua administração no período compreendido de 01 de Janeiro a 2012 a 31 de Dezembro de 2013 das contas (...) 200 e (...) 800” sobre a Caixa Geral de Depósitos e solicita ainda que a “ré esclareça qual o destino dos montantes que a ré levantou e transferiu das contas da autora para as suas contas pessoais”.

4. Contestou a ré a obrigação de prestar contas, alegando que nunca administrou os bens da autora.

(…)

6. Refere também a douta sentença que, no caso concreto, a factualidade exposta pela autora não traduz qualquer relação juridicamente relevante de onde ressume a incumbência para a demandada de administrar bens ou interesses alheios que lhe tenham sido confiados.

7. Por conseguinte, concluiu que, não estando em causa qualquer administração de bens alheios por parte da requerida, geradora de recíprocos créditos e débitos a apurar, não tem a autora o direito de exigir, nem aquela o dever de prestar contas; julgando manifesta a improcedência da presente ação, por não estar a demandada obrigada a prestar contas.

(…)

10. (…) ao ser proferida uma sentença com o teor da proferida nos presentes autos foi violado o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do Código Processo Civil, na dimensão normativa aí estatuída que impede que o tribunal emita pronúncia ou profira decisão nova sem que, previamente, acione o contraditório.

(…)

13. Ou seja, estaremos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela, ou, no mínimo e concedendo, quando a decisão coloca a discussão jurídica num módulo ou plano diferente daquele em que a parte o havia feito. A violação do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do artº 195º, nº 1 do Código do Processo Civil - a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influenciar a decisão da causa.

14. No caso destes autos, poderemos afirmá-lo, as partes ao longo dos seus articulados não afloraram/perspectivaram, sequer, a solução encontrada pela Sra. Juiz da 1.ª instância para pôr fim ao processado. Estamos, por isso, perante um caso em que as partes não tiveram a oportunidade de debater esta questão – improcedência da presente ação, por não estar a demandada obrigada a prestar contas - perante o Tribunal da 1.ª instância.

15. Esta decisão não era, nem devia ser previsível para qualquer dos pleiteantes. A decisão recaiu sobre factos /direito não debatidos pelas partes nos seus articulados. Concluímos pois que a decisão em crise, da forma como foi proferida, sem conhecimento prévio das partes, constitui uma decisão surpresa com violação do princípio do contraditório.

16. Mais no nosso entendimento, a questão fundamental está na verificação dos pressupostos da ação de prestação de contas, designadamente a existência de uma administração de bens alheios, geradora de recíprocos créditos e débitos cujo saldo se pretende apurar.

17. Cumpre então esclarecer se a ré ao movimentar as contas da autora administrou ou não bens alheios Antes de mais cumpre, então, abordar o regime dos depósitos bancários

18. O depósito bancário é configurado como um contrato atípico, que reúne elementos comuns da conta corrente mercantil (artigo 347º do Código Comercial) e de contrato de mandato (artigo 1157º do Código Civil), e cujo objeto se desdobra em actividades próximas do mútuo oneroso (artigo 1142º e ss) e do depósito (artigo 1185º).

19. No fundo, pode dizer-se que o depósito bancário tem a natureza jurídica de um depósito irregular, por ter por objeto coisas fungíveis, pois que em regra é constituído por depósito de dinheiro (artigo 1205º do CC).

20. Em traços gerais, pode dizer-se que a conta bancária se traduz na entrega e transferência de propriedade para o banqueiro da propriedade dos depósitos que lhe são entregues para este lhe dar a utilização que entender, mediante a obrigação de devolução com os respetivos frutos (juros). Cfr. José Maia Pires, in “Direito Bancário, 2º Vol, páginas 143 a 151”.

21. Quando estiver previsto que a obrigação de devolução de capital e frutos vier a ocorrer no final do prazo acordado, estamos perante um depósito a prazo; quando se não preveja termo de encerramento da conta e só haja que devolver o saldo existente entre as diversas operações correntes que ao longo do tempo irão ocorrer, ligando ambas as partes contratantes por débitos e haveres, estaremos perante depósitos à ordem. As contas à ordem podem ser singulares e coletivas; as coletivas, por sua vez, podem ser solidárias ou conjuntas. Há ainda a possibilidade de qualquer das contas coletivas ser mista, sendo solidária quanto a alguns dos titulares e conjunta quanto a outros.

22. Como escreve o prof. Meneses Cordeiro (in “Depósito Bancário e Compensação”, CJ; Acs. STJ, Ano X, T1, 2002, págs. 5 a 10”). “(…) As contas bancárias solidárias têm um regime que resulta das respetivas aberturas de conta. No omisso, caberá recorrer às regras gerais sobre obrigações solidárias, verificando, caso a caso, as adaptações que se mostrem necessárias. Como ponto de partida, importa sublinhar que (…) nos depósitos bancários, a solidariedade funciona seja no interesse dos depositantes, seja no interesse do banqueiro; paralelamente tem desvantagens para todos eles. Com efeito, cada depositante tem a vantagem de poder movimentar sozinho, o saldo; tem a desvantagem de poder ser despojado do seu valor, por ato unilateral do seu parceiro. Nessas contas, que resultam de vontade das partes, permite-se a qualquer co-titular delas poder movimentá-las, total ou parcialmente, independente de ser seu depositante (de fundos), assentando as mesmas normalmente numa relação de confiança existente entre os seus co-titulares. Porém, essa solidariedade só se verifica do lado ativo, e já não do lado passivo.

23. Importa ainda sublinhar que o regime que atrás se deixou caracterizado para as contas plurais solidárias vigora independentemente de quem seja, de facto ou de direito, o dono dos valores ou fundos nelas depositados. Ou seja, a titularidade da conta não predetermina a propriedade dos fundos nelas contidos, a qual (a propriedade dos fundos ou valores) pode pertencer apenas a algum ou alguns dos seus titulares ou co-titulares ou mesmo até porventura a um terceiro, considerando-se, a esse propósito, que a solidariedade releva tão-somente nas relações externas entre os titulares da conta e o banco, não tendo a faculdade de movimentação a ver com a propriedade das quantias depositadas. Não há, assim, que confundir a titularidade das ditas contas com a propriedade dos valores/importâncias nelas depositadas. (Vide, a propósito, José Ibraimo Abudo, in “Do Contrato de Depósito Bancário”, Instituto de Cooperação Jurídica/FDUL, 2004, pág 157” e José Maria Pires, “Direito Bancário”, II, 1995, ali citado” e o prof. Pinto Coelho, in “BMJ, nº 304 – 449” e in “Operações e Banco e Depósito Bancário, RLJ, 81, pág. 227”).

24. Porém, nas relações internas, e sendo omisso a esse respeito o acordo ou a relação jurídica de que resultou a abertura das respetivas contas, o artº 516º do CC, por força do recurso ao regime geral da obrigações solidárias previsto no artº 512º e segts de tal diploma, faz já presumir que os credores solidários participam no crédito em partes iguais. Presunção legal essa iuris tantum, aplicável apenas nas contas solidárias, que já não nas conjuntas pois aí não pode qualquer deles exigir o crédito já que, como se deixou, esse tipo de depósito exige sempre a intervenção de todos os co-titulares da conta.

25. A presunção estabelecida neste preceito assenta no pressuposto de que o depósito bancário, em regime de solidariedade ativa por duas ou mais pessoas, foi constituído com o dinheiro, por igual, dos contitulares. Tal presunção será elidida se se provar que o dinheiro do depósito provém da exclusiva propriedade de um dos titulares - cf. Ac. STJ de 27/01/98, Col. Jur. 1º, p. 42.

26. Não sendo ilidida essa presunção legal (e embora qualquer dos titulares possa movimentar sozinho a conta) o co-titular que retire quantias da conta é responsável perante os outros pelos direitos que estes têm, e cuja comparticipação do crédito da conta já, vimos que se presume igual. (Sobre toda este problemática, e no sentido que acabamos de abordar, vide ainda, para além da doutrina que supra deixámos citada, os profs. Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotada, Vol. I, 3ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, pág. 502, em anotação ao artº 512º”, e em termos de jurisprudência, e entre outros, os Acs. do STJ de 22/02/2011, proc. 1561/07.9TBLRA.C1.S1. - cujo pensamento seguimos de perto -; de 12/11/2009, proc. 340/06.5TBPNH.C1.S1; de 9/6/2009, proc. 09A0662; de 19/5/2009, proc. 2434/02.2TBVCD.S1; de 12/2/2009, proc. 08A3714; e de 11/10/2005, proc. 04B1464, todos publicados em www.dgsi.pt/jstj”).

27. “In casu”, a conta em apreço é solidária pois, tal como alegou a Autora e a Ré não impugnou, esta mobilizou os respetivos fundos depositados sem necessidade de intervenção da autora, quer para subscrever cheques, acordos de pagamento, ou, ainda, autorizar e ratificar tais operações.

28. A questão está em saber de quem é a propriedade das quantias depositadas nas contas bancarias números (...) 2000 e (...) 800, ambas da Caixa geral de Depósitos, em nome da autora e que a ré preste contas àquela dos movimentos que fez nas contas.

29. Como acima vimos, em tais contas a titularidade das mesmas não se confunde com a propriedade dos valores / importâncias nelas depositados, pois que essa propriedade pode pertencer tanto a um como a alguns dos seus titulares ou co – titulares ou mesmo até, porventura, a um terceiro.

30. “In casu”, a autora alega na sua petição inicial que autora e ré eram irmãs; antes do casamento da autora, e após terem vivido décadas juntas enquanto solteiras, era a ré que geria o património de ambas incluindo as contas bancárias da autora dado que esta não sabia ler nem escrever, nem tinha carta de condução. Alega ainda a autora que só depois do seu casamento é que foi à Caixa Geral de Depósitos, tendo nessa altura verificado que a ré fez vários levantamentos e transferências para as suas contas pessoais.

31. A ré até hoje, e apesar da autora lhe pedir insistentemente, nunca ofereceu nem prestou contas a esta do dinheiro que lhe levantou e/ou transferiu ou bem dos pagamentos que fez.

32. No caso concreto é fácil de provar que o dinheiro existente nas contas da Caixa Geral de Depósitos (...) 2000 e (...) 8000 era só da autora.

33. Mas mesmo que a autora não consiga provar que o dinheiro existente nas referidas contas era só seu presume-se comum.

34. Nos termos do n.º 1 do artigo 1403 do Cód. Civ. “existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa”.

35. O certo é que o artigo 1404.º do Código Civil manda aplicar esse regime “à comunhão de quaisquer outros direitos, sem prejuízo do disposto especialmente para cada um deles”.

36. A expressão “quaisquer outros direitos” leva a admitir a regra para todas as situações de contitularidade, como é o caso de contas bancárias comuns. (cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Julho de 2003 – 03 A615 – e Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado, III, 2.ª ed., 350).

37. E um desses princípios é o do n.º 2 do artigo 1403.º a dispor que “os direitos dos consortes ou comproprietários sobre coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se todavia, quantitativamente iguais, na falta de indicação em contrário do título constitutivo”.

38. Daí que ainda que a autora não conseguisse provar que o valor depositado era a maior parte proveniente da sua reforma, teria de atender-se à do n.º 2 do artigo 1403.º, com iguais consequências, ou seja que a Autora e a Réu eram proprietários, cada um, de 50% das quantias depositadas.

39. Sendo a autora titular de contas bancárias com outras pessoas, designadamente com a ré, tem direito de exigir a esta prestação de contas pelos movimentos que efectuou.

40. Ora a obrigação de prestar contas tem lugar todas as vezes que alguém trate de negócios alheios ou de negócios alheios simultaneamente alheios e próprios, como é o caso (Acórdão da Relação do Porto de 08/06/78, C.J. 1978, 3º, 871)

41. O objeto da ação de prestação de contas encontra-se definido no art. 941.º do C. de Proc. Civil, segundo o qual “a ação de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se”.

42. Do referido artigo 941º do CPC resulta que o direito de exigir a prestação de contas está diretamente relacionado com a qualidade de administrador em que alguém se encontra investido quanto a bens que não lhe pertencem ou que não lhe pertencem em regime de exclusividade.

43. Este entendimento é pacífico na jurisprudência, como salienta o Acórdão da Relação de Lisboa, de 15/12/1994, publicado na C.J., tomo V, pág. 140, citando vários acórdãos, entre eles o do S.T.J. de 14/01/1975, (B.M.J. n.º 243.º, 204), no qual se afirmou que o que justifica o uso da ação com processo especial de prestação de contas “é a unilateralidade do dever de uma das partes prestar contas à outra, por imperativo da lei ou disposição do contrato, relativamente a bens ou interesses que lhe foram confiados”.

44. O mesmo entendimento tem a doutrina, como se constata dos ensinamentos de Alberto dos Reis (Processos especiais, volume I, página 303): “ quem administra bens ou interesses alheios está obrigado a prestar contas da sua administração ao titular desses bens ou interesses”. Ou, como escreveu o Prof Vaz Serra, citado no acórdão do Supremo Tribunal de 28 de Janeiro de 1975 (Boletim n.º 243, página 265): a obrigação de prestar contas “tem lugar todas as vezes que alguém trate de negócios alheios ou de negócios, ao mesmo tempo, alheios e próprios”. E, posteriormente, na R.L.J., ano 82.º, pág. 413, escreveu: “a prestação de contas pressupõe que a pessoa a quem são pedidas as contas exerceu gerência ou administração de interesses da pessoa que as pede”.

45. Temos, assim, que a obrigação de prestar contas decorre diretamente da lei, mas pode também derivar do negócio jurídico ou mesmo do princípio geral da boa-fé (cfr. Neste sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 17/12/1994, CJ, tomo V, pagina 99).

46. Como ensina Alberto dos Reis (ob. Cit., 314) “na petição (do processo especial de prestação de contas) há-de o autor dizer a razão por que pede contas ao réu, ou por outras palavras, a razão por que se julga no direito de exigir a prestação de contas e por que entende que sobre o réu impende a obrigação de prestar contas”.

47. No caso vertente, a Autora invoca como fundamento para exigir contas à Ré o facto de serem irmãs e antes do casamento da autora ser a ré que geria o património de ambas, incluindo as contas bancárias, onde eram movimentados os dinheiros provenientes da sua reforma no montante mensal de 800 Euros.

48. E a circunstância de a Autor ter acesso aos extratos bancários da conta em questão e de alguns movimentos serem do seu conhecimento não afasta a obrigação do Réu em prestar contas, já que uma coisa é o acesso aos extratos bancários e outra coisa é a realidade subjacente aos movimentos a débito e a crédito efetuados na mesma conta.

49. Do acima exposto, em nosso entendimento está em causa a administração de bens alheios por parte da requerida geradora de recíprocos créditos e débitos a apurar, tendo a sentença recorrida, levando em conta o que dispõe o artigo 944º do Código Processo Civil, que concluir que tem a autora o direito de exigir a prestação de contas, e a ré o dever de as prestar.

50. Foram violadas, entre outras as normas constantes do n.º 3 do artigos 3 e 977º ambos do CPC e 1403º e 1404º ambos do Código Civil.

A R. respondeu, sustentando, em síntese, que não violou a sentença recorrida quaisquer normas, pelo que deve ser mantida a sentença nos seus precisos termos.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

“ (…)

1ª-A decisão posta em causa pela recorrente, limitou-se a aplicar o Direito à matéria de facto indiciariamente provada, carecendo de qualquer fundamento as Alegações da Apelante.

2ª A acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tem o direito de exigir-las ou por quem tem o direito de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se (artº941º do PCC).”

3ª- Manifestamente, a recorrente não alegou na PI quaisquer factos que traduzam qualquer relação jurídica relevante de onde ressuma a incumbência para a recorrida de administrar bens ou interesses alheios que lhe tenham sido confiados.

4ª. Em consequência, não tem a A. aqui recorrente, qualquer fundamento legal, para exigir prestação de contas, não tendo a ré qualquer obrigação de as prestar.

5ª- O Tribunal fez inteira e sã Justiça, o presente recurso não poderá pois proceder, devendo ser mantida a Sentença recorrida, julgando-se improcedente o recurso interposto pela A. aqui , recorrente A... . (…)”

Dispensados os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


*

II – Fundamentação

A – Os elementos factuais pertinentes são os que já constam do relatório precedente.

B – Quanto à discussão de direito:

É usual começar a apreciação (estritamente jurídica) dum recurso a afirmar que o seu objecto está delimitado pelas conclusões da alegação do apelante (para o que se invoca o disposto no artigo 635.º/4 do CPC).

Foi justamente para facilitar a resposta a dar, nesta sede, às duas questões compreendidas em tal objecto, que, como supra já se referiu, procedemos à transcrição das longas “conclusões” da A./apelante.

Assim, antecipando e sintetizando a resposta, podemos afirmar, percorrendo as conclusões da alegação da apelante, que não vislumbramos, em tese/abstracto, pontos de divergência com a argumentação/raciocínio jurídicos expostos, porém – é o ponto – descendo à hipótese concreta dos autos/recurso, constatamos que o longamento exposto não contende com a solução da decisão a quo (isto é, não milita no sentido da pretendida anulação/revogação).

Em tese/abstracto, não pode deixar de concordar-se:

Que a nossa lei processual não consente e por isso censura (cfr. art. 3.º/3 do CPC) as decisões surpresa.

Que uma coisa é a titularidade de depósitos bancários e outra, distinta, a propriedade dos fundos depositados[2], isto é, que, quando estamos perante quantias que estão depositadas em contas bancárias, importa não confundir a questão da propriedade de tais quantias com a questão de saber quem são os titulares das contas bancárias em que as disponibilidades monetárias se encontram depositadas. De facto, o depósito de dinheiro num banco não passa de um mero contrato obrigacional, “pelo qual uma pessoa (depositante) confia dinheiro a uma instituição bancária (depositário), a qual, tornando-se proprietária dos fundos depositados, fica com direito de livremente dispor deles para as necessidades da sua actividade profissional e assume a obrigação de restituir outro tanto em conformidade com o estipulado pelas partes[3]; contrato de que, após ser validamente celebrado (isto é, após, o depositante haver entregue os fundos a depositar - contrato real), resulta a obrigação de restituir a cargo do banco; obrigação de restituir que, no chamado depósito ou conta colectiva solidária[4], vincula o banco a restituir a totalidade dos fundos depositados a qualquer um dos titulares da conta. Ou seja, na conta colectiva “solidária”, o direito que está em causa, em relação ao banco, é o direito que qualquer dos titulares tem de poder movimentar sozinho e livremente a conta; direito este que – é absolutamente pacífico, insiste-se – está dissociado da propriedade das quantias depositadas[5], que se deve presumir igual entre todos os titulares da conta (cfr. artigos 512.º e 516.º do C. Civil).

Porém, isto dito e repetindo, “descendo” à hipótese concreta dos autos/recurso, constatamos/observamos:

Que o decidido não é uma decisão surpresa.

Que não é por se ser co-titular duma conta bancária que se pode exigir a prestação de contas dos movimentos efectuados em tal conta bancária pelo outro co-titular da mesma conta bancária.

Expliquemo-nos:

Quanto à 1.ª questão:

As sucessivas reformas processuais (desde 95/96) não suprimiram por completo, embora hajam eliminado alguns deles, os processos especiais.

Assim, o actual CPC continua a dizer no art. 546.º/1 que “o processo pode ser comum ou especial”, mantendo como processo especial a “prestação de contas”; que, nos termos do art. 941.º do CPC, “tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se”.

Processo especial de prestação de contas que é especial, passe a redundância, justamente por ter uma tramitação especial, que resumidamente se traduz no seguinte:

 - na PI, o A. pode/deve limitar-se a invocar o acto ou facto que justifica o pedido (que é a causa de pedir); ou seja, há-de dizer a razão por que pede contas ao réu, a razão por que se julga no direito de exigir a prestação de contas e por que entende que sobre o réu impende a obrigação de as prestar[6].

 - citado o réu, pode este (além, evidentemente, de nada dizer/fazer) apresentar as contas ou contestar a obrigação de prestar contas; dizendo, v. g., que não existe uma relação jurídica que o obrigue a prestar contas ou que já prestou as contas a que estava obrigado e que está assim desonerado de tal obrigação.

 - neste última hipótese/defesa (em que contesta a obrigação de prestar contas), suscita uma questão prévia e prejudicial e “enquanto não for decidida não pode o processo avançar; e se for julgada em sentido favorável ao réu, a acção morre. (…); contestada pelo réu a obrigação de as prestar, tem de resolver-se, antes de mais nada esse problema. Se o juiz o resolve a favor do autor, isto é, se decide que o réu está obrigado a prestar contas, o processo segue para o efeito das contas serem prestadas; se o resolve a favor do réu, a acção finda porque deixa de ter objecto”[7].

Assim, revertendo ao caso dos autos, tendo a R. contestado a obrigação de prestar contas, era “esse problema” que tinha que previamente ser resolvido/decidido (cfr. 942.º/3 do CPC); e foi exactamente (apenas) sobre “esse problema” que a decisão a quo se pronunciou e conheceu (no sentido de não haver o dever/obrigação de prestar contas por parte da R.).

Em síntese, a questão/problema decidido na decisão a quo não só não configura uma decisão surpresa como, inclusivamente, era até a única questão/problema que havia a conhecer/decidir[8],[9].

Quanto à 2.ª questão:

A acção de prestação de contas, nos termos do art. 941.º do CPC, pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.

Pressupõe pois (a norma processual do art. 941.ºdo CPC) a existência de normas de direito substantivo que imponham a obrigação de prestar contas.

Obrigação esta, de prestar contas, que é (como é referido quer na sentença quer na alegação da recorrente) estruturalmente uma obrigação de informação, que existe sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias; e cujo fim é estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efectuadas, de modo a obter-se a definição dum saldo e a determinar a situação de crédito ou de débito.

Obrigação que se encontra casuisticamente consagrada em várias/inúmeras normas da lei[10]; razão por que é usual afirmar-se, dada a frequência com que a lei a estabelece, que “quem administra bens ou interesses alheios está obrigado a prestar contas da sua administração, ao titular desses bens ou interesses[11] ou, dito doutro modo, que tal obrigação tem lugar todas as vezes que alguém trate de negócios alheios ou de negócios, ao mesmo tempo, alheios e próprios[12].

Ora, é justamente esta administração de bens ou interesses alheios (da A.) que os factos alinhados nos autos não permitem atribuir à R..

Resulta da PI (e dos esclarecimentos que a A. deu na resposta e de certo modo também na sua alegação recursiva) que os levantamentos / transferências / movimentos bancários (de que a A. pede contas) foram efectuados pela R. em contas bancárias colectivas e solidárias[13], em que ambas (A. e R.) eram titulares.

Temos pois que não estamos perante contas bancárias de que a A. seja a única titular e de que tenha autorizado/conferido à R. o poder de as movimentar, obrigando-se esta, em nome da A., a efectuar depósitos e levantamentos; hipótese em que, configurando tais depósitos e levantamentos, actos jurídicos[14], estaríamos perante um contrato de mandato[15] com a consequente obrigação de prestar contas por parte da R. (diz-se, no art. 1161.º/d) do C. Civil, que o mandatário é obrigado a prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir; obrigação que tem como pressuposto que os actos jurídicos objecto do mandato tenham reflexos patrimoniais nas relações entre mandante e mandatário e que tem como objecto, além da apresentação da conta, sobretudo a demonstração e a justificação da actividade desenvolvida pelo mandatário); tanto mais que, em tal hipótese, sendo a A. a única titular das contas bancárias, a presunção da propriedade das quantias depositadas apontava apenas para a A., pelo que os referidos actos jurídicos (efectuados pela R.) diriam respeito a bens ou interesses alheios.

O que temos, insiste-se, é a contitularidade de contas bancárias colectivas e solidárias, pelo que, tendo presente o que supra se referiu (sobre o que significa ser titular duma conta bancária colectiva e solidária), a R. tinha o direito de movimentar/levantar/transferir sozinha e livremente a totalidade dos fundos depositados; e tal direito não resulta, à partida e como que “por defeito”, dum contrato de mandato, mas sim como contraponto da obrigação que o banco tem de restituir a totalidade dos fundos depositados a qualquer um dos titulares da conta.

Evidentemente, como também supra se referiu, uma coisa é a titularidade dos depósitos/contas bancários e outra, distinta, a propriedade dos fundos depositados, podendo estes ser, no limite, todos da A., hipótese em que, nas relações internas (entre A. e R.), a co-titularidade das contas bancárias solidárias e colectivas poderá ter, “como subjacente”, uma situação de mandato.

Porém, como é evidente, para se poder hipotizar uma tal situação de mandato (entre co-titulares de contas bancárias colectivas e solidárias), haveria previamente que estabelecer/definir a propriedade dos fundos; haveria previamente que “separar as águas” quanto à propriedade dos fundos e assim estabelecer que a R. movimentou / levantou / transferiu fundos que não são da sua (da R.) propriedade.

Sem isto – tendo em vista hipotizar a situação de mandato – não está definido, por parte da A., qual é o perímetro da prestação de contas; mais, não está sequer dito, por parte da A., quais são/eram os fundos da sua propriedade[16].

E não está definido/dito (quais são/eram os fundos da sua propriedade) porque verdadeiramente e em substância é isto – que é um pressuposto da obrigação de prestar contas (na medida que está em causa a administração de bens ou interesses alheios) – que a A. pretende discutir na presente acção.

Mas para isto – para discutir a propriedade dos fundos depositados numa conta colectiva solidária e, em função disso, concluir que o outro titular se apropriou de fundos que não lhe pertencem e condená-lo a restituir o que não lhe pertence – o meio processual próprio não é uma acção especial de prestação de contas (que tem como pressuposto, insiste-se, uma actuação sobre bens indiscutivelmente alheios); para isto, o meio processual próprio é o comum, uma vez que se está perante um litígio à volta da propriedade de fundos/saldos de contas bancárias, em que o centro do busílis está no afastamento da referida presunção (decorrente dos art. 512.º, 516.º, 1403.º e 1404.º, todos do C. Civil).

Daí que se tenha começado por dizer que não é por se ser co-titular duma conta bancária que se tem o direito de exigir a prestação de contas dos movimentos efectuados em tal conta bancária pelo outro co-titular da mesma conta bancária; sem se estabelecer que o outro co-titular movimentou o que não lhe pertence falta suporte factual para a posterior construção da situação jurídica de mandato (indispensável para gerar uma obrigação de prestar contas – cfr. art. 1161.º/d) do C. Civil).

É quanto basta para concluir – como na sentença recorrida – que a situação apresentada não consubstancia uma obrigação de prestar contas por parte da R..


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Enfim, tudo razões que levam à improcedência do que a A/apelante invocou e concluiu na sua alegação recursiva, o que determina o completo naufrágio da apelação e a confirmação do sentenciado na 1ª instância, que não merece os reparos que se lhe apontam.

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III - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar totalmente improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida.

Custas da apelação pela A./apelante.


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Coimbra, 03/05/2016

(Barateiro Martins)

(Arlindo Oliveira)

(Emídio Santos)


[1] Ao arrepio do disposto no art. 639.º/1 do CPC, em que se diz que o recorrente “ (…) concluirá, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”. Deficiência que, é verdade, dá lugar a convite a aperfeiçoamento (cfr. art. 639.º/3 do CPC), mas que não conduzindo, em boa verdade, a uma imediata e efectiva sanção processual – razão pela qual já “desistimos” do convite ao aperfeiçoamento – leva a que, hoje em dia, rara seja a alegação cujas conclusões não se apresentem como um ostensivo exercício de desrespeito pela referida “forma sintética” imposta pela lei.

[2] Cfr., v. g., Ac. STJ de 20-1-1999, in CJ, 1999, Tomo I, pág. 48; Ac. STJ de 17-6-1999, in CJ, 1999, Tomo II, pág. 152; Ac. RL de 26-5-1994, in CJ, 1994, Tomo III, pág. 105; e, já agora, Cfr. o decidido por este colectivo, v. g, no Ac. de 02/11/2015 proferido na apelação n.º 126/13.0TBSBG - C1 ou no Ac. de 19/06/2012 proferido na apelação n.º 5715/10 1.º Juízo Cível de Leiria.
[3] José Maria Pires, Direito Bancário, II Vol., pág. 168.
[4] Conta constituída por diversas pessoas, com a faculdade atribuída a cada uma delas da sua livre movimentação - cfr. José Maria Pires, Direito Bancário, IIº Vol., pág. 168.

[5] O banco pode nem sequer saber – e nem se interessa por saber – qual a quota de cada um dos titulares da conta colectiva “solidária”.

[6] Isto é, apenas é necessário alegar que o autor tem direito à prestação de contas e que o réu tem obrigação de as prestar, envolvendo o pedido de prestação de contas necessariamente um pedido de condenação do eventual saldo final.
[7] Alberto dos Reis, Processos Especiais, Vol. I, pág.325.

[8] E, como consta do relatório inicial, a A. até respondeu (nos termos do art. 942.º/3/parte inicial do CPC) à contestação da obrigação de prestar contas por parte da R., exercendo assim o seu contraditório.

[9] Em face do modo obrigatório como a audiência prévia está prevista no art 591.º/1/b) do CPC, poderá colocar-se a questão de saber se esta podia ter sido dispensada (tendo em vista a imediata decisão), porém, seja como for (e inclinamo-nos para que seria dispensável, uma vez que estamos numa tramitação especial, que prescreve, naquele momento do processo, a tomada duma tal decisão), não é esta questão/nulidade que é suscitada, mas sim estar-se perante uma “decisão surpresa” (em violação do disposto no art. 3.º/3 do CPC).
[10] Podendo também resultar do princípio da boa fé ou de negócio jurídico.
[11] Alberto dos Reis, Processos especiais, Vol. I, pág. 303.
[12] Cfr. Ac. TRL de 24/05/1990, in CJ, III, pág. 125/7.
[13] Cfr. art. 6.º da resposta e conclusões 27 e 29.

[14] A noção de acto jurídico pressupõe a de facto jurídico, devendo este (o facto jurídico) ser entendido como todo o facto da vida real e juridicamente relevante e desdobrando-se (o facto jurídico) em facto jurídico stricto sensu e acto jurídico, estando o critério da distinção, como refere Galvão Telles (Manual dos Contratos, pág. 13 e 14), na “maneira como o ordenamento jurídico encara e aprecia os factos”; acrescentando: “Se olha a conduta humana em si, como conduta, e ao atribuir-lhe efeitos jurídicos toma em consideração a vontade que (pelo menos nos casos normais) a acompanha e determina, desenha-se deste modo a noção de acto jurídico. Pelo contrário, o conceito que adquire consistência e se afirma é o do facto sempre que para o Direito apenas conta o fenómeno natural, relegada para a sombra e desprezada uma vontade que com ele eventualmente concorra.” (é assim que, v. g., a morte – enquanto fundamento do fenómeno sucessório – é um facto jurídico e não um acto jurídico, mesmo que não se trate de morte natural mas de morte provocada por homicídio ou suicídio).
[15] Decerto de mandato com representação, uma vez que dos documentos bancários não deixaria de constar o documento escrito (autorização/procuração) que concedia a um terceiro (relativamente ao titular da conta) tais poderes.

[16] Daí que, agora, na alegação recursiva, venha argumentar com a presunção de ser proprietária de 50% da quantia depositada, o que continuaria a ser inconcludente, uma vez que não sabemos exactamente de que montante(s) está a falar.