Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
95/05.0TBCTB-H.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: CLÁUSULA PENAL
CONTEÚDO
CLÁUSULAS PENAIS INDEMNIZATÓRIAS
CLÁUSULAS PENAIS COMPULSÓRIAS
REDUÇÃO
Data do Acordão: 06/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – C. BRANCO – JC CÍVEL- JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 810º, Nº 1, E 812º, AMBOS DO C. CIVIL.
Sumário: I- A cláusula penal prevista no artº. 810º, nº 1, do CC, num conceito amplo engloba dentro de si cláusulas penais indemnizatórias e cláusulas penais compulsórias: nas primeiras (cláusulas penais indemnizatórias), o acordo das partes tem por exclusiva finalidade liquidar a indemnização devida em caso de incumprimento definitivo, de mora ou cumprimento defeituoso; nas segundas (cláusulas penais compulsórias), o acordo das partes tem por finalidade compelir/pressionar o devedor ao cumprimento e/ou sancionar o não cumprimento.

II- Esses dois tipos de cláusulas são, em termos de execução, cumuláveis entre si, dado que visam alcançar fins diferentes.

III- Qualquer cláusula penal pode, à luz artigo 812º do CC, ser reduzida pelo tribunal, segundo critérios de equidade.

IV- Trata-se se uma norma de ordem pública, inspirada em fortes razões de ordem moral e social, levando a que prevaleça sobre as convenções privadas.

V- Para que essa redução aconteça não basta que essa cláusula seja excessiva, exigindo-se que ela se revele manifestamente excessiva, isto é, francamente exagerada ou desproporcionada às finalidades que presidiram à sua estipulação e ao conteúdo do direito que se propõe realizar.

VI- Nessa tarefa de redução, que deve pautar-se por critérios de equidade, o tribunal dispõe de uma ampla liberdade de ponderação, podendo/devendo socorrer-se de todos os fatores de ponderação de que disponha, tais como o interesse das partes, a sua situação económica e social, o seu grau de culpa, a função que a cláusula penal visa prosseguir no caso concreto, o motivo de incumprimento, a boa ou má fé do devedor, a natureza do contrato e as circunstâncias em que foi realizado, etc., etc..

VII- A redução de tais cláusulas poderá, contudo, ainda ser conseguida através do recurso oficioso ao instituto do abuso de direito consagrado no artº. 334º do CC.

Decisão Texto Integral:






Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

1. O Condomínio do Prédio ..., instaurou (em 28/06/2016) contra M... e sua mulher C... execução para pagamento de quantia certa no valor de €153.705,73, correspondendo esse montante à liquidação da cláusula penal – €5.000,00 + €143.200,00 € (1.432 dias X €100,00), acrescida de juros de mora – fixada em transação (entre eles celebrada) homologada por sentença, noutros autos de oposição a outra execução envolvendo as mesmas partes.

2. Os executados deduziram oposição a tal execução, pedindo que, à luz do disposto no artº. 812º do CC, a referida cláusula penal em execução e, por consequência, a quantia exequenda, seja equitativamente reduzida, devendo julgar-se extinta a execução.

Cláusula essa que, com base nos fundamentos que aduziram, consideraram ser manifestamente excessiva e desproporcionada, defendendo que a mesma não deve ir além da quantia de € 10.000,00.

3. Contestou o exequente, opondo-se, com os fundamentos aí aduzidos, a qualquer redução da referida cláusula penal, defendendo que a mesma se deve manter pelos valores em que foi fixada, julgando-se, assim, improcedente a oposição deduzida pelos executados.

4. Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, onde se afirmou a validade e a regularidade da instância, enunciando-se ainda aí o objeto do litígio e os temas de prova, num despacho que não mereceu reclamação.

5. Mais tarde, realizou-se a audiência de discussão e julgamento (com a gravação da mesma).

6. Seguiu-se a prolação (em 16/02/2017) da sentença, que, no final, julgando a oposição parcialmente procedente, decidiu:

a) Reduzir o valor da cláusula penal dada em execução para o montante global de 23.000,00 € (vinte e três mil euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da presente decisão até integral pagamento; e

b) Ordenar, tendo presente o anteriormente definido, o normal prosseguimento da execução apensa para pagamento de tal valor.”

7. Não se tendo conformando com tal sentença dela apelou o exequente.

...

9. Os executados/opoentes contra-alegaram, pedindo no final a improcedência do recurso e a manutenção integral da sentença recorrida.

10. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


II- Fundamentação

A) De facto.

Pelo tribunal da 1ª. instância foram dados como provados o seguintes factos:

1. Nos autos a que estes correm por apenso o exequente intentou a ação executiva para pagamento de quantia certa, no valor de 153.705,73 €, correspondendo tal montante à liquidação da cláusula penal – 5.000,00 € + 143.200,00 € (1.432 dias X 100,00 €), acrescida de juros de mora – fixada em transação homologada por sentença.

2. Por sentença, transitada em julgado, datada de 4.06.2007, os réus, aqui opoentes, foram condenados a: absterem-se de exercer na sua fração a atividade de restauração, pizzaria e padaria; retirarem as chaminés, condutas, ares condicionados e extratores; e deixaram o terraço nas suas formas primitivas.

3. A 24.04.2009, o autor intentou ação executiva para prestação de facto do dispositivo de tal sentença.

4. Os executados nessa ação e aqui opoentes deduziram oposição à execução e, por transação, homologada por sentença, em 29.04.2011, os opoentes obrigaram-se a, no prazo de 90 dias, a cumprir a sentença proferida nos autos principais, substituindo a reposição do terraço nas formas primitivas pela sua manutenção no estado atual, mas com a obrigação dos opoentes, em tal prazo, fecharem como tijolos de vidro ou outro material translúcido ou opaco as janelas do anexo frontais ao alçado posterior do edifício.

5. Mais acordaram, nessa transação, uma cláusula penal de 100,00 € por cada dia que exceda o prazo fixado …, acrescido de 5.000,00 € para o exequente, a título de indemnização, verificando-se o incumprimento no referido prazo de 90 dias.

6. E ainda que: os autos de execução ficam suspensos durante 90 dias e decorrido este prazo sem que os executados tenham cumprido as obrigações estipuladas nas cláusulas primeira e segunda, os exequentes poderão requerer o prosseguimento da referida execução.

7. Os executados/opoentes, decorrido o prazo de 90 dias, não retiraram as chaminés, condutas, ares condicionados e extratores.

8. A ação executiva prosseguiu os seus termos coercitivos, tendo os trabalhos coercitivos sido realizados e terminado em 2 de Julho de 2015.

9. Tais trabalhos importaram um custo de 3.800,00 €, tendo sido, previamente na ação executiva, avaliados em 4.900,00 €.

10. Os executados, depois de penhorados bens para o efeito, depositaram no processo o valor de 4.900,00 €, o que ocorreu em 12.02.2014.

11. Os opoentes, por decisão judicial proferida em processo tutelar comum, têm a seu cargo, atualmente, duas netas, nascidas em 2003 e 2008.

B) De direito.

1. Como é sabido, e é pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, pelo que o tribunal ad quem não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.

Ora, calcorreando as conclusões das alegações do recurso do exequente, verifica-se, tal como deflui do que supra se deixou exarado, que a única verdadeira questão que nos cumpre aqui apreciar e decidir traduz-se em saber se o montante da cláusula penal – na parte em que fixa o valor de € 100,00 por cada dia que exceda o prazo fixado para cumprimento da obrigação - que o exequente pretende liquidar/cobrar na execução deve ou não ser reduzida.

Vejamos.

Relembremos o teor das cláusulas de onde diretamente emerge a referida questão que nos foi submetida a apreciação.

- Por sentença, transitada em julgado, datada de 4.06.2007, os réus, aqui opoentes, foram condenados a: absterem-se de exercer na sua fração a atividade de restauração, pizzaria e padaria; retirarem as chaminés, condutas, ares condicionados e extratores; e deixaram o terraço nas suas formas primitivas (ponto 2 dos factos provados).

- A 24.04.2009 o autor intentou ação executiva para prestação de facto do dispositivo de tal sentença (ponto 3 dos factos provados).

- Os executados nessa ação, e aqui opoentes, deduziram oposição à execução e por transação, homologada por sentença, em 29.04.2011, os opoentes obrigaram-se a, no prazo de 90 dias, a cumprir a sentença proferida nos autos principais, substituindo a reposição do terraço nas formas primitivas pela sua manutenção no estado atual, mas com a obrigação dos opoentes, em tal prazo, fecharem como tijolos de vidro ou outro material translúcido ou opaco as janelas do anexo frontais ao alçado posterior do edifício (ponto 3 dos factos provados e cláusula 2ª. da transação).

- Mais acordaram, nessa transação (cláusula 3ª.) uma cláusula penal de 100,00 € por cada dia que exceda o referido prazo fixado …, acrescido de 5.000,00 € para o exequente, a título de indemnização, verificando-se o incumprimento no referido prazo de 90 dias (ponto 5 dos factos provados).

Como bem se concluiu sentença recorrida (depois de uma análise exaustiva e certeira do instituto - nomeadamente ao nível da caracterização e definição da sua natureza, função e espécies, suportada em doutrina e jurisprudência autorizadas citadas com a propósito -, com o que as partes estão de acordo, num caminho que por isso dispensamos aqui novamente de percorrer), o teor da referida cláusula 3ª., configura uma verdadeira cláusula penal prevista no artº. 810º do CC) a se qual decompõe em duas partes: uma referente ao montante fixo de indemnização de € 5.000,00, decorrido que seja o prazo de incumprimento ali fixado, e a outra parte referente ao valor de € 100,00 por cada dia de incumprimento decorrido que seja o prazo ali fixado.

Ora, é só o montante/valor da última parte da cláusula penal (globalmente considerada) que está aqui (neste recurso) em causa e em discussão (pois que no concerne àquela 1ª. parte - referente à indemnização dos € 5.000,00 - foi o seu montante/valor reconhecido e mantido pela sentença recorrida, sem que esta tivesse sido objeto, quanto a essa parte, impugnação por qualquer das partes conflituantes).

Como vimos, o exequente liquidou o valor dessa parte da cláusula penal (que deu à execução) no montante de € 143.200,00 (cento e quarenta e três mil e duzentos euros), como correspondendo ao resultado de 1.432 dias de incumprimento (reportados à data da instauração da execução), por parte dos executados/opoentes (em relação à obrigação a que se vincularam na referida transação, homologada por sentença judicial), a multiplicar por € 100,00, por cada dia desse incumprimento (1.432 dias X 100,00 €).

Por sua vez, e como também vimos, os executados pediram, à luz do disposto no artº. 812º do CC, a redução equitativa do montante dessa cláusula, por a considerarem ser manifestamente excessiva e desproporcionada.

Preceitua o citado artº. 812º, nº. 1, do CC que “que a cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário.”

Como é ressalta da parte final da mesma, e constitui entendimento pacífico, trata-se se uma norma de ordem pública, inspirada em fortes razões de ordem moral e social, levando a que prevaleça sobre as convenções privadas. (Vide, por todos, o prof. Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil, 3ª. ed., Coimbra Editora, 1991, reimpressão, pág. 551”, e Nuno Oliveira, in “Cláusulas Acessórias ao Contrato, 2ª. ed., págs. 135/136”).

Norma essa que foi criada para evitar penas abusivas, pois que, como escreve o prof. Pinto Monteiro (in “Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, Coimbra, 1985, pág. 140”), se “na verdade, a ameaça da pena (normalmente elevada) constitui um poderoso estímulo ao cumprimento, um incentivo à execução voluntária do contrato (…), cumprindo assim uma função semelhante à sanção pecuniária compulsória, (…) é certo, no entanto, que a cláusula penal sempre se prestou a abusos, impondo o credor, por vezes, penas exageradas”, (…) e daí que o princípio da imutabilidade da pena – respeitado durante muito tempo como dogma – tenha cedido, dando lugar a uma fiscalização judicial destinada a fazer face a penas abusivas.”

Todavia, e como ressalta no referido normativo legal, não basta para a redução da cláusula penal que ela seja excessiva, exigindo-se que ela se revele manifestamente excessiva, isto é, francamente exagerada ou desproporcionada. (Cfr., por todos, os profs. Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado, Vol. II, 2ª. ed., revista e actualizada, Coimbra Editora, pág. 69”, e o prof. Pinto Monteiro, in “Ob. cit., págs. 141/142”; e L.A. Carvalho Fernandes, in “Teoria Geral, 1983, 2º. Vol., pág. 459”).

E quando tal suceder deverá a redução pautar-se por critérios de equidade. E nessa tarefa, embora a lei não nos forneça as precisas circunstâncias a que se deve recorrer, vem constituindo entendimento prevalecente que o tribunal dispõe contudo de uma liberdade de ponderação, podendo/devendo socorrer-se de todos os fatores de ponderação de que disponha, tais como o interesse das partes, a sua situação económica e social, o seu grau de culpa, a função que a cláusula penal visa prosseguir no caso concreto, o motivo de incumprimento, a boa ou má fé do devedor, a natureza do contrato e as circunstâncias em que foi realizado, etc., etc.. (Vide, por todos, o prof. Mário Júlio Almeida Costa, in “O Direito das Obrigações, 10ª. ed. reelaborada, 2006, Almedina, págs. 801/802” e o prof. Mota Pinto, in “Direito Civil, 1980, pág. 225”).

Diga-se ainda que neste domínio vem constituindo entendimento prevalecente (do qual perfilhamos, e que foi igualmente defendido pelo sr. juiz a quo), que será sempre legítimo, mesmo na ausência da citada norma do artº. 812º, nº. 1, do CC, o recurso oficioso ao instituto do abuso de direito consagrado no artº. 334º do CC, para conseguir a redução de cláusulas penais, sempre que se constate que as mesmas se revelem manifestamente excessivas ou desproporcionadas ao fim que visam perseguir e ao conteúdo do direito que se propõem realizar. (Vide, entre outros, por todos e para maior desenvolvimento, Nuno Oliveira, in “Ob. cit., págs. 160/163”, e o Ac. do STJ, de 09/10/2003, in processo 03B2503, disponível em www.dgsi.pt).

Antes de entrarmos na análise concreta do thema decidendum, e com vista a melhor nos posicionarmos para a sua resolução, importa ainda referir, grosso modo, que, na sequência daquilo que consta do citado artº. 810º, nº. 1, do CC, a cláusula penal define-se como a estipulação em que num negócio jurídico, designadamente, num contrato, as partes fixam o montante da indemnização para o caso do seu incumprimento, ou, por outras palavras, a estipulação por que o devedor promete ao seu credor uma prestação para o caso de não cumprir ou de não cumprir pontualmente a obrigação (cfr. o prof. Mário Júlio Almeida Costa, in “Ob. cit., pág. 793”, e o prof. Vaz Serra, in “Pena Convencional, BMJ, nº. 67, pág. 240”). Porém, - como escreve Nuno Oliveira, in “Ob. cit., págs. 64/65” -, “o conceito amplo de cláusula penal exposto engloba cláusulas penais indemnizatórias e cláusulas penais compulsórias: nas primeiras (cláusulas penais indemnizatórias), o acordo das partes tem por exclusiva finalidade liquidar a indemnização devida em caso de incumprimento definitivo, de mora ou cumprimento defeituoso; nas segundas (cláusulas penais compulsórias), o acordo das partes tem por finalidade compelir o devedor ao cumprimento e/ou sancionar o não cumprimento.”

Na sentença recorrida, o sr. juiz a quo enquanto considerou a parte da cláusula penal que fixou uma de indemnização em € 5.000,00, no caso de os executados não cumprirem o ali acordado (Cl. 2ª.) no prazo fixado (90 dias contados a partir da data da transação – Cl. 1ª), como sendo indemnizatória, já a outra parte da cláusula (que aqui está em causa e que estipulou em € 100,00 o valor a pagar pelos executados por cada dia que passar, decorridos aqueles 90 dias, sem cumprirem a obrigação ali assumida) foi catalogada como sendo de natureza compulsória.

Estamos em sintonia com essa catalogação, pois na realidade, como ali se afirma, e se extrai da conjugação dos fatos e decorre do sentido normal da declaração interpretada à luz do artº. 236º do CC, enquanto naquela primeira parte da cláusula as partes fixaram, antecipadamente, o valor devido da indemnização (numa liquidação antecipada do dano futuro) em caso de incumprimento do acordo lavrado na transação, já naquela outra 2ª. parte da cláusula dela se extrai que a sua finalidade é exclusivamente compulsória, sem que cariz indemnizatório, pois que o seu escopo é compulsivo-sancionatório a pressionar o devedor (neste caso os executados) ao cumprimento da obrigação que ali assumiram perante o credor/exequente, sendo também para nós inquestionável que elas são cumuláveis entre si, dado que visam alcançar fins diferentes.

E aqui chegados, e tendo presentes os considerandos expostos, é altura de verificarmos se, in casu, se justifica que a referida cláusula ou parte cláusula penal (aqui somente em causa) que estipulou em € 100,00 o valor a pagar pelos executados por cada dia que passar, decorridos aqueles 90 dias sobre a data da celebração da sobredita transação, sem cumprirem a obrigação ali assumida, deve ou não ser reduzida e, em caso afirmativo, em que medida.

Com deixámos exarado, o exequente na liquidação da mesma reclama o pagamento da quantia de € 143.200,00 (cento e quarenta e três mil e duzentos euros), correspondendo ao resultado de 1.432 dias de incumprimento (reportados à data da instauração da execução) por parte dos executados/opoentes (em relação à obrigação a que se vincularam na referida transação, homologada por sentença judicial) a multiplicar por € 100,00, por cada dia desse incumprimento (1.432 dias X 100,00 €).

Na sentença recorrida decidiu-se, por o considerar manifestamente excessivo e abusivo, reduzir esse montante (adveniente da referida cláusula penal) para o valor de € 18.000,00 (dezoito mil euros), tendo-se para o efeito socorrido da argumentação que a esse respeito, no seu essencial, se transcreve:

«(…) Não deixa, desde logo, de impressionar o montante em quase: € 143.200,00 (desde logo, quando a cláusula penal indemnizatória foi fixada em 5.000,00 €).

As obrigações assumidas, a grande parte delas, não foi cumprida voluntariamente pelos executados, nem no prazo estipulado, nem em qualquer outro. Esse cumprimento veio a verificar-se coercitivamente, passado 1.432 dias.

É um prazo manifestamente excessivo, isto embora, para esse efeito, tenha contribuído os executados com o seu comportamento ao longo desse processo.

Não nos parece que o espírito do acordo pretendesse abranger uma circunstância temporal como a descrita, cujo valor compulsório atingisse o valor referido.

Aliás, isso é demonstrado pelo valor fixado contratualmente para a cláusula indemnizatória devida (em 5.000,00 €), tendo as obras que faltaram realizar sido feitas pelo valor de 3.800,00 €.

Julgamos que o quantitativo em causa é manifestamente desproporcional e manifestamente excessivo (e para além de qualquer razoabilidade).

(…)

Ora, parece-nos claro que a cláusula se apresenta como “manifestamente excessiva” e o seu pedido, nos termos em que o autor o faz, representa um claro abuso de direito.

Não estamos perante uma mera superioridade a nível quantitativo, mas perante uma pena compulsória manifestamente excessiva.

Nestes termos, temos presente o valor do prejuízo efectivo e o montante da pena, mas também a gravidade da infracção contratual, o grau de culpa do devedor, as vantagens que, para este, resultem do cumprimento, o interesse do credor na prestação, a situação económica de ambas as partes, a sua boa ou má fé, a índole do contrato, as condições em que foi negociado e as eventuais contrapartidas de que haja beneficiado o devedor pelo inclusão da cláusula penal.

(…)

O objectivo da redução da cláusula manifestamente excessiva é revê-la em função do seu manifesto exagero, de modo a torná-la equitativa, atendendo aos interesses em jogo e não à circunstância fortuita de, eventualmente os prejuízos se revelarem muito baixos ou até inexistentes.

Na opinião de Calvão da Silva1 “a decisiva condição legal de intervenção do tribunal é, por conseguinte, a presença, ao tempo da sentença, de uma cláusula manifestamente excessiva – não basta uma cláusula excessiva cuja pena seja superior ao dano – de uma cláusula cujo montante desmesurado e desproporcional ao dano seja de excesso manifesto e evidente, numa palavra, de excesso extraordinário, enorme, «que salte aos olhos»”. (“Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1997, p. 274”)

Cabe, pois, ao tribunal socorrer-se de todos os factores de ponderação de que disponha, devendo ter em conta, por exemplo, os danos previsíveis ao tempo da conclusão do contrato e o efectivo prejuízo sofrido pelo credor; à finalidade com que a pena foi estipulada, isto é, à espécie prevista pelos contraentes, à natureza do contrato (o facto de se tratar de um contrato negociado ou de um contrato de adesão); ao motivo do incumprimento e a boa ou má fé do devedor.

Ora, neste quadro, importa apreciar o montante da cláusula penal por referência ao quadro contratual global em causa.

Para esse efeito, temos presente a natureza e condições de formação do contrato, a situação económica das partes, o prejuízo previsível no momento da celebração do contrato e ao prejuízo efectivamente sofrido pelo credor, as causas explicativas do não cumprimento do contrato, o que implica uma “apreciação global de todo o circunstancialismo objectivo e subjectivo do caso concreto, nomeadamente o comportamento das partes, a sua boa ou má fé.

Com o devido respeito pela parte, in casu, julgamos ser manifestamente abusivo o direito que a cláusula confere ao exequente, quando interpretado conforme o faz o exequente, isto é, não tem limite temporal a eficácia da cláusula compulsória para o início do cumprimento voluntário.

Repare-se no seguinte: ao lado do cumprimento voluntário, existe o cumprimento coercitivo. A partir do momento em que correm termos o processo executivo para esse cumprimento, a cláusula penal coercitiva deixa de produzir efeitos.

O cumprimento voluntário não ocorreu; esse cumprimento foi feito através de mecanismos de execução coercitiva, estando, desde então, dependente agora dessa execução o cumprimento da obrigação e já não tanto do comportamento dos executados.

Vistas as coisas sob o ponto de vista da cláusula compulsória, é para nós óbvio que a mesma a partir de determinada altura deixou de ter qualquer fundamento ou razão de ser.

Assim, procederemos à redução do montante devido a este respeito, para um montante actualizado por referência à presente data, utilizaremos como critério o prazo de “mora razoável”.

Não deixamos para esse efeito de ter presente o comportamento dos executados ao longo do processo executivo – cuja análise é muito clara e resulta dos seus termos e do conteúdo de decisões nele proferidas.

Assim, pensamos que só é aceitável considerar ter existido mora durante os primeiros 180 dias (após os 90 dias concedidos – isto é, o dobro do prazo estipulado para o cumprimento da obrigação, prazo que consideramos razoável e equitativo), sendo que, a partir daí, é manifestamente abusivo da parte do exequente, na nossa apreciação, e salvo o devido respeito, considerar o montante em causa como sendo ainda compulsório para cumprimento da obrigação devida.

Assim, a título de cláusula penal compulsória, fixaremos a mesmo como sendo devida ao exequente o montante de 18.000,00 € (180 dias X 100,00 €).

O montante peticionado que excede o referido é manifestamente abusivo.

E não estamos meramente a anular as vantagens da cláusula penal estipulada e as suas funções, já que o montante em causa se mostra absurdamente (permitimo-nos em dizê-lo) para o quadro contratual em apreço (supra apreciado).

O montante peticionado a este respeito excede objectivamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico do acordado.

É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

O abuso de direito pressupõe o seu exercício pelo respectivo titular de uma forma de tal modo arbitrária, exacerbada ou desmesurada, que, porque ofensivo da justiça, atentas as concepções ou o sentimento ético-jurídico dominante na colectividade e os juízos de valor positivamente consagrados na lei, se mostre inadmissível.

A actuação do instituto do abuso de direito, neste caso, impedirá que a ré seja condenada a pagar um valor manifestamente excessivo e abusivo e a partir do limite quantitativo em que considerado exceder tal critério normativo.

Assim, decidirei reduzir o valor em causa para o montante de 18.000,00 € (valor actualizado por referência à data da presente sentença).

Essa será a obrigação devida pelo incumprimento acordado, que definiremos como exigível aos executados.

(…) Em suma: julgamos ser devido, a nível de cláusula penal, o valor global de 23.000,00 € (18.000,00 € + 5.000,00 €).

Em conformidade, reduziremos a quantia exequenda para esse valor. (…)»

À luz dos factos apurados/dados como provados - note-se que, muito embora ao longo das suas alegações de recurso se vislumbrem laivos da sua discordância quanto à mesma, o exequente não impugnou a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal a quo – e dos considerandos teóricos que supra se deixaram expandidos, estamos em sintonia quer com a redução da referida cláusula efetuada na sentença recorrida, quer com a medida dessa redução, quer, na sua essência, com a argumentação ali esgrimida para o efeito, e que por isso para ela nos remetemos.

Perfunctoriamente, por isso, diremos tão somente o seguinte:

Na verdade, e salvo o devido respeito por opinião diversa, não podemos deixar de considerar o referido montante de € 143.200,00 (cento e quarenta e três mil e duzentos euros), que o exequente liquida e reclama à luz da referida cláusula (aqui causa), como manifestamente excessivo/exagerado e desproporcionado, e sobretudo se tivermos em conta:

Que se trata de uma cláusula de natureza puramente compulsória, visando exclusivamente compelir/pressionar os executados a cumprirem a obrigação que se obrigaram através da sobredita transação de onde emergiu tal cláusula;

Que o montante da outra cláusula indemnizatória, numa antecipação dos danos/prejuízos futuros pela mora no incumprimento, foi fixado em € 5.000,00 (cinco mil euros);

Que, conforme ficou estipulado na cláusula 5ª. da transação (ponto 6 dos factos provados), decorridos logo que fossem os 90 dias nela estipulados para os executados cumprirem as obrigações a que ali se vincularam sem que o tivessem feito, sempre o exequente poderia prosseguir com a execução, cujos termos haviam entretanto ficado suspensos com a referida transação;

Que, no concerne a uma das obrigações ali assumidas pelos executados (retirarem da fração as chaminés, condutas, ares condicionados e extractores), a mesma já foi entretanto cumprida, não voluntária mas coercitivamente, na sequência do prosseguimento (entretanto requerido) da ação executiva, que havia ficado suspensa, com os referidos trabalhos a terem sido realizados e terminados em 02/07/2015, envolvendo um custo no valor de € 3.800.00, que foi pago/depositado por aqueles na sequência da penhora que previamente fora levada a efeito sobre os seus bens (cfr. pontos 7 a 10 dos factos provados);

Que, porém, dos factos apurados (os quais, repete-se, não foram objeto de impugnação) não consta qualquer referência à outra obrigação (se foi ou não cumprida) a que ali também se vincularam os executados de se absterem de exercerem na fração a atividade de restauração, de pizzaria e de padaria, o mesmo se dizendo no concerne a qualquer outro facto ou circunstância de que exequente/condomínio (ou mesmo os seus condóminos de per si) se possa sentir prejudicado;

Que a parte reclamante é um condomínio.

Por outro lado, também se nos afigura ajustada, em termos de equidade, a medida da referida redução encontrada pelo tribunal a quo, ao considerar, à luz do que se deixou exposto, apenas para o efeito, e nomeadamente de mora (pressuposto da aplicação da dita cláusula) os primeiros 180 dias ocorridos após os 90 dias concedidos aos executados para cumprirem as obrigações a que se vincularam, e que correspondem precisamente ao dobro do prazo estipulado para o efeito. Sendo certo que se no que concerne à total culpa dos executados pela mora do (in)cumprimento ela ressalta dos atos apurados, já no que concerne à situação económica dos mesmos apenas se sabe que, por decisão judicial proferida em processo tutelar comum, têm a seu cargo, atualmente, duas netas menores e quanto ao exequente sabe-se apenas que um condomínio.

E daí que se nos afigure ajustado (numa redução equitativa) o montante € 18.000,00 € (180 dias X 100,00) fixado na sentença recorrida como sendo devido, a título de cláusula penal compulsória, ao exequente pelos executados, a que acrescerá o montante de € 5.000,00 a título da cláusula pena indemnizatória também estipulada.

Termos, pois, em que nenhuma censura nos merece a douta sentença da 1ª. instância, julgando-se, por conseguinte, improcedente o recurso.


III- Decisão

Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a douta sentença da 1ª. instância.

Custas pelo exequente/apelante.

Sumário:

I- A cláusula penal prevista no artº. 810º, nº. 1, do CC, num conceito amplo, engloba dentro de si cláusulas penais indemnizatórias e cláusulas penais compulsórias: nas primeiras (cláusulas penais indemnizatórias), o acordo das partes tem por exclusiva finalidade liquidar a indemnização devida em caso de incumprimento definitivo, de mora ou cumprimento defeituoso; nas segundas (cláusulas penais compulsórias), o acordo das partes tem por finalidade compelir/pressionar o devedor ao cumprimento e/ou sancionar o não cumprimento.

II- Esses dois tipos de cláusulas são, em termos de execução, cumuláveis entre si, dado que visam alcançar fins diferentes.

III- Qualquer cláusula penal pode, à luz artigo 812º do CC, ser reduzida pelo tribunal, segundo critérios de equidade.

IV- Trata-se se uma norma de ordem pública, inspirada em fortes razões de ordem moral e social, levando a que prevaleça sobre as convenções privadas.

V- Para que essa redução aconteça não basta que essa cláusula seja excessiva, exigindo-se que ela se revele manifestamente excessiva, isto é, francamente exagerada ou desproporcionada às finalidades que presidiram à sua estipulação e ao conteúdo do direito que se propõe realizar.

VI- Nessa tarefa de redução, que deve pautar-se por critérios de equidade, o tribunal dispõe de uma ampla liberdade de ponderação, podendo/devendo socorrer-se de todos os fatores de ponderação de que disponha, tais como o interesse das partes, a sua situação económica e social, o seu grau de culpa, a função que a cláusula penal visa prosseguir no caso concreto, o motivo de incumprimento, a boa ou má fé do devedor, a natureza do contrato e as circunstâncias em que foi realizado, etc., etc..

VII- A redução de tais cláusulas poderá, contudo, ainda ser conseguida através do recurso oficioso ao instituto do abuso de direito consagrado no artº. 334º do CC.

Coimbra, 2017/06/20


Isaías Pádua

Manuel Capelo

Falcão de Magalhães