Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
354/21.5T9CVL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
DECISÃO ADMINISTRATIVA
CARÁTER DEFINITIVO
PRECLUSÃO DE MEIOS DE DEFESA
Data do Acordão: 03/25/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DA COVILHÃ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 79.º DO RGCC E 729.º DO NCPCIV.
Sumário: Tendo em conta o caráter definitivo da decisão da autoridade administrativa não impugnada, que preclude a possibilidade de reapreciação do mesmo facto como contraordenação (art. 79.º do RGCC), essa decisão assume efeitos semelhantes aos da sentença no âmbito dos fundamentos de oposição à execução (art. 729.º do NCPCiv.) – com inerente preclusão de meios de defesa –, desde que à embargante tenha sido assegurado o direito de defesa na esfera contraordenacional.
Decisão Texto Integral:




Acordam[1] na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

L..., executado, com sede em ...,

deduziu os presentes embargos à execução, pedindo que:

“A presente oposição à execução seja julgada procedente por provada e, em consequência ser a execução declarada extinta, nos termos do disposto no art. 732.º, n.º 4, do CPC.”

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O Ministério Público exequente apresentou contestação alegando, em síntese, que: a decisão administrativa mostra-se transitada em julgado, tornando-se definitiva e insuscetível de reapreciação (artigo 79.º do RGCC), o que lhe confere um valor similar ao caso julgado de uma decisão judicial; apenas poderiam servir para sustentar os presentes embargos os fundamentos constantes do art. 729.º do CPC, o que não acontece, pretendendo o embargante discutir o mérito de uma decisão quando não o fez em sede própria, permitindo que a mesma transitasse em julgado.

Termina dizendo que os presentes embargos devem ser julgados manifestamente improcedentes com todas as consequências legais.

                                                                       *

Foi, depois, proferida sentença (fls. 58 e segs.) com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, indefiro, nos termos do Art.º 732º, n.º 1 b) do Código de Processo Civil, na redação em vigor aquando do início destes autos, por o seu fundamento não corresponder ao disposto no Art. 729º, n.º 1 do Código Penal, os presentes embargo de executado.

                                                             *

O executado embargante, notificado desta decisão, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:

(…)

                                                             *

O exequente embargado apresentou resposta concluindo que:

(…)

                                                         *

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

                                                             *

II – Saneamento

A instância mantém inteira regularidade por nada ter entretanto sobrevindo que a invalidasse.

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III – Fundamentação

a) Factos provados

1. No âmbito do processo de contraordenação nº081800122, a ACT da ... por decisão administrativa proferida em 20/12/2018 considerou que a aí arguida, ora embargante, cometeu a infração contraordenacional por falta de pagamento de complemento retributivo aos trabalhadores derivado da prestação do trabalho em regime de turnos (por aplicação das disposições conjugadas da Cláusula 64º nº1, 37º nº5, 66º e 39º nº5 do IRCT aplicável celebrado entre a CNIS e FNSFP), tendo-lhe aplicado a coima de € 35 088,00.

2. A aí arguida, ora embargante, não se conformando com o teor dessa decisão impugnou a mesma para o Juízo do Trabalho ..., sem que tivesse dado cumprimento ao preceituado no art.35º nº2 do Regime das Contraordenações Laborais, ou seja, não prestou caução, pelo que o seu recurso teve efeito meramente devolutivo, tal como decorre do nº1 do mesmo preceito legal.

3. Por decisão de 03/05/2019, proferida nos Autos de Recurso de Contraordenação nº249/19...., foi considerada extemporânea a impugnação judicial apresentada pela aí arguida, ora embargante, o que teve como consequência a manutenção da decisão da autoridade administrativa.

4. Não se conformando com essa decisão, a embargante, aí arguida, impugnou essa decisão judicial para o Tribunal da Relação de Coimbra que, em 11/10/2019, decidiu pela improcedência do recurso, mantendo, consequentemente, a decisão da primeira instância que havia indeferido o recurso da decisão administrativa ali apresentado pela embargante.

5. A embargante apresentou então recurso extraordinário para fixação de jurisprudência tendo os autos de recurso de contraordenação sido novamente remetidos ao Tribunal da Relação de Coimbra em dezembro de 2019.

6. Até à data ainda não temos conhecimento de que tenha sido proferido o acórdão para fixação de jurisprudência pelo Supremo Tribunal de Justiça.   

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                                           *

b) - Discussão

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (art.º 639.º do CPC).

Assim, cumpre apreciar a questão suscitada pelo embargante recorrente, qual seja:

- Se os embargos deduzidos podem ter outros fundamentos além dos previstos no artigo 729.º do CPC.

                                                             *

Alega o recorrente que:

– A questão do presente recurso centra-se em saber qual a natureza do título executivo que serve de base à execução, no âmbito da qual foram deduzidos Embargos de Executado, concretamente, a decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), na parte em que determinou a aplicação de uma coima ao então arguido;

– Pretendendo-se ver sindicada a sentença do Tribunal a quo quando decidiu que, tratando-se de execução de uma decisão proferida por uma autoridade administrativa, os Embargos a apresentar apenas poderiam ter sido deduzidos com base no art. 729.º, n.º 1, do CPC;

– Tendo citado o Executado antes da penhora, seguindo, por isso, o processo a forma ordinária, não poderia vir agora o Tribunal a quo considerar que a execução tem por base uma sentença judicial e, por isso, indeferir os Embargos apresentados;

- Os Embargos de Executado foram corretamente deduzidos com base no art. 731.º, CPC, o que se traduz em que, os fundamentos usados poderiam não só ser os do art. 729.º, do CPC (fundamentos de oposição à execução baseada em sentença) como também, ser alegados quaisquer outros fundamentos que pudessem ser invocados como defesa no processo de declaração.

Por outro lado, consta da sentença recorrida o seguinte:

“Na presente situação o Ministério Público pretende executar uma decisão proferida por uma autoridade administrativa, que condenou o embargante no pagamento de uma coima, sendo inquestionável a força executiva dessa decisão, em face do disposto no art. 89º, nº1 do Regime Geral das Contraordenações, aprovado pelo Dec. Lei 433/82 de 27 de Outubro.

É nosso entendimento que estamos em presença de um título executivo equivalente a uma sentença, pelo que os fundamentos da oposição à execução devem reconduzir-se ao disposto no artigo 729º n.º 1 do Código de Processo Civil.

Como se sabe, o Art. 729º, n.º 1 do Código de Processo Civil, sempre na redação em vigor aquando do início dos autos principais e aplicável subsidiariamente por força do disposto no Art. 1º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, prescreve que “Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:

a) Inexistência ou inexequibilidade do título;

b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;

c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;

d) Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º;

e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;

f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;

g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;

h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;

i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.”.

Este normativo é aplicável às oposições às execuções de decisões administrativas proferidas em sede de processos contraordenacionais, dado que as mesmas, têm força de caso julgado material (rectius, mais corretamente, de “caso decidido ou caso resolvido” uma vez que “consolidando-se o acto administrativo na ordem jurídica, atendendo ao princípio da estabilidade dos actos administrativos, e que a doutrina faz uma equiparação entre o caso julgado judicial, decisão judicial que já não pode ser objeto de recurso, por ter transitado em julgado (art. 619º, do Código de Processo Civil), e o caso decidido ou resolvido dos atos administrativos, pelo que, por força do art. 79º, do DL nº 433/82, de 27OUT, que fixa o alcance definitivo da decisão administrativa, conferindo-lhe um valor em tudo igual ao caso julgado de uma decisão judicial, mais não significa que, uma vez proferida a decisão administrativa, que não foi objeto de impugnação judicial, ou que não foi interposta em tempo, ou porque o não foi mesmo, por o arguido com ela se ter conformado, constitui caso decidido ou resolvido”1, tal como sucede com qualquer sentença judicial, às quais, se não forem impugnadas atempadamente, ficam equiparadas, produzindo, essencialmente, os mesmos efeitos perante as partes.

Assim e como se escreveu, no Acórdão da Relação do Porto de 8 de Março de 2005, disponível em www.dgsi.pt, “Proferida a decisão pela entidade administrativa, ao interessado assiste a faculdade de a impugnar judicialmente, alegando, em via de recurso, todas as razões da sua discordância. Não fazendo, a decisão administrativa torna-se definitiva e, desse modo, pode ser executada. “O carácter definitivo da decisão da autoridade administrativa ou o trânsito em julgado da decisão judicial que aprecie o facto como contraordenação ou como crime precludem a possibilidade de reapreciação de tal facto como contraordenação” (art.º 79.º, n.º 1, do citado Dec. Lei n.º 433/82). Este normativo, como bem refere o Ministério Público, na sua contra-alegação, fixa o alcance definitivo da decisão administrativa, conferindo-lhe um valor em tudo igual ao caso julgado de uma decisão judicial.

Com efeito, o legislador pretendeu, ao estatuir este regime, evitar a possibilidade de duplicação de decisões sobre uma mesma questão, dessa forma obstando a que os executados/opoentes possam, nesta fase, invocar as razoes de que, em tempo oportuno poderiam ter lançado mão para se oporem a decisão primitiva. Efetivamente, pese embora a circunstância de a decisão administrativa que aplica uma coima não ter a natureza e a dignidade de uma sentença – artº 703º n.º 1 a) a d) do Código de Processo Civil - a verdade é que a lei, não só rodeou a sua elaboração de especiais cuidados, em tudo semelhantes aos exigidos para as sentenças, como lhe atribuiu efeitos análogos (vide artºs 58º e 79º/1 do Regime Geral das Contraordenações), maxime no que concerne ao seu carácter definitivo, por força do qual se afigura que fica precludida a possibilidade de nova apreciação do facto em questão, em termos em tudo idênticos ao que acontece com uma sentença. Em primeiro lugar, o arguido condenado no âmbito de um processo de contraordenação, caso discorde da correspondente decisão administrativa, pode sempre provocar uma decisão judicial, uma vez que a lei assegura a este, plenas garantias de defesa (artºs 50º e 59º do Regime Geral das Contraordenações)2.

No nosso caso, por decisão de 03/05/2019, proferida nos Autos de Recurso de Contraordenação nº249/19...., foi considerada extemporânea a impugnação judicial apresentada pela aí arguida, ora embargante, o que teve como consequência a manutenção da decisão da autoridade administrativa.

Não se conformando com essa decisão, a embargante, aí arguida, impugnou essa decisão judicial para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, em 11/10/2019, decidiu pela improcedência do recurso, mantendo, consequentemente, a decisão da primeira instância que havia indeferido o recurso da decisão administrativa ali apresentado pela embargante.

A embargante apresentou então recurso extraordinário para fixação de jurisprudência tendo os autos de recurso de contraordenação sido novamente remetidos ao Tribunal da Relação de Coimbra em Dezembro de 2019.

Dispõe o art.693º do Código de Processo Civil dispõe que “o recurso para uniformização de jurisprudência tem efeito meramente devolutivo”.

Por seu turno, o art.35º do Regime Processual Aplicável às Contraordenações Laborais e de Segurança Social preceitua que “A impugnação judicial tem efeito meramente devolutivo.”, salvo se tiver sido prestada caução, o que in casu não se verificou.

Era, assim, na impugnação da decisão que lhe aplicou a coima que o executado, ali arguido, podia e devia utilizar os fundamentos de oposição que entendesse para a infirmar.

Pretende o embargante, com a dedução dos embargos, salvo o devido respeito, fazer “entrar pela janela o que, em devido tempo, não fez entrar pela porta”.

Afigura-se, por isso, que promovida a execução da decisão administrativa, o executado não pode agora vir discutir novamente os factos, invocando razões que já poderia ter oposto pela via da impugnação judicial.

Da leitura da petição inicial de embargos de executado, resulta evidente que o executado, L... pretende apenas ver sindicada a própria factualidade cuja verificação determinou e fundamentou a aplicação da coima e não funda a sua defesa em qualquer um dos fundamentos previstos no Art. 814º, n.º 1 do Código de Processo Civil, antes pretendendo pôr em causa a bondade substancial e intrínseca da decisão administrativa dada à execução.

Por sua vez, temos que o Art. 732º, n.º 1 b) do Código de Processo Civil dispõe que “1 -Os embargos, que devem ser autuados por apenso, são liminarmente indeferidos quando (…)

b) O fundamento não se ajustar ao disposto nos artigos 729.º a 731.º; (…)”,

Verificando-se, claramente, a circunstância prevista na alínea b) deste normativo, no que aos presentes embargos de executado concerne, será de indeferir liminarmente a presente oposição à execução, por o seu fundamento não corresponder ao disposto no Artigo 729º, n.º 1 do Código de Processo Civil.” – fim de citação.

Como já ficou dito, o embargante recorrente não se conforma com esta decisão.

Vejamos, então, se lhe assiste razão.

Conforme resulta da matéria de facto provada a decisão administrativa que aplicou ao arguido uma coima transitou em julgado, posto que, pese embora o ora recorrente tenha apresentado recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, o mesmo tem efeito meramente devolutivo (artigo 693.º do CPC), sendo que, uma eventual <<decisão de provimento do recurso não afeta qualquer sentença anterior à que tenha sido impugnada nem as situações jurídicas constituídas ao seu abrigo>> - n.º 3 do artigo 695.º do CPC.

Acresce que, <<a decisão condenatória de aplicação de coima que não se mostre liquidada no prazo legal tem a natureza de título executivo>> - artigo 26.º da Lei n.º 107/2009, de 14/09.

E, sob a epígrafe “Alcance da decisão definitiva e do caso julgado”, dispõe o artigo 79º do RGCC que:

<<1. O carácter definitivo da decisão da autoridade administrativa ou o trânsito em julgado da decisão judicial que aprecie o facto como contraordenação ou como crime precludem a possibilidade de reapreciação de tal facto como contraordenação. (…)>>.

Por outro lado, como resulta do artigo 89.º do RGCC, à execução subsequente ao não pagamento da coima aplica-se o disposto no CPP sobre a execução da multa (artigos 491.º e 510.º do CPP, remetendo este último para o CPC e para o RCP), sendo que, <<a execução instaurada pelo Ministério Público é uma execução especial que se rege pelo disposto no presente artigo e, subsidiariamente, pelas disposições previstas no Código de Processo Civil para a forma sumária do processo comum para pagamento de quantia certa>> - n.º 5 do artigo 35.º do RCP.

Assim sendo, a presente execução devia ter seguido a tramitação prevista no artigo 855.º e segs. do CPC, com a citação do executado posterior à penhora (n.º 1 do artigo 856.º do CPC), no entanto, uma vez que o embargante não interpôs recurso do despacho que ordenou a citação (nº 6 do artigo 726.º do CPC), o mesmo transitou em julgado.

Acresce que, a alegação da recorrente no sentido da existência de abuso de direito na modalidade de venire contra factum próprio nem se compreende, na medida em que tal atuação no exercício de um direito respeita às partes (artigo 334.º do CC) e não ao tribunal que pode cometer erros de julgamento mas já não o exercício ilegítimo de um direito! Nem se vislumbra qualquer violação do alegado princípio da confiança jurídica.

Destarte, tendo já ocorrido a citação e sido deduzidos embargos de executado é aplicável o disposto nos artigos 728.º e segs. do CPC, por força do disposto no n.º 3 do artigo 551.º do CPC.

Assim, conforme resulta do disposto no artigo 729.º do CPC, o executado só pode opor-se à execução baseada em sentença com os fundamentos aí descritos.

Na verdade, <<a razão de ser da taxatividade da enumeração dos fundamentos de oposição feita no art. 813.º do CPC é a natureza do título executivo – sentença condenatória – com o efeito de caso julgado material que lhe é inerente; o qual envolve naturalmente a preclusão dos meios de defesa que podiam ter sido deduzidos na acção de condenação.>>[2].

<<Não se baseando a execução em sentença ou em requerimento de injunção (…), além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 729º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.>> - artigo 731.º do CPC.

Ora, como já referimos, o embargante recorrente entende que a decisão administrativa que lhe aplicou uma coima, pese embora constituindo título executivo, não pode considerar-se equivalente a uma sentença judicial e, por isso, os fundamentos dos embargos que deduziu não se encontram confinados ao previsto no artigo 729.º do CPC.

Antes de mais, cumpre dizer que dúvidas não existem de que a decisão administrativa não é uma sentença judicial.

O que se pode questionar é se aquela decisão definitiva e exequível pode ser equiparada a uma sentença para efeitos do disposto no artigo 729.º do CPC.

Pois bem, tendo em conta o carácter definitivo da decisão da autoridade administrativa que preclude a possibilidade de reapreciação do mesmo facto como contraordenação (artigo 79.º do RGCC), somos levados a concluir que, pese embora aquela decisão não tenha a natureza de uma sentença judicial, são-lhe atribuídos efeitos semelhantes e, em consequência, por força do disposto no artigo 729.º do CPC, a oposição à execução só pode ter como fundamentos os aí previstos.

Na verdade, não faria qualquer sentido atribuir à decisão administrativa não impugnada carácter definitivo, ou seja, um valor equivalente ao do caso julgado da decisão judicial, para depois permitir, em sede de oposição à execução, uma nova apreciação dos factos imputados como contraordenação, sendo certo que à ora recorrente foram assegurados todos os direitos de defesa, nomeadamente, o de impugnação da decisão administrativa que a condenou no pagamento de uma coima.

Como se decidiu no acórdão da RG, de 03/05/2011, disponível em www.dgsi.pt, que acompanhamos:

Não tendo sido impugnada, decorrido esse prazo a decisão da autoridade administrativa assume carácter definitivo, começando, então, a correr o prazo para pagamento (cfr. artºs79º e 88º do Dec-Lei nº433/82).

Essa decisão configura um verdadeiro acto administrativo, definido Freitas do Amaral como o acto jurídico unilateral praticado por um órgão da Administração no exercício do poder administrativo e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto Direito Administrativo - 3ºVol., pag.66)", em que a forma processual adequada para a impugnar é o recurso judicial.

Não havendo impugnação, no prazo legal, forma-se caso decidido ou caso resolvido.

Embora esta figura seja distinta do instituto do caso julgado O caso julgado, pressupondo a repetição de uma causa – a identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir [cfr. artigos 497º e 498º do CPCivil] –, tem dois efeitos processuais característicos: um efeito negativo, que se traduz na insusceptibilidade de qualquer tribunal [mesmo aquele que proferiu a decisão] se voltar a pronunciar sobre a decisão proferida; e um efeito positivo, que resulta da vinculação do tribunal que proferiu a decisão e, eventualmente, de outros tribunais, ao que nela foi definido ou estabelecido [neste sentido, cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, a págs. 572].

Já o “caso decidido” ou “caso resolvido”, embora tenha um efeito análogo ao da sentença transitada em julgado, só se reflecte num concreto procedimento entre um particular e a Administração, justificando que esta não tenha de voltar a apreciar uma pretensão que já decidiu – obviamente uma pretensão não renovável – e que não foi objecto de impugnação ou que, tendo-o sido, não foi atendida em tribunal., entendemos que não pode deixar de lhe ser dada equiparação, sob pena de flagrante violação, designadamente, do princípio geral da estabilidade do acto administrativo, «com tradução prática na certeza e na segurança das relações jurídico-administrativas e, designadamente, na intangibilidade dos direitos e interesses legitimamente adquiridos dos cidadãos».

É também neste sentido que decidiu o Ac. Rel. de Lisboa, de 27/09/2006 http://www.dgsi.pt/jtrl., segundo o qual a decisão da autoridade administrativa, não tendo sido objecto de impugnação judicial constituiu caso decidido ou caso resolvido, (…), consolidando-se o acto administrativo na ordem jurídica, atendendo ao princípio da estabilidade dos actos administrativos, e que a doutrina faz uma equiparação entre o caso julgado judicial, decisão judicial que já não pode ser objecto de recurso, por ter transitado em julgado (art. 677º, do CPC), e o caso decidido ou resolvido dos actos administrativos, pelo que, por força do art. 79º, do DL nº 433/82, de 27OUT, que fixa o alcance definitivo da decisão administrativa, conferindo-lhe um valor em tudo igual ao caso julgado de uma decisão judicial, mais não significa que, uma vez proferida a decisão administrativa, que não foi objecto de impugnação judicial, por não ter sido interposta em tempo, ou porque o não foi mesmo, por o arguido com ela se ter conformado, constitui caso decidido ou resolvido. Neste mesmo sentido cfr. ainda Ac. Rel. de Lisboa de 08/11/2007 - http://www.dgsi.pt/jtrl., Ac. da Rel. de Coimbra, de 04/03/2008 - http://www.dgsi.pt/jtrc. e Ac. da Rel. do Porto, de 08/03/2005 - http://www.dgsi.pt/jtrp.

Sendo este o efeito da decisão administrativa, não pode o ora recorrente deduzir oposição à execução com fundamentos que podia e devia ter usado em sede de impugnação judicial, ficando, por isso, limitado aos fundamentos à oposição baseados em sentença e previstos no artº814º do C.P.C..

Na verdade, como refere Leones Dantas[3], <<a questão dos modos de oposição à execução e nomeadamente o âmbito da oposição possível, já foi deduzida do disposto no at. 815.º do C.P.C., mais concretamente no sentido de que seria possível alegar quaisquer factos que <<seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração>>.

A admitir-se esta conclusão, fácil se torna transformar o processo de execução num meio próprio para discutir os factos ilícitos imputados ao executado, a dimensão da ilicitude e da culpa, e os demais elementos necessários à fixação da coima.

Este entendimento transformaria o processo de execução num segundo processo de impugnação, com a preterição de tudo o que a lógica da ordenação processual impõe.

De facto, a decisão da autoridade administrativa transita em julgado, o que preclude a possibilidade de novo conhecimento do facto como contra-ordenação, de acordo com o disposto no art. 79.º, n.º 1 da L. Q., e impede nova discussão no tribunal daquele facto, em sede de oposição à execução.

E embora a decisão das autoridades administrativas não tenha a natureza e a dignidade de uma sentença, a verdade é que a lei lhe atribui efeitos análogos, pelo que jamais seria legítimo o recurso aos modos de oposição permitidos pelo art. 815.º do C.P.C. para deduzir oposição à execução instaurada com base numa daquelas decisões.>>

Desta forma, e uma vez que, como resulta da petição inicial dos embargos, os fundamentos invocados pelo ora recorrente não se ajustam a nenhum dos previstos no artigo 729.º do CPC, pretendendo o embargante discutir os factos que lhe foram imputados, ou seja, impugnar a decisão administrativa, o que não fez atempadamente, impunha-se o indeferimento dos presentes embargos por o fundamento não se ajustar ao disposto no artigo 729.º do CPC, por força do disposto no artigo 732.º, n.º 1, b), do CPC, tal como consta da sentença recorrida.

                                                             *

Improcedem, assim, as conclusões do recorrente, impondo-se a manutenção da sentença recorrida.

                                                             *                                                        

IV – Sumário[4]

(…)

                                                             *

                                                             *

V - DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se em julgar improcedente a apelação confirmando-se a sentença recorrida.                                                     

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Custas a cargo do recorrente.

                                                             *

                                                             *

                                                                                            Coimbra, 2022/03/25                                                                                                        ____________________      

                                                                                                 (Paula Maria Roberto)

                                                                                                    ____________________

                                                                                                 (Felizardo Paiva)

   ____________________        

          (Jorge Loureiro)                                                                                                                       

                                                                                                                                                                                                                                                                 

 


[1] Relator – Paula Maria Roberto
  Adjuntos – Felizardo Paiva
                      Jorge Loureiro

[2] Ac. do STJ, de 19.09.2002, Rev. n.º 1719/02-7.ª: Sumários, 9/2002.
[3] Revista do Ministério Público, n.º 57, pág. 83.
[4] O sumário é da responsabilidade exclusiva da relatora.