Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1612/10.0TBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
ARRENDATÁRIO
ARRENDAMENTO RURAL
Data do Acordão: 05/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 1410.º DO CC
Sumário: I – Comunicado o projecto de venda ao preferente arrendatário rural onde, a par da identificação do comprador e do preço, se referia que a escritura e pagamento do preço teria lugar dentro do prazo de 15 dias e não tendo preferido, caducou o seu direito;

II – O projecto de venda não se alterou desfavoravelmente ao arrendatário só porque a escritura com o comprador foi efectuada cerca de 2 meses e meio depois, com as férias de Verão de permeio.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório

A... e mulher B... , em 24.12.10, no 2.º juízo do TJ da comarca da Guarda, propuseram contra C... acção com forma de processo sumário de despejo rural, pedindo a condenação deste a reconhecer os AA. como donos e legítimos possuidores do prédio rústico que identificaram e que o contrato de arrendamento que os ligava terminou a 2.11.05, bem como a proceder à sua imediata restituição e no pagamento da quantia de € 525,00 acrescida de juros de mora legais, vencidos e vincendos até integral pagamento.

Alegaram, para tanto, em resumo, que adquiriram o prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia de ..., Guarda, sob o art.º x..., por escritura pública de 10.9.04 e porque o R. era dele arrendatário há pelo menos 15 anos, os anteriores donos e senhorios comunicaram-lhe o projecto de venda com vista a exercer, querendo, o direito de preferência, de que se absteve e após o A. marido ter intimado o R. para reduzir a escrito o contrato de arrendamento, não o fez, vindo o A. a denunciar o contrato para o termo da sua renovação, continuando, todavia, o R. a ocupá-lo, sem pagar a respectiva renda anual de € 75,00, estando em dívida, a esse título, a quantia de € 525,99, com base em que os AA. pediram, também, a resolução do contrato.

Citado, contestou o R. a deduzir incidente de intervenção principal provocada dos anteriores proprietários do prédio e senhorios, excepcionou a compensação da quantia alegadamente devida de € 2.000,00, deduziu reconvenção para pedir o reconhecimento do seu direito de preferência sobre a venda de tal prédio, por violação do dever de comunicação dos vendedores, na medida em que, na respectiva comunicação de 7.6.04, lhe fora dado o prazo de 15 dias, ou seja, até 22.6.04 para pagamento total do preço, vendo agora que ao A. adquirente foi concedido, para esse efeito, o prazo até 10.9.04.

Os AA. responderam à matéria de excepção, no sentido da sua improcedência, alegando a caducidade do direito de preferência, na medida em que o R. tomou conhecimento da escritura de venda do prédio em Outubro de 2004, concluindo pelo indeferimento do pedido de intervenção.

Foi proferido despacho a não admitir a reconvenção quanto ao pedido de compensação do crédito e a admiti-lo quanto ao mais, bem como deferiu o incidente de intervenção.

Os chamados vieram aos autos declarar fazer seus os articulados dos AA.

Foi proferido despacho saneador-sentença, onde se conheceu do mérito da causa e, na procedência parcial da acção, foi declarado serem os AA. donos e legítimos possuidores do prédio rústico e resolvido o contrato de arrendamento celebrado com o R., que foi condenado a restituir o prédio aos AA., bem como no pagamento da quantia de € 525.00 acrescida dos juros de mora legais vencidos e vincendos e improcedente a reconvenção, de cujo pedido foram os AA. absolvidos.

Inconformado, recorreu o R., apresentando alegações que rematou com as seguintes úteis conclusões:

a) – O prazo para o pagamento do preço é um elemento essencial da comunicação ao preferente para exercer o seu direito;

b) – No caso em apreço verifica-se uma desconformidade entre o prazo para o pagamento comunicado ao preferente e o efectivamente contratado;

c) – Ao contratar em condição diversa daquela que apresentou ao preferente, deve entender-se a comunicação do vendedor-senhorio obrigado à preferência como não efectuada;

d) – Verificada a alteração essencial da condição/prazo para pagamento do preço, pode o preferente exercer o seu direito legal de preferência sobre o prédio rústico arrendado, nos termos do contrato efectivamente celebrado;

e) – A sentença recorrida violou os art.ºs 416.º, n.º 1, do CC e 28.º, n.º 1, do DL n.º 385/88, de 25.10, pelo que deve ser anulada e substituída por acórdão que reconheça o direito de preferência do recorrente e declare o direito de haver para si a propriedade sobre o prédio rústico, com o cancelamento dos respectivos registos.

Os recorridos apresentaram resposta em defesa do julgado.

Dispensados os vistos, cumpre decidir, sendo questão apreciar, como tal delimitada pelo recorrente:

- Se estão verificados os requisitos legais de que depende o exercício do direito de preferência do recorrente enquanto arrendatário do prédio rústico alienado.


*

            2. Fundamentação

            2.1. De facto

            A matéria de facto considerada provada na decisão recorrida e que não foi objecto de impugnação, foi a seguinte:

            a) - Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda, sob o nº y.../19891023, um prédio rústico situado em ..., freguesia de ..., concelho da Guarda, cuja propriedade se encontra inscrita a favor dos Autores A..., casado com B..., por aquisição, através de compra, a E..., F...e G...– cfr. doc. de fls. 11 a 12;

b) - Por escritura datada de 10/09/2004, E..., casado com H...e ..., na qualidade de procurador de G...e J... declararam vender a A..., casado com B..., que declarou aceitar comprar, o prédio referido em a), pelo valor de € 10.000,00 (dez mil euros) – cfr. doc. de fls. 14 a 19;

c) - Pela notificação judicial avulsa com a referência nº 4984545, que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, sob o n.º 930/10.1TBGRD, o Autor A...requereu a notificação do Réu C... para se proceder à redução a escrito do contrato de arrendamento referente ao prédio rústico sito na ..., freguesia de ..., concelho da Guarda, descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda, sob o n.º y.../19891023 e inscrito na matriz sob o n.º x..., alegando ter adquirido tal prédio dos anteriores proprietários, que haviam comunicado ao Réu tal aquisição, na qualidade de arrendatário do mesmo há cerca de 15 anos, de forma a permitir o exercício do direito de preferência na aquisição, o que não aconteceu – cfr. doc de fls. 23 a 24;

d) - Purificação do Valle, agente de execução, notificou ao Réu C..., no dia 21/07/2010, pelas 10h30m, no Largo da Igreja, freguesia de ..., comarca da Guarda, o conteúdo da notificação referida em c) – cfr. doc. de fls. 29 a 30;

e) - No escrito particular datado de 13/09/2004, o Autor A..., invocando “a qualidade de proprietário do prédio sito no lugar de “ ...” e pretendendo utilizar essa propriedade, intimou o Réu C... a entregar a mesma ao Autor no prazo legalmente estabelecido – cfr. doc. de fls. 31;

f) - Do escrito particular datado de 08/02/2008 e enviado pelo Ilustre Advogado Dr. D... ao Réu C... consta um pedido daquele dirigido a este para que comparecesse no seu escritório no dia 15/02/2008. – cfr. doc. de fls. 33;

g) - O Réu não compareceu no escritório do Dr. D.... – confissão;

h) - O Réu é arrendatário do prédio referido em a) há pelo menos 15 anos. –acordo;

i) - Inexiste contrato escrito de arrendamento referente ao prédio referido em a).– acordo;

j) - Foi estipulado pelas partes o pagamento aos senhorios da renda anual de esc. 15.000$00 (hoje € 75,00), até ao dia “de Santos” (2 (?) de Novembro). – acordo;

l) - O Réu nunca pagou ao autor nenhuma renda anual. – confissão;

m) - Do escrito particular datado de 21/10/2004 enviado pelo Réu C... ao Autor A...consta que aquele recebeu deste uma carta datada de 13/09/2004 e face ao teor da mesma pediu que lhe fosse indicado o cartório notarial onde terá sido feita a escritura notarial na qual o Autor adquiriu o terreno sito no lugar de “ ...” - cfr. doc. de fls. 58;

n) - Por escrito particular datado de 07/06/2004 enviado por G... ao Réu C... aquela, na qualidade de herdeira e procuradora dos demais herdeiros e titulares do direito de propriedade do prédio referido em a), informou o Réu da existência de uma proposta efectuada por A..., no valor de € 10.000,00 (dez mil euros), para compra referido terreno, concedendo um prazo de 10 dias para que o Réu manifestasse a sua eventual intenção de compra – cfr. doc. de fls. 60;

o) - Por escrito particular datado de 06/10/2003 declara-se que foi entregue pelo Réu C... a importância de € 2.500,00, para entregar ao Senhor E... destinado ao pagamento do terreno referido em a), mais se declarando que o Réu disse que, até ao dia30/01/2004, entregaria mais € 500,00 e mais € 1.250,00, referentes a rendas em atraso, mencionando-se o direito do Réu à devolução da importância entregue em caso de discordância entre os vendedores que obstasse ao negócio cfr. doc. de fls. 61.

p) – Está ainda provado (o que se considera ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 713.º e n.º 3 do art.º 659.º, do CPC) que em resposta à carta do R. de 21.10.09 (fls. 58 e alín. l)) os AA. informaram o mesmo que a escritura de compra e venda do prédio fora efectuada no Cartório Notarial de Manteigas em 10.9.04;

q) – E provado que, na carta de 7.6.04, a comunicar o projecto de venda referida na antecedente alín. n), referiu-se que “a escritura terá lugar dentro do prazo de 15 dias a contar desta data, altura em que deverá ser pago o total da compra”.


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            2.2. De direito

            Preliminarmente, dir-se-á estar em causa um contrato de arrendamento rural celebrado na vigência do DL n.º 385/88, de 25.10 (Lei do arrendamento Rural – LAR) e, pese embora a sua revogação pelo DL n.º 294/09, de 13.10 (art.º 43.º, alín. a)), é o dipolma aplicável à situação sub judice do direito de preferência (art.º 12.º, n.º1, do CC), cuja sindicância constitui o thema decidendum (idem, art.º 39.º, n.º 2, alín. a)).

            Dispõe o art.º 28.º, n.º 1, da LAR que “no caso de venda ou dação em cumprimento do prédio arrendado, aos respectivos arrendatários com, pelo menos, 3 anos de vigência do contrato assiste o direito de preferirem na transmissão”.

            À falta de normas especiais na LAR são aplicáveis, no arrendamento rural, as normas comuns dos art.ºs 416.º e 1410.º do CC.[1]

            Assim, nos termos do n.º 1 desse art.º 416.º, o obrigado deve dar conhecimento ao preferente do projecto de venda e das cláusulas do contrato.

            Recebida a comunicação deve o preferente exercer o seu direito dentro do prazo de 8 dias, sob penas de caducidade (n.º 2).

            Vasta e desde há muito foi sendo a jurisprudências que em redor desse preceito (e também do art.º 1410.º) se constituiu sobre o âmbito da comunicação do projecto de venda.

            Denominador comum é que deve conter a motivação para contratar ou não contratar por parte do preferente, em regra a identificação do comprador, do preço a pagar e das condições de pagamento.[2]

            Já a indicação da data da escritura não colhe o entendimento maioritário.[3]

O n.º 2 do cit. art.º 416.º supõe ainda que os termos iniciais do projecto de venda comunicado ao preferente deva coincidir com o negócio efectivamente celebrado, mormente não podendo neste ser estabelecidas mais facilidades, v. g., de pagamento do preço, que naqueloutro.

O art.º 1410.º faculta o prazo de 6 meses a contar da data em que o preferente teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação para exercer o direito de preferência contra quem omitiu o dever de dar-lhe conhecimento da venda.

Ora bem.

Volvidos ao caso em apreço, dissentimos da alegação do recorrente quando sustenta que deve considerar-se não efectuada a comunicação que lhe foi feita em 7.6.04 para preferir onde para lá da identificação do comprador e do preço, lhe era informado que “a escritura terá lugar dentro de 15 dias a contar desta data, altura em que deveria ser pago o total da compra”, quando, afinal, a escritura só veio a ser efectuada em 10.9.04, onde se consignou que o preço (indicado) havia já sido recebido, dizendo, agora, o recorrente que em 15 dias não conseguiu obter a liquidez necessária para a compra.

Diz que os vendedores contrataram em condição diversa daquela que apresentaram ao preferente!

Nada disso.

O que aconteceu com os recorridos é o normal das situações.

Só decorrido o prazo de caducidade subsequente à comunicação ao preferente, os vendedores poderão diligenciar pela marcação da escritura, cuja data não está tanto na sua disponibilidade, mas dependente da agenda do cartório notarial.

E, intrometidas as férias de Verão, não custa a crer, isto é, não é irrazoável (e é de coisas razoáveis e normais que o direito trata) que só cerca de 2 meses e meio após decurso daquele prazo a mesma se agendasse.

Quanto ao prazo e condição de pagamento do preço (a pagar na data da escritura) nenhuma divergência existiu no projecto de venda comunicado e no efectivamente outorgado na escritura.

Nada se alterou.

Só a data da escritura teria que ser diferente.

Como era suposto ser.

Carece, assim, de razão o recorrente quanto à invalidade da comunicação.

  Mas outra razão sempre havia, impeditiva de obtenção de ganho de causa para o recorrente.

Conhecedor dos elementos do negócio insertos na escritura em finais de Outubro de 2004 (ou, se não teve, sibi imputet) na sequência do pedido que formulou aos AA., que prontamente o satisfizeram, a ter como não devidamente efectuada a comunicação para a preferência de 7.6.04, dispunha ele do prazo de 6 meses para exercitar a preferência (art.º 1410.º, n.º 1), sob pena de caducidade.

Fazendo-o agora, ao fim de 7 anos, é assaz extemporâneo!

Mas, ainda que razão lhe assistisse, sempre haveria que equacionar-se o abuso de direito na modalidade do “venire contra factum proprium” (art.º 334.º do CC), então se podendo considerar se a inércia do recorrente durante 7 anos não frustraria a confiança que o decurso desse longo lapso de tempo objectivamente gerara nos recorrentes.

Eis por que naufragam as conclusões recursivas.


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            3. Sumariando (n.º 7 do art.º 713.º do CPC)

            I – Comunicado o projecto de venda ao preferente arrendatário rural onde, a par da identificação do comprador e do preço, se referia que a escritura e pagamento do preço teria lugar dentro do prazo de 15 dias e não tendo preferido, caducou o seu direito;

            II – O projecto de venda não se alterou desfavoravelmente ao arrendatário só porque a escritura com o comprador foi efectuada cerca de 2 meses e meio depois, com as férias de Verão de permeio.


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            4. Decisão

            Face ao exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e, com os fundamentos assinalados, confirmar a decisão recorrida.

            Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.


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Francisco Caetano (Relator)

António Magalhães

 Ferreira Lopes


[1] Neste sentido, v. também o Ac. STJ de 2.3.99, CJ, 1999, 1.º, pág. 131.
[2] V. a jurisprudência citada por Aragão Seia e Costa Calvão, “Arrendamento Rural”, 1989, pág. 92 e ss.
[3] V., sobre a sua desnecessidade, os Acs. do STJ de 9.2.90, 9.º, AJ, 6.º/90, pág. 9, RP de 11.6.91, BMJ, 408.º-648 e RC de 12.10.99, CJ, 1999, 4.º pág. 30.