Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3250/13.6TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
DENÚNCIA
SENHORIO
HABITAÇÃO PRÓPRIA
NECESSIDADE
BENFEITORIAS
EXCESSO DE PRONÚNCIA
DEVER DE COOPERAÇÃO
ALTERAÇÃO DE FACTO
Data do Acordão: 11/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JL CÍVEL - 2ª SEC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.236, 1031,1036, 1046, 1101, 1273 CC, 7, 526, 662 CPC, LEI Nº 6/2006 DE 27/2
Sumário: 1.- O excesso de pronúncia configurar um mero vício formal - que não erro de substância ou de julgamento - traduzido em decisão para além dos poderes de cognição do julgador.

2.- A concessão ao tribunal da faculdade de tomar declarações a pessoa não indicada como testemunha, não pode servir para subverter a regras processuais relativas à indicação e produção das provas e ao princípio do dispositivo.

3.-.Como elemento de confluência, acresce que quando a lei, no art. 645.°, n.º 1, do CPC (526º NCPC), refere "no decurso da acção" deve entender-se até ao encerramento do julgamento da matéria de facto. E quando aí utiliza a expressão "o juiz deve ordenar" é de entender que se trata de um poder-dever.

4.- No âmbito do n.º 1 do art. 662º NCPC (modificabilidade da decisão de facto), integram-se as eventuais violações das regras do direito probatório, designadamente nos casos em que tenha sido considerado provado (ou não provado) certo facto, com base em meio de prova considerado insuficiente (v.g. depoimento testemunhal).

5.- No uso dos poderes relativos à alteração da matéria de facto, conferidos pelo art. 712.° do CPC (662º NCPC), a Relação deverá formar e fazer reflectir na decisão a sua própria convicção, na plena aplicação e uso do princípio da livre apreciação das provas, nos mesmos termos em que o deve fazer a 1.ª Instância, sem que se lhe imponha qualquer limitação, relacionada com convicção que serviu de base à decisão impugnada, em função do princípio da imediação da prova. O que, pelo modo indicado, se exercitou.

6.- A carência de habitação do senhorio, em determinada localidade, e a sua necessidade (real, efectiva) em matéria habitacional, sobrepõe-se à necessidade paralela ou concorrente do inquilino.

7.- É razoável que o legislador, colocado perante um conflito de direitos - de um lado, o direito à habitação do senhorio, fundado num direito real próprio, e, por outro, o direito à habitação do inquilino, fundado num contrato de arrendamento, cujo objecto é o imóvel que pertence ao senhorio -, não podendo dar satisfação a ambos os direitos, sacrifique o direito do inquilino ao direito do senhorio.

8.- A necessidade do locado para habitação própria do senhorio, enquanto requisito para a denúncia do arrendamento, pode assentar em razões de ordem psico-afectiva como sejam as que evidencia um jovem adulto que se pretende autonomizar da casa dos pais “e se viu confrontado com a necessidade de tomar de arrendamento um quarto para, precariamente, poder satisfazer a sua pretensão, por não ter mais nenhum prédio da sua propriedade que pudesse ocupar para o efeito.

9.- A necessidade de habitação tem que ser real, séria, actual ou futura, não eventual mas iminente, traduzida em razões ponderosas, não se confundindo com uma maior comodidade e deve corresponder a uma intenção séria de no locado fixar residência, devendo ser apreciada objectivamente em função das condições, vida, interesses e carências do senhorio, sob pena de se poder transformar em mero pretexto para obter a desocupação.

10.- O solteiro que dorme num quarto arrendado passa a ter necessidade de uma casa onde possa instalar o lar que vai constituir, antes mesmo da celebração do casamento.

11.- Ao comunicar, eficazmente, ao arrendatário a sua pretensão de denunciar o contrato, o locador assume a qualidade de devedor de uma "compensação" correspondente a um ano de renda. Embora a lei designe esse pagamento como "indemnização", como as eventuais desvantagens patrimoniais causadas ao arrendatário com a desocupação do imóvel resultam do lícito exercício de um direito do locador, tal hipótese corresponderá a uma indemnização por factos lícitos.

12.- A benfeitoria consiste, no referencial do disposto no art. 216º Código Civil, como a própria palavra indica, no melhoramento ou aperfeiçoamento da coisa, feito por quem a ela está ligado em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, por exemplo, posse, locação, comodato, usufruto,

13.- A construção de quarto de banho ou a sua renovação, ou melhor adequação a condições normais e indispensáveis de salubridade, na casa objecto do contrato, sempre constitui - no mínimo - benfeitoria útil, pois a ter em vista melhorar as condições de habitabilidade da casa e não evitar a sua perda ou destruição.

14.- As obras realizadas em prédio alheio, consistentes na reparação do telhado e na substituição de parte da telha antiga com a finalidade de evitar a infiltração da água das chuvas, constituem benfeitorias necessárias.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

J (…) instaurou a presente acção contra M (…) e G (…) alegando, em síntese, que em 17.Fevereiro.2009 adquiriu a titularidade do direito de propriedade do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial, objecto de contrato de arrendamento celebrado com a Ré, na qualidade de arrendatária, e, ainda, que, necessitando do local arrendado para sua própria habitação e não dispondo há mais de um ano de casa própria na cidade de Coimbra que satisfaça as suas necessidades de habitação, comunicou aos Réus a denúncia do contrato de arrendamento com esse fundamento, dispondo-se a pagar-lhes, no momento da entrega do local arrendado, o valor de 147,44 € equivalente a um ano de renda.

Com tais fundamentos, conclui pedindo a declaração da cessação da situação jurídica de arrendamento, com fundamento na necessidade do local arrendado para habitação própria, consequente condenação dos Réus a abandonarem e a pagarem-lhe as rendas que se vencerem até à entrega efectiva do arrendado.

Citados de forma válida e regular contestaram os Réus, impugnando a factualidade alegada atinente aos requisitos da denúncia para habitação, e suscitando as questões da incompetência do tribunal em razão da matéria, da ineficácia da comunicação da denúncia do contrato de arrendamento dirigida pelo Autor à Ré em 1.Julho.2013 e, ainda, da incorrecção do cálculo da indemnização devida pela denúncia do contrato por não obedecer ao disposto no n.º 2 do artigo 35º da Lei n.º 6/2006, que têm como aplicável por estar em causa um contrato de arrendamento habitacional celebrado antes da entrada em vigor do R.A.U., contrapondo um valor indemnizatório de 1.747,20 €.

Mais formularam pedido reconvencional com vista à condenação do Autor no pagamento da quantia de 8.646,25 €, correspondente ao custo das obras enunciadas no artigo 34º da contestação que, com o conhecimento e consentimento dos sucessivos senhorios, realizaram no local arrendado para evitar a sua perda, destruição ou deterioração, consubstanciando benfeitorias necessárias ressarcíveis nos termos das disposições conjugadas dos artigo 216º, n.º 3, e 1273º do Código Civil.

O Autor respondeu à reconvenção, impugnando a factualidade atinente à realização das obras e, sustentando que nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1036º e 1046º do Código Civil do artigo 29º, n.º 1 da Lei n.º 6/2006, de 27.Fevereiro, só o possuidor de boa-fé que tenha efectuado obras que o senhorio se recusou a fazer e que eram urgentes e indispensáveis à conservação do espaço arrendado tem direito a benfeitorias, contrapõe que as obras invocadas, a terem sido efectuados, foram-no sem a autorização, sua e dos anteriores senhorios, necessária à equiparação do arrendatário ao possuidor de boa-fé, concluindo que lhes não assiste direito a compensação por essas obras com a consequente improcedência da pretensão reconvencional.

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Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que

«Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a acção que J (…)instaurou contra M (…) e G (…) e, em consequência, absolver os Réus do pedido.

Custas a cargo do Autor».

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J (…), inconformado com a decisão, interpôs o presente Recurso de Apelação, com reapreciação da prova gravada, e em que se suscita nulidade da sentença (art. 615.º/1 d) e 617.º do CPC), que apresenta, alegando e concluindo que:

(…)

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M (…) e G (…) Réus nos autos à margem cotados, notificados da RECURSO interposto pelo A. e da respectiva motivação, vieram apresentar as suas CONTRA - ALEGAÇÕES, por sua vez concluindo que:

(…)

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Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

De entre os factos relevantes para a decisão da causa mostram-se provados os seguintes factos:

1. O Autor (…) é dono do prédio urbano sito em (...) , com a área total de 64 m2, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º 7403, da freguesia de (...) , e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 174 da mesma freguesia, mercê de doação outorgada em 17.Fevereiro.2009 em que foram doadores (…) (por documentos de fls. 11 e 12, correspondente à certidão da descrição predial);

2. Em 1Janeiro.1964 foi firmado um contrato entre (…)nos termos do qual o primeiro declarou dar de arrendamento à segunda o prédio identificado no ponto 1., com vista a habitação própria do arrendatário mediante o pagamento de renda mensal, a satisfazer no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que respeitar, e que, a data da propositura da acção se cifrava no quantitativo de 13,12 € (por acordo e por documentos de fls. 21 e 22, correspondente ao contrato de arrendamento);

2. A Ré (…) sucedeu à referida (…) na posição de arrendatário (por acordo);

3. O Autor (…) sucedeu na posição de senhorio por força da doação mencionada no ponto 1. (por acordo);

4. Os referidos (…), em Março.2009, comunicaram à Ré que “por escritura de doação efectuada em 17/02/2009 (…) é o actual proprietário do imóvel arrendado a V. Exª e, consequentemente, suceder-nos-á na posição contratual de senhorio” (por acordo e por documento de fls. 23);

5. O Autor, através de carta datada de 26.Junho.2013, comunicou à Ré que “por circunstâncias da minha vida pessoal, dentro de alguns meses pretendo autonomizar-me, saindo de casa de meus pais e criar a minha própria família, pelo que necessito de habitar a casa que actualmente está arrendada a V.Exª, pois não tenho em Coimbra, há mais de um ano, outra casa própria que satisfaça as minhas necessidades de habitação própria. Assim, serve a presente para comunicar a denúncia deste contrato de arrendamento, com base na referida necessidade de habitação por mim próprio” (por documentos de fls. 24 e 25, este respeitante ao aviso de recepção assinado pela Ré);

6. O Autor não tem, no concelho de Coimbra e há mais de um ano com referência à data da propositura da acção, casa própria (por documento de fls. 140 e 141, correspondente a certidão emitida pela Direcção de Finanças de Coimbra/Serviço de Finanças de Coimbra -1, e de fls. 142, correspondente a atestado emitido pela União das freguesias de (...) );

7. Em 1.Janeiro.2014 o Autor e (…) celebraram um contrato denominado de “arrendamento para fins habitacionais com prazo certo”, o primeiro como arrendatário e o segundo como senhorio, tendo por objecto um quarto, com utilização comum de cozinha e casa de banho, da fracção autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao 1º andar trás, do prédio sito na Rua do M ... , n.º 57, mediante o pagamento de uma renda mensal de 130 € (por documentos de fls. 145 e 146, correspondente ao contrato de arrendamento);

8. O valor patrimonial do locado determinado no ano de 2012 é de 26.207,25 € (por documentos de fls. 41 e 42 e de fls. 80 e 81, correspondente à certidão do teor matricial do prédio identificado no ponto 1.);

9. Entre 2.Março.1998 a 21.Junho.2004 a anteproprietária do prédio identificado no ponto 1., (…), foi notificada pela Câmara Municipal de Coimbra para proceder à execução de obras no local arrendado visando resolver as seguintes deficiências: cobertura em mau estado de conservação; desmoronamento da chaminé; fendilhações em paredes exteriores, paredes interiores e rebocos deficientes; anexos no logradouro, ameaçando ruir; portas e janelas em estado deficiente; fortes infiltrações em paredes e tectos interiores; tecto da cozinha significativamente fendilhado devido ao suporte de cargas provenientes, com ameaça de ruína; pavimento pontualmente danificado fissurado e com infiltrações (por documentos constantes de fls. 89 a 119);

10. Das obras enunciadas nessa determinação camarária os senhorios apenas procederam ao arranjo do telhado e das paredes exteriores, à colocação de tectos em “pladur” em três quartos, à reparação de paredes interiores e à colocação de pavimento por cima do chão de madeira;

11. Os Réus arrendatários executaram no prédio identificado no ponto 1. as seguintes obras e reparações: instalação de uma unidade de bombagem; colocação de uma cantoneira, tubos inox e respectivo material de instalação; fechadura; colocação de louças de casa de banho (dois lavatórios, sanita e respectivo tampo, tanque e duas bases para chuveiro) móvel com pedra, espelho com módulo, torneira, bicha em aço, dois casquilhos cromados, uma válvula automática para lavatório, um sifão articulado e um tanque; colocação de um balde de WC inox, um porta rolo, um porta piaçaba, dois cabides cromados e três toalheiros; instalação de um espelho central, três caixas de aplique, oito fios V de 2,5 mm, um comutador de lustre e uma barra de junção, tubos e acessórios; um fixo 37cm+porta compasso, uma peça em mogno; um móvel; uma telha metálica com forquilha e diverso material ROWO (cf. documentos constantes de fls. 42 v.º a 50);

12. Os Réus arrendatários efectuaram obras de reparação do telhado, da casa de banho e no barracão de arrumos do prédio identificado no ponto 1. (cf. documentos constantes de fls. 51 e 52).

De entre os factos com a mesma relevância não ficou provado que:

- o Autor pretenda viver com a namorada na cidade de Coimbra, de forma independente e autónoma dos seus pais, e com ela constituir o seu próprio agregado familiar, por isso carecendo do prédio identificado no ponto 1. para sua própria habitação.

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Nos termos do art. 635º NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608º do mesmo Código.

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Das conclusões, ressaltam as seguintes questões elencadas, na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz holística:

I.

2.ª No entendimento do Recorrente a sentença sob recurso, padece da nulidade plasmada na al. d), n.º 1 do art. 615.º do CPC, na medida em que o juiz conheceu, na sentença, de questões de que não podia tomar conhecimento.

3.ª É que, não tendo a M. Juiz ficado esclarecida quanto à factualidade invocada pelo Autor em ordem a justificar a necessidade do prédio para sua habitação, deveria ter reaberto a audiência a fim de permitir ao ora Recorrente a sua comprovação, assim dando cumprimento à parte final do n.º 1 do art.º 607.º do CPC; todavia, não tendo o tribunal informado o Recorrente da pretensa indispensabilidade da presença da namorada, permitindo ao Recorrente o seu arrolamento, em ordem ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio (v. art. 411.º do CPC), e tendo, ainda assim, baseado a improcedência da ação em tal circunstância, o Tribunal proferiu uma verdadeira decisão surpresa, o que lhe estava vedado pelos arts. 3.º, 7.º e 195.º/1 do CPC e, em suma, pelos deveres da gestão processual e da cooperação (arts. 6.º e 7.º do mesmo Código).

Apreciando, diga-se que as decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do art, 195.° não admitem recurso, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios (n.º 2 do art. 630.º). Ou seja, a parte tem não só de convencer o tribunal de que a nulidade processual existe, como, além disso, tem de provar que põe em causa princípios estruturantes e fundamentais do processo, ou um direito fundamental seu, ou o direito a um processo equitativo.

Este artigo 195º NCPC (regras gerais sobre a nulidade dos actos), ao manter inalterada a sua redacção anterior, continua a classificar como nulidade relevante e invocável pela parte interessada não só a prática de um acto que a lei não admita, como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, desde que a lei assim o declare ou que "a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa", isto é, na sua instrução, discussão e julgamento.

Em todo o caso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido (Ac. RC, de 904.2013: Proc. 621/09.dgsi.Net). Querendo tal significar, quanto ao excesso de pronúncia, que o mesma só se verifica, relativamente a questões não conexionadas com a causa de pedir, estando o juiz limitado pelo princípio do dispositivo, que exprime a liberdade com que as partes definem o objecto do litígio, não podendo condenar-se além do pedido, nem considerar causa de pedir que não tenha sido invocada (Ac. RG., de 10.9.2013: Proc. 4211/11.dgsi.Net). E tal, por mero confronto dos Autos e conceito que lhe subjaz, de todo, circunstancialmente, não acontece.

Valendo por também vincular o facto de, não obstante, o excesso de pronúncia configurar um mero vício formal - que não erro de substância ou de julgamento - traduzido em decisão para além dos poderes de cognição do julgador (Ac. STJ, de 23.S.2006: Proc. 06A1090.dgsi.Net). O que, aqui, do mesmo modo, não assume perfil. Todavia, ainda que assim tivesse acontecido, a verdade é que as nulidades processuais devem ser arguidas no prazo legal e, em princípio, perante o tribunal onde ocorrem, sob pena de considerarem sanadas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso. Em via de recurso apenas devem ser conhecidas as nulidades processuais cobertas por despacho que sobre elas se tenha pronunciado, a não ser que sejam de conhecimento oficioso. Consequentemente, é intempestiva a arguição de nulidade mediante recurso da sentença final que dela não conheceu, considerando-se sanada tal nulidade (Ac. RC, de 10.7.2007:Proc. 270/04.5TBVNO-A.C l.dgsi.Net) (art.ºs 195º e 199º do NCPC).

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Por sua vez (art. 607º NCPC - sentença), a obrigação de fundamentação implica que o julgador indique quais os concretos meios probatórios considerados e quais as razões, objectivas e racionais, pelas quais tais meios obtiveram no seu espírito credibilidade ou não, de molde a compreender-se o "itinerário cognoscitivo" seguido para a consideração de determinado facto como provado ou não provado (Ac. RG, de 22.3.2007: Proc. I 73/07-1.dgsi.Net). Isto porque, com a imposição da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, pretende a lei - art. 205.º, n.º1 da Constituição, 158.º, e 668.º, n.º 1, al, b), do CPC (154º, 615º NCPC) - evitar a formulação de um juízo arbitrário ou intuitivo sobre a verificação, ou não, de um facto e determinar que a convicção adquirida se faça através de um processo racional, ponderado e maturado, alicerçado e objectivado na análise crítica e concatenada dos diversos dados e contributos carreados pelas provas produzidas, para que, assim, a sua bondade e legalidade possa ser sindicada. Destarte, na definição do sentido e alcance de tal dever e para a consecução deste fito, há a considerar que embora não seja exigível que o julgador proceda a uma fundamentação minuciosa e atomística exarando todo o percurso lógico e o raciocínio que incidiu sobre a prova e que levou à formação da sua convicção. No que tange à prova testemunhal, para que a fundamentação seja aceitável, importa, pelo menos, que seja indicada a sua razão de ciência, os motivos por que mereceram, ou não, a credibilidade do Tribunal e, porventura, as razões justificativas da opção feita e a articulação dos depoimentos prestados com os resultados de outras provas produzidas (Ac. RL, de 29.5.2007: Proc. 1384/2007-1.dgsi.Net). O que a decisão - vollens, nollens - logrou, em pleno.

 

Quanto ao art. 411º do NCPC (princípio do inquisitório), este artigo reproduz literalmente o nº3 do anterior art. 265º, na redacção do DL nº180/96, de 25-9.. Trata-se duma outra vertente da direcção do processo pelo juiz, domínio do princípio inquisitório, que rege a instrução do processo e tem o seu corolário no art. 519 (dever de cooperação para a descoberta da verdade) (417º NCPC). Embora a redacção do preceito se mantenha, o seu âmbito de aplicação alargou-se, pois desapareceram alguns limites anteriormente existentes quanto a certos meios de prova, que permaneciam reservados às partes (cf. art. 552-1, para o depoimento de parte – 462º NCPC) ou só muito limitadamente consentiam a iniciativa oficiosa (cf. art. 645, para a prova testemunhal – 526º NCPC) (José Lebre de Freitas/João Redinha/Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 2ª Edição), p. 511). Porém, o disposto em tal normativo não descaracteriza, nem invalida, o princípio base do processo civil e que é o de que o impulso processual competir às partes em toda a sua extensão, nomeadamente no tocante à indicação e realização oportuna das diligências probatórias (como já o enunciava o Ac. STJ, de 28.3.2000: Sumários, 39.°-23). Por isso, só em contexto diferenciado, e não naquele nos Autos conformado, se podendo conceber que o art. 411º.°. do NCPC, estabelece um poder-dever do juiz, com vista à plena realização do fim do processo (Cf. Ac. RL, de 24.6.2010: Proc. 12473/04.8YYLSB-A.L1-6.dgsi.Net).

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Do mesmo modo, não pode a objecção de parte acobertar-se no argumento de que foi proferida - nos termos que argui - “uma verdadeira decisão surpresa, o que lhe estava vedado pelos arts. 3.º, 7.º e 195.º/1 do CPC e, em suma, pelos deveres da gestão processual e da cooperação (arts. 6.º e 7.º do mesmo Código)”. Exactamente com base - para além do que já se deixou consagrado -, em que (art. 3º NCPC - necessidade do pedido e da contradição) o princípio do contraditório é um dos princípios basilares que enformam o processo civil. Não obstante, importa notar que este princípio, tal como todos os outros, não é de perspectiva

 e aplicação inelutável e absoluta. Podendo congeminar-se casos em que ele pode ser mitigado ou mesmo postergado, vg. em situações de atendível urgência ou, no próprio dizer da lei, de manifesta desnecessidade. O cumprimento do princípio do contraditório não se reporta, pelo menos essencial ou determinantemente, às normas que o juiz entende aplicar, nem à interpretação que delas venha a fazer, mas antes aos factos invocados e às posições assumidas pelas partes. A decisão-surpresa a que se reporta o art. 3.°, n.º 3 do CPC não se confunde com a suposição que as partes possam ter feito nem com a expectativa que elas possam ter acalentado quanto à decisão quer de facto quer de direito (Ac. RC, de 13.11.2012: Proc. 572/11.4TBCND.Cl.dgsi.Net).

Por outro lado, o juiz tem o dever de participar na decisão do litígio, participando na indagação do direito - iura novit curia -, sem que esteja peado ou confinado à alegação de direito feita pelas partes. Porém, a indagação do direito sofre constrangimentos endoprocessuais que atinam com a configuração factológica que as partes pretendam conferir ao processo. Há decisão surpresa se o juiz de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer apartamento factual ou jurídico envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeque a uma correcta e atinada decisão do litígio. (Ac. STJ, de 27.9.2011: Proc. 2005/03. OTVLSB.L1.S1.dgsi.Net). Só que, tal, todavia, não acontece.

A tal respeito, mais se diga, resultar de vasta jurisprudência do próprio Tribunal Constitucional o reconhecimento, mesmo fora do domínio processual penal, de que «a garantia da via judiciária - ínsita no art. 20.° da Constituição da República Portuguesa e a todos conferida para tutela e defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos - envolve não apenas a atribuição aos interessados legítimos do direito de acção judicial, destinado a efectivar todas as situações juridicamente relevantes que o direito substantivo lhes outorgue, mas também a garantia de que o processo, uma vez iniciado, se deve subordinar a determinados princípios e garantias fundamentais: os princípios da igualdade, do contraditório e (após a revisão constitucional de 1997) a regra do "processo equitativo", expressamente consagrada no n.º 4 daquele preceito constitucional» (Carlos Lopes do Rego, "Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil", em Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, pág. 835, Coimbra, 2003). Centrando-nos no principio do contraditório - "do qual decorre, em primeira linha, a regra fundamental da proibição da indefesa" (autor e loco cits.) -, dele deriva, como a jurisprudência constitucional sempre tem afirmado, desde o Parecer da Comissão Constitucional n.º 18/81 (Pareceres da Comissão Constitucional, 16.° vol., pág. 147, e Boletim do Ministério da Justiça, n.º 310, pág. 159), que "nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve aí ser tomada, pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade, ao sujeito processual contra o qual ela é dirigida, de a discutir, de a contestar e de a valorar» (do Ac. n.º 298/2005 do Trib. Const., de 7.6.2005: DR, II, de 28,7.2005, pág. 10871). O que, no caso, aconteceu à saciedade.

De igual forma como emergência do disposto no art. 6º NCPC (dever de gestão processual), nem mesmo assumindo que o art. 265.°, n.º 3 do CPC (411º NCPC) compromete o juiz com o principio inquisitório em matéria de provas. E traduz um poder-dever, um indeclinável compromisso do juiz com a verdade material (Ac. RP, de 14.6.2011: Proc. 920/2001.Pl.dgsi.Net). Com efeito, o dever de gestão processual não permite ao juiz adaptar o processo a seu belo prazer, assumindo nos autos a função de legislador e esquecendo que está sujeito à lei (art. 203.° da CRP) tanto material como processual. Assim, quando pretenda afastar-se do figurino legal tem de exarar nos autos a razão ou razões por que o faz, por forma sucinta mas compreensível para as partes, de modo a afastar tanto a arbitrariedade como o desvio do poder. Por outro lado, a via que pretenda adoptar não pode contender com os princípios do contraditório, do direito à prova e da igualdade das partes, sob pena de a sua decisão se assumir como ilegal, sempre que afecte os direitos fundamentais das partes ou de uma delas (cf. art. 630.°-2). Para usar uma expressão popular, terá de pensar duas vezes antes de se afastar da tramitação processual adoptada pelo legislador e justificar adequadamente por que o faz, uma vez que está perante um poder-dever vinculado, e não meramente discricionário.

Acervo que determina eleger como hipótese operacional não se encontrar o juiz obrigado a proceder à inquirição de uma testemunha só porque a parte, que a não apresentou oportunamente, invoca a importância daquela inquirição para a descoberta da verdade (Cf. Ac. RP, de 22.2.2011: Proc. 476/09.0TBVFR-B.Pl.dgsi.Net).

Sendo que, em função do que se consagra no art. 7º do NCPC (princípio da cooperação), o dever de conhecimento oficioso de direito pelo tribunal, tem como contraponto o prévio cumprimento do ónus da parte de indicar o direito e cumprir o procedimento que deve ser aplicado, especialmente quando a questão não tem resposta clara no sentido positivo (Cf. Ac. RL, de 1.6.2010: CJ, 2010, 3.°-83). O que não pode ser postergado, nem mesmo a pretexto de «a cooperação entre magistrados, mandatários e partes visa, segundo o n." 1, "obter, com brevidade e eficácia, ajusta composição do litígio". Trata-se, pois, de cooperar para que o processo realize a sua função em prazo razoável. Ao explicitarem as linhas mestras da cooperação, os números seguintes permitem distinguir dois planos: a cooperação cm sentido material (n.º 2) e a cooperação em sentido formal (n.º 4), a primeira visando fundamentalmente o apuramento da matéria de facto e a consequente adequação da decisão de direito e a segunda apontando antes para a emanação da decisão em prazo razoável (LEBRE DE FREITAS, Introdução cit., n.º 5 II.8.2 e II.8.3). O n.º 3 pode servir à realização de um e outro dos dois tipos de cooperação» (Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 3ª Edição, p. 26). O que, do mesmo modo, não sai violado.

Assim respondendo negativamente às questões em I.

II.

4.ª Foram diversos os momentos processuais em que o tribunal a quo podia – e devia – ter convidado o ora recorrente a esclarecer quem era, afinal, a namorada - fase da audiência prévia - em que não o fez, ao arrepio do disposto no art. 590.º/4 do CPC; art. 526.º do CPC, mas nem no decurso do julgamento, que se dividiu em duas sessões, o tribunal lançou mão desse seu poder-dever; ao invés daquele que foi o seu procedimento no despacho datado de 31.03.2014, (ref.ª 4050231), o tribunal de 1.ª instância não se serviu do mesmo azimute quanto a esta prova que, a final, se veio a revelar crucial, ou seja, nunca se pronunciou nos autos acerca da indispensabilidade de ouvir aquela pessoa e, não obstante, julgou improcedente o pedido formulado pelo Autor, aqui recorrente - não há como negá-lo.

Neste segmento - e no pressuposto do que já anteriormente se consignou -, aprecie-se que a disposição do art. 508º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil (o juiz convida as partes ... - 590º NCPC) ) determina que o juiz convide as partes a suprir as irregularidades dos articulados, designadamente quando careçam de requisitos legais, ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa. Em qualquer das situações anteriormente contempladas, o convite só tem sentido se as deficiências forem estritamente formais, ou de natureza secundária, não reabrindo a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos fundamentos em que assentam, com vista a obter, por exemplo, novo prazo, nova formulação do pedido, neutralizando a eficácia do princípio processual da preclusão da prática de actos processuais (Ac. STJ, de 20.5.2004: Proc. 04B1218.ITIJ.Net, e CJ/STJ, 2004, 2.°-65).

Assim, pois que o princípio da cooperação deve ser conjugado com o princípio da auto-responsabilidade das partes, que não comporta o suprimento por iniciativa do juiz da omissão de articulação de factos estruturantes da causa. Mesmo o convite ao aperfeiçoamento dos articulados previsto no n.º 3 do art. 508.º do CPC (590º NCPC) não comporta o suprir de omissões do núcleo de facto essencialmente estruturante da causa de pedir (Cf. Ac. STJ, de 21.9.2006: Proc. 06B2772.dgsi.Net).

Tanto mais que a pretensa omissão em causa não corresponde a nenhuma nulidade processual e é insusceptível de censura em recurso. Esse convite apenas pode referir-se - insistindo - a factos que não integrem o núcleo de facto essencialmente estruturante da causa de pedir. A considerar-se, no caso, que tal convite se impunha pela lei - ou seja por corresponder a poder vinculado -, a sua omissão corresponderia a uma nulidade processual geral praticada antes da prolação da sentença e tinha de ser arguida no prazo previsto no art. 205.º (199º NCPC). Porém, tendo o recorrente dado causa a essa hipotética nulidade, não poderia argui-la, nos termos do art. 203.°, n.º 2 (197º NCPC) (Ac. STJ, de 27.11.2007: Proc. 07A39IS.dgsi.Net, e CJ/STJ, 2007, 3.°-161).

Na sua individualidade, o que o disposto no art. 526º NCPC, permite não ultrapassa a dimensão equivalente a, actualmente, impor ao juiz um poder-dever de ordenar a notificação oficiosa de pessoas, não oferecidas como testemunhas, mas quando haja razões para presumir que têm conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa. Este poder, complementar, de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste, não podendo configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos negligentes das partes (Ac. RG, de 4.3.2013: Proc. 293/12.0TBVCT-J.G l.dgsi.Net).

O que, também, significa, alargado o âmbito de aplicação do disposto no art. 645.° do CPC (526º NCPC), abrangendo agora todo o "decurso da acção" (antes, restringia-se ao caso de se reconhecer, "pela inquirição", que determinada pessoa, não oferecida como testemunha, tinha conhecimento de factos importantes para a decisão da causa ...) e consagrou de modo expresso o princípio de que este poder atribuído ao Julgador não é arbitrário mas antes um poder-dever e que terá de usar sempre que a situação concreta assim o justifique (substituiu-se a expressão "pode o tribunal" por "deve o juiz"). A ratio que preside à formulação deste normativo é dar oportunidade ao Juiz de poder proceder às diligências necessárias com vista a obter a necessária informação sobre a situação que está a julgar e que, mercê de circunstâncias que lhe advieram da própria discussão da causa, pela sua novidade as partes já não estão em posição de a elas poderem recorrer. Contudo, este preceito não é de aplicar no caso de se pretender que uma terceira pessoa, não indicada como testemunha, venha confirmar ou infirmar se a afirmação de determinada testemunha em julgamento que depõe directamente ao facto que integra o “quesito” formulado. O depoimento daquela pessoa estranha à lide somente poderia servir para negar a afirmação testemunhada em audiência e que se equaciona de desnecessária se a credibilidade da testemunha depoente se manifesta com a exigível evidência (Ac. RG, de 28.1.2004: Proc. 287/03-l.dgsi.Net, e CJ, 2004, 1.º-279); como foi o caso.

A tudo - também neste horizonte processual -, acresce que a concessão ao tribunal da faculdade de tomar declarações a pessoa não indicada como testemunha, não pode servir para subverter a regras processuais relativas à indicação e produção das provas e ao princípio do dispositivo. Pois que, se acaso o Tribunal fizer um tal uso dessa prerrogativa poderá estar a violar princípios constitucionais fundamentais, inerentes à aplicação da justiça e aos Tribunais, como sejam o da independência, da imparcialidade e da igualdade (Ac. RE, de 4.3.2004: Proc. 2045/03-2.dgsi.Net).

Como elemento de confluência, acresce que quando a lei, no art. 645.°, n.º 1, do CPC (526º NCPC), refere "no decurso da acção" deve entender-se até ao encerramento do julgamento da matéria de facto. E quando aí utiliza a expressão "o juiz deve ordenar" é de entender que se trata de um poder-dever. Não tendo o Autor indicado certa pessoa como testemunha, nem tendo o juiz determinado a audição dessa pessoa, é de presumir que não julgou oportuna, nem vantajosa, a sua inquirição. A ter sido cometida uma nulidade, por não ter sido ordenada a audição em causa, devia - como também já se observou - o recorrente ter reclamado da sua prática, no decurso da audiência de discussão e julgamento, a que esteve presente (representada por advogado), sob pena de se considerar sanada - arts. 201.°, n.º1, e 205.°, do CPC. (Ac. STJ, de 14.11.2006: Proc. 06A3427.dgsi.Net).

Daí ser igualmente negativa a resposta às questões em II.

III.

5.ª Desde logo merece ser reapreciada a prova testemunhal, com gravação, produzida, na medida em que resulta inequívoco dos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, bem como da restante prova produzida nos autos – v. contrato de arrendamento junto, sob doc. n.º 4, por requerimento apresentado a 11.04.2014 - que devia ter sido dado como provado o facto que, na sentença do tribunal a quo, foi dado como não provado.

Na verdade,

6.ª No que concerne à verificação da necessidade do prédio tomado de arrendamento pelos recorridos para habitação do aqui recorrente, apenas foi produzida prova testemunhal por parte do próprio recorrente, pelo que, não tendo sido produzida contraprova, deviam ter sido dados como provados os respetivos factos.

7.ª Atente-se, nesse particular, no depoimento da testemunha do recorrente (…), cujo depoimento se encontra gravado a 22.05.2015, entre as 11:03:09 e as 11:16:33, cfr. registo gravação áudio (sistema digital CITIUS) e ata de audiência de julgamento da sessão de 22.05.2015, com a referência 67481559, que referiu, com relevância, quanto aos pontos 5, 6 e 7 da matéria de facto provada, as transcrições efetuadas no ponto II do presente recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os devidos e legais efeitos, entre os minutos 00:45/00:51, 03:41/03:48, 04:41/04:52, 08:37/08:40, 08:49/09:01, 10:34/10:43; bem como no depoimento da testemunha do recorrente (…), cujo depoimento se encontra gravado a 22.05.2015, entre as 11:34:24 e as 11:58:08, cfr. registo gravação áudio (sistema digital CITIUS) e ata de audiência de julgamento da sessão de 22.05.2015, com a referência 67481559, que referiu, quanto aos pontos 5, 6 e 7 da matéria de facto provada, as transcrições efetuadas no ponto II do presente recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os devidos e legais efeitos, entre os minutos 05:31/05:57, 09:23/09:47.

8.ª Da reapreciação da aludida prova testemunhal gravada conclui-se, com efeito, que a matéria de facto que foi considerada não provada está em flagrante contradição com esses depoimentos prestados, pois das passagens acabadas de transcrever resulta, pelo menos, que o recorrente pretende viver de forma independente e autónoma dos seus pais (e o restante que consta desse facto não provado – rectius que o recorrente carece do prédio identificado no ponto 1. supra para a sua própria habitação - já tinha sido previamente dado como provado pelo tribunal a quo, cfr. ponto 6 da matéria de facto provada), sendo essa dissonância manifesta.

Assim,

9.ª O tribunal ad quem não poderá deixar de conceder provimento ao presente recurso, alterando/acrescentando as respostas à matéria de facto em apreço, com a seguinte formulação: o Autor, que pretende viver de forma independente e autónoma dos seus pais, carece do prédio identificado no ponto 1. para sua própria habitação, o que deve ser dado como provado, deixando, como tal, de haver matéria de facto não provada nos presentes autos (v. art. 662.º/1 do CPC).

Vem consignado, efectivamente, em decisório que, de entre os factos com a mesma relevância não ficou provado que:

“- o Autor pretenda viver com a namorada na cidade de Coimbra, de forma independente e autónoma dos seus pais, e com ela constituir o seu próprio agregado familiar, por isso carecendo do prédio identificado no ponto 1. para sua própria habitação”.

Em função do depoimento das testemunhas do recorrente M... e A ... , deriva do seu elemento referencial - confirmado também de outiva pelo Tribunal da Relação, que nesta circunstância importa destacar, que:

(…)

Em tais termos, tendo em conta o objecto noemático material, convertido em problema judiciário, no presente caso, em termos de compatibilidade absoluta, neste segmento, e para que não persista qualquer tipo de incompatibilidade/contradição ao consignado em probatório, haverá de se alterar a resposta à matéria de facto em apreço, pois onde se consignou:

«não ficou provado que: - o Autor pretenda viver com a namorada na cidade de Coimbra, de forma independente e autónoma dos seus pais, e com ela constituir o seu próprio agregado familiar, por isso carecendo do prédio identificado no ponto 1. para sua própria habitação»,

eliminando tal referencial de consagração, ao considerar, antes, provado, em formulação de correspondência - em função do pedido e da causa de pedir -, que:

O Autor, que pretende viver de forma independente e autónoma dos seus pais, carece do prédio identificado no ponto 1. para sua própria habitação.

Eliminando-se, pois, a matéria de facto por tal fórmula considerada não provada nos presentes autos (v. art. 662.º/1 do CPC).

Assim, pois que, no âmbito do n.º 1 do art. 662º NCPC (modificabilidade da decisão de facto), integram-se as eventuais violações das regras do direito probatório, designadamente nos casos em que tenha sido considerado provado (ou não provado) certo facto, com base em meio de prova considerado insuficiente (v.g. depoimento testemunhal) (Cf. ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, ps. 225 e s.).

Isto porque o princípio da livre apreciação da prova vale em 1.ª e em 2.ª Instância (Ac. STJ, de 3.2.20 II: Proc. 291 104.0TBBRSD.P1.S1.dgsi.Net). Já que o legislador, ao dizer que a Relação aprecia as provas atendendo a quaisquer elementos probatórios, pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de Jurisdição em relação à matéria de facto (e assim se repudiando a posição segundo a qual a actividade da Relação se deve circunscrever a um mero controlo formal da motivação efectuada na 1.ª Instância). Deve, porém, entender-se que tal acontece - que a Relação usa correctamente os seus poderes de alteração/modificação da decisão de facto - quando se alude aos depoimentos testemunhais, se descreve o que de mais relevante se extrai dos mesmos e se confirma (ou infirma) o convencimento assumido pela 1.ª Instância; ainda que não se aluda a todos os meios de prova e argumentos aduzidos no recurso de facto, uma vez que o tribunal "apenas" tem que conhecer de todas as questões juridicamente relevantes e não também de apreciar todas as razões e argumentos usados (Ac. STJ, de 22.2.20 II: CJ/STJ, 2011, 1.°-76).

Deste modo, no uso dos poderes relativos à alteração da matéria de facto, conferidos pelo art. 712.° do CPC (662º NCPC), a Relação deverá formar e fazer reflectir na decisão a sua própria convicção, na plena aplicação e uso do princípio da livre apreciação das provas, nos mesmos termos em que o deve fazer a 1.ª Instância, sem que se lhe imponha qualquer limitação, relacionada com convicção que serviu de base à decisão impugnada, em função do princípio da imediação da prova (Ac. STJ, de 14.2.2012: Proc. 6823/09.3TBBRG.G1.S1.dgsi.Net). O que, pelo modo indicado, se exercita.

O que leva a responder afirmativamente às questões em III.

IV.

Com efeito,

10.ª Tendo sido dado como provado o ponto 7 supra, em face do já referido doc. n.º 4 junto aos autos, só podia ser aquela a conclusão a retirar – a de que, se o recorrente, senhorio, chegada a data em que esperava que os recorridos, arrendatários, desocupassem o locado, na sequência da comunicação que lhes tinha sido feita com aviso prévio para o efeito, se viu confrontado com a necessidade de tomar de arrendamento um quarto para, precariamente, poder satisfazer a sua pretensão de se tornar independente por não ter mais nenhum prédio da sua propriedade que pudesse ocupar para o efeito, é porque carece do prédio que deu de arrendamento aos recorridos para sua própria habitação (cfr. pontos 5 e 6 supra).

Ademais,

11.ª Estabelece o artigo 1101.º, alínea a), do Código Civil, que o senhorio pode denunciar o contrato de arrendamento com base na necessidade de habitação pelo próprio. Ora, perfilhando aqui o entendimento de PINTO FURTADO é indiscutível que o recorrente estaria muito melhor se estivesse a residir na moradia de que é proprietário do que num simples quarto, pelo que é forçoso concluir que se encontra provada a sua própria necessidade de habitação do locado, de onde se extrai que a motivação do Autor em proceder à denúncia do contrato de arrendamento existente se afigura como séria e atual, não sendo por isso legítimo que o mesmo se veja obrigado a manter a sua vida pessoal em suspenso.

12.ª O Recorrente tem 26 anos e uma situação pessoal e económico-financeira estável, pelo que não se alcança a resistência ao desejo legítimo e comum, de independência, a qualquer jovem nas mesmas condições.

De outra perspetiva,

13.ª A peticionada denúncia do mencionado contrato de arrendamento nunca poderia depender de alegadamente não ter ficado provado que a namorada do Autor também não dispõe de habitação própria em Coimbra, pois, como é consabido, não é esse, de todo, o espírito da lei, uma vez que in casu só releva a circunstância de o senhorio, ora Recorrente, não ter há mais de um ano, no respetivo concelho, casa própria que satisfaça as necessidades de habitação (cfr. Art. 1102º, n.º 1, al.b) do Código Civil), facto que foi dado como provado pelo tribunal a quo no ponto 6 da sentença (v., ainda, o ponto 5 da sentença).

14.ª Acresce ainda que o facto de a namorada não conviver com os familiares do Recorrente não pode consubstanciar o argumento de que ela não existe, nem tão pouco colocar em crise a tese de que pretendem viver juntos. Sobretudo, quando a avó, a mencionada testemunha (…), esclareceu – inequivocamente – que apenas conheceria a namorada do neto quando aqueles fossem viver juntos e tivessem “a situação regularizada” e, last but not least, o tribunal não providenciou, ao abrigo dos seus poderes inquisitórios, pela inquirição da testemunha que, a final, julgava ser necessária ao seu esclarecimento – a namorada –, pelo que não podia, de todo, pretender que a prova recaísse sobre factos de que não lhe era lícito conhecer (v. arts. 6.º, 411.º do CPC), o que sempre há de consubstanciar, pelo menos, uma nulidade secundária (art. 195.º/1 do CPC.

*

Resulta, efectivamente, dos pontos 5, 6 e 7 dos factos considerados provados, que:

«5. O Autor, através de carta datada de 26.Junho.2013, comunicou à Ré que “por circunstâncias da minha vida pessoal, dentro de alguns meses pretendo autonomizar-me, saindo de casa de meus pais e criar a minha própria família, pelo que necessito de habitar a casa que actualmente está arrendada a V.Exª, pois não tenho em Coimbra, há mais de um ano, outra casa própria que satisfaça as minhas necessidades de habitação própria. Assim, serve a presente para comunicar a denúncia deste contrato de arrendamento, com base na referida necessidade de habitação por mim próprio” (por documentos de fls. 24 e 25, este respeitante ao aviso de recepção assinado pela Ré);

6. O Autor não tem, no concelho de Coimbra e há mais de um ano com referência à data da propositura da acção, casa própria (por documento de fls. 140 e 141, correspondente a certidão emitida pela Direcção de Finanças de Coimbra/Serviço de Finanças de Coimbra -1, e de fls. 142, correspondente a atestado emitido pela União das freguesias de (...) );

7. Em 1.Janeiro.2014 o Autor e (…) celebraram um contrato denominado de “arrendamento para fins habitacionais com prazo certo”, o primeiro como arrendatário e o segundo como senhorio, tendo por objecto um quarto, com utilização comum de cozinha e casa de banho, da fracção autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao 1º andar trás, do prédio sito na Rua do M ... , n.º 57, mediante o pagamento de uma renda mensal de 130 € (por documentos de fls. 145 e 146, correspondente ao contrato de arrendamento)».

Factualidade que, necessariamente, pressupõe e se acoberta, legitimamente, na circunstância de a densificação legal, a tal respeito, considerar (cf. art. 1101º Código Civil - denúncia pelo senhorio), que o direito à habitação, ou seja, o direito a ter uma morada condigna, como direito fundamental de natureza social, é um direito a prestações. Quer se conceba esse direito como verdadeiro direito subjectivo ou, diferentemente, como direito a uma «prestação não vinculada» ou a uma mera pretensão jurídica, o seu grau de realização depende das opções que o Estado fizer em matéria de política de habitação. Estas são condicionadas pelos recursos materiais (financeiros e outros) de que o Estado, em cada momento, possa dispor. É um direito «sob reserva do possível», que corresponde a um fim político de realização gradual. A concretização do direito à habitação é uma tarefa cuja realização é cometida pela Constituição ao Estado. Fundando-se o direito à habitação na dignidade da pessoa humana, existe um mínimo que o Estado deve sempre satisfazer, para o que pode mesmo impor restrições aos direitos do proprietário privado.

A esta luz devem avaliar-se as normas que subtraem o contrato de arrendamento para habitação ao princípio da liberdade contratual e o possam submeter a renovação automática e obrigatória. A carência de habitação do senhorio, em determinada localidade, e a sua necessidade (real, efectiva) em matéria habitacional, sobrepõe-se à necessidade paralela ou concorrente do inquilino. Salvo no interregno que vai do Dec.-Lei n.º 155/75, de 25-3, até ao Dec.-Lei n.º 293/77, de 20-7, sempre a lei deu primazia ao direito de habitação do senhorio sobre o direito de habitação (ou similar) do inquilino. É razoável que o legislador, colocado perante um conflito de direitos - de um lado, o direito à habitação do senhorio, fundado num direito real próprio, e, por outro, o direito à habitação do inquilino, fundado num contrato de arrendamento, cujo objecto é o imóvel que pertence ao senhorio -, não podendo dar satisfação a ambos os direitos, sacrifique o direito do inquilino ao direito do senhorio. Este tem «melhor direito» do que o inquilino. O sacrifício que o legislador impõe ao direito do locatário deixa, é certo, inteiramente por satisfazer as necessidades deste em matéria de habitação. Tal sacrifício é, no entanto, em absoluto, necessário para que o direito do senhorio a uma habitação própria encontre satisfação.

A solução legal tem, pois, até, declaradamente, suficiente credencial constitucional, não violando o art. 65.º da Constituição (habitação e urbanismo), apesar de o direito de denúncia poder ser exercido sem que o Estado ou as autarquias ponham à disposição do inquilino despejado uma casa equivalente (Cf. Ac. n.º 151/92 do Trib. Const., de 8-4-1992 (Acs. TC, 221.º-647).

Por sua vez, a necessidade do locado para habitação própria do senhorio, enquanto requisito para a denúncia do arrendamento, pode assentarem razões de ordem psico-afectiva como sejam as que evidencia um jovem adulto que se pretende autonomizar da casa dos pais “e se viu confrontado com a necessidade de tomar de arrendamento um quarto para, precariamente, poder satisfazer a sua pretensão, por não ter mais nenhum prédio da sua propriedade que pudesse ocupar para o efeito. Assim carecendo do prédio que deu de arrendamento aos recorridos para sua própria habitação. E que, em alternativa legal e factual, lhe poderá assegurar melhor qualidade de vida singular ou projectiva, em termos de pretendido (mesmo putativo) direito e pretensão a existência dual, com namorada ou com quem pretender. A indagação daquela necessidade deve ser feita de modo objectivo e abstraindo da eventual necessidade de habitação do inquilino, que para o caso não releva (Cf. Ac. RL, 26-10-1999: BMJ, 490.º-311).

Do mesmo modo, não é, mesmo, o facto de poder ter lugar em casa de seus pais, até em boas condições, que será impeditivo do direito de denúncia do arrendamento (Cf. Ac. RE. de 29.4.1999:BMJ, 486º-375º).

Como também não pode ser, nem o será, a circunstância, que se teve por controvertida, de se não haver visualizado, ou ouvido, pessoalmente, uma aludida namorada do recorrente, de quem as testemunhas supra individualizadas referiram ter ouvido este dizer ser sua pretensão ir viver com ela, no local em questão. Não é elemento condicionante, legalmente imposto, nem factualmente relevante. Nem mesmo, no condicionalismo temático, ou de estrutura legal ou processual, poderia assumir qualquer relevância aferir se esta (real, ou possível, namorada) possui condições que possam, eventualmente, garantir morada alternativa para o recorrente. Tal, desde logo, como restrição de inquisitório ou dispositivo, tendo em conta o anteriormente referido e que, aqui, volta a ressumar específica abrangência, na dimensão garantística de se “conceber esse direito como verdadeiro direito subjectivo ou, diferentemente, como direito a uma «prestação não vinculada» ou a uma mera pretensão jurídica”, o seu grau de realização está assegurado legalmente e se comporta em matriz específica, assumida em matéria de política de habitação consagrada. Tanto mais que se consumou a prova da necessidade de habitação por parte recorrente, demonstrado que ficou ter ele, designadamente, tomado de arrendamento um quarto, mediante o pagamento de renda mensal (cf. ponto 7 da matéria dada como assente).

O que, tudo visto, determina, também, acompanhar que:

«Do elenco dos requisitos exigidos para a denúncia do contrato de arrendamento pelo senhorio para sua habitação a necessidade do locado vem emergindo como um macro-requisito ou requisito autónomo dos demais, que podem considerar-se como meras condições de exercício do direito (M. Januário Gomes, Arrendamentos para Habitação, 2ª ed., pág. 297 e Ac. do STJ de 25-01-2007, proferido no Processo nº 06B4373, acessível em www.dgsi.pt).

E é sobre esta necessidade que está (igualmente) centrada a controvérsia nestes autos, já que é pacífico nos autos que se verificam os requisitos (…).

Os contornos do conceito de necessidade vêm sendo definidos pela doutrina e pela jurisprudência, sendo hoje uniforme o entendimento no sentido de que só a necessidade real, séria e actual do locado concede tutela jurídica ao senhorio para denunciar o contrato de arrendamento para sua habitação. Como salienta Pinto Furtado, para que a ruptura do contrato de arrendamento possa acontecer não basta ao denunciante o mero propósito de habitar o prédio arrendado: para ter o direito de desalojar o arrendatário será ainda indispensável, nesta hipótese, como se declara na al. a) do art. 1101 CC, que se verifique uma efectiva necessidade de habitação (Manual de Arrendamento Urbano, vol. II, 4ª ed. Actualizada, Almedina, pág. 917.)

Ao senhorio compete convencer que a sua pretensão corresponde a uma situação de real carência habitacional que só pode ser suprida através da devolução do arrendado, com o sacrifício que tal devolução comporta, na generalidade dos casos, para o arrendatário.

A necessidade terá de resultar de razões ponderosas, que, no conflito de interesses que se gera, farão prevalecer o interesse do senhorio sobre o do arrendatário, devendo apresentar-se com carácter sério e eminente quando seja futura.

 Neste sentido veja-se Galvão Telles, CJ 1983, t. 5, pag. 11, Aragão Seia, Arrendamento Urbano Anotado e Comentado, 4ª ed., pág.s 401 a 403, M. Januário Gomes, loc. citado, e Ac. RE, de 11.12.86, CJ 1986, t 5, pág. 298 e Acs. do STJ de 06.07.2004, de 22.06.2005, e de 25-01-2007, acessíveis em www.dgsi.pt.

Como se escreveu no Ac. do STJ de 6.7.2004, “A necessidade de habitação tem que ser real, séria, actual ou futura, não eventual mas iminente, traduzida em razões ponderosas, não se confundindo com uma maior comodidade e deve corresponder a uma intenção séria de no locado fixar residência, devendo ser apreciada objectivamente em função das condições, vida, interesses e carências do senhorio, sob pena de se poder transformar em mero pretexto para obter a desocupação.

Ocorre essa necessidade quando o estado de carência seja objectivamente motivado por um condicionalismo que, segundo a experiência comum, determinaria a generalidade das pessoas que nela se encontrassem a precisar do arrendado para sua habitação» (cf. Ac. STJ, 21.03. 2012, P. 3774/05.9TBCSC.L1.S1; Relator: Lopes do Rego; também na senda e segundo o entendimento dominante expresso nos Acs. do STJ de 6/7/04 e de 25/1/07, proferidos nos P. 04B2064 e 06B4373, aí referenciados).

Segue-se, deste modo (quanto à autonomia do requisito), a posição largamente maioritária: Alberto dos Reis, Processos Especiais, I, 176, Pereira Coelho, Arrendamento, Direito Substantivo e Processual, Lições Policopiadas de 1988, 273, Galvão Teles, CJ, VIII, 5, 10, Januário Gomes, Arrendamentos para Habitação, 297, Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 7.ª ed., 500, Antunes Varela, RLJ, Ano 118, 95 e os Ac.s do STJ, já de de 22.11.2005, 6.7.2004 e 22.6.2005. Com efeito, se estamos perante um requisito autónomo, temos de indagar o seu conteúdo.

Empreendendo-o, tal como, no Ac. STJ, 25.01.2007, Pº nº 06B4373; Relator: João Bernardo, se sustenta:

«Este requisito vem de muito longe na nossa história de sorte que já há longo tempo se vêm debruçando os autores e a jurisprudência sobre o que – encarado autonomamente – traduz.

Justifica-se, assim, uma resenha, ainda que necessariamente breve, do modo como vem sendo abordado, incluindo nela os exemplos de que os autores se socorrem, por corresponderem a casos da vida com bastantes semelhanças ao nosso.

(…)

Galvão Teles, também no lugar que se referiu, escreveu:

“Assente que o senhorio não tem, na área da situação do imóvel despejando, casa própria ou arrendada, ainda não está inteiramente demonstrada a sua necessidade de habitação. É preciso que ocorra outro pressuposto: que esteja residindo ou pretenda residir naquela área. Se este elemento acrescer à falta de casa arrendada ou própria, está feita a demonstração plena da necessidade de habitação e a acção deve proceder.” E, mais adiante (…):

“O funcionário público transferido do Porto para Lisboa passa a ter necessidade de habitação em Lisboa logo que é despachada a transferência, antes mesmo da sua efectivação. O solteiro que dorme num quarto arrendado e come onde lhe apraz passa a ter necessidade de uma casa onde possa instalar o lar que vai constituir, antes mesmo da celebração do casamento.”

Mais adiante ainda, escreve este Professor:

“Se o senhorio vive em casa emprestada ou em companhia de parentes ou amigos, isso não pode constituir obstáculo à procedência da acção.

Já o vimos.

Mas, em corroboração da conclusão atrás formulada, faça-se ainda a seguinte ponderação, que se impõe por si mesma. Dizer que nas aludidas situações o senhorio não tem necessidade da casa - nestas circunstâncias -, não só é negar-lhe o direito a uma habitação estável e independente, como é pretender resolver à custa de terceiros o conflito de interesses entre ele e o arrendatário.

O terceiro em cuja casa o senhorio vive por favor não ficará legalmente impedido de o forçar a sair dela – o que mostra a precariedade da situação do senhorio. Mas poderá moralmente sentir-se constrangido a não o fazer, pelas relações de parentesco ou de amizade que a ele o unem. E teremos assim que, para permitir ao locatário continuar a viver na casa do locador, se fazem duas vítimas ou dois grupos de vítimas …”

No apontado número da Revista de Legislação e de Jurisprudência, agora a folhas 117, Antunes Varela, comentou uma decisão deste tribunal que se debruçou perante o requisito que vimos abordando relativamente a uma senhoria que vive com os pais e uma filha menor, em situação precária, tendo a mãe e filha de dormir num divã-cama, instalado numa varanda que tiveram de fechar para esse efeito, por os pais necessitarem do resto do andar. E escreveu, a dado passo:

“Mesmo que a caso dos pais dispusesse de espaço bastante para nela viverem filha e neta, e os pais se não opusessem a tal situação, seria intolerável, por contrário ao espírito da lei, que os tribunais quisessem impor à filha o dever de continuar a conviver com os pais, negando legitimidade à sua pretensão de habitar em casa própria, desde que por qualquer razão… ela sinta realmente o desejo de se emancipar de facto da tutela paternal.”

(…)

E também semelhantes às do citado acórdão deste tribunal de 6.7.2004:

“A necessidade de habitação tem que ser real, séria, actual ou futura, não eventual mas iminente, traduzida em razões ponderosas, não se confundindo com uma maior comodidade e deve corresponder a uma intenção séria de no locado fixar residência, devendo ser apreciada objectivamente em função das condições, vida, interesses e carências do senhorio, sob pena de se poder transformar em mero pretexto para obter a desocupação.

Ocorre essa necessidade quando o estado de carência seja objectivamente motivado por um condicionalismo que, segundo a experiência comum, determinaria a generalidade das pessoas que nela se encontrassem a precisar do arrendado para sua habitação.

Para tal efeito, ter casa insuficiente equivale a falta de casa, pelo que a necessidade tanto existe quando se não tem casa alguma como quando se tem uma que se mostra de todo em todo insuficiente.”

Não diferindo substancialmente o que consta do acórdão, também já citado, de 22.6.2005 (revista n.º 2064/04):

“A necessidade só ocorre quando se comprovar um verdadeiro estado de carência motivado por um condicionalismo que, segundo a experiência comum, determinaria a generalidade das pessoas que nele se encontrassem a precisar do arrendado para habitação, devendo portanto ser séria e medida por um critério objectivo, não se podendo confundir com uma simples maior comodidade».

No caso vertente, o quadro factual que o recorrente alegou e logrou provar é, por tais razões, susceptível, por si só, de conduzir ao êxito da sua pretensão, ao contrário do que foi decidido na sentença recorrida.

-

O que, do mesmo modo, e na sequência da anterior, determina resposta afirmativa para as questões em IV.

*

Em excurso, convoque-se o que, em decisório (fls. 230/231) se fez consignar:

«(…) Assim sintetizadas as posições esgrimidas pelas partes nos respectivos articulados configuram-se as seguintes questões a decidir:

 a primeira, prende-se com a determinação do regime aplicável à denúncia do contrato de arrendamento em causa e ao regime da indemnização das despesas efectuadas pelo arrendatário no espaço arrendado;

 a segunda, respeita à verificação dos requisitos da denúncia do contrato de arrendamento para habitação própria do senhorio;

 a terceira, a apreciar apenas na hipótese do preenchimento de tais requisitos, respeita à determinação do valor da indemnização devida pela denúncia e momento do seu pagamento;

 a quarta, respeita ao direito de indemnização dos Réus pelas benfeitorias que hajam realizado no espaço arrendado enquanto locatários.

Também a apreciação desta última questão fica prejudicada atendendo ao preceituado no n.º 6 do artigo 266º do Código de Processo Civil e sabido que, “in casu”, a procedência do pedido reconvencional está dependente da procedência do pedido principal, uma vez que o direito do arrendatário à indemnização das despesas e benfeitorias que haja feito no local arrendado só existe em caso de cessação do contrato de arrendamento e consequente entrega daquele local, configurando-se como um contradireito em relação à pretensão resolutória.

Apreciemos, pois, tais questões».

Sequentemente, e em função dos pressupostos firmados, resultaram apreciadas as duas primeiras (fls. 231 - 238).

Em tal conformidade, de acordo com o sentido da decisão que, agora emana do Acórdão que, nos termos expostos, se profere - e, em função do disposto no art. 266º, nº2 NCPC -, importa conhecer das duas questões, em tais termos remanescentes. A saber:

• determinação do valor da indemnização devida pela denúncia e momento do seu pagamento;

• direito de indemnização dos Réus pelas benfeitorias que hajam realizado no espaço arrendado enquanto locatários.

Quanto à primeira (determinação do valor da indemnização devida pela denúncia e momento do seu pagamento), referencie-se liminarmente, em termos de densificação legal do tratamento atribuído a tal realidade, aqui, também, convertida em problema judiciário, adesão ao raciocínio analítico, esgrimido por Maria Olinda Garcia, Arrendamento Urbano Anotado – Regime Substantivo e Processual (alterações introduzidas pela Lei nº31/2012), 2ª Edição, Coimbra Editora, pp.73, ss, também convertido em elemento de sustentação de posição de parte, por banda dos RR, segundo o qual:

"Ao comunicar, eficazmente, ao arrendatário a sua pretensão de denunciar o contrato, o locador assume a qualidade de devedor de uma "compensação" correspondente a um ano de renda. Embora a lei designe esse pagamento como "indemnização", como as eventuais desvantagens patrimoniais causadas ao arrendatário com a desocupação do imóvel resultam do lícito exercício de um direito do locador, tal hipótese corresponderá a uma indemnização por factos lícitos”.

Em tais termos, e em tal sintonia:

“O objeto da obrigação pecuniária do senhorio não coincidirá necessariamente com o montante da renda mensal paga pelo arrendatário em 12 meses. Nos arrendamentos celebrados antes da entrada em vigor da Lei n.º 6/2006, a base de cálculo não é o valor da renda actualmente paga pelo arrendatário. É, sim, o valor correspondente a uma renda simuladamente corrigida segundo o critério previsto no nº2 do artigo 35º da Lei nº 6/2006 (correspondente a 1/15 do valor locado)."

Assim ponderando, a sua emergência, em expressão quântica, determina acolher, algebricamente, como vem contabilizado, em termos de contraditório, que:

“A renda actualmente paga pelos arrendatários é de € 13,12 mensais;

o valor patrimonial do locado é de € 26.207,25 (Cfr. doc. n.º 1 junto com a contestação, e aqui dado por integralmente reproduzido);

com a renda mensal corrigida, seguindo o critério previsto no nº 2 do artigo 35º da Lei nº 6/2006, a ser de € 145,60;

assim,  determinar que a indemnização devida ao arrendatário se cifra em  € 1.747,20”.

O que, por correspondência, hermenêutica e contabilística, se chancela.

*

No que concerne á (última) questão (respeitante ao direito de indemnização dos Réus pelas benfeitorias que hajam realizado no espaço arrendado enquanto locatários), refira-se que a benfeitoria consiste, no referencial do disposto no art. 216º Código Civil, como a própria palavra indica, no melhoramento ou aperfeiçoamento da coisa, feito por quem a ela está ligado em consequência de uma relação ou vínculo jurídico: posse, locação, comodato, usufruto, etc. (Ac. RP, 9-6-1981: CJ, 1981, 3.°- 152, e P. Lima e A. Varela, C. C. Anot., III, 148).

A doutrina (Manuel Rodrigues, A Posse, 3.ª ed., 1981, págs. 308 e ss.; Oliveira Ascensão, Reais, 4.ª ed., 1983, págs. 112 e ss.; Menezes Cordeiro, Reais, I, 1979, págs. 292 e s.; P. de Lima e A. Varela, C. C. Anot., I, 3.ª ed., pág. 207, e II, 2.ª ed., págs. 42 e ss.) classifica as benfeitorias pela forma seguinte: a) necessárias, úteis ou voluptuárias, segundo os factores referidos no n.º 3 do art. 216. CC; b) naturais ou jurídicas, conforme resultem de actividades materiais - v.g., incorporação de materiais ou de trabalho - ou de operações jurídicas - v.g., o levantamento de uma servidão-; c) separáveis ou inseparáveis, consoante, sendo retiradas, não provoquem, ou provoquem, danos na coisa.

Desta arte, o regime das benfeitorias, no que tem de pacífico pode sintetizar-se nos seguintes pontos: a) as benfeitorias úteis e voluptuárias podem ser levantadas nos termos dos arts. 1273.°-1 e 1275.°-1; b) as benfeitorias necessárias dão lugar a indemnização (art. 1273.°-1), a qual, porém, não pode seguir um regime mais desfavorável para o seu autor do que o das úteis ou voluptuárias (art. 1273.°-2).

Ora, circunstancialmente, sai provado que:

«9. Entre 2.Março.1998 a 21.Junho.2004 a anteproprietária do prédio identificado no ponto 1., (…), foi notificada pela Câmara Municipal de Coimbra para proceder à execução de obras no local arrendado visando resolver as seguintes deficiências: cobertura em mau estado de conservação; desmoronamento da chaminé; fendilhações em paredes exteriores, paredes interiores e rebocos deficientes; anexos no logradouro, ameaçando ruir; portas e janelas em estado deficiente; fortes infiltrações em paredes e tectos interiores; tecto da cozinha significativamente fendilhado devido ao suporte de cargas provenientes, com ameaça de ruína; pavimento pontualmente danificado fissurado e com infiltrações (por documentos constantes de fls. 89 a 119);

10. Das obras enunciadas nessa determinação camarária os senhorios apenas procederam ao arranjo do telhado e das paredes exteriores, à colocação de tectos em “pladur” em três quartos, à reparação de paredes interiores e à colocação de pavimento por cima do chão de madeira;

11. Os Réus arrendatários executaram no prédio identificado no ponto 1. as seguintes obras e reparações: instalação de uma unidade de bombagem; colocação de uma cantoneira, tubos inox e respectivo material de instalação; fechadura; colocação de louças de casa de banho (dois lavatórios, sanita e respectivo tampo, tanque e duas bases para chuveiro) móvel com pedra, espelho com módulo, torneira, bicha em aço, dois casquilhos cromados, uma válvula automática para lavatório, um sifão articulado e um tanque; colocação de um balde de WC inox, um porta rolo, um porta piaçaba, dois cabides cromados e três toalheiros; instalação de um espelho central, três caixas de aplique, oito fios V de 2,5 mm, um comutador de lustre e uma barra de junção, tubos e acessórios; um fixo 37cm+porta compasso, uma peça em mogno; um móvel; uma telha metálica com forquilha e diverso material ROWO (cf. documentos constantes de fls. 42 v.º a 50);

12. Os Réus arrendatários efectuaram obras de reparação do telhado, da casa de banho e no barracão de arrumos, do prédio identificado no ponto 1. (cf. documentos constantes de fls. 51 e 52).

Em absoluto, estruturalmente, com respaldo em se haver assumido, adequadamente, como

«Relevante para a formação da convicção do tribunal em relação à execução pelos Réus de obras no local arrendado, contexto em que foram realizadas e respectivo custo relevaram:

“para além dos documentos feitos constar na enunciação dos correspondentes factos provados, o relatório pericial de fls. 174 a 182 e o depoimento das testemunhas a tal respeito inquiridas.

(…)

-

Tal intensificando, e, consequentemente, não poder deixar de significar, conceptualmente, que a construção de quarto de banho ou a sua renovação, ou melhor adequação a condições normais e indispensáveis de salubridade, na casa objecto do contrato, sempre constitui - no mínimo - benfeitoria útil, pois a ter em vista melhorar as condições de habitabilidade da casa e não evitar a sua perda ou destruição (Cf. Ac. STJ, 26-2-1992: BMJ, 414.°-556).

Sempre considerando que o autor de benfeitorias úteis que pretende indemnização tem que alegar e provar que as mesmas não podem ser levantadas sem detrimento do prédio e que o prédio se acha valorizado como consequência directa e necessária delas (Ac. RL, 30-1-1992: CJ, 1992, 1.º-150).

Assim se evidenciando que os RR o fizeram, alegando, de forma clara, através do elemento narrativo e literal, consubstanciado, designadamente, no ponto 34º da contestação/reconvenção e na expressão arquitectural probatória almejada, que se vem de destacar.. Sendo facto notório que do levantamento das benfeitorias (úteis) realizadas na casa de banho, nos termos consignados, resultaria detrimento para a casa, a determinar a perda de uma valência funcional, na dimensão alcançada, indispensável para satisfação da sua finalidade de utilização, como local de arrendamento para habitação, podendo, efectivamente, reconhecer-se aos RR o direito de exigirem o valor dessas benfeitorias, assim correspondentes. Sem as quais, de resto, resultaria como impossível categórico para o senhorio garantir a aptidão funcional do locado, assegurando ao locatário o gozo desta para os fins a que a coisa se destina, tal como a lei o obriga no art. 1031º do Código Civil (obrigações do locador, enumeração). Nessa vertente, pois, se evidenciando a valorização do prédio como consequência directa e necessária delas.

De resto, não se pode olvidar que, enquanto na sua forma tradicional as benfeitorias são vistas em função da posição do proprietário (defesa e controlo da actividade de terceiros sobre os seus bens), numa visão dinâmica, especialmente adequada ao arrendamento de coisas produtivas, as benfeitorias são perspectivas no interesse geral da produtividade e no estímulo a toda actividade sobre a coisa que aumente as suas potencialidades económicas. Não se admite assim o levantamento das benfeitorias que prejudique a produtividade ou a potencialidade económica da coisa, excluindo-se, consequentemente, que o dono da coisa possa ser único juiz do detrimento!... (Afonso de Melo, TJ, 6.º-313).

Isto dito, mais se acrescente que, num outro raciocínio, verdadeiramente de reforço extensivo, à conceitualização firmada, se chancela, mesmo, que, até, neste pressuposto, as benfeitorias só são de qualificar como necessárias se forem indispensáveis para a conservação da coisa segundo um critério de normal e cuidada gestão presumida do seu dono. Acresce, em todo o caso, que as obras em causa respeitantes à casa de banho serão, mesmo, de considerar benfeitoria necessária se se provar que a sua não realização prejudica o fim específico da coisa (Ac. STJ, 28-5-1986: BMJ, 357.°- 440). O que não deixa - nem deixou - de acontecer, tendo em conta o fim contratual em causa, qual seja o referido de arrendamento para habitação, impondo-se ao senhorio garantir tal finalidade específica (determinada pelo art. 1031º do Código Civil, em termos de enumeração de obrigações do locador).

-

Por sua vez, é fora de dúvida que as obras realizadas em prédio alheio, consistentes na reparação do telhado e na substituição de parte da telha antiga com a finalidade de evitar a infiltração da água das chuvas, constituem benfeitorias necessárias. Sendo que, independentemente da boa ou má fé do possuidor que fez as obras, tem este direito a uma indemnização, a ser calculada segundo as regras do enriquecimento sem causa (Ac. RP, 21-1-1999: BMJ, 483.º-272).

Assim, e como reforço de sustentação ao que s considera, mais fazendo relevar, por insistência, que como fundamento da indemnização por benfeitorias necessárias e benfeitorias úteis, é sempre indispensável alegar quais as obras correspondentes a cada uma das espécies e, ainda, quanto às necessárias, que elas se destinavam a evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; quanto às úteis, que a valorizaram, que o levantamento a deterioraria e quais os respectivos custos e valor actual (Ac. RC, 1-10-1996: BMJ, 460.°-820). O que foi – como dito – empreendido e logrado.

Assim logrando que em matéria de indemnização por benfeitorias, só tem cabimento pretensão com base em enriquecimento sem causa relativamente a benfeitorias úteis que não possam ser levantadas sem detrimento da coisa (n.º 2 do art. 1273.º do Cód. Civil). Em face do disposto no n.º 3 do art. 216.º e da parte final do n.º 2 do art. 1273.º do Cód. Civil, é indispensável alegar, como fundamento de indemnização por benfeitorias necessárias e benfeitorias úteis, quais as obras correspondentes a cada uma das espécies, e ainda, quanto às necessárias, que elas se destinaram a evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa, e, quanto às úteis, que a valorizaram, que o levantamento a deterioraria e qual o respectivo custo (Ac. STJ, 3-4-1984: BMJ, 336.º-420). O que, como se referiu, foi empreendido e logrado, em específica singularidade.

Nesta conformação, não pode deixar se atender aos elementos de correspondência constantes de fls. 42, vº e 50; bem como àqueles outros, de fls. 51 e 52) e 53. (de resto, não infirmadas).

Do mesmo modo, à circunstância atestadora, na expressão, aí assumida, do Relatório Pericial conexo, maxime, de fls. 175 182.

Não podendo deixar de eleger, aceitando por conforme aos materiais, trabalhos e obras empreendidas, que o mesmo é dizer às benfeitorias realizadas, ainda que (no limite…) tipologicamente diferenciadas, o valor de correspondência impetrado.

*

Podendo, deste modo, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº7, NCPC), que:

1.

O excesso de pronúncia configurar um mero vício formal - que não erro de substância ou de julgamento - traduzido em decisão para além dos poderes de cognição do julgador. O que, aqui, não assume perfil. Todavia, ainda que assim tivesse acontecido, a verdade é que as nulidades processuais devem ser arguidas no prazo legal e, em princípio, perante o tribunal onde ocorrem, sob pena de considerarem sanadas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso. Em via de recurso apenas devem ser conhecidas as nulidades processuais cobertas por despacho que sobre elas se tenha pronunciado, a não ser que sejam de conhecimento oficioso. Consequentemente, é intempestiva a arguição de nulidade mediante recurso da sentença final que dela não conheceu, considerando-se sanada tal nulidade.

2.

Não se encontra o juiz obrigado a proceder à inquirição de uma testemunha só porque a parte, que a não apresentou oportunamente, invoca a importância daquela inquirição para a descoberta da verdade.

3.

Em função do que se consagra no art. 7º do NCPC (princípio da cooperação), o dever de conhecimento oficioso de direito pelo tribunal, tem como contraponto o prévio cumprimento do ónus da parte de indicar o direito e cumprir o procedimento que deve ser aplicado, especialmente quando a questão não tem resposta clara no sentido positivo. O que não pode ser postergado, nem mesmo a pretexto de «a cooperação entre magistrados, mandatários e partes visa, segundo o n.º 1, "obter, com brevidade e eficácia, ajusta composição do litígio".

4.

A concessão ao tribunal da faculdade de tomar declarações a pessoa não indicada como testemunha, não pode servir para subverter a regras processuais relativas à indicação e produção das provas e ao princípio do dispositivo. Pois que, se acaso o Tribunal fizer um tal uso dessa prerrogativa poderá estar a violar princípios constitucionais fundamentais, inerentes à aplicação da justiça e aos Tribunais, como sejam o da independência, da imparcialidade e da igualdade.

5.

Como elemento de confluência, acresce que quando a lei, no art. 645.°, n.º 1, do CPC (526º NCPC), refere "no decurso da acção" deve entender-se até ao encerramento do julgamento da matéria de facto. E quando aí utiliza a expressão "o juiz deve ordenar" é de entender que se trata de um poder-dever. Não tendo o Autor indicado certa pessoa como testemunha, nem tendo o juiz determinado a audição dessa pessoa, é de presumir que não julgou oportuna, nem vantajosa, a sua inquirição. A ter sido cometida uma nulidade, por não ter sido ordenada a audição em causa, devia - como também já se observou - o recorrente ter reclamado da sua prática, no decurso da audiência de discussão e julgamento, a que esteve presente (representada por advogado), sob pena de se considerar sanada - arts. 201.°, n.º1, e 205.°, do CPC..

6.

No âmbito do n.º 1 do art. 662º NCPC (modificabilidade da decisão de facto), integram-se as eventuais violações das regras do direito probatório, designadamente nos casos em que tenha sido considerado provado (ou não provado) certo facto, com base em meio de prova considerado insuficiente (v.g. depoimento testemunhal).

7.

No uso dos poderes relativos à alteração da matéria de facto, conferidos pelo art. 712.° do CPC (662º NCPC), a Relação deverá formar e fazer reflectir na decisão a sua própria convicção, na plena aplicação e uso do princípio da livre apreciação das provas, nos mesmos termos em que o deve fazer a 1.ª Instância, sem que se lhe imponha qualquer limitação, relacionada com convicção que serviu de base à decisão impugnada, em função do princípio da imediação da prova. O que, pelo modo indicado, se exercitou.

8.

A carência de habitação do senhorio, em determinada localidade, e a sua necessidade (real, efectiva) em matéria habitacional, sobrepõe-se à necessidade paralela ou concorrente do inquilino. É razoável que o legislador, colocado perante um conflito de direitos - de um lado, o direito à habitação do senhorio, fundado num direito real próprio, e, por outro, o direito à habitação do inquilino, fundado num contrato de arrendamento, cujo objecto é o imóvel que pertence ao senhorio -, não podendo dar satisfação a ambos os direitos, sacrifique o direito do inquilino ao direito do senhorio. Este tem «melhor direito» do que o inquilino. O sacrifício que o legislador impõe ao direito do locatário deixa, é certo, inteiramente por satisfazer as necessidades deste em matéria de habitação. Tal sacrifício é, no entanto, em absoluto, necessário para que o direito do senhorio a uma habitação própria encontre satisfação. A solução legal tem, pois, até, declaradamente, suficiente credencial constitucional, não violando o art. 65.º da Constituição (habitação e urbanismo).

9.

A necessidade do locado para habitação própria do senhorio, enquanto requisito para a denúncia do arrendamento, pode assentarem razões de ordem psico-afectiva como sejam as que evidencia um jovem adulto que se pretende autonomizar da casa dos pais “e se viu confrontado com a necessidade de tomar de arrendamento um quarto para, precariamente, poder satisfazer a sua pretensão, por não ter mais nenhum prédio da sua propriedade que pudesse ocupar para o efeito. Assim carecendo do prédio que deu de arrendamento aos recorridos para sua própria habitação. E que, em alternativa legal e factual, lhe poderá assegurar melhor qualidade de vida singular ou projectiva, em termos de pretendido (mesmo putativo) direito e pretensão a existência dual, com namorada ou com quem pretender. A indagação daquela necessidade deve ser feita de modo objectivo e abstraindo da eventual necessidade de habitação do inquilino, que para o caso não releva.

10.

Do mesmo modo, não é, mesmo, o facto de poder ter lugar em casa de seus pais, até em boas condições, que será impeditivo do direito de denúncia do arrendamento. Como também não pode ser, nem o será, a circunstância, que se teve por controvertida, de se não haver visualizado, ou ouvido, pessoalmente, uma aludida namorada do recorrente, de quem as testemunhas supra individualizadas referiram ter ouvido este dizer ser sua pretensão ir viver com ela, no local em questão. Não é elemento condicionante, legalmente imposto, nem factualmente relevante. Nem mesmo, no condicionalismo temático, ou de estrutura legal ou processual, poderia assumir qualquer relevância aferir se esta (real, ou possível, namorada) possui condições que possam, eventualmente, garantir morada alternativa para o recorrente.

11.

 Tal, desde logo, como restrição de inquisitório ou dispositivo, tendo em conta o anteriormente referido e que, aqui, volta a ressumar específica abrangência, na dimensão garantística de se “conceber esse direito como verdadeiro direito subjectivo ou, diferentemente, como direito a uma «prestação não vinculada» ou a uma mera pretensão jurídica”, o seu grau de realização está assegurado legalmente e se comporta em matriz específica, assumida em matéria de política de habitação consagrada. Tanto mais que se consumou a prova da necessidade de habitação por parte recorrente, demonstrado que ficou ter ele, designadamente, tomado de arrendamento um quarto, mediante o pagamento de renda mensal (cf. ponto 7 da matéria dada como assente).

12.

Ocorre essa necessidade quando o estado de carência seja objectivamente motivado por um condicionalismo que, segundo a experiência comum, determinaria a generalidade das pessoas que nela se encontrassem a precisar do arrendado para sua habitação.

13.

A necessidade de habitação tem que ser real, séria, actual ou futura, não eventual mas iminente, traduzida em razões ponderosas, não se confundindo com uma maior comodidade e deve corresponder a uma intenção séria de no locado fixar residência, devendo ser apreciada objectivamente em função das condições, vida, interesses e carências do senhorio, sob pena de se poder transformar em mero pretexto para obter a desocupação. Ocorre essa necessidade quando o estado de carência seja objectivamente motivado por um condicionalismo que, segundo a experiência comum, determinaria a generalidade das pessoas que nela se encontrassem a precisar do arrendado para sua habitação. Como nos Autos.

14.

O solteiro que dorme num quarto arrendado passa a ter necessidade de uma casa onde possa instalar o lar que vai constituir, antes mesmo da celebração do casamento. Em corroboração da conclusão atrás formulada, faça-se ainda a seguinte ponderação, que se impõe por si mesma. Dizer que nas aludidas situações o senhorio não tem necessidade da casa - nestas circunstâncias -, não só é negar-lhe o direito a uma habitação estável e independente, como é pretender resolver à custa de terceiros o conflito de interesses entre ele e o arrendatário.

15.

No caso vertente, o quadro factual que o recorrente alegou e logrou provar é, por tais razões, susceptível, por si só, de conduzir ao êxito da sua pretensão, ao contrário do que foi decidido na sentença recorrida.

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16.

Ao comunicar, eficazmente, ao arrendatário a sua pretensão de denunciar o contrato, o locador assume a qualidade de devedor de uma "compensação" correspondente a um ano de renda. Embora a lei designe esse pagamento como "indemnização", como as eventuais desvantagens patrimoniais causadas ao arrendatário com a desocupação do imóvel resultam do lícito exercício de um direito do locador, tal hipótese corresponderá a uma indemnização por factos lícitos. Em tais termos, e em tal sintonia: “O objeto da obrigação pecuniária do senhorio não coincidirá necessariamente com o montante da renda mensal paga pelo arrendatário em 12 meses. Nos arrendamentos celebrados antes da entrada em vigor da Lei n.º 6/2006, a base de cálculo não é o valor da renda actualmente paga pelo arrendatário. É, sim, o valor correspondente a uma renda simuladamente corrigida segundo o critério previsto no nº2 do artigo 35º da Lei nº 6/2006” (correspondente a 1/15 do valor locado) (Cf. Maria Olinda Garcia, Arrendamento Urbano Anotado – Regime Substantivo e Processual (alterações introduzidas pela Lei nº31/2012), 2ª Edição, Coimbra Editora, pp.73, ss,).

17.

A benfeitoria consiste, no referencial do disposto no art. 216º Código Civil, como a própria palavra indica, no melhoramento ou aperfeiçoamento da coisa, feito por quem a ela está ligado em consequência de uma relação ou vínculo jurídico: posse, locação, comodato, usufruto, etc. Com a doutrina a classificar as benfeitorias pela forma seguinte: a) necessárias, úteis ou voluptuárias, segundo os factores referidos no n.º 3 do art. 216. CC; b) naturais ou jurídicas, conforme resultem de actividades materiais - v.g., incorporação de materiais ou de trabalho - ou de operações jurídicas - v.g., o levantamento de uma servidão-; c) separáveis ou inseparáveis, consoante, sendo retiradas, não provoquem, ou provoquem, danos na coisa.

18.

Desta arte, o regime das benfeitorias, no que tem de pacífico pode sintetizar-se nos seguintes pontos: a) as benfeitorias úteis e voluptuárias podem ser levantadas nos termos dos arts. 1273.°-1 e 1275.°-1; b) as benfeitorias necessárias dão lugar a indemnização (art. 1273.°-1), a qual, porém, não pode seguir um regime mais desfavorável para o seu autor do que o das úteis ou voluptuárias (art. 1273.°-2).

19.

A construção de quarto de banho ou a sua renovação, ou melhor adequação a condições normais e indispensáveis de salubridade, na casa objecto do contrato, sempre constitui - no mínimo - benfeitoria útil, pois a ter em vista melhorar as condições de habitabilidade da casa e não evitar a sua perda ou destruição.  Sempre considerando que o autor de benfeitorias úteis que pretende indemnização tem que alegar e provar que as mesmas não podem ser levantadas sem detrimento do prédio e que o prédio se acha valorizado como consequência directa e necessária.

20.

Assim se evidenciando que os RR o fizeram, alegando, de forma clara, através do elemento narrativo e literal, consubstanciado, designadamente, no ponto 34º da contestação/reconvenção e na expressão arquitectural probatória almejada, que se vem de destacar. Sendo facto notório que do levantamento das benfeitorias (úteis) realizadas na casa de banho, nos termos consignados, resultaria detrimento para a casa, a determinar a perda de uma valência funcional, na dimensão alcançada, indispensável para satisfação da sua finalidade de utilização, como local de arrendamento para habitação, podendo, efectivamente, reconhecer-se aos RR o direito de exigirem o valor dessas benfeitorias, assim correspondentes.

21.

Sem as quais, de resto, resultaria como impossível categórico para o senhorio garantir a aptidão funcional do locado, assegurando ao locatário o gozo desta para os fins a que a coisa se destina, tal como a lei o obriga no art. 1031º do Código Civil (obrigações do locador, enumeração). Nessa vertente, pois, se evidenciando a valorização do prédio como consequência directa e necessária delas.

22.

De resto, não se pode olvidar que, enquanto na sua forma tradicional as benfeitorias são vistas em função da posição do proprietário (defesa e controlo da actividade de terceiros sobre os seus bens), numa visão dinâmica, especialmente adequada ao arrendamento de coisas produtivas, as benfeitorias são perspectivas no interesse geral da produtividade e no estímulo a toda actividade sobre a coisa que aumente as suas potencialidades económicas. Não se admite assim o levantamento das benfeitorias que prejudique a produtividade ou a potencialidade económica da coisa, excluindo-se, consequentemente, que o dono da coisa possa ser único juiz do detrimento!...

23

Isto dito, mais se acrescente que, num outro raciocínio, verdadeiramente de reforço extensivo, à conceitualização firmada, se chancela, mesmo, que, até, neste pressuposto, as benfeitorias só são de qualificar como necessárias se forem indispensáveis para a conservação da coisa segundo um critério de normal e cuidada gestão presumida do seu dono.

24.

 Acresce, em todo o caso, que as obras em causa respeitantes à casa de banho serão, mesmo, de considerar benfeitoria necessária se se provar que a sua não realização prejudica o fim específico da coisa. O que não deixa - nem deixou - de acontecer, tendo em conta o fim contratual em causa, qual seja o referido de arrendamento para habitação, impondo-se ao senhorio garantir tal finalidade específica (determinada pelo art. 1031º do Código Civil, em termos de enumeração de obrigações do locador).

25.

Por sua vez, é fora de dúvida que as obras realizadas em prédio alheio, consistentes na reparação do telhado e na substituição de parte da telha antiga com a finalidade de evitar a infiltração da água das chuvas, constituem benfeitorias necessárias. Sendo que, independentemente da boa ou má fé do possuidor que fez as obras, tem este direito a uma indemnização, a ser calculada segundo as regras do enriquecimento sem causa.

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IV. A Decisão:

Pelas razões expostas, concede-se provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, por se julgar a presente acção de despejo procedente por provada, em consequência:

a) declarar a cessação da situação jurídica de arrendamento, em virtude da demonstrada necessidade de habitação do local arrendado por parte do Autor;

b) condenar a Ré a abandonar o locado até sessenta (60) dias após o trânsito em julgado da decisão final nos Autos proferida (uma vez que o peticionado ao dia I de Janeiro de 2014 se mostra ultrapassado);

c)     mais condenando a Ré a pagar as rendas que se forem vencendo até à entrega do imóvel, no montante mínimo de 78,72€.

Por sua vez, em conformidade, julgando procedente o pedido reconvencional, subsidiariamente formulado, julgada que foi, nos termos expressos, procedente a acção, fixa-se a indemnização a que se refere o art. 1102º, nº1, do Código Civil, em € 1.747,20, condenando-se, ainda, os reconvindos a pagar aos RR. o valor de  € 8.646,25, a título de indemnização pelas benfeitorias necessárias, feitas pelos reconvintes, no locado

Custas por recorrente e recorridos em partes iguais, fixando-se a taxa de justiça, individualmente, em 3 UC..

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António Carvalho Martins ( Relator )

Carlos Moreira

Moreira do Carmo