Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
710/14.5PCCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: INEXISTÊNCIA DE DOLO
AUSÊNCIA DE CULPA
Data do Acordão: 12/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 14.º E 17.º DO CP
Sumário: I - Age sem dolo e sem culpa o arguido que:
- No momento da prática dos factos se encontrava visivelmente alcoolizado, com arrastamento da voz, pupilas dilatadas, alguma lentidão na locomoção, um bocado cambaleante e olhar cintilante.

- Apresentava uma taxa de álcool no sangue de cerca de 3,79 g/l.

- E que as suas declarações foram logo na altura relativizadas pelos agentes da PSP presentes face ao aparente estado de embriaguez do arguido.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência, na 4ª Secção (competência criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra.

I

            1. Nos autos de processo comum supra identificados em que é arguido

A..., casado, empresário (jurista), filho de (...) e de (...) , nascido em 04/12/1979, natural da freguesia da Sé Nova, município de Coimbra, residente na Rua (...) Lisboa,

Imputando-lhe o Ministério Público  a prática, como autor material e em concurso real, de um crime de desobediência, previsto e punido pelos art.ºs 348.º, n.º 1, al. a), 69.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, e 152.º, n.ºs 1, al. a), e 3, do Código da Estrada, e de um crime de corrupção activa, previsto e punido pelo art.º 374.º, n.º 1, do Código Penal, nos termos dos factos descritos no referido despacho

Foi o mesmo julgado e, a final, decidido,

            Pelo exposto, julgo procedente por provada a acusação (nos termos delineados no despacho de pronúncia) e, consequentemente, condeno o arguido, A... , casado, empresário (jurista), filho de (...) e de (...) , nascido em 04/12/1979, natural da freguesia da Sé Nova, município de Coimbra, residente na Rua (...) Lisboa, pela prática, como autor material e em concurso real, de um crime de desobediência, previsto e punido pelos art.ºs 348.º, n.º 1, al. a), 69.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, e 152.º, n.ºs 1, al. a), e 3, do Código da Estrada, e de um crime de corrupção activa, previsto e punido pelo art.º 374.º, n.º 1, do Código Penal, respectivamente, nas penas de 3 (três) meses de prisão e de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão.

            Mais condeno o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, de qualquer categoria, nos termos do art.º 69.º, n.ºs 1, al. c) e 2, do Cód. Penal, com referência aos art.ºs 348.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, e 152.º, n.ºs 1, al. a), e 3, do Código da Estrada, pelo período de 1 (um) ano.

            Operando o cúmulo jurídico dessas penas parcelares, cuja soma material corresponde a 1 (um) ano e 11 (onze) meses de prisão e considerando conjuntamente os factos provados e o que se apurou acerca da personalidade do arguido, nos termos do art.º 77.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Penal, condeno o arguido na pena única de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, mantendo-se, atento o disposto no art.º 77.º, n.º 4, do Cód. Penal, a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, de qualquer categoria (art.º 69.º, n.ºs 1, al. c) e 2, do Cód. Penal, com referência aos art.ºs 348.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, e 152.º, n.ºs 1, al. a), e 3, do Código da Estrada) pelo período de 1 (um) ano.

            Vistas as circunstâncias acima mencionadas e relativas ao arguido, nos termos dos art.ºs 50.º, n.ºs 1 e 5, do Cód. Penal, o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada ao arguido pelo período de 1 (um) ano e 10 (dez) meses.

2. Desta decisão recorre o arguido. Formula o mesmo as seguintes conclusões.

2.1. A douta decisão recorrida, não fez a correta interpretação dos factos e a adequada aplicação do Direito, pelo que o Recorrente está convicto de que Vossas Excelências, reapreciando a situação factual e subsumindo-a nos comandos legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar a decisão ora recorrida, ordenando a sua substituição por outra que corrija a pena concretamente aplicada, e reponha a justiça;
            2.2. Com o devido respeito, entende o Arguido que o Tribunal a
quo valorou de forma errada a prova produzida em sede de julgamento, o que impõe necessariamente a sua reformulação;
            2.3. Assim, em estrita obediência à forma processualmente exigida para a impugnação da matéria de facto, e de modo a facultar aos Venerandos Desembargadores os meios necessários à formação da sua própria convicção, o Recorrente discriminou detalhadamente quais os factos que considera terem sido incorretamente julgados, fazendo referência aos concretos elementos probatórios que impõem um julgamento diverso.  

2.4. Na verdade, o tribunal a quo desconsiderou injustificadamente o teor literal do Auto de Notícia bem como toda a prova testemunhal produzida em julgamento no que diz respeito ao evidente e visível estado de embriaguez em que o Arguido se encontrava no momento da prática dos factos, bem como ignorou ostensivamente toda a prova que inequivocamente foi produzida no sentido de que os agentes da autoridade relativizaram as afirmações que o Arguido terá produzido, precisamente em função do seu estado de embriaguez;     

2.5. O Tribunal a quo lavra num clamoroso erro lógico que reside no circunstância (aparentemente simplista) de entender não poder dar como provado que o arguido se encontrava visivelmente alcoolizado aquando da prática dos factos, uma vez que, se assim fosse, não estaríamos perante um crime de desobediência, mas sim de condução de veículo em estado de embriaguez;
            2.6. Ora, é muito diferente dar como provado que o Arguido se encontrava visivelmente alcoolizado, e dar como provado qual a concreta taxa de alcoolemia que o Arguido teria rio momento da fiscalização;
            2.7. Como é sabido, a partir do momento em que a lei apenas incrimina a condução efetuada acima de uma concreta e determinada taxa de álcool no sangue, para se incorrer no crime pp. no artigo 292.0 n.º 1 do CP, não basta provar que o agente se encontra alcoolizado, tendo que se fazer prova de que essa taxa é igual ou superior a 1,2g/l de álcool no sangue.           

2.8. No caso concreto, todas as testemunhas que estiveram presentes no ato de fiscalização ( B... ; C... e D... ), referiram perentoriamente que o Arguido se encontrava visivelmente alcoolizado, e que tal era facilmente perceptível para qualquer observador comum — facto comprovável pela consulta do Auto de Notícia e pelos depoimentos melhor discriminados na parte 1 das alegações de recurso cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido;

2.9. De igual forma, as testemunhas de acusação confirmaram nos seus depoimentos aquilo que já haviam registado aquando da elaboração do Auto de Notícia, ou seja, que relativizaram as declarações do Arguido face ao aparente estado de embriaguez em. que se encontrava — facto comprovável pela consulta do Auto de Notícia e pelos depoimentos melhor discriminados na parte 1 das alegações de recurso cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido;

2.10. Razão pela qual o Tribunal a quo deveria ter dado como provados os seguintes factos relevantes:
            a) “Aquando da prática dos factos o Arguido encontrava-se visivelmente alcoolizado.”
            b) “As declarações do Arguido foram relativizadas pelos agentes da autoridade face ao aparente estado de embriaguez do Arguido.”         

2.11.Como se alcança, a aplicação do direito efetuada na sentença recorrida assenta sobre pressupostos errados, que não se adequam à prova produzida em audiência, o que conduz necessariamente à distorção das premissas factuais que vieram a merecer acolhimento, e sobre as
quais naturalmente incidiu uma desadequada aplicação do direito, que assim se repudia;
            2.12.0 Arguido vinha acusado de ter proferido a seguinte afirmação perante os agentes de autoridade que efetuaram a fiscalização rodoviária:  
“Eu pago o que for preciso para não ser submetido ao teste... eu não posso é ser detido...”      2.13.A sentença recorrida deu como provado que tal afirmação terá sido produzida pelo Arguido, e que, através dela, o mesmo terá querido dizer que atribuía aos agentes da PSP “quantia em dinheiro”, que “considerassem suficiente”, para “impedir que levassem por diante a sua obrigação, ocultando o sucedido, deixando de elaborar o respetivo expediente e mandando-o em liberdade” (cfr. factos 11 e 12 dados como provados); 

2..14. Ora, face à reformulação da matéria de facto que se requereu supra, o Recorrente entende que alegada afirmação, ainda que seja dada como provada, não era suscetível de ser considerada idónea para o preenchimento do ilícito típico do crime de corrupção ativa;
            2.15.Na verdade, ainda que tal afirmação tenha sido produzida, e face ao estado de alcoolemia em que se encontrava, jamais qualquer destinatário de elementar discernimento jamais poderia tomá-la como sendo “declaração séria”;
            2.16.A única razão plausível para que os agentes policiais tenham relativizado tal afirmação
é o facto do Arguido se encontrar notória e visivelmente embriagado, ao ponto de as suas declarações não
poderem ser consideradas inidóneas para constituir promessa séria de vantagem ilícita, suscetível de perigar o cumprimento das suas obrigações;  

2.17. Note-se que não há outra interpretação possível para o significado da “relativização” efetuada pelos agentes da autoridade, que não seja a de não terem atribuído qualquer valor ao conteúdo dessas declarações;

2.18. Qualquer normal destinatário estaria em condições de perceber que as declarações prestadas por quem se encontrava naquelas circunstâncias não poderiam conter um sentido esclarecido, suscetível de criar no seu receptor a hipótese da sua aceitação ou rejeição;

2.19. Seria diferente se os agentes da autoridade tivessem relatado no auto de notícia e nos seus depoimentos que, perante a formulação do aliciamento, o mesmo teria sido prontamente recusado, o que significaria que teriam levado a sério a existência de uma peita criminosa;
            2.20.Ora, não é isso que o auto de notícia refere, nem foi isso que os agentes da PSP relataram nos seus depoimentos;  

2.21. Pelo contrário, confirmaram que as declarações do Arguido resultavam da sua visível e ostensiva circunstância de embriaguez;

2.22. E nem se diga que esse estado ébrio se terá dissipado ao ponto dos agentes da PSP poderem, num momento posterior, considerar que a proposta poderia já ser suscetível de ser considerada idónea e que já não seria “a bebedeira a falar”;   

2.23.Isto porque, segundo o depoimento dos próprios agentes, o lapso temporal em questão se situou entre 20 a 30 minutos e que, durante esse período, o Arguido manteve esses sinais inequívocos de se encontrar sob a influência do álcool; 

2.24.Também a testemunha H... , técnico forense, foi perentório ao afirmar que no lapso temporal de 20 a 30 minutos é impossível alguém reverter um estado de embriaguez;
            2.25.Motivo pelo qual, de acordo com a correta aplicação da teoria da causalidade adequada ao caso concreto, não é possível afirmar que, nas circunstâncias de facto apuradas, o Arguido pudesse formular uma promessa séria fosse do que fosse, a ponto de o seu destinatário a considerar idónea para aceitação ou recusa;     

2.26. Na verdade, a relativização efetuada pelos agentes da autoridade tem o sentido inequívoco de que os mesmos não atribuíram qualquer importância, ou conteúdo intencional, às interjeições que o Arguido proferia num tom de voz arrastado e cambaleante;         

2.27. Pelo que vem de ser dito, o Recorrente entende existir manifesto e flagrante erro de julgamento efetuado pelo Tribunal a quo, precisamente pelo facto de ter ignorado e omitido ostensivamente este relevante circunstancialismo na decisão proferida.
            2.28. Muito se estranha que o Tribunal
a quo, ao invés de se ter pronunciado sobre matéria desta relevância (que foi extensamente debatida em audiência e que tem correspondência literal no auto de notícia), tenha preferido valorar a marca do veículo em que seguia o Arguido, como fator decisivo para apreciar o “significado das declarações”;        

2.29.E mesmo que se entenda existir dúvida (que não há) sobre se as circunstâncias em que as declarações do Arguido foram proferidas permitiam integrar uma peita idónea para o preenchimento do ilícito típico, ainda assim o Arguido teria que ser absolvido, uma vez que a prova produzida só pode ser tida como suficiente quando seja apta a ultrapassar a barreira do in dubio pro reo;
            2. 30. Ora, quanto a esta matéria, não se crê que esta barreira tenha sido ultrapassada, pelo que melhor andará este douto Tribunal se, analisando de forma isenta a prova recolhida, entender que a mesma está decisivamente ferida da dúvida legítima;
            2.31.Sendo que em boa verdade não parece sequer haver dúvidas de que a expressão constante do facto n.º 11 dado como provado, associada aos factos cuja prova se requereu no ponto 1 das alegações de recurso, não era idónea para suscitar nos seus destinatários, sequer, a hipótese da sua aceitação ou rejeição; 

2.32. Razão pela qual se requer aos Venerando Desembargadores que, procedendo à devida valoração da matéria de facto e subsumindo-a nos comandos legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de absolver o Arguido do crime de corrupção ativa, p.p. pelo artigo 374.° n.º 1 do Código Penal;  

2.33.Sem prejuízo do que se expôs supra quanto ao crime de corrupção ativa - relativamente ao qual se pugna pela absolvição do Arguido — não se alcança o fundamento pelo qual o Tribunal recorrido optou por aplicar uma pena privativa da liberdade quanto ao crime de desobediência;
            2.34.Na verdade, é o próprio Tribunal recorrido que admite ser circunstância atenuante o facto do Arguido: “Não possuir antecedentes criminais pela prática de crimes da mesma natureza dos ora sob julgamento”;
            2.35.De igual forma o Tribunal a
quo deveria ter valorado a circunstância atenuante dos factos terem sido praticados num enquadramento verdadeiramente excecional - a despedida de solteiro do Arguido - bem como a postura colaborante e de arrependimento, manifestada pelo Arguido em todo o processo;
            2.36. Razão pela qual, face aos elementos constantes do processo, e sobretudo à circunstância do Arguido ser primário neste tipo legal de crime, parece-nos manifestamente desadequada, por excessiva, a aplicação de uma pena privativa da liberdade; 

2.37. E ainda que assim não se entenda, o que se equaciona por mero dever de patrocínio, cumpre recordar que foi o próprio Tribunal a quo que questionou o Arguido sobre se o mesmo aceitaria a possível substituição da pena por prestação de trabalho a favor da comunidade — tendo o Arguido prestado de imediato o seu acordo;

2.38. Razão pela qual não se compreende a opção de suspensão da execução da pena de prisão por igual período, a qual se revela, uma vez mais, excessiva face às penas que têm vindo a ser aplicadas pelos Tribunais em situações semelhantes, afigurando-se a multa como pena idónea à satisfação das necessidades de prevenção geral e especial presentes no caso concreto;
            2.39. Pelo que, ao assim não ter considerado, a decisão em crise fez uma incorreta interpretação dos factos e desadequada aplicação do Direito, designadamente dos artigos 374.° nº 1 do Código Penal e 77•0, que violou, devendo por isso, ser revogada e substituída por outra que absolva o Arguido da prática do crime de corrupção ativa, e que substitua a pena aplicada ao crime de desobediência por outra não privativa da liberdade.

Nestes termos e nos melhores de direito, requer-se aos Venerandos Desembargadores que, procedendo à devida retificação e valoração da matéria de facto e subsumindo-a nos comandos legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de absolver o Arguido do crime de corrupção ativa, pp. pelo artigo 374.° nº 1 do Código Penal, e substituindo a pena aplicada ao crime de desobediência por outra não privativa da liberdade.

O que se requer aos Venerandos Desembargadores, que não deixarão de acorrer à realização da JUSTICA.

3. O Ministério Público respondeu dizendo em síntese:

Pelas razões expendidas, deverá ser negado provimento ao recurso e mantida nos seus precisos termos a douta decisão recorrida.        

A sentença encontra-se devidamente fundamentada.   

E mostra que foi feita uma rigorosa e precisa apreciação da prova.

Não foi violado o princípio «in dubio pro reo». 

A pena de prisão aplicada ao arguido traduz uma equilibrada e adequada aplicação dos critérios estabelecidos nos arts. 400, 470, 70° e 71° do Código Penal.

Não foram violadas quaisquer normas legais, nomeadamente a dos arts. 400, 41°, 70°, 71° e 374°°, n°1 do Código Penal, 127° do Código de Processo Penal e 18°, n° 2 e 32°, n° 2 da Constituição da República Portuguesa.

Vossas Excelências, Senhores Desembargadores, negando provimento ao presente recurso, farão JUSTIÇA

4. Nesta Relação, o Ex.mº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer pugnando igualmente pela improcedência do recurso.

            5. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

            II         

São os seguintes os factos dados como provados e não provados na sentença recorrida:

            A) DOS FACTOS PROVADOS:

            Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:

            1 – No dia 12 de Abril de 2014, pelas 07H20, na denominada rotunda “Papa João Paulo II”, via pública, em Coimbra, o arguido conduzia o veículo automóvel com a matrícula MQ... ;

            2 – Nessa ocasião, foi determinado que parasse pelo subcomissário da PSP B... e pelo agente desta mesma força policial C... ;

            3 – Os quais se encontravam fardados com o uniforme oficial;

            4 – E efectuando fiscalização de trânsito;

            5 – Ao ser submetido ao exame qualitativo de pesquisa de álcool através do ar expirado, o arguido acusou um teor de álcool no sangue de 3,79 g/l.;

            6 – De cujo resultado teve conhecimento imediato;

            7 – Por tal facto, foi, nesse momento, conduzido até à 2.ª Esquadra da PSP de Coimbra;

            8 – Onde lhe foi ordenado que se submetesse ao exame de pesquisa de álcool no sangue através de análise do ar expirado, mediante aparelho “quantitativo”;

            9 – O arguido foi advertido pelo oficial e pelo agente da PSP de que, se não efectuasse o exame, incorreria na prática de um crime de desobediência;

            10 – O arguido não fez o referido exame, recusando-se a submeter-se ao mesmo;

            11 – Ao mesmo tempo que afirmava, repetidas vezes: “Eu pago o que for preciso para não ser submetido ao teste… eu não posso é ser detido”;

            12 – Querendo com isto significar que atribuía aos elementos da PSP quantia em dinheiro que considerassem suficiente para impedir que levassem por diante a sua obrigação, “ocultando” o sucedido, deixando de elaborar o respectivo expediente e mandando-o em liberdade;

            13 – O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que não acatava ordem que lhe tinha sido regularmente transmitida e proferida por quem para tal tinha legitimidade;

            14 – E que, como condutor, estava obrigado a submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool;

            15 – E com o propósito de recompensar os elementos da PSP pela libertação que pretendia, determinando-os a contrariar os deveres a que estão vinculados;

            16 – Sabendo o arguido, igualmente, que, daquela forma, os mesmos estariam a violar os deveres que sobre eles impendiam enquanto membros daquela força de segurança pública, de isenção e zelo, colocando em causa a imparcialidade e eficácia daquele serviço estatal, com a inerente afectação da autoridade e credibilidade da administração do Estado;

            17 – Sabia o arguido que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;

            18 – O arguido tem averbadas ao seu registo criminal as seguintes condenações:

Data da Sentença Data do Trânsito em Julgado Crime(s) Normas Penais Data da prática dos factos Pena
14/01/2009 03/02/2009 Condução de veículo em estado de embriaguez 292.º, n.º 1, do Código Penal 20/12/2008 60 dias de multa à razão diária de € 7,00 e pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 3 meses
28/02/2013 28/02/2013 Condução de veículo em estado de embriaguez 292.º, n.º 1, do Código Penal 27/01/2013 80 dias de multa à razão diária de € 6,00 e pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 6 meses

            19 – O arguido tem averbadas ao seu registo individual do condutor as contra-ordenações constantes de fls. 114 e ss., cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido;

20 – O arguido é jurista de formação, trabalhando como empresário no ramo industrial, em Angola, obtendo o rendimento mensal de cerca de USD $3.000,00;

            21 – É casado;

            22 – A mulher do arguido tem a profissão de arquivista, auferindo o salário mensal de cerca de € 850,00, encontrando-se, presentemente, na situação de licença sem vencimento;

            23 – Não tem filhos.


*

            B) DOS FACTOS NÃO PROVADOS:

            Não se consideraram provados os seguintes factos:

            1 – O arguido não tinha condições de perceber o alcance ou implicações do que estava a dizer;

Não se provaram outros factos com relevo para a decisão da causa.

           

                                                                              III

            Questões a apreciar:

            1. Impugnação da matéria de facto.

            2. O não cometimento do crime de corrupção ativa.

3. A medida concreta da pena.

4. A eventual aplicação da pena de PTFC (prestação de trabalho a favor da comunidade).

   IV

            Apreciando:

            1ª Questão: impugnação da matéria de facto.

            1. Entende o recorrente que, para além do factualismo que o Tribunal recorrido deu como provado, devem ainda dar como provados os dois seguintes factos:

            a) “Aquando da prática dos factos o Arguido encontrava-se visivelmente alcoolizado.”
            b) “As declarações do Arguido foram relativizadas pelos agentes da autoridade face ao aparente estado de embriaguez do Arguido.”         

Fundamenta a sua pretensão, por um lado, na virtualidade de tais factos ajudarem a compreender e a fundamentar melhor a sua posição de defesa quanto à não prática do crime de corrupção por que foi condenado. Por outro, porque tais fatos resultam de prova produzida em audiência.

            Alega, para o efeito, os seguintes elementos probatórios que constam dos autos:

            A testemunha de acusação B... referiu expressamente a minutos 02:14” a 02:19” e 07:48” a 07:53” que no momento da fiscalização o Arguido se encontrava visivelmente alcoolizado.
            A mesma testemunha concretizou ainda que tal constatação se aferia pelo
“arrastamento da sua voz”; “pupilas dilatadas” e “lentidão na locomoção”: cfr. depoimento a minutos 06:30” a 06:52”.
            De igual forma, a testemunha de acusação C... referiu expressamente a minutos 02:25” a 02:35” que o Arguido
apresentava sinais evidentes de estar alcoolizado.
            A mesma testemunha concretizou ainda que tal constatação se aferia pela
“voz arrastada”; “olhar avermelhado cintilante” e “cambaleante”: cfr. depoimento a minutos 02:45” a 03:00”.

Ainda quanto a esta concreta matéria, cumpre referir que é o próprio auto de notícia que refere expressamente o seguinte:

            “Este discurso foi por mim e pelos restantes elementos policiais relativizado face ao estado de aparente embriaguez que o detido teria (...)“

Na sequência do facto anterior, cumpre ainda salientar que não só as testemunhas referiram que o Arguido se encontrava visivelmente embriagado, como foram unânimes em afirmar que as declarações proferidas pelo Arguido foram, por esse facto, relativizadas.

Confronte-se a este título o depoimento dos agentes da PSP B... a minutos 03:10” a 03:15”, e C... a minutos 03:10” a 03:27”.

Acresce que tal circunstância é, uma vez mais, confirmada pelo teor literal do auto de notícia que refere:
            “Este discurso foi por mim e pelos restantes elementos policiais
relativizado face ao estado de aparente embriaguez que o detido teria (...)“

2. Ouvidos os respetivos depoimentos no CD da gravação da prova junto aos autos, dos mesmos consta efetivamente o seguinte: 

            2.1. A testemunha B... , sub-comissário da PSP afirma que o arguido “aparentava estar algo embriagado” – mn 2,14. “Aparentava alguns sinais, arrastamento de voz, pupilas dilatadas, alguma lentidão na locomoção…temos dezenas de casos destes…” – mn 6,30.

            Quanto à expressão de que “pagaria o que fosse necessário para não se submeter ao teste, afirma a testemunha que “foi relativizada essa situação…” – mn 3,10. E explicita que “foi relativizada porque não estava a dar importância…” – mn 9,30.

            Já a testemunha C... , agente da PSP em Coimbra, também é explícito no seu depoimento:

            O arguido “saiu da viatura um bocado cambaleante, evidenciava sinais de alcoolizado, voz arrastada, olhar cintilante…” – mn 2,30.

            Quanto à expressão do arguido de que “pagava o que fosse preciso…derivado à situação também não houve uma grande empolação porque ele estava nitidamente embriagado…” mn 3,10 a 3,25.

            3. Face a estes dois depoimentos, credíveis e desinteressados, do Sr. Subcomissário e do agente da PSP, dúvidas não ficam de que na verdade, o arguido apresentava evidentes sinais de alcoolemia. Sinais que estão bem descritos pelas duas testemunhas.

            O que não admira porque, como consta ainda do processo, foi feito ao arguido o teste de “despistagem” ou seja, o exame qualitativo para averiguar a presença ou não de álcool no sangue e o resultado foi de 3,79g/l.

            Com certeza que, juridicamente e tecnicamente, o que vincula é o resultado do teste quantitativo, no dito aparelho aprovado e calibrado. Mas tal não significa que, para o que de momento releva, que este teste qualitativo não deva ser valorado para estes efeitos. É a própria testemunha B... Subcomissário da PSP que explicita que a diferença entre os aparelhos qualitativo e quantitativo se traduz essencialmente o qualitativo ser portátil e não emitir talão. Mas quanto ao resultado do exame, se for feito no mesmo momento, a discrepância é mínima – mn 16,04 a 16,37. Eventual diferença resulta sobretudo porque os dois exames são realizados em momentos temporais diferentes.

            No que respeita ao significado que as testemunhas deram à expressão do arguido e que se traduz na sua “relativização”, para além do depoimento já assinalado, tal menção é expressa no próprio auto de notícia – assinado pelo autuante B... -, aí se descrevendo que “ este discurso foi por mim e pelos restantes elementos policiais relativizado, face ao estado de aparente embriaguez que o detido teria…”. 

            Nestes termos, existe fundamento para acrescentar ao factualismo provado os dois fatos referenciados pelo recorrente, com o seguinte teor:

            a) “No momento da prática dos factos o Arguido encontrava-se visivelmente alcoolizado, com arrastamento da voz, pupilas dilatadas, alguma lentidão na locomoção, um bocado cambaleante e olhar cintilante .”

b) “As declarações do Arguido “Eu pago o que for preciso para não ser submetido ao teste… eu não posso é ser detido”; foram logo na altura relativizadas pelos agentes da PSP presentes face ao aparente estado de embriaguez do Arguido.”

            2ª Questão: o não cometimento do crime de corrupção ativa.

            1. O tribunal a quo fez o seguinte enquadramento jurídico dos factos com vista à condenação do recorrente pelo crime de corrupção ativa:

         b) Do crime de corrupção activa:

            Tendo em vista a tutela da autonomia intencional do Estado, com as suas “exigências de legalidade, objectividade e independência que, num estado de Direito, sempre têm de presidir ao desempenho das funções públicas[1], O art.º 374.º, n.º 1, do Cód. Penal, sanciona criminalmente o comportamento de “Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro por indicação ou com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim indicado no n.º 1 do artigo 373.º” (a prática de qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo).

            O acto de o arguido afirmar, aos elementos policiais, “eu pago o que for preciso para não ser submetido ao teste… eu não posso é ser detido”, querendo, com isso significar que atribuía aos mesmos quantia em dinheiro que considerassem suficiente para impedir que levassem por diante a sua obrigação, “ocultando” o sucedido, deixando de elaborar o respectivo expediente e mandando-o em liberdade, consubstancia uma promessa a funcionário (na acepção normativa do art.º 386.º, n.º 1, do Cód. Penal) de uma vantagem patrimonial que ao mesmo não é devida.

            Repare-se que o crime se consuma “com o simples oferecimento ou promessa de suborno por parte do agente, independentemente de a reacção do funcionário se traduzir numa atitude de aceitação ou de repúdio[2].

            E o fim visado pela promessa é, precisamente, a prática de um acto contrário aos deveres do cargo dos visados elementos da PSP, pois que sobre os mesmos incumbia não apenas proceder à fiscalização da condução sob influência de álcool, nos termos do art.º 153.º do Cód. da Estrada, mas, também, de, perante a constatação da prática de crime, de levantar o respectivo auto de notícia, a fim de dar início ao procedimento criminal, em conformidade com os art.ºs 241.º, 242.º e 243.º do Cód. Penal.

            Retomando o autor citado, “tento o conteúdo de sentido subjacente à infracção, a conduta do agente deve mostrar-se idónea para conduzir a aceitação do funcionário e, assim, a lesão do bem jurídico. Aí radica o "desvalor de acção" em que se esgota o ilícito característico da corrupção activa […] Posto isto, os requisitos da teoria da adequação tem de manifestar-se a dois níveis: não só a respeito do "modo" ou "meio" usado para comunicar a proposta de suborno ou a anuência a solicitação do funcionário, que deve consubstanciar veículo idóneo para fazê-las chegar ao seu conhecimento, mas também no concernente ao aspecto "quantitativo" da peita, que deve ser suficiente, de acordo com a experiência comum e do sector de actividade, para produzir a aceitação do destinatário”5.

            Ora, de acordo com a chamada teoria da adequação (também designada por teoria da causalidade adequada), com acolhimento no art.º 10.º, n.º 1, do Cód. Penal, levando-se a cabo um juízo de prognose póstuma, reportado ao momento da realização da acção, é normal e previsível, segundo as regras gerais da experiência, que a promessa de uma soma monetária, ainda que não concretamente quantificada, tendo em consideração o respectivo contexto – que, aparentemente, seria relevante – mostra-se idónea a produzir a aceitação por parte do oficial e do agente da PSP.

            Tendo actuado de forma deliberada e consciente, sabendo da punibilidade da sua conduta, encontra-se presente, no arguido, o dolo directo – art.º 14.º, n.º 1, do Cód. Penal.

            Cometeu, por conseguinte, o arguido, como autor material, o crime de corrupção activa, do qual se encontrava acusado”.

            2. Por sua vez, o recorrente sobre este aspecto, nas conclusões nºs 12 a 32, supra reproduzidas e que nos dispensamos de o fazer de novo, explicita os motivos por que entende que o recorrente não cometeu este crime de corrupção.

            Efetivamente, tudo passa pela valoração que deve ser dada à afirmação do recorrente “Eu pago o que for preciso para não ser submetido ao teste... eu não posso é ser detido...” , quer na perspectiva objectiva quer subjetiva.

            E pensamos que a interpretação e valoração desses dois elementos se mostra conexa, no presente caso.

            Antes de mais, temos que nos colocar na situação concreta em que o recorrente proferiu a expressão: “encontrava-se visivelmente alcoolizado, com arrastamento da voz, pupilas dilatadas, alguma lentidão na locomoção, um bocado cambaleante e olhar cintilante .”
            E ainda que, feito ao arguido o teste de “despistagem” ou seja, o exame qualitativo para averiguar a presença ou não de álcool no sangue, o resultado foi de 3,79g/l.

            Estes dois elementos objectivos são suficientemente reveladores – pese embora não tivesse sido feito o teste quantitativo ao arguido – de que o recorrente quando proferiu e repetiu a expressão, se encontrava, não embriagado mas sim completamente embriagado.

            Esta embriaguez é revelada não só pelos sinais visíveis e reconhecidos pelas testemunhas, agentes da PSP, nos termos já analisados, mas também pelo resultado do teste qualitativo para detetar a presença de álcool no sangue feito ao arguido.

            E não se diga que este teste não é vinculativo ou pode produzir efeitos jurídicos, uma vez que não foi feito o teste quantitativo.

            Não o pode apenas, juridicamente, para avaliar a alcoolemia concreta do arguido para efeitos do artigo 292º, do Código Penal. Pois a lei obriga ao cumprimento de determinados requisitos legais. Desde logo, para além do teste dever ser realizado num aparelho diferente, com emissão do respectivo talão, aprovado e calibrado para o efeito, tem de se proceder ainda à dedução legal na alcoolemia, conforme o resultado obtido. E para efeitos do artigo 292º, do Código Penal, apenas este resultado conta.

            Mas agora estamos a avaliar a conduta do arguido apenas na perspectiva de percepcionar o verdadeiro alcance e resultado daquela conduta, no modo de agir, nomeadamente quanto ao seu grau de lucidez e vontade livre e consciente em agir e pretender determinado resultado independentemente de quaisquer consequências.

            É a própria testemunha B... Subcomissário da PSP, que explicita que a diferença entre os aparelhos qualitativo e quantitativo se traduz essencialmente em o qualitativo ser portátil e não emitir talão. Mas quanto ao resultado do exame, se for feito no mesmo momento, a discrepância é mínima. Eventual diferença resulta sobretudo porque os dois exames são realizados em momentos temporais diferentes.

            E, nesta perspectiva, não nos merece concordância a conclusão do tribunal a quo.

            O circunstancialismo em que o recorrente proferiu a expressão é por demais revelador de que o mesmo não tinha o domínio ou discernimento minimamente necessário para se poder dizer que estava a agir consciente e voluntariamente.

            Vem-se entendendo e temo-lo afirmado em alguns acórdãos que, associados a taxas de álcool de valor superior a 1,8g/l surgem os fenómenos de alterações visuais, confusão mental, desequilíbrio, dificuldade na fala e distúrbios da sensação.

            Com uma taxa de álcool no sangue de cerca de 3,79g/l, o arguido estava praticamente numa situação de “coma alcoólico”. Pelo que não raras vezes os agentes dos factos, nestas situações, nem se “lembram” da prática dos factos.

            Em termos objectivos, não se questiona a ocorrência dos factos. E estivesse o arguido na plenitude das suas faculdades de discernimento, valoração e compreensão, de vontade, não se discutiria a não verificação do crime em causa.

            Mas no caso concreto, não se pode aceitar que, no estado de alcoolemia em que se encontrava, que o tribunal a quo considere que o arguido tinha a capacidade necessária para perceber e controlar a sua vontade.

            A propósito da matéria de facto que deu como provada, afirma o julgador a quo:

            “O significado das expressões extrai-se não apenas dos depoimentos das aludidas testemunhas, como do próprio circunstancialismo dos eventos. Repare-se que o arguido conduzia um veículo de luxo, com uma marca, como correntemente se diz, “premium”, e de veículos vincadamente desportivos, não económicos em termos de gastos com combustível (cfr. auto de notícia, onde se identifica o veículo). Por outro lado, apresentou-se como jurista e relatou alguns episódios ocorridos em Angola e com a polícia angolana, conforme referiu, espontaneamente, a testemunha B... . Portanto, aparentava tratar-se de cidadão abastado, que entregaria aos elementos da polícia o que eles estabelecessem como “preço” para deixarem o arguido seguir o seu caminho.

            Aliás, tal atitude alcança maior credibilidade à luz do passado criminal e contra-ordenacional do arguido, com diversas condenações pela prática de crimes e infracções estradais.

            Quanto à vontade de acção e consciência da ilicitude, são elementos que decorrem do próprio circunstancialismo dos eventos, não sendo plausível outra conduta que não a deliberada ou que o arguido desconhecesse a respectiva censurabilidade penal, tanto mais que advertido expressamente pelos agentes policiais de que incorreria na prática de crime de desobediência caso se recusasse submeter-se às provas para detecção do estado de influenciado pelo álcool. Por outro lado, é do geral conhecimento dos cidadãos a censurabilidade penal da corrupção, portanto, forçosamente, também, do arguido, mais sendo o mesmo jurista de formação, conforme referiu.

            …

            Sendo embora certo que o arguido disse encontrar-se muito alcoolizado, na sequência da comemoração da sua despedida de solteiro, factualidade corroborada pelas testemunhas seus irmãos e amigo, E... , D... , e F... , bem como pela testemunha G... , mulher do arguido e que compareceu ulteriormente na esquadra da PSP, não é crível que o mesmo, consumidor regular de bebidas alcoólicas (em ocasiões sociais, como asseguraram as mencionadas testemunhas), como bem o espelha o seu passado de infracções rodoviárias, se encontrasse em um estado tal que o impedisse de avaliar as situações e de, livremente, se determinar. Com efeito, o arguido revelou uma memória “selectiva” quanto ao sucedido, justificando-a com o seu estado de embriaguez, todavia, foi capaz de exercer a condução, de narrar episódios de Angola e de, insistentemente, procurar furtar-se à realização do exame de pesquisa de álcool no sangue, chegando a afirmar, também, que não era o arguido quem conduzia o veículo, conforme narraram os ouvidos elementos da PSP.

            Da conjugação de tudo isto resulta a imperiosa conclusão de que o arguido tinha suficiente consciência do seu comportamento e capacidade bastante para se determinar”. 

            3. Parece-nos que nesta decisão são feitas algumas afirmações temerárias, pretendendo retirar conclusões de situações que não as permitem.

            Não está em causa a maior ou menor capacidade financeira do arguido, que ao que parece é razoável. Nem a marca do veículo que conduzia. Nem o fato de o arguido ter relatado episódios de Angola. O arguido não estava prostrado e incapacitado de falar, pelo menos naquele momento. Se estivesse e se eventualmente se tivesse “deitado” no chão, como foi perguntado a dado momento à testemunha pelo julgador a quo, a situação até poderia ser mais fácil de decidir.

            O que não significa que o arguido tivesse revelado qualquer memória “selectiva”. E temerário será dizer que o mesmo estava capaz de exercer a condução.

            Um indício, em nosso entender, de que o arguido não estava capacitado para percepcionar o real significado da sua conduta, traduz-se precisamente na circunstância de o mesmo ter proferido e repetido a expressão, várias vezes.

            Se se tratasse de uma declaração/expressão com discernimento e séria, não estaria o arguido a “repetir”, tal expressão. Aliás, a repetição das expressões é característico de alguém embriagado.

            Como refere a nossa “sabedoria popular”, tantas vezes já proferida e repetida, nestas situações “quem fala é o vinho”. No caso, seria o álcool, pois não se apurou a bebida concreta ingerida.

            De resto, como resulta dos autos, os senhores agentes, desde o início, não tomaram esta declaração como uma declaração séria. Daí o terem afirmado que “ relativizaram a situação face ao aparente estado de embriaguez do Arguido.”

            Ou seja, os próprios agentes perceberam que o arguido estava a proferir e a repetir tal expressão manifestamente influenciado e determinado pelo álcool, não o tendo levado a sério. Nem se sentiram minimamente perturbados e ofendidos com a afirmação do arguido, não reagindo, nada dizendo, nada fazendo, como seria de fazer ou esperar que fizessem, noutra situação, se esta expressão tivesse sido proferida noutro circunstancialismo e percepcionada pelos senhores agentes como séria e se proferida por alguém na plenitude da sua vontade e conhecimento.

            Por todo o exposto, não se aceita a conclusão do Tribunal recorrido de que “ da conjugação de tudo isto resulta a imperiosa conclusão de que o arguido tinha suficiente consciência do seu comportamento e capacidade bastante para se determinar”. 

            Pelo contrário, o que se infere e resulta é que o arguido no momento em que proferiu a expressão não tinha suficiente consciência do seu comportamento nem capacidade bastante para se determinar. Tudo aponta para um agir em situação de “inimputabilidade”

            Ao agir nesta concreta situação, não pode afirmar-se que o arguido tinha consciência da ilicitude nem que agiu com dolo.

            Logo, por falta do elemento subjetivo deste tipo de crime, não pode o arguido ser condenado pela sua prática, devendo antes dele ser absolvido.

           

            3ª Questão: a medida concreta da pena.

            Afastada a prática do crime de corrupção ativa pelo arguido, perde parte do interesse a apreciação da questão da medida concreta da pena, na medida em que o recorrente se manifestou sobretudo quanto à pena deste tipo de crime.

            Resta, todavia, ainda, a pena do crime de desobediência, crime que o arguido não coloca em crise. Mas sempre se manifesta quanto à aplicação da pena de prisão, embora suspensa. Sendo certo que esta pena foi fixada pelo Tribunal recorrido em conexão com a pena do crime de corrupção ativa.

            Assim, apreciar-se-á apenas a pena do crime de desobediência.

            Para dizer que não merece censura, face aos já antecedentes criminais do arguido, por dois crimes de condução sob o efeito de álcool, conforme resulta do seu certificado de registo criminal, em que lhe foi aplicada a pena de multa, que a aplicação desta, de novo ( a multa), já não satisfaz de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, como exige o artigo 70º, do Código Penal.

            Assim, mantém-se a opção pela pena de prisão.

            Que, atendendo à gravidade da situação, às necessidades da prevenção quer geral (que é acentuada) quer especial, dado os já antecedentes do arguido, numa moldura penal de um mês a um ano de prisão, a pena de três meses mostra-se mais que justificada.

           

            4. O passo seguinte será a opção pela aplicação da pena substitutiva. Ou manter a suspensão da execução desta pena de prisão. Ou substituí-la por pena de multa ao abrigo do artigo 43º, do Código Penal[3]. Ou, finalmente, como reivindica o recorrente, aplicar-lhe a pena de PTFC (prestação de trabalho a favor da comunidade).    

           

Temos entendido que a gravidade da conduta de um agente (arguido) vai crescendo à medida que as situações se repetem, o que reclama, consequentemente, a aplicação de sanção igualmente crescente na sua gravidade. De tal modo que pode e deve estabelecer-se uma estreita relação entre a gravidade da conduta e a consequente pena aplicada. Sendo a pena de prisão efetiva, por enquanto, a pena mais grave do nosso sistema processual penal, o último reduto de aplicação de pena quando todas as demais falharam[4].

Parece-nos que a opção pela pena de multa deve ser afastada, pois que o arguido foi já condenado por duas vezes nesta pena, a título principal e tal facto não o inibiu de praticar novo crime. Digamos que o recorrente pagou a multa e nada mais sentiu, para além do eventual esforço de a pagar.

Pelo que entendemos que a pena de multa já não cumpre as finalidades da punição.

Ora, a pena de PTFC pode e tem, na prática, um efeito persuasivo e pedagógico que numa primeira abordagem parece não ter.

Com a PTFC o recorrente vai sentir de perto, o carácter punitivo desta pena: o recorrente vai sentir a perda, durante o período de duração da pena, do seu tempo livre, em que poderia ou lhe apeteceria exercer outra atividade, fora do seu horário normal de trabalho. E sobretudo, o recorrente vai ter contacto com a comunidade e, segundo a pena que lhe irá ser aplicada, com doentes/acidentados e politraumatizados[5], que vai ter, espera-se, um efeito preventivo geral e especial acentuado, bem como, espera-se, que desenvolva um maior sentido de responsabilidade. Responsabilidade no sentido da gravidade da condução sob o efeito de álcool e dos riscos e perigos que tal condução pode acarretar.

Para além deste pressuposto material, in casu verificam-se também os pressupostos formais do artigo 58º, do Código Penal :

- Existe consentimento do condenado.

- A pena aplicada é de três meses sendo certo que pode ser aplicada a penas até 2 anos de prisão.

5. Tempo de duração da PTFC:

No termos do artigo 58º, nº 3, do Código Penal, cada dia de prisão é substituído por uma hora de trabalho, até um máximo de 480 horas.

 Sendo a pena de 3 (três) meses de prisão, ou seja, 90 dias (3x30), corresponder-lhe-ão 90 horas de trabalho, a prestar nos termos do disposto no nº 4 do mesmo preceito.

V

Decisão

Por todo o exposto, decide-se conceder provimento ao recurso do arguido A... e, consequentemente:

1. Absolve-se o mesmo do crime de corrupção ativa em que foi condenado.

2, Substitui-se a pena de prisão em que foi condenado pelo crime de desobediência (três meses), pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, pelo período de 90 (noventa) horas, a prestar nos termos do disposto no nº 4 do artigo 58º do Código Penal.

3. Pelo menos parte desta PTFC deve ser prestada em Instituição, de preferência Hospital, com serviço de politraumatizados e serviços de doente/acidentado em resultado de acidentes rodoviários, período a definir pelo Instituto de Reinserção Social.

4. Mantém-se a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 1 (um) ano, que aliás não foi objecto de recurso.

Sem custas.  

Coimbra, 2.12.2015.

                (Luís Teixeira - relator)

                (Vasques Osório - adjunto)


[1] A. M. Almeida Costa – Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, pp. 661 e 681
[2]A. M. Almeida Costa – Ob. cit., p. 682.

[3] Pois, conforme temos vindo a entender, a não opção pela pena de multa principal ao abrigo do artigo 70º do Código Penal não é impedimento de, nesta fase e por esta via aplicar a pena substitutiva de multa, que sempre terá natureza e regime de cumprimento daquela pena de multa aplicada a título principal, nomeadamente em caso de não pagamento da respetiva multa.

[4]Estamos com certeza a falar de pequena criminalidade em que são aplicadas penas curtas de prisão ou outras e não de criminalidade grave ou violenta em que uma primeira condenação pode justificar de imediato a aplicação da pena de prisão efectiva.


[5] Pois embora o arguido não tenha sido condenado por condução em estado de embriaguez, a desobediência resulta precisamente pela sua recusa a ser submetido à realização do teste para o efeito.