Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
182/09.6GASPS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: SUBSTITUIÇÃO DE PRISÃO POR MULTA
NÃO CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 05/04/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE SÃO PEDRO DO SUL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 43º, DO C. PENAL
Sumário: - Sendo o arguido condenado em pena de prisão substituída por multa dispõe de 15 dias para a pagar (art. 489º, nº 2, do CPP);
- Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença (art. 43º, nº 2, do C. Penal), devendo ser notificado da decisão de substituição;
- Após essa notificação, pode ocorrer uma de duas situações:
a) Se o condenado provar que a razão de não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão ser suspensa por um período de um a três anos, subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro (arts. 43º, nº 2 e 49º, nº 3, 1ª parte, do C. Penal).
Se não cumprir os deveres ou regras de conduta que lhe forem impostos, é executada a prisão. Se os cumprir, findo o período de suspensão a pena é declarada extinta.
b) Se após a notificação do despacho que determinou o cumprimento da pena de prisão e até ao respectivo trânsito em julgado o condenado nada requerer, é ordenada a passagem de mandados de captura para cumprimento da pena, precludindo a possibilidade de requerer a suspensão.
Decisão Texto Integral:
I – RELATÓRIO:

No processo sumário que correu termos pelo Tribunal Judicial de São Pedro do Sul e que originou os presentes autos de recurso em separado, o arguido AM... foi condenado pela autoria material de um crime de desobediência p. p. pelos arts. 69º, nº 1, al. c) e 348º, nº 1, al. a), ambos do Código Penal, por referência ao art. 152º, nºs 1, al. a) e 3, do Código da Estrada, na pena de 4 (quatro) meses de prisão substituída por 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), no total de € 600,00 (seiscentos euros).
Não tendo o procedido ao pagamento da multa, foi revogada a pena de multa de substituição e determinado o cumprimento da pena de prisão aplicada na sentença, por despacho com o seguinte teor:
“Pela prática de um crime de desobediência, p. p. pelos artigos 69º, nº 1, al. c) e 348º, nº 1, al. a), ambos do C. Penal, por referência ao disposto no artigo 152º, nº 1, al. a e 3 do Código da Estrada, foi o arguido AM...condenado na pena de 4 (quatro) meses de prisão substituída por 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia de € 600,00 (seiscentos euros).
Notificado para proceder ao pagamento da multa, o arguido não o veio fazer, não justificou a sua omissão, sendo que o pagamento coercivo não se mostra viável, atenta a ausência de valor dos bens a penhorar.
O arguido não requereu igualmente a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade.
Como assim, e em face da ausência de pagamento ou de qualquer justificação para a sua omissão, determina-se o cumprimento da pena de 4 meses de prisão em que o arguido foi condenado (artigo 43º, nº 2, do C. Penal).
Notifique e após trânsito abra novamente conclusão.
(…)

Após trânsito, foi proferido novo despacho com o seguinte teor:
Passe e entregue mandados de detenção contra o arguido AM... a fim de que o mesmo cumpra os 4 (quatro) meses de prisão determinados na sentença de fls. 25 a 36, dando-se cópia do presente despacho ao arguido na altura da detenção, conforme o determina o preceituado no art. 258º, nº 1, do Código de Processo penal, devendo explicar-se ao detido as razões que determinaram a privação da sua liberdade, uma vez que toda a pessoa provada de liberdade deve ser informada imediatamente e de forma compreensível das razões da sua prisão ou detenção. Mais deve o detido ser informado de que a detenção se efectua para cumprimento da pena de prisão que lhe foi aplicada nestes autos, de acordo com o preceituado no art. 27º da Constituição da República Portuguesa, que consagra o princípio geral de que ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido com pena de prisão.

Conforme resulta de fls. 20, a GNR, em cumprimento do mandado, deteve o condenado, mas restituiu-o à liberdade por aquele ter procedido ao pagamento da quantia referente ao valor da multa.
Mediante promoção do M.P. foi então proferido novo despacho com o seguinte teor:
Dos autos resulta que:
- O arguido AM... foi condenado, pela prática de um crime de desobediência, na pena de quatro meses de prisão, pena esta que foi substituída por 120 dias de multa à taxa diária de 5 euros, num total de 600 euros.
- O referido arguido não procedeu ao pagamento de tal pena de multa, nem justificou tal omissão;
- Não tendo sido possível cobrança coerciva da multa, foi determinado (por decisão judicial já transitada em julgado - v. fls. 87 a 93-v) que o arguido cumprisse aquela pena principal de quatro meses de prisão a que foi condenado.
- Em consequência, foram emitidos os respectivos mandados de detenção contra o arguido e remetidos os mesmos para cumprimento à GNR de São Pedro do Sul.
- Contudo, este OPC em vez de cumprir com os referidos mandados de detenção e conduzir o arguido ao estabelecimento prisional para que aquele cumprisse tal pena de prisão, veio a libertar o arguido. após este ter pago aquela pena de multa de substituição, no montante de 600 euros - v. fls. 100 a 102.
Ora, como bem salienta o Ministério público na douta promoção que antecede, a lei é bem clara ao referir no art. 43°, nº2 do Código Penal que se "a multa não for paga o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença ", não sendo admissível, portanto, o pagamento da pena de multa que substituí a pena de prisão, após se determinar o cumprimento da pena principal de prisão por não pagamento de tal pena de multa de substituição - Cfr. neste sentido, entre outros os Acs, da RC. de 3/02/10 e da R de Guimarães, de 14/09/09 e de 6/10/09, todos em www.dgsi.pt.
Assim sendo, conclui-se não existir qualquer fundamento para o não cumprimento dos mandados de detenção em questão, assim como para o recebimento do montante de seiscentos euros entregue pelo arguido para pagamento de tal pena de multa de substituição.
Nestes termos, e pelos motivos expostos, determino a emissão de novos mandados de detenção contra o arguido AM..., para cumprimento da pena principal de prisão em que aquele foi condenado nestes autos, em cumprimento do já decidido a fls. 87.
Mais determino a restituição ao arguido do montante de seiscentos euros por aquele entregue à GNR de São Pedro do Sul aquando da sua detenção.
(…)

O condenado veio então requerer a suspensão da execução da pena de prisão que lhe havia sido imposta, nos termos previstos no art. 49º, nº 3, do Código Penal, tendo sido ouvidas as testemunhas que arrolou e efectuado relatório social. De seguida, foi proferido despacho com o seguinte teor:
Através do requerimento de fls. 123 e ss. veio o arguido peticionar a suspensão da execução da pena de prisão imposta, a título principal, nestes autos, a qual fora, logo em sede de sentença condenatória, substituída por 120 dias de multa, à taxa diária de 5 euros, num total de 600 euros. Funda-se, normativamente, no regime prevenido no art° 49°, n° 3, ex vi do art° 43°, n° 2, ambos do CP.
Alega não ter efectuado o pagamento da multa em função da sua situação de desemprego, que já ocorre há cerca de 2 anos, e pelo facto de não auferir qualquer prestação de natureza social - cfr., designadamente, os artigos 5°, 13° e 23° do requerimento em apreço.
Foi elaborado o relatório sumário de fls. 147 a 149, e ouvidas as testemunhas arroladas pelo arguido (cfr. a acta de fls. 156 e s.).
O Digno Magistrado do MP emitiu parecer a fls. 158 e s ..
Cumpre decidir:
A propósito da questão em apreço, e ainda que lucubrando em ambiente normativo ligeiramente díverso (versão originária do CP de 1982), aponta Figueiredo Dias que a solução então dada ao problema do não pagamento da multa (sendo hoje a solução prevenida no art° 49°, n° 3), pressuporá" ... seguramente (n)uma deterioração fortuita das condições económico-financeiras do condenado após a condenação ... ", acrescentando aquele autor que tal solução tinha ainda justificação numa paralela deterioração das condições pessoais para o condenado cumprir os dias de trabalhos sucedâneos, com os quais tenha concordado (ao abrigo da dita versão originária a multa não paga, voluntária ou coercívamente, seria primacialmente substituída pelo número correspondente de dias de trabalho - cfr. o arte 47°, nºs 1 e 2 daquela dita versão) - Figueiredo Dias, in Direito Penal Português As consequências jurídicas do crime, 145.

Recorre o condenado deste despacho, retirando da motivação do recurso as seguintes conclusões:
a) O Recorrente não teve oportunidade de ser ouvido previamente ao despacho que decidiu a conversão da multa não paga (em prazo) em cumprimento da pena de prisão.
b) Tal facto constitui nulidade insanável nos termos da al. c) do artigo 119º do CPP.
c) Equivalendo a ausência prevista no artigo 119º al. c) do CPP, não só á ausência física do arguido quando ele deva estar presente, mas também á sua ausência processual, em casos em que necessariamente lhe deveria ser dada a hipótese de contradizer e expor os seus argumentos, mormente no que tange a decisões que pessoalmente o afectem.
d) Sendo declarado nulo o despacho que determinou o cumprimento da pena de prisão ao recorrente, impõe-se a sua libertação imediata.
e) Nos termos do artigo 97º do CPP, todos os actos decisórios têm que ser fundamentados, o que não sucede com o despacho recorrido,
f) Enfermando este de falta de fundamentação de facto e de direito,
g) Não se percebe corno é que o Tribunal chega á conclusão de que o recorrente não viu paulatinamente degradar-se a sua situação económica e financeira com a situação de desemprego prolongado que vive.
h) Pois não fundamenta o seu raciocínio, apenas concluindo que se já se encontrava desempregado quando foi proferida sentença, e se ainda está na mesma situação, então a sua situação não piorou, manteve-se apenas.
i) Resulta das regras da experiência, da vivência do dia-a-dia de quem sofre a situação de desemprego prolongado, que tal facto agrava gradualmente a respectiva situação económico-financeira.
j) Do texto do Despacho recorrido conjugado com as regras da experiência comum, resulta que a decisão enferma de erro notório na apreciação da prova.
k) Impondo decisão diversa da recorrida, as declarações prestadas pelas testemunhas PS…, CL… e AA.., com depoimentos gravados em CD, respectivamente, das 14h03m42s as 14h09m13s, 14h11m37s ás 14h15m43s e das 14h17m38s ás 14h25m01s.
l) O Tribunal "a quo" não aborda, ainda que perfunctoriamente, os requisitos previstos na lei penal para a suspensão da execução da pena de prisão, sendo que, não faz qualquer referência, nomeadamente aos seus pressupostos.
m) A suspensão ou não, da execução da pena terá que resultar da apreciação pelo Tribunal dos pressupostos gerais de suspensão, ou seja, aqueles previstos no artigo 50º do CP, e não apenas daqueles previstos no artigo 49º nº 3 do CP.
n) O Tribunal" a quo limitou-se, para a sua decisão, a considerar provado que a situação de desemprego do recorrente não piorou a sua situação económico-­financeira porque já estava desempregado à data da sentença.
o) O que é, na modesta opinião do recorrente, manifestamente insuficiente para fundamentar o indeferimento da suspensão da execução da pena de prisão ao recorrente.
p) O Supremo Tribunal tem vindo a entender, de forma pacífica, tratar-se a suspensão da execução de um poder-dever, de um poder vinculado do julgador, tendo o tribunal sempre de fundamentar especificamente, quer a concessão quer a denegação da suspensão.
q) Basear a recusa da suspensão da execução da pena de prisão, na mera situação fáctica de desemprego e na conclusão da não alteração para pior, dessa situação, não basta para fundamentar a decisão de não suspensão da execução da pena de prisão.
r) A carência de prisão efectiva não se apresenta manifesta, sendo de conceder urna oportunidade ao arguido, constituindo a substituição/suspensão da pena um sério aviso e urna solene advertência no sentido de que o recorrente terá de pautar a sua vida de acordo com a lei,
s) O Tribunal recorrido não justifica, a incompatibilidade entre as finalidades de prevenção geral e especial, e a suspensão da execução da pena de prisão ao recorrente.
t) Violou o Despacho recorrido os artigos 32° nº 1 da CRP, 61º, nº 1 al. b) do CPP, devendo ter-se ouvido o recorrente previamente á decisão que lhe impôs o cumprimento da pena de prisão, uma vez que tais normativos impõem o respeito pelas garantias de defesa do arguido e do principio do contraditório sempre que o Tribunal deva tomar decisões que pessoalmente o afectem.
u) A violação de tais normativos, quando se traduzam numa autêntica ausência processual do arguido no procedimento que conduz á decisão que lhe restringe a liberdade, conduz a uma nulidade insanável nos termos do artigo 119º al. c) do CPP.
v) Violou o despacho recorrido o dever de fundamentação previsto no artigo 97° do CPP, tendo-se limitado a fazer uma subsunção da situação fáctica de desemprego do recorrente já existente á data da sentença e que perdura até ao dia de hoje, ao requisito previsto no nº 3 do artigo 49º do CP, tendo concluído porém que tal requisito se não verificava porque não se tinha verificado uma degradação da situação económico-financeira do recorrente.
w) A suspensão da execução da pena de prisão só pode ser fundamentadamente decidida se se levar em linha de conta quer os pressupostos formais, quer materiais da suspensão, devendo o artigo 49° nº 3 ser conjugado com os requisitos previstos no artigo 50º do CP, o que não foi feito pelo Tribunal “a quo”.
x) O Tribunal “a quo" fez, pois, uma interpretação absolutamente restritiva e parcial da possibilidade conferida no nº 3 do artigo 49º do CP.
y) A suspensão da execução da pena de prisão no caso vertente, não se mostra incompatível com as finalidades de prevenção geral e especial que devem presidir á decisão sobre a pena a aplicar ao recorrente, sendo que, sempre que tal se mostre adequado, proporcional e necessário ás finalidades referidas, deve a pena de prisão ser substituída por pena não privativa da liberdade, nos termos dos artigos 40º nº 1 do CP e 18° da CRP.
z) Foram pois violados, pelo despacho recorrido, os artigos 40º n° 1 do CP e 18° da CRP.
Termos em que, concedendo provimento ao recurso apresentado, deve ser considerado nulo o Despacho que decidiu o cumprimento da pena de prisão pelo recorrente, com as legais consequências, e ser revogado o Despacho que não suspendeu a execução da referida pena, substituindo-se por outro que suspenda a execução da pena de prisão, nos termos do artigo 49° nº 3 do Código Penal.

O M.P. respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.
Nesta instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer sufragando a posição assumida pelo M.P. em 1ª instância, pronunciando-se pela improcedência do recurso.
O recorrente respondeu, reiterando a argumentação antes aduzida.

Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões:
- Nulidade insanável do art. 119º, al. c), do CPP, por falta de audição do recorrente;
- Falta de fundamentação do despacho que indeferiu a suspensão da pena;
- Erro notório na apreciação da prova;
- Insuficiência para a decisão da matéria de facto;
E averiguar ainda:
- Se após o trânsito em julgado do despacho que ordena o cumprimento da pena de prisão por falta de pagamento da multa de substituição, pode ainda o condenado proceder ao seu pagamento e evitar assim o cumprimento da pena de prisão;
- Se o facto de o OPC encarregado do cumprimento do mandado de detenção ter aceitado indevidamente o pagamento da multa obsta à ulterior detenção do arguido e subsequente cumprimento da pena de prisão.

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II - FUNDAMENTAÇÃO:

Apreciando e decidindo:
O ora recorrente foi condenado numa pena de 4 (quatro) meses de prisão substituída por 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), no total de € 600,00 (seiscentos euros). Em momento ulterior veio a ser-lhe revogada a pena de multa de substituição e determinado o cumprimento da pena de prisão aplicada na sentença.
Estipula o art. 43º, nº 1, do Código Penal (diploma a que se reportam as demais normas citadas sem menção de origem) que “a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no art. 47º”.
Por seu turno, o n.º 2 do mesmo artigo dispõe que “se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença. É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 49º”.
Por fim, o art. 49º, nº 3 (para onde remete o nº 2 do art. 43º), dispõe que “se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de um a três anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta”.
Este regime é absolutamente distinto daquele outro previsto para a eventualidade de falta de pagamento de multa fixada a título principal nos termos previstos no art. 47º. Apenas para este último caso, em que a falta de pagamento voluntário ou coercivo da multa não tenha sido substituída por trabalho, devendo assim ser cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, prevê a lei a possibilidade de o condenado poder a todo o tempo evitar total ou parcialmente a execução da prisão subsidiária pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado (nº 2 do art. 49º).
A limitada remissão constante do art. 43º, restringindo a aplicação do art. 49º ao respectivo nº 3, evidencia, na economia da lei e sem margem para dúvidas, o intuito assumido de excluir a possibilidade de pagamento da multa a todo o tempo. Como adverte o Prof. Figueiredo Dias, esta pena de multa de substituição “… não é a pena pecuniária principal (…). Diferença esta donde resultam (ou onde radicam), como de resto se esperaria, consequências prático-jurídicas do maior relevo, maxime, em tema de medida e de incumprimento da pena de substituição” - “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 361.. Assim, se a multa aplicada em substituição da prisão não for paga, terá lugar o cumprimento da pena de prisão como se esta não tivesse sido substituída por multa - Cfr. Maia Gonçalves, “Código Penal Anotado”, 13ª Ed. pág. 190 e Figueiredo Dias, ob. cit. e ainda RLJ, pags. 201/202..
Na verdade, são distintos os institutos da pena de prisão e da pena de multa e essas diferenças repercutem-se nos termos do respectivo cumprimento. Consequentemente, imposta ao condenado a título principal uma pena de multa, se esta não for paga nem substituída por trabalho, tem lugar o cumprimento de prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços (art. 49º, nº 1), podendo o condenado a todo o tempo evitar a execução da prisão subsidiária pagando total ou parcialmente a multa a que foi condenado. E assim sucede – a todo o tempo pode o condenado pagar a multa, obstando à prisão subsidiária – porque a pena determinada a título principal foi a pena de multa, que prevalece até ao termo do respectivo cumprimento.
Já no caso da multa de substituição, a pena imposta a título principal é uma pena de prisão. A multa, aqui, tem natureza de pena de substituição. Se não for paga, a pena de substituição – a multa – desaparece, havendo lugar ao cumprimento da pena de prisão aplicada na sentença (1ª parte do nº 2 do art. 43º) - Cfr., entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 15/02/2006 e da Relação de Coimbra, de 03/02/2010, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Ora, no caso vertente, foi imposta ao recorrente uma pena de prisão substituída por multa. Esta multa de substituição não foi paga apesar de o recorrente ter sido notificado para o efeito, nem foi requerido o pagamento em prestações, assim como não foi invocada qualquer situação que pudesse justificar o incumprimento. Por outro lado, não se mostrou viável o pagamento coercivo, por ausência de bens de valor suficiente. Verificam-se, pois, as condições que justificavam a revogação da pena de substituição, o que implicava o cumprimento da pena de prisão imposta a título principal.
Sustenta o recorrente que não foi ouvido antes do despacho que decidiu o cumprimento da pena de prisão, invocando o disposto no art. 119º, al. c), do CPP, mas sem razão, por não se tratar de situação que impusesse a sua audição presencial. De resto, o despacho que ordenou o cumprimento dessa pena foi notificado ao recorrente e transitou sem que aquele tenha deduzido qualquer oposição. Não se verifica, pois, a nulidade insanável prevista no normativo citado.
Note-se, já agora, que conforme resulta da conjugação das redacções dos art.s 43º, nº 2 e 49º, nº 3, a alegação e prova da não imputabilidade ao condenado do não pagamento da multa com vista à suspensão da execução da pena é necessariamente posterior à conversão da pena. O regime legalmente previsto é o seguinte:
- Sendo o arguido condenado em pena de prisão substituída por multa dispõe de 15 dias para a pagar (art. 489º, nº 2, do CPP);
- Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença (art. 43º, nº 2), devendo ser notificado da decisão de substituição;
- Após essa notificação, pode ocorrer uma de duas situações:
a) se o condenado provar que a razão de não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão ser suspensa por um período de um a três anos, subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro (arts. 43º, nº 2 e 49º, nº 3, 1ª parte). Se não cumprir os deveres ou regras de conduta que lhe forem impostos, é executada a prisão. Se os cumprir, findo o período de suspensão a pena é declarada extinta.
b) Se após a notificação do despacho que determinou o cumprimento da pena de prisão e até ao respectivo trânsito em julgado o condenado nada requerer, é ordenada a passagem de mandados de captura para cumprimento da pena, precludindo a possibilidade de requerer a suspensão.

Ora, como linearmente resulta da tramitação legalmente prevista, também não foi violado o disposto no art. 61º, nº 1, al. b), do CPP.

Prossegue o recorrente sustentando que o despacho recorrido enferma dos vícios de falta de fundamentação, do erro notório na apreciação da prova e de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Simplesmente, como decorre já do que anteriormente se referiu, a invocação destes vícios no momento processual em que foram arguidos nem sequer faz sentido, O que sucede é que o recorrente discorda da decisão, mas essa é questão de natureza diversa. O que verdadeiramente importa notar é que no momento em que a suspensão da pena foi requerida, esse requerimento era extemporâneo, não podendo, por essa razão, conduzir à finalidade pretendida pelo recorrente. O prazo para o condenado requerer a suspensão da execução da pena de prisão nos termos previstos nos arts. 43º, nº 2 e 49º, nº 3, iniciou-se com a notificação do despacho de 14/07/2010 (fls. 17), que lhe impôs o cumprimento da pena de prisão e contra a qual o ora recorrente se não insurgiu, deixando-o transitar sem que tenha requerido a suspensão da execução da pena. O arguido apenas requereu ao tribunal a quo a suspensão da execução da pena cerca de quatro meses após ter sido confrontado com os mandados de detenção e indevidamente restituído à liberdade, já que foi detido em 22 de Setembro de 2010 e o seu requerimento deu entrada em juízo em 26/01/2011, pelo que mal andou o tribunal recorrido ao admitir, nesse momento, a realização das diligências requeridas com vista à suspensão da execução da pena, cuja oportunidade há muito havia precludido, visto ter transitado em julgado a decisão que determinou o cumprimento da pena de prisão.
Por razões em tudo idênticas, prejudicado está também o argumento da falta de fundamentação da denegação da suspensão da execução da pena.

Resta apreciar uma última questão, qual seja, a de saber se o facto de o arguido ter sido detido, ter então pago a multa e ter sido restituído à liberdade, contende com a possibilidade de ser novamente detido para cumprimento da pena.
A resposta a esta questão não oferece dificuldade de maior, tratando-se de caso semelhante (ainda que não idêntico) ao que decidimos no recurso interposto no proc. 16/08.9gbfig-A.C1, aliás, citado pelo M.P.. Na verdade, não é função do mandado conferir ou retirar direitos a quem quer que seja, mas apenas e tão só viabilizar o cumprimento do despacho que ordena a sua emissão. O acto judicial relevante é a decisão que ordena a passagem dos mandados. O mandado constitui apenas e tão-só o modo de executar aquela decisão, não tendo a virtualidade de alterar o decidido. E também não cabe no âmbito das atribuições das autoridades policiais a adopção de procedimentos não previstos na lei ou no mandado que devem executar, pelo que se o OPC toma qualquer iniciativa processualmente relevante não consentida pelo texto do mandado, essa iniciativa é inválida. Ora, no caso vertente, o OPC encarregado do cumprimento dos mandados parece ter suposto erradamente que estaria perante situação contemplada no art. 491º-A do CPP (cfr. o expediente de fls. 20 e 21), o que não era o caso, razão pela qual, tendo o arguido pago a multa, o libertou. Foi, indiscutivelmente, um procedimento errado, mas que não é apto a produzir efeitos jurídicos na esfera da liberdade do arguido (a não ser os que imediatamente resultaram do facto de não ter, então, permanecido preso) não podendo assim produzir quaisquer efeitos, já que aquele erro não se sobrepõe à ordem judicial legítima que ao OPC competia cumprir. Nessa medida, foi acertada a decisão de ordenar a restituição ao arguido da quantia que aquele entregou à GNR naquela ocasião.

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III – DISPOSITIVO:

Nos termos apontados, nega-se provimento ao recurso.
Por ter decaído integralmente no recurso que interpôs, condena-se o recorrente na taxa de justiça, já reduzida a metade, de 3 UC.

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Jorge Miranda Jacob (Relator)
Maria Pilar de Oliveira