Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
217/11.2TBRSD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: USUCAPIÃO
NTERRUPÇÃO
PRAZO
Data do Acordão: 04/21/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – LAMEGO – SEC. CÍVEL.
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 323º, Nº 1, 326º, 327º, Nº 1, 1296º E 1292º C.CIV.
Sumário: I – Ao decurso de um prazo de usucapião aplicam-se, por expressa remissão do artigo 1292º do CC, as regras respeitantes à suspensão e interrupção da prescrição.
II – Assim, a citação dos RR. numa acção visando a afirmação da existência de uma servidão de vistas, constituída por usucapião, originada em duas janelas existentes no prédio dos AA. e onerando o prédio dos RR., a citação destes em tal acção, dizíamos, interrompe o prazo de usucapião aí em curso, nos termos do artigo 323º, nº 1 do CC.

III – Essa interrupção, por força do disposto no artigo 326º, nº 1 do CC, inutiliza todo o prazo de usucapião decorrido até essa citação, originando a contagem de um novo prazo, após o trânsito em julgado da decisão que, nessa acção, considere não constituída a servidão de vistas por não ter decorrido o prazo de usucapião considerado aplicável. É o que resulta do disposto no nº 1 do artigo 327º do CC.

IV – Se nessa acção for considerado que o prazo de usucapião, em vista da constituição dessa servidão de vistas (prazo não transcorrido até à citação nessa acção), era de 20 anos, nos termos do artigo 1296º do CC, adquire essa asserção a força de caso julgado material, projectando-se em ulteriores acções nas quais a existência dessa servidão de vistas volte a ser discutida.

V – Assim, em posterior acção na qual, entre as mesmas partes, mas em posições trocadas (os AA. na anterior acção são os RR. na segunda e vice-versa), se discuta a existência das janelas que na primeira acção foram afirmadas como não tendo originado uma servidão de vistas, a citação ocorrida na anterior acção vale como facto interruptivo da prescrição aquisitiva e neutraliza qualquer consideração (soma) do tempo decorrido anteriormente a essa citação, no quadro da afirmação da existência de uma servidão de vistas constituída por usucapião.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa


            1. J... e mulher, A... (AA. e aqui Apelantes, face à improcedência da acção) demandaram M... e marido, C... (RR. e ora Apelados), formulando os seguintes pedidos:
“[…]
a) Declarar-se os AA. legítimos proprietários do prédio urbano identificado no artigo 1º desta p.i.[[1]], condenando-se os RR. ao reconhecimento desse direito;
b) Condenar-se os RR. a tapar as janelas mencionadas nos artigos 13 a 19[[2]] ou a transformarem-nas em frestas ou janelas gradeadas com observância do preceituado nos artigos 1363º [e 1364º] do Código Civil;
[…]”.

            1.1. Os RR. contestaram pugnando pela improcedência da acção, no que tange à questão das janelas[3].

            1.2. A acção foi julgada no sentido de uma improcedência parcial pela Sentença de fls. 204/215esta constitui a decisão objecto do presente recurso –, referindo-se a parte da procedência ao reconhecimento do direito de propriedade dos AA. sobre o seu prédio e a improcedência – a asserção decisória contestada neste recurso – ao elemento central da acção: o pedido de eliminação das janelas ou de regressão destas à condição de frestas ou à de janelas gradadas.

1.2.1. A este respeito, por encerrar a ratio decidendi da Sentença quanto ao mencionado elemento de improcedência da acção, é útil transcrever aqui o seguinte trecho expositivo final da decisão recorrida (consta ele de fls. 214 e antecede exactamente o pronunciamento decisório):
“[…]
O objecto do direito real de servidão não é a vista sobre o prédio vizinho, mas a existência da janela em condições de se poder ver e de o devassar, independentemente da concretização dessa usufruição, o que significa que o corpus da posse se reconduz, na espécie, à existência da janela em infracção do que se prescreve no artigo 1360º, nº 1 do Código Civil.
Ora, no caso vertente, importa considerar que os RR. são titulares do direito de propriedade mencionado sob o facto 2.
Acresce resultar dos factos provados, por um lado, que no primeiro piso daquele prédio estão situadas duas janelas que deita[m] directamente para o prédio dos AA., das quais podem olhar em frente e desfrutar de luz natural e de arejamento.
Assim, temos que os RR. mantêm abertas no seu prédio duas janelas que deitam directamente para o prédio dos AA., não existindo qualquer espaço entre os dois prédios, em quadro de violação do disposto no artigo 1360º, nº 1 do Código Civil, há pelo menos vinte e quatro anos, de forma pacífica, contínua, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém.
A conclusão, ao invés do alegado pelos AA., é no sentido de que os RR. adquiriram o direito de servidão de ar e de luz em causa por virtude de usucapião, ou seja, por via do que outrora era designado por prescrição aquisitiva.
[…]”.

            1.3. Inconformados com este elemento de improcedência da acção, apelaram os AA. concluindo o seguinte a rematar a motivação do recurso adrede apresentada:
“[…]


II – Fundamentação

            2. Caracterizámos sucintamente o desenvolvimento do processo que conduziu à presente instância de recurso. Importa agora apreciar a impugnação dos Apelantes, sendo que o âmbito objectivo desta se mostra delimitado pelas conclusões transcritas no item antecedente [v., a propósito da referenciação dos fundamentos do recurso às conclusões, os artigos 635º, nº 4 e 639º do Código Processo Civil (CPC)]. Assim, fora das conclusões, só podem integrar o objecto temático de um recurso questões que se configurem como de conhecimento oficioso. Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição no quadro de um recurso sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas (di-lo o artigo 608º, nº 2 do CPC). E, enfim – esgotando a enunciação em abstracto do modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àquelas (às questões-fundamento) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.

            2.1. Analisando as conclusões constatamos pretenderem os AA., aqui na posição de Apelantes, primeiramente (a), a reapreciação da matéria de facto (nos termos do nº 1 do artigo 662º, nº 1 do CPC) em determinado trecho correspondente aos factos não provados (infra item 2.2.1. deste Acórdão, estando em causa os pontos 1, 2 e 3 desse elenco). Com ou sem essa alteração, pretendem adicionalmente os AA., no que constitui um segundo fundamento do recurso (b), obter um julgamento-outro da acção (uma outra aplicação do Direito) que conduza à procedência da respectiva pretensão de tapar ou de fazer regredir as duas aberturas no prédio dos RR., cuja natureza é a de janelas, à situação de frestas ou de janelas gradadas, por referência às características de umas e outras indicadas, respectivamente, nos artigos 1363º e 1364º do Código Civil (CC).

Vale, no quadro deste fundamento do recurso, a consideração das aberturas (das janelas) discutidas nesta acção, existentes no prédio dos aqui RR., como não tendo adquirido um estatuto correspondente a servidão de vistas, nos termos do artigo 1362º do CC. Note-se que o tratamento nesta instância desta última questão operará encarando-a nós como questão de direito – relativamente à qual esta Relação actua no quadro do artigo 5º, nº 3 do CPC –, verificando se, face aos factos a considerar, mesmo que estes factos sejam – só sejam – os positivamente fixados na primeira instância, essa servidão de vistas pode ser considerada constituída e, por essa via, bloquear o direito aqui pretendido fazer valer pelos AA., como foi entendido em primeira instância.

Estamos a delimitar as questões cuja apreciação é referida a esta Relação pelo recurso dos AA. Ora, nesta delimitação teremos em conta que os Apelantes suscitam a apreciação da construção jurídica empreendida pelo Tribunal a quo, sendo que esta passa pelo entendimento de ser possível combinar (assim analisamos o percurso argumentativo da primeira instância) um prazo de usucapião considerado insuficiente em anterior acção, completando-o agora com o tempo decorrido desde essa acção até à propositura da presente acção, fazendo descaso do acto de citação dos aqui AA. que ocorreu nessa outra acção – fazendo descaso, como demonstraremos neste Acórdão ter ocorrido com a Sentença apelada, do regime da usucapião decorrente dos artigos 323º, nº 1 e 326º, nº 1 do CC.

É isto o que, melhor ou pior explicado pelos Apelantes, está em causa na apelação. 

            2.2. Encaremos, pois, os factos positivamente fixados na primeira instância:
“[…]

            2.2.1. Entretanto, existe uma incidência de facto, decorrente dos pontos 14 e 15 do elenco acabado de transcrever, que esta Relação deve considerar – o mesmo, aliás, sucedia com a primeira instância – no quadro da projecção do efeito de caso julgado formado no âmbito do processo referido no indicado ponto 14 (a acção sumária nº ..., interposta em 11/02/2004) e no quadro de outras incidências geradas nessa acção, exteriores ao caso julgado mas que afectam a estruturação do direito aqui pretendido fazer valer pelos AA. Referimo-nos concretamente ao somatório de circunstâncias decorrentes do pronunciamento judicial que aí formou caso julgado, consubstanciando-se este no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/05/2009... E referimo-nos a outras incidências desse processo, sendo relevante sublinhar aqui que se intui – melhor dizendo, temos a certeza – ter ocorrido nesse outro processo a citação dos aí RR. (que são os aqui AA.), em data imprecisa de 2004, data esta que, no entanto, é determinável, no contexto da presente acção, com uma grande aproximação[4].

Referimos esta incidência de facto (facto processual lhe podemos chamar), à qual atribuímos um papel central na economia decisória desta apelação, adiantando valer tal incidência no quadro da actuação, quanto ao decurso de um prazo de usucapião que estivesse em causa – que estivesse em curso – no contexto dessa anterior acção, do artigo 323º, nº 1 do CC (aplicável à usucapião/prescrição aquisitiva ex vi do artigo 1292º do CC), depois projectado nos artigos 326º, nº 1 e 327º, nº 1 do mesmo Código[5].  

2.2.2. De qualquer forma, quanto a factos, retomando o fio à meada destes, os considerados não provados na decisão de primeira instância foram os seguintes:
“[…]
1. As obras das duas janelas não foram autorizadas pela Câmara Municipal de ...
2. Os AA. sempre se opuseram à abertura das duas janelas e que devido a essa oposição, os AA., durante o mês de Dezembro de 2002, iniciaram a construção no seu prédio de um edifício com destino a arrumos.
3. Desde sempre que os AA., por diversas vezes, vêm solicitando aos RR. para, procederem à eliminação da janelas identificadas em 3.º ou que procedam ao seu gradeamento.

            2.3. (a) Neste primeiro fundamento do recurso (primeiro fundamento dos dois enunciados acima no item 2.1. deste Acórdão) referem-se os Apelantes aos factos, estando em causa a não prova – a consideração nesses termos pela Sentença apelada – das três asserções presentes no item anterior (todos os factos que a Sentença declarou não provados), correspondendo essas asserções a matéria alegada pelos AA., impugnada pelos RR. e recolhida, na estruturação da acção que aqui se aplicava na fase condensatória, nos pontos 5º a 7º da base instrutória[6].

            Ora, recuperando agora o que anteriormente referimos no item 2.2.1. deste Acórdão, deixamos aqui nota da irrelevância de uma hipotética alteração ao elenco dos factos não provados, designadamente passando todos os indicados como tal na Sentença, como pretendem os Apelantes, para o rol dos factos provados. Com efeito, existindorectius, sobrepondo-se – um fundamento que é operante na economia decisória desta acção, cognoscível por este Tribunal de recurso e que actuará com base nos factos aqui (já) provados, incluindo nestes as incidências processuais a que nos referimos acima no item 2.2.1. (emergentes da anterior acção nº ...), verificando-se este conjunto de circunstâncias, dizíamos, é inútil reapreciar o acto de fixação dos factos quando este, atendido que fosse no exacto sentido propugnado pelos Apelantes, não apresentaria a virtualidade de alterar o sentido da decisão que será construída por esta instância. Decisão que, adiantamos já o resultado final deste Acórdão, será favorável à pretensão dos Apelantes.

            Para sermos mais claros, diremos o seguinte: consideramos que o prazo de usucapião invocado pelos aqui RR. na anterior acção (aí como AA.) ficou neutralizado pela citação dos aí RR. (aqui AA.) e, nesse sentido – é, pelo menos, o sentido que colhemos do artigo 326º, nº 1 do CC –, não poderá ser “ressuscitado” no quadro desta acção e completado com o lapso de tempo entretanto decorrido entre essa anterior acção e esta acção.

            É com esta base que o primeiro fundamento do recurso, o enunciado em 2.1. supra, acaba por não apresentar utilidade ao julgamento a empreender nesta instância. 

2.4. (b) Passemos, pois, ao segundo fundamento do recurso.

Importa, neste quadro de subsunção do Direito aos factos, ter presente, enquanto ponto de partida, o que estava em causa na anterior acção e o resultado da mesma. Remetemos aqui, assim, para os factos que na decisão apelada descrevem essa incidência (fundamentalmente os pontos 14. e 15. do item 2.2. supra, sendo que podemos igualmente utilizar, como documentos estabilizados na seu significado probatório, a Sentença certificada a fls. 16/33 e o Acórdão certificado a fls.35/57[7], bem como o articulado dessa acção constantes de fls. 77/81).

Como já referimos, nesse anterior processo instaurado em 11 de Fevereiro de 2004, os aqui RR., dessa feita na posição de AA., pediam a condenação dos aí RR. (que são os AA. nesta acção) a reconhecerem a existência de uma servidão de vistas constituída por usucapião (artigo 1362º do CC), originada nas duas janelas aqui em causa e onerando o prédio dos ora AA. (aí RR.). Em função da existência desse direito real de gozo (a alegada servidão de vistas), pediam nessa acção os ora RR. (nesse caso como AA.)[8] a destruição de um muro em blocos que haviam erguido no seu prédio os aqui AA. (muro apresentado nessa acção como impeditivo da servidão de vistas invocada[9]). O resultado final alcançado na referida acção declarativa nº ..., o resultado que adquiriu nesse contexto e projectou para fora a força do caso julgado material[10], expressou-se na asserção decisória de que a almejada servidão de vistas não se havia constituído (não existia, portanto), por não ter decorrido o prazo de usucapião que os dados de facto aí apurados tornava aplicável à situação das janelas existentes no prédio dos aqui RR. Com efeito, foi entendido valer nessa anterior acção um prazo de 20 anos, como prazo de prescrição aquisitiva, ou usucapião, considerado aplicável em função dos dados disponíveis (a falta de título ou de registo e uma posse de má fé, cfr. o artigo 1296º do CC[11]), situando-se o seu termo inicial em 1986 (v. o ponto 16. dos factos aqui provados[12]) e projectando-se o termo final desse prazo para depois de 2004 (para depois da citação dos aí RR. aqui AA. nessa anterior acção).

Como anteriormente fomos indicando, o prazo de usucapião relevante nessa outra acção – o prazo de 20 anos considerado iniciado em 1986 – interrompeu-se nesse contexto processual com a citação dos aí RR. (dos aqui AA.), citação que aí teve lugar em Fevereiro de 2004 (algures entre os dias 11 e 20, seguramente próximo deste último)[13], interrupção esta que operou nos termos do artigo 323º, nº 1 do CC, aplicável à usucapião ex vi do disposto no artigo 1292º do CC[14]. Note-se que a interposição dessa outra acção exprimiu inequivocamente a vontade dos aí AA. exercerem, face aos aí RR., o direito correspondente à servidão de vistas que entendiam onerar o prédio destes últimos[15]. O prazo de usucapião interrompeu-se, pois, em Fevereiro de 2004 e, como veremos já de seguida, passou a ser indiferente saber qual era esse prazo. Aliás, para sermos rigorosos, diremos que se tornou indiscutível essa questão, assentando-se que o prazo que estava em curso nesse anterior contexto, o prazo que então propiciaria a constituição da almejada servidão de vistas, era de 20 anos[16].

Interessa-nos reter – e consubstancia o elemento central que se repercute nesta acção, e que propiciará a decisão do presente recurso –, interessa reter, dizíamos, o efeito da interrupção do prazo prescricional aquisitivo (usucapião) por via da citação dos RR. (aqui AA.) ocorrida na anterior acção. Vale a tal respeito o disposto no artigo 326º, nº 1 do CC, que estabelece como característica definidora da interrupção a inutilização, por via do acto com esse efeito (interruptivo), de todo o tempo decorrido anteriormente à interrupção[17].

Neste caso, tendo resultado a interrupção de citação, o novo prazo – sublinha-se novo, porque este não aproveita (não soma) tempo algum do prazo interrompido – só começou a correr com o trânsito em julgado da decisão proferida na acção nº ..., como resulta do nº 1 do artigo 327º do CC (v. a transcrição deste no final da nota 7, supra)[18], o que nos situará algures por volta de Junho de 2009 (v. a data do Acórdão – 07/05/2009 – a fls. 57).

Seria esse (novo) prazo de 20 anos aquele cujo decurso se iniciou com o trânsito do dito Acórdão da Relação do Porto de 07/05/2009 de fls. 35/57, valendo a este respeito o caso julgado formado nesse sentido na anterior acção; poderia também valer a persistência dos elementos definidores desse prazo como sendo o aplicável[19]; igualmente poderia valer o nº 2 do artigo 326º, que sujeita a nova prescrição/usucapião ao prazo primitivo. Vale, porém, neste caso – diremos: o que vale neste caso é… –, o efeito preclusivo associado ao caso julgado e à excepção correspondente[20]. Efeito que se estende, enquanto desvalor a excluir na protecção ao caso julgado, à situação normalmente qualificada como o contrário contraditório, entendido este como uma forma enviesada de violação do efeito de caso julgado[21].

Interessa-nos aqui o aprofundamento da caracterização dos limites objectivos do caso julgado cuja autoridade é feita valer num posterior processo, quando este efeito é relacionado com os fundamentos da decisão que o expressa:
“[…]
O conteúdo do caso julgado é só a decisão final referente ao pedido, e não mais: o caso julgado restringe-se à conclusão do silogismo judiciário, não se estendendo às suas premissas de facto ou de direito. Assim, não constituem caso julgado os fundamentos da decisão (embora tais fundamentos constituam conclusões, de certo modo decisões, do juiz). Portanto, não é possível desligar esses fundamentos da respectiva decisão e atribuir-lhes a indiscutibilidade própria do caso julgado material.
[…]
A circunstância de o fundamento não valer autonomizado da decisão implica que a decisão também não pode valer autonomizada do seu fundamento: a vinculação à decisão é sempre uma vinculação à decisão no contexto do seu fundamento. Isto significa que, sempre que se invoque uma decisão em juízo, o tribunal perante o qual essa decisão é invocada está vinculado não só à decisão, mas também aos fundamentos que constituam antecedentes lógicos e indispensáveis à sua emissão.
[…]”[22] (sublinhado acrescentado).

            Note-se que a questão do caso julgado aqui discutida, a que apresenta relevância no contexto desta acção, se refere em exclusivo ao prazo de usucapião e aos elementos que o definem (definiram nessa acção e originaram o correspondente pronunciamento decisório). Questão autónoma dessa, cuja resolução não convoca qualquer incidência do efeito de caso julgado material, é a da interrupção da prescrição aquisitiva (do decurso do prazo de usucapião), derivada do acto de citação ocorrido nesse outro processo. Trata-se neste caso – quanto ao efeito da interrupção do prazo de usucapião pela citação – de uma circunstância gerada nesse processo, que aqui se reflecte, correspondendo à projecção de um acto na estruturação do direito em causa nesta acção, mas que não passa pelo efeito do caso julgado aí formado. Gerou-se, todavia, no contexto desse outro processo em função de uma incidência (a citação) que aí ocorreu.

            É em função da conjugação destes dados que nesta acção alcançamos um resultado bem diverso – antagónico – do da primeira instância. Tal resultado, poderemos resumi-lo no seguinte encadeamento de elementos, todos decorrentes da antecedente exposição:

(1) ocorrera em anterior acção a interrupção do prazo de usucapião quanto à servidão de vistas que a Sentença ora recorrida acabou por reconhecer aos RR.[23];

(2) essa interrupção teve lugar por via do acto de citação dos aqui AA. nesse outro processo (no qual eram RR.), ou seja na acção nº ..., em que a existência dessa servidão estava em causa[24] e foi (aí) negada[25];

(3) essa mesma interrupção induziu a contagem de um novo prazo de usucapião quanto a essa servidão de vistas (que, neste e no anterior processo, foi sempre a mesma servidão, com a mesma origem e onerando o mesmo prédio);

(4) esse novo prazo é aqui igual ao fixado na anterior acção (é igual mas não é o mesmo) e, obviamente – estamos a falar de outros 20 anos contados de 2009 em diante –, ainda não havia decorrido à data da propositura da presente acção em 2011;

(5) essa incidência conduziu a que aqui não possa – não pudesse – ser considerada constituída, nessas condições, qualquer servidão de vistas por usucapião onerando o prédio dos aqui AA.[26];

(6) e, enfim, conduziu à incorrecção da decisão aqui proferida quando esta nega aos ora AA. o direito de se oporem e de impedirem a abertura, que subsiste, de janelas sobre o seu prédio em contravenção ao disposto no artigo 1360º, nº 1 do CC, sem que se tenha constituído servidão de vistas (cfr., aqui a contrario sensu, o artigo 1362º, nº 1 do CC).

            Ora, articulando estes elementos, dos quais emerge – repete-se – a inexistência de qualquer servidão de vistas originada pelas janelas dos RR. sobre o prédio dos AA., há que entender juridicamente fundado o direito aqui pretendido afirmar pelos AA. com expressão na alínea b) do pedido formulado na presente acção: condenar os RR. a taparem as janelas ou a transformarem-nas[27] em frestas ou janelas gradadas, neste último caso, por referência às características de umas e outras previstas nos artigos 1363º e 1364º do CC.

            É este o resultado que, através da procedência da presente acção (e da procedência deste recurso), aqui haverá que afirmar, sublinhando-se que para tal resultado são suficientes os factos que a decisão apelada considerou provados, associados às incidências descritas no item 2.2.1. deste Acórdão, estas por referência ao anterior processo nº ...

            2.5. Procede, pois, o recurso e procederá a acção. É o que resta aqui afirmar, depois de sumariado o Acórdão pelo ora relator:
I – Ao decurso de um prazo de usucapião aplicam-se, por expressa remissão do artigo 1292º do CC, as regras respeitantes à suspensão e interrupção da prescrição;
II – Assim, a citação dos RR. numa acção visando a afirmação da existência de uma servidão de vistas, constituída por usucapião, originada em duas janelas existentes no prédio dos AA. e onerando o prédio dos RR., a citação destes em tal acção, dizíamos, interrompe o prazo de usucapião aí em curso, nos termos do artigo 323º, nº 1 do CC;
III – Essa interrupção, por força do disposto no artigo 326º, nº 1 do CC, inutiliza todo o prazo de usucapião decorrido até essa citação, originando a contagem de um novo prazo, após o trânsito em julgado da decisão que, nessa acção, considere não constituída a servidão de vistas por não ter decorrido o prazo de usucapião considerado aplicável. É o que resulta do disposto no nº 1 do artigo 327º do CC;
IV – Se nessa acção for considerado que o prazo de usucapião, em vista da constituição dessa servidão de vistas (prazo não transcorrido até à citação nessa acção), era de 20 anos, nos termos do artigo 1296º do CC, adquire essa asserção a força de caso julgado material, projectando-se em ulteriores acções nas quais a existência dessa servidão de vistas volte a ser discutida;
V – Assim, em posterior acção na qual, entre as mesmas partes, mas em posições trocadas (os AA. na anterior acção são os RR. na segunda e vice-versa), se discuta a existência das janelas que na primeira acção foram afirmadas como não tendo originado uma servidão de vistas, a citação ocorrida na anterior acção vale como facto interruptivo da prescrição aquisitiva e neutraliza qualquer consideração (soma) do tempo decorrido anteriormente a essa citação, no quadro da afirmação da existência de uma servidão de vistas constituída por usucapião.


III – Decisão

            3. Por tudo o que se expôs, na inteira procedência da apelação, revoga-se a Sentença recorrida no trecho decisório aqui em causa (improcedência do pedido formulado em b) de fls. 8, acima transcrito no item 1.), condenando-se os RR. M... e C... a taparem as janelas indicadas no item 19. dos factos provados ou (v. nota 29, supra e texto que para ela remete) a transformá-las em frestas ou janelas gradadas, sendo que nestes dois últimos casos, por referência às características de umas e outras previstas nos artigos 1363º e 1364º do CC.

            Custas em ambas as instâncias a cargo dos RR.
Tribunal da Relação de Coimbra, recurso julgado em audiência na sessão desta 3ª Secção Cível realizada no dia 21/04/2015 

(J. A. Teles Pereira - Relator)
(Manuel Capelo)
(Luíz Falcão de Magalhães)


[1] Dizem os AA. neste:
“[…]
1º Os AA. são donos e legítimos proprietários de um prédio misto sito no lugar de ..., composto de vinha, com área de 312m2, e casa de r/c e 1º andar, com a área de 16 m2, a confrontar ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...
[…]”.
[2] Dos artigos da p.i. indicados (e dos que os antecedem e auxiliam na sua compreensão) consta o seguinte:
“[…]
9º Por sua vez, os RR. dizem-se donos do prédio misto sito no lugar de ..., composto por casa de R/C e andar, com a área de 35m2, a confrontar ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...
10º O prédio dos AA. confina a nascente com o prédio dos RR.
11º Sucede que ao nível do 1º andar do lado poente. Os RR. abriram duas janelas sem que os seus proprietários, na altura, se munissem da competente licença de obras, tendo construído no mesmo ano que o vizinho ..., proprietário de um prédio que confronta com o daqueles.
12º Foi nesta altura que o prédio dos AA. identificado no artigo 1º da p.i. sofreu uma ampliação, passando de casa de R/C a casa de R/C e 1º andar.
13º As janelas em causa deitam directa e imediatamente para o prédio dos AA. não existindo qualquer espaço ou intervalo entre os dois prédios,
14º Uma delas serve um quarto de dormir existente no primeiro andar da casa dos RR. e a outra uma casa de banho situada no mesmo andar,
15º A janela que serve o quarto de dormir mede um metro de altura e 99 cm de largura e a que serve a casa de banho mede um metro de altura e 95 cm de largura;
16º As janelas foram construídas em caixilharia de alumínio de correr e protegidas por persianas;
17º Permitindo ambas vistas e despejos sobre o prédio dos AA.
18º No entanto, atente-se, estas obras não foram autorizadas pela Câmara Municipal de ...
19º Assim como não foram autorizadas pelos aqui AA., que sempre se opuseram à realização das mesmas.
[…]”.
[3] Compreende-se a posição dos RR. atendendo ao teor dos seguintes artigos da contestação:
“[…]

16º
As janelas a que os autos se reportam e que os AA. pretendem tapar já se encontram abertas desde 1985/1986, tal como os próprios AA. afirmam na contestação por si apresentada na acção que os aqui RR. lhes moveram, mais precisamente no seu artigo 9º.
17º
Desde então que essas estiveram abertas e à vista de toda a gente nomeadamente dos AA.
18º
Pelo que estão abertas há pelo menos 25 anos.
18º [A]
Aliás os próprios AA. no artigo 25º da sua contestação, afirmam que sempre lhes seria lícito levantar o muro desde que deixassem entre este e as janelas o espaço de 1,5m.
19º
Ou seja, não pediram a sua tapagem porque reconheciam e aceitavam a sua existência.
[…]”.
É importante termos presentes alguns elementos decorrentes de uma anterior acção cuja existência e resultado foram logo invocados pelos AA. no articulado inicial. É com essa base que, na compreensão de alguns trechos da contestação aqui referida, há que recordar essa anterior acção intentada em 2004 pelos aqui RR (aí como AA.) contra os aqui AA. (aí como RR.) na qual aqueles (os ora RR.) pediam a condenação dos ora AA. a reconhecerem a existência de uma servidão de vistas, decorrente da existência das janelas aqui em causa, e a destruírem um muro que haviam edificado no seu prédio que inviabilizaria essa servidão. Foi essa acção julgada improcedente, por decisão transitada em julgado (vale a esse respeito o Acórdão da Relação do Porto de fls. 35/57), entendendo-se aí, reportado ao ano de 2004, e simplificando aqui um pouco a exposição, não decorrido (então) o prazo de usucapião considerado aplicável ao caso (20 anos), tomando o ano de 2002 como o da construção do muro. Aliás, mesmo considerando a data da citação dos aqui AA. nessa anterior acção (em 2004, cfr. o item 2.2.1. e nota 6 infra), sempre teríamos de considerar um prazo de usucapião de 20 anos como ainda não transcorrido no quadro temporal da anterior acção.
Interessa, assim, considerar, em função dos trechos da contestação dos aqui RR. acima referidos,  os artigos 9º e 25º da contestação apresentada pelos ora AA. (aí RR.) nessa acção de 2004:
“[…]
9º As janelas existentes no 1º andar do prédio identificado no artigo 1º da p.i [aqui o prédio dos ora RR] foram abertas aquando da construção/ampliação deste andar, em 1985/86 […]”.
[…]
25º Ainda que assim não fosse, e os AA. [aqui os RR.] fossem titulares do direito de servidão de vistas sobre o prédio dos RR. (o que só por hipótese se admite), estes sempre poderiam levantar o edifício ou outra construção no seu prédio desde que deixassem entre este e as janelas o espaço mínimo de 1,5 metros – artigo 1362º, nº 2 do CC.
[…]”.
[4] Através do histórico do sistema Citius referente ao processo nº ... foi possível ao ora relator verificar (através de contacto com o Tribunal de Viseu onde o processo agora se encontra arquivado) que a devolução dos avisos de recepção, consubstanciando a citação dos aí RR. J... e A..., teve lugar no dia 20/02/2004, sendo as citações respectivas, obviamente, de um dia anterior mas muito próximo deste (note-se que, e é o que explica a necessidade de tomar aqui esta referência indirecta mas muito aproximada, os próprios avisos de recepção nessa acção não foram digitalizados e não são, por isso, consultáveis no sistema Citius). A questão aqui relevante – situar no tempo o acto de citação dos RR. ora AA. na anterior acção – está, pois, devidamente esclarecida: os aí RR. foram pessoalmente citados algures entre os dias 11 e 20 do mês de Fevereiro do ano de 2004, sendo então que, por via dessa citação, adquiriram os citados (aí RR. aqui AA.) conhecimento formal do propósito dos aqui RR. de exercerem o direito (a servidão de vistas) para cuja aquisição o factor tempo – o decurso de um determinado lapso de tempo – era central.
[5] Para que se compreenda o sentido do que no texto se referiu, aqui se transcrevem as disposições citadas seguindo uma ordem lógica gerada a partir da norma que, dentro da usucapião, remete para o regime da prescrição:
Artigo 1292º
(Aplicação das regras da prescrição)
São aplicáveis à usucapião, com as necessárias adaptações, as disposições relativas à suspensão e interrupção da prescrição, bem como o preceituado nos artigos, 300º, 302º, 303º e 305º.
Interrupção da prescrição
Artigo 323º
(Interrupção promovida pelo titular)
                1 – A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------.
Artigo 326º
(Efeitos da interrupção)
1 – A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte.
2 – A nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311º.
Artigo 327º
(Duração da interrupção)
1 – Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------.
[6] Diziam estes:
“[…]

5.º

As obras das duas janelas não foram autorizadas pela Câmara Municipal de ...?

6.º

Os AA., que sempre se opuseram à abertura das duas janelas?

7.º

Devido ao referido em 6.º, os AA., durante o mês de Dezembro de 2002, iniciaram a construção no seu prédio de um edifício com destino a arrumos?
[…]”.
[7] As duas decisões proferidas no processo nº ... A última delas, que confirmou a decisão de primeira instância, transitou em julgado formando, pois, caso julgado material.
[8] Esta, algo irritante, repetição ao longo deste Acórdão da posição de cada sujeito nas duas acções é necessária em função do carácter antagónico dessas posições, em cada um dos processos, para deixar claro de quem estamos efectivamente a falar em cada caso.
[9] Embora, a avaliar pelo que então se disse no Acórdão da Relação do Porto, a situação desse muro relativamente às ditas janelas até se mostrava conforme com o intervalo previsto no artigo 1362º, nº 2 do CC, pressupondo que essas janelas tivessem adquirido – contra o que foi entendido nesse Acórdão e constituiu a respectiva ratio decidendi – o estatuto de servidão de vistas.
[10]O caso julgado é a insusceptibilidade de impugnação de uma decisão (despacho, sentença ou acórdão) decorrente do seu trânsito em julgado (artigo 677º [actual artigo 628º]). O caso julgado traduz-se na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão por qualquer tribunal (incluindo aquele que a proferiu) em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário. O caso julgado torna indiscutível o resultado da aplicação do direito ao caso concreto que é realizada pelo tribunal, ou seja, o conteúdo da decisão deste órgão” (Miguel Teixeira de Sousa, Estudo Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., Lisboa, 1997, p. 567).
[11]Não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa fé, e de vinte anos, se a posse for de má fé.”.
[12] Note-se que esta incidência – terem as janelas sido abertas em 1985/1986 – havia sido confessada pelos aqui AA. na anterior acção (v. o teor da nota 5, supra), valendo isso, fora do processo em que ocorreu, como confissão extrajudicial (v. o artigo 355º, nº 3, a contrario, do CC) com força probatória plena, nos termos do artigo 358º, nº 2 do CC (foi dirigida no documento judicial que a consubstanciou na anterior acção à “parte contrária”, que também aqui o é). Note-se que esta incidência é expressamente referida no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido na anterior acção, no trecho que na cópia existente neste processo consta de fls. 52.
[13] V. a nota 6 supra.
[14] Veja-se a nota 7 supra.
O Código Civil não fixou regras próprias para a contagem do tempo em matéria de usucapião, mandando aplicar as normas que regulam o problema homólogo na prescrição. Assim se dispõe no artigo 1292º, onde o legislador entendeu deixar bem expresso, para evitar dúvidas, serem também aplicáveis os institutos da suspensão e interrupção da prescrição” (Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 4ª ed., Lisboa, 2006, p. 235).
[15]A citação judicial da contraparte visa comunicar-lhe o exercício judicial do direito pelo titular, uma vez que não se afigura razoável que o devedor fique sujeito à interrupção do prazo prescricional sem o seu conhecimento (neste sentido Vaz Serra, Prescrição extintiva e caducidade, BMJ, nº 106, 189). Não releva, para efeitos de aplicação do artigo [323º do CC], o tipo de acção em causa, bastando que o titular faça valer judicialmente o seu direito.
A referência à intenção, directa ou indirecta, de vir a exercer o direito, ‘traduz a regra de que bastará uma diligência judicial que seja incompatível com o desinteresse pelo direito de cuja prescrição se trate’ (v. Menezes Cordeiro, Tratado, I, T. IV, cit, 197).” (Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, 2ª ed., Coimbra, 2014, p. 224).
[16] Aqui, pois, por via da anterior acção, adquiriu força de caso julgado a asserção de que o prazo em causa seria de 20 anos e que ainda não se tinha completado em Fevereiro de 2004.
[17] Aqui deixamos alguma da abonação doutrinal desta questão:
“[Na interrupção da prescrição] não se considera o tempo decorrido até ao momento da verificação do facto interruptivo, que fica inutilizado, iniciando-se a contagem de novo prazo a partir da ocorrência desse facto ou do termo da sua relevância (artigo 327º do CC).
O novo prazo é igual ao primeiro, salvo o regime especial do artigo 311º (artigo 326º, nº 2 do CC).” (Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 4ª ed., Lisboa, 2007, p. 695).
Escrevendo no âmbito do Código de Seabra – quando o regime da prescrição aquisitiva ainda se não tinha destacado sistematicamente do instituto geral da prescrição – dizia José Dias Marques, num texto que mantém toda a actualidade e força, não sendo substancialmente diferente o tratamento da questão da interrupção do prazo prescricional (aquisitivo) no Código Civil de 1967:
“[…]
Outra das vicissitudes a que se encontra sujeito o prazo é a sua interrupção, provocada por factos cujo efeito consiste em inutilizar para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente (artigo 559º do Código Civil). Realizado um acto interruptivo, a duração da posse até aí exercida torna-se irrelevante para a aquisição prescricional.
Não é possível confundir, nem pelos seus efeitos, nem pela sua estrutura, nem pelos fins que prosseguem, a suspensão e a interrupção prescricional.
A interrupção distingue-se essencialmente da suspensão em virtude da diversidade do efeito jurídico a que uma e outra dão origem: a primeira exclui a relevância prescricional da posse apenas enquanto duram as respectivas causas de suspensão ao passo que a segunda se traduz na total inutilização da eficácia prescricional da posse que haja sido exercida anteriormente ao acto interruptivo.
A esta diversidade de efeitos corresponde também uma diversidade na estrutura dos factos que os determinam. A interrupção é provocada por actos instantâneos (nºs 2º, 3º e 4º do artigo 552º do Código Civil) ou, pelo menos, por factos cuja duração é limitada no tempo (nº 1 do artigo 552º do Código Civil); diversamente, as causas de suspensão consistem em circunstâncias que persistem, em regra, ou por largo tempo ou por tempo indeterminado (Código Civil, artigos 549º, 550º. 551º). Os actos interruptivos têm natureza exclusivamente objectiva; as causas suspensivas são quase todas de carácter suspensivo.
O fim da suspensão é proteger contra a prescrição certas categorias de pessoas (Código Civil, artigos 549º, 550º. 551º) e interesses (Código de Processo Civil, artigo 290º); o fim da interrupção é negar eficácia prescricional a uma posse que se não exerce em toda a plenitude (nº 1 do artigo 552º) ou contra a qual reage, afirmando a sua vitalidade, o direito que ela ofende (nºs 2º e 3º do artigo 552º do Código Civil) […]” (Prescrição Aquisitiva, vol. II, Lisboa, 1960, pp145/146). As referências ao Código Civil são ao texto do Código de Seabra que, no artigo 559º, afirmava: “[o] efeito da interrupção é inutilizar para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente”; e, no artigo 552º, 2º, determinava a interrupção da prescrição, “[p]or citação judicial feita ao possuidor ou devedor […]”.
[18]O nº 1 [do artigo 327º] esclarece a duração da interrupção, nas hipóteses em que esta tem origem na citação, notificação ou acto equiparado, bem como em compromisso arbitral. Resulta deste comando legislativo que as demoras e atrasos inerentes ao curso do processo não oneram o titular do direito, não se iniciando a contagem do novo prazo prescricional enquanto não estiver definitivamente findo o litígio, portanto, enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo. Estando em causa hipótese de interrupção do prazo prescricional desencadeada por actos judiciais ou por um compromisso arbitral, não deve, pois, considerar-se que o titular do direito está inactivo ou em posição de inércia […]” (Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, cit., pp. 284/285).
[19] Concretamente a má fé expressa na continuada e expressiva oposição dos aqui AA. à servidão de vistas pretendida pelos ora RR. Oposição materializada, aliás, na presente acção.
[20] Como refere Miguel Teixeira de Sousa, “[…] o caso julgado produz […] dois efeitos: um efeito impeditivo, traduzido na excepção de caso julgado, e um efeito vinculativo, com expressão na autoridade do caso julgado. Aquela excepção visa obstar à repetição de decisões sobre as mesmas questões (ne bis in idem) e impede que os tribunais possam ser chamados não só a contrariarem uma decisão anterior, como a repetirem essa decisão. Em contrapartida, a autoridade de caso julgado garante a vinculação dos tribunais e dos particulares a uma decisão anterior, pelo que impõe que aqueles tribunais e estes particulares acatem (e, neste sentido, repitam) o que foi decidido anteriormente (quanto, por exemplo, a uma questão que é prejudicial para o conhecimento de uma outra questão)” (“Preclusão e ‘contrário contraditório’”, Cadernos de Direito Privado, nº 41, Janeiro/Março, 2013, pp. 24/25, anota este Estudo o Acórdão indicado na nota 21 infra, sublinhado aqui acrescentado).
[21] Veja-se a este respeito o Acórdão do STJ de 10/10/2012 (Abrantes Geraldes), proferido no processo nº 1999/11.7TBGMR.G1.S1, disponível no seguinte endereço:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0f103d70045293f480257a9300506ddf.
Sumário:
1. A autoridade de caso julgado inerente a uma decisão que reconheceu ao autor o direito de propriedade sobre uma parcela de terreno e condenou o réu na sua restituição e na demolição da construção que na mesma foi erigida impede que este, em nova acção, peça o reconhecimento do direito de propriedade sobre a mesma parcela, ainda que com fundamento na acessão industrial imobiliária.
2. Apesar de em tal situação não se verificar a excepção de caso julgado, atenta a diversidade da causa de pedir, a segurança e a certeza jurídica decorrentes do trânsito em julgado da decisão obstam a que em posterior acção se questione o direito de propriedade e as obrigações de restituição e de demolição reconhecidas na primeira acção com base numa realidade que naquela ocasião já se verificava e que aí poderia ter sido invocada quer para impedir a procedência da acção, quer para sustentar, em sede de reconvenção, o direito potestativo de acessão imobiliária.
Como refere Miguel Teixeira de Sousa anotando este Acórdão:
 “Quando a decisão define um efeito jurídico, este efeito fica coberto pelo caso julgado; mas há que entender que o ‘contrário contraditório’ […] desse efeito também fica abrangido pelo caso julgado. É a solução que decorre do disposto no artigo 481º, alínea c) do CPC (que, ao determinar que a citação inibe o réu de propor contra o autor acção destinada à apreciação da mesma questão jurídica, significa que o réu fica impedido de discutir, fora da acção proposta, algo de contraditório com o que o autor pretende nela obter) e no artigo 497º, nº 2 do CPC (que atribui ao caso julgado o efeito de proibir qualquer contradição com a decisão transitada).” (“Preclusão e ‘contrário contraditório’, cit., p. 25).
[22] J. Castro Mendes, M. Teixeira de Sousa, Direito Processual Civil (obra em preparação), §39º, III, 1., 1.1.
[23] Em rigor – e esta seria, desde logo, uma crítica legítima à decisão recorrida –, até sem que os aqui RR. tenham formulado reconvencionalmente esse pedido nesta acção.
[24] Nessa acção – e utilizamos aqui o resumo do pedido efectuado na Sentença de primeira instância aqui certificada a fls. 16 – os aqui RR. M... e C..., pediam a condenação dos aqui AA., J... e A..., a “[…] reconhecerem que o seu prédio urbano est[ava] onerado com uma servidão de vistas a favor do prédio dos AA. [aqui RR.], a destruir o muro em blocos que construíram […]” (v. fls. 16).
[25] A Sentença proferida nesse processo em primeira instância absolveu os aí RR. desse pedido (v. fls. 33) e foi integralmente confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto (v. 57).

[26] E foi precisamente isso o que a Sentença apelada afirmou, inequívoca e expressivamente, a fls. 214:

Assim, temos que os RR. mantêm abertas  no seu prédio duas janelas que deitam directamente para o prédio dos AA., não existindo qualquer espaço entre os dois prédios, em quadro de violação do disposto no artigo 1360º, nº 1 do Código Civil, há pelo menos vinte e quatro anos, de forma pacífica, contínua, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém.

A conclusão, ao invés do alegado pelos AA., é no sentido de que os RR. adquiriram o direito de servidão de ar e de luz em causa por virtude de usucapião, ou seja, por via do que outrora era designado por prescrição aquisitiva.

[…]”.
[27] Os AA. conferem essa opção aos RR.