Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
635/08.3GCAVR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: PENA DE MULTA
SUBSTITUIÇÃO DA PENA
PRESTAÇÃO DE TRABALHO
Data do Acordão: 05/11/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL (JUIZ 3) DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 48º E 58º, N.º 3, DO C. PENAL
Sumário: 1. A sistematização conferida pelo legislador ao regime de pagamento/substituição da pena de multa não deixa dúvidas quando à teleologia presente nas normas, conjugadas, dos artigos 48º e 58º, n.º 3, do Código Penal, qual seja: a determinação dos dias de trabalho a favor da comunidade deve ser feita por referência à pena de multa fixada e não à pena de prisão que daquela seja subsidiária.
2. Daí que o n.º 2, do artigo 48º, do C. Penal, acentue que à situação concreta que regula “é correspondentemente aplicável o disposto” no texto-norma do artigo 58º, n.º 3.

3. Dito por outras palavras, onde se diz, neste normativo: “cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas”, quer o legislador referir que, verificados os pressupostos previstos no artigo 48º, n.º 1, “cada dia de multa fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas”.

Decisão Texto Integral: I. Relatório:

1. No Juízo de Média Instância Criminal - Juiz 3 - de Aveiro (Comarca do Baixo Vouga), por sentença de 09-07-2010, transitada em julgado, o arguido HC..., devidamente identificado nos autos, foi condenado, na parte estritamente criminal, nos seguintes termos:

a) Pela prática, de um crime de injúria agravado, p. p. pelos artigos 181.º e 184.º, do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à razão diária de € 6,50;

b) Pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. p. pelo artigo 145.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, do CP, na pena de 7 (sete) meses de prisão, substituída, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, por 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à referida razão diária de €6,50.


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2. Solicitada, pelo arguido, a substituição das penas de multa impostas na sentença por trabalho a favor da comunidade, o julgador do tribunal de 1.ª instância indeferiu o requerimento relativamente à pena de 250 dias de multa fixada em substituição da pena de 7 meses de prisão, mas deferiu-o quanto à pena (principal) de multa (60 dias), decorrente da prática do crime de injúria agravado, e, em consequência, converteu esta pena em 40 (quarenta) horas de PTFC. 

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3. Inconformado, tão só com a parte do despacho relativa à substitução da pena de 60 dias de multa por trabalho a favor da comunidade, o Ministério Público interpôs recurso, formulando na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª - Pela prática de um crime de injúria agravada, foi o arguido HC... condenado na pena de sessenta dias de multa, à razão diária de € 6,50.

2.ª - Porque o arguido o requereu, foi autorizada a substituição desta pena de multa por trabalho a favor da comunidade.

3.ª - Assim, e “ao abrigo do disposto no artigo 58.º, n.º 3, do Código Penal, aplicável por força do disposto no artigo 48.º, n.º 2, do mesmo diploma”, foi determinado que o arguido cumpra 40 (quarenta) horas de trabalho a favor da comunidade, em substituição daquela pena de 60 dias de multa.

4.ª - Com efeito, entendeu a Exma. Juiz que tendo sido aplicada ao arguido uma pena de 60 dias de multa, a que correspondem 40 dias de prisão subsidiária (artigo 49.º, n.º 1, do Código Penal), teria este de cumprir 40 horas de trabalho a favor da comunidade.

5.ª - Entendemos que, no presente caso, não foi correctamente aplicado o disposto no citado artigo 48.º, n.º 2, do Código Penal.

6.ª - Na verdade, quando aí se diz “é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 58.º, n.º 3”, quer-se dizer que este último normativo se aplica mutatis mutandis, ou seja, com as necessárias adaptações.

7.ª - Ou seja, o que se pretende é que se aplique apenas a regra da correspondência aí prescrita, ou seja, uma hora de trabalho para cada dia de multa.

8.ª - Aliás, se assim não fosse, bastaria ao legislador ter referido no citado artigo 48.º, n.º 2, que era aplicável o disposto no artigo 58.º, n.º 3, sem a palavra “correspondentemente”.

9.ª - Ao dizer expressamente e sem mais “é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 58.º, n.º 3, o legislador só pode ter querido dizer que, no caso da substituição da pena de multa pela prestação de trabalho a favor da comunidade, deverá aplicar-se a regra e proporção aí referida, ou seja, uma hora por cada dia (neste caso, dia de multa).

10.ª - A regra deverá ser, pois, a de fazer corresponder uma hora a um dia (dia esse que poderá ser de prisão ou de multa, conforme estejamos a aplicar directamente o disposto no referido n.º 3, ou por força da remissão do artigo 48.º, n.º 2).

11.ª - Não sendo esta a vontade do legislador, deveria, então, ter dito que “era aplicável o disposto no artigo 58.º, n.º 3, depois de feita a conversão do artigo 49.º, n.º 1”.

12.ª - Não tendo utilizado esta fórmula, entendemos não ser aceitável a interpretação e aplicação efectuadas pela Exma. Juiz.

13.ª - Assim, a decisão recorrida deveria ter ordenado o cumprimento, não das 40 horas de trabalho, mas antes, de 60 horas de trabalho.

14.ª - Não o tendo feito, entendemos que violou o disposto no citado artigo 48.º, n.º 2, do Código Penal.

Nos termos expostos, e nos demais que V.ªs Exas. doutamente suprirão, julgando-se procedente o recurso e revogando-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que ordene a substituição da pena de 60 dias de multa aplicada ao arguido, por 60 horas de trabalho a favor da comunidade, far-se-á justiça.


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3. Cumprido o disposto no art. 411.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, o arguido não respondeu ao recurso.
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4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, em parecer a fls. 40/41, pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.
Notificado, nos termos e para os efeitos consignados no art.º 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido não exerceu o seu direito de resposta.
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5. Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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II. Fundamentação:
1. Poderes cognitivos do Tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:
Conforme Jurisprudência uniforme dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respectiva motivação que delimitam e fixam o objecto do recurso, sem prejuízo da apreciação das demais questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

No caso sub judice, a única questão que cumpre decidir consiste em determinar a duração do trabalho a favor da comunidade decorrente da substituição da pena (principal) de multa (60 dias), imposta ao arguido. 


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2. Elementos relevantes a considerar:

- Na sequência das condenações que lhe foram impostas, supra referidas, o arguido HC... requereu, em 13-08-2010, a substituição da pena de multa por “trabalhos comunitários”, respeitando, se possível, o seu horário laboral;

 - No conhecimento do requerido, foi proferido despacho, o recorrido, do seguinte teor:

«HC... foi neste processo condenado, por sentença de 09.07.2010, transitado em julgado:

a) pela prática de um crime de injúria agravada, na pena de 60 dias de multa à razão diária de €6,50;

b) pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de sete meses de prisão, substituída por 250 dias de multa à razão diária de €6,50.

Antes de iniciado o prazo para pagamento voluntário das multas, requereu a substituição das mesmas por trabalho a favor da comunidade, nos termos de fls. 177 e 190.

(…).

A pena de multa referida em b) foi aplicada em substituição de pena de 7 meses de prisão, nos termos de fls. 165 e 166, ao abrigo do disposto no artigo 43.º do Código Penal.

Não se afigura legalmente admissível a substituição por pena de natureza diversa da pena de multa de substituição.

Com efeito, o citado artigo 43.º, n.ºs 1 e 2, no que respeita à pena (de multa) de substituição não faz qualquer remissão para o artigo 48.º (que prevê a possibilidade da substituição da pena de multa aplicada a título principal por trabalho a favor da comunidade) - embora remeta expressamente para a totalidade do artigo 47.º (designadamente a possibilidade de pagamento em prestações) e para o n.º 3 do artigo 49.º (possibilidade de suspensão - mas não substituição - em caso de incumprimento não culposo).

Nem tal hipótese se afigura consentânea com a natureza das penas de substituição e com a circunstância de na condenação ter sido (tacitamente) afastada a possibilidade (já então existente: cfr. artigo 58.º, n.º 1, do Código Penal) de substituição da originária pena de sete meses de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade (cfr., a propósito - porém à luz do Código Penal na versão originária - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1.ª Ed., 1993, págs. 368-70).

Cumpre pois indeferir o requerimento apresentado, na parte relativa à pena de multa aplicada em substituição da pena de sete meses de prisão.

Já no que respeita ao requerimento na parte relativa à pena acima referida em a) - pena de 60 dias de multa, aplicada a título principal, por crime de injúria agravada - nada obsta ao deferimento da requerida substituição de tal pena por trabalho.

Com efeito, atento o teor da informação dos Serviços de Reinserção Social junta a fls. 186 e seg.s (de acordo com a qual, além do mais, o condenado manifestou disponibilidade e vontade para prestar trabalho aos fins-de-semana em horário pós-laboral, em tarefas como as que foram propostas), bem como o considerado na sentença acerca da situação do arguido (cfr. fls. 162), afigura-se que a substituição da multa por trabalho realiza de forma adequada e suficiente as finalidades de prevenção geral e especial que no caso se suscitam no que respeita à condenação por injúria agravada, nada obstando à substituição da multa por trabalho nos termos do artigo 48.º, n.º 1, do Código Penal.

Estabelece o n.º 2 do citado artigo 48.º que “é correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 58.º e no n.º 1 do artigo 59.º”.

Nos termos de tais disposições, “para efeitos do disposto no n.º 1 [substituição de pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade], cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas”; “o trabalho a favor da comunidade pode ser prestado aos sábados, domingos e feriados, bem como nos dias úteis, mas neste caso os períodos de trabalho não podem prejudicar a jornada normal de trabalho, nem exceder, por dia, o permitido segundo o regime de horas extraordinárias aplicável”; “a prestação de trabalho a favor da comunidade pode ser provisoriamente suspensa por motivo grave de ordem médica, familiar, profissional, social ou outra, não podendo, no entanto, o tempo de execução da pena ultrapassar 30 meses”.

Salvo o devido respeito por diverso entendimento (o implícito na promoção do Ministério Público a fls. 190), a aplicação “correspondente” do disposto no citado n.º 3 do artigo 58.º do Código Penal (por remissão pelo artigo 48.º, n.º 2) não equivale à conversão de cada dia de pena de multa em uma hora de trabalho a favor da comunidade.

Com efeito, afigura-se que tal resultado conflituaria com a necessária unidade do sistema jurídico (cfr. artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), considerando a correspondência legalmente estabelecida entre a pena de multa aplicada a título principal e a eventual prisão subsidiária (esta equivalente ao número de dias daquela reduzido a 2/3 - artigo 49.º, n.º 1, do Código Penal), sendo que no presente caso, em que foi aplicada a pena de 60 dias de multa, o eventual incumprimento de tal pena poderia implicar a conversão da mesma em 40 dias de prisão subsidiária.

A 40 dias de prisão, de acordo como o critério legal estabelecido no artigo 58.º, n.º 3 (norma de que resulta que são legalmente equiparáveis punições de um dia de privação de liberdade e de uma hora de prestação a favor da comunidade), corresponderiam 40 horas de prestação a favor da comunidade.

A consideração da diversa natureza dogmática da pena (principal) de prisão a substituir por trabalho nos termos do artigo 58.º do Código Penal e da prisão subsidiária que hipoteticamente poderia substituir a pena (principal) de multa não pode fazer esquecer que em qualquer das hipóteses, “(…) na sua execução, quer uma quer outra têm exactamente o mesmo conteúdo material (…): a privação de liberdade de um cidadão, decorrente de uma sanção derivada de uma condenação criminal, cumprida em estabelecimento prisional durante um determinado período de tempo” (Acórdão da Relação de Coimbra de 09.12.2009 - em que se aprecia questão diversa - que pode ler-se em www.dgsi.pt/jtrc com o n.º de processo 126/05.4GTCBR.C1).

Ora - sempre ressalvado o devido respeito por diverso entendimento - não se afigura coadunável com o princípio da unidade do sistema jurídico e a presunção de (além do mais) coerência das resoluções legislativas (artigo 9.º, n. 1 e n.º 3, do Código Civil) aceitar que da remissão pelo artigo 48.º, n.º 3, para o artigo 58.º, n.º 3, possa resultar a conversão da pena de 60 dias de multa em 60 horas de trabalho (como resultaria da interpretação de tal remissão como implicando que aqui devesse ler-se que para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 48.º [substituição, a requerimento do condenado, da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade] cada dia de multa fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas).

Com efeito, a 60 dias de multa a lei equipara 40 dias de privação da liberdade e a mesma lei a 40 dias de prisão equipara 40 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.

Pelo exposto, decide-se:

a) indeferir o requerimento de HC... para substituição por trabalho a favor da comunidade da pena de 250 dias de multa à razão diária de €6,50 (…), que lhe foi aplicada em substituição da pena de 7 meses de prisão em que originariamente foi condenado pela prática de crime de ofensa à integridade física qualificada;

b) deferir o requerimento do mesmo HC... no que respeita à pretendida substituição da pena de multa em que foi condenado por crime de injúria agravada e, em consequência, substituir tal pena de sessenta dias de multa por 40 (quarenta) horas de trabalho a favor da comunidade, a prestar executando tarefas relacionadas com (…), a executar para a Junta de Freguesia de … aos Sábados e Domingos, entre as 08:00 e as 18:00 horas, em datas e horas a acordar aquando do início de execução da medida.

(…)». 


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6. Do mérito do recurso:

Dispõe o artigo 48.º do Código Penal:

«1 - A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

2 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 58.º e no n.º 1 do artigo 59.º».

Nos seus n.ºs 3 e 4, estatui o artigo 58.º do citado diploma (redacção da Lei 59/2007, de 4 de Setembro):

«3 - Para efeitos do n.º 1, cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas.

4 – O trabalho a favor da comunidade pode ser prestado aos sábados, domingos e feriados, bem como nos dias úteis, mas neste caso os períodos de trabalho não podem prejudicar a jornada normal de trabalho, nem exceder, por dia, o permitido segundo o regime de horas extraordinárias aplicável».
A letra do citado artigo 48.º do CP, como ponto de partida da interpretação da norma, aponta decisivamente no sentido de ser a pena de multa, e não a prisão resultante da sua conversão, o ponto referencial determinante do número de dias de trabalho a favor da comunidade.

Na realidade, para o referido efeito, a norma alude a «pena de multa» e não a pena subsidiária da multa ou a expressão equivalente.

Mas também o elemento teleológico, sustentado no elemento sistemático de interpretação, não permite retirar da norma outro sentido e alcance. 

Como se colhe expressamente do relatório que antecede a sua publicação, foi propósito confessado do CP/82 abandonar definitivamente a concepção segundo a qual à pena pecuniária estava reservado um papel marginal e subsidiário no sistema sancionatório português, e dar expressão prática à convicção da superioridade político-criminal da pena de multa face à pena de prisão no tratamento da pequena e da média criminalidade[1].

Corporizando essa ideia, o legislador explicitou as operações de determinação da pena de multa, os seus critérios próprios de afirmação e alargou o âmbito da sua aplicação e execução.

«Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços (…)», prescreve o artigo 49.º, n.º 1, do Código Penal.

Dado o carácter pecuniário da multa, o legislador previu um sistema múltiplo e com etapas sucessivas para o pagamento: a) pagamento voluntário, no prazo legalmente estabelecido no artigo 489.º do Código de Processo Penal; b) pagamento diferido ou pagamento em prestações (artigo 47.º do CP); c) substituição por trabalho a favor da comunidade (artigos 49.º, n.º 1, do CP, e 490.º do CPP).

Esgotadas as duas primeiras hipóteses e não sendo requerida a substituição da multa por trabalho, sucede-se a via processual tendente à cobrança coerciva da multa (artigo 49.º, n.º 1, do CP, e 491.º do CPP).

 Assim, a prisão resultante da conversão da pena de multa não está para com esta numa relação de alternatividade, mas de subsidiariedade, já que só se autonomiza, para ser cumprida, depois de esgotados todos os outros meios de cumprimento da multa.

Nestes termos, a sistematização conferida pelo legislador ao regime de pagamento/substituição da pena de multa não deixa dúvidas quando à teleologia presente nas normas, conjugadas, dos artigos 48.º e 58.º, n.º 3, do Código penal, qual seja: a determinação dos dias de trabalho a favor da comunidade deve ser feita por referência à pena de multa fixada e não à pena de prisão que daquela seja subsidiária.

Daí que o n.º 2 do artigo 48.º do CP acentue que à situação concreta que regula “é correspondentemente aplicável o disposto” no texto-norma do artigo 58.º, n.º 3. Dito por outras palavras, onde se diz, neste normativo: “cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas”, quer o legislador referir que, verificados os pressupostos previstos no artigo 48.º, n.º 1, “cada dia de multa fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas”[2].

Não pode, deste modo, manter-se o despacho recorrido na parte em que, deferindo o requerimento do arguido HC..., ficou decidido substituir a pena de 60 dias de multa, em que este foi condenado, pela prática de um crime de injúria agravado, por 40 horas de trabalho a favor da comunidade.


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III. Decisão:

Posto o que precede, os Juízes da 5.ª Secção deste Tribunal da Relação concedem provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogando parcialmente o despacho recorrido, substituem a pena de 60 (sessenta) dias de multa imposta ao arguido HC... por 60 (sessenta) horas de trabalho a favor da comunidade.

Sem tributação.


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Alberto Mira (Relator)
Elisa Sales


[1] Cfr., Jorge de Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 117.
[2] Neste sentido, cfr, v.g., Acs. da Relação de Coimbra de 09-04-2008, proc. n.º 2546/04.2PCCBR-A.C1; 16-04-2008, proc. n.º 1429/07.9PBCBR; 30-04-2008, proc. n.º 35/07.2PTCBR-A.C1; 28-05-2008, proc. n.º 49/07.2PTCBR-A.C1 e de 16-02-2011, proc. n.º 2151/03.0PTAVR-A.C1; e da Relação de Évora de 06-04-2010, proc. n.º 377/07.7GTBJA-A.E1 e de 08-04-2010, proc. n.º 247/07.9GBASL-A.E1, todos publicados em www.dgsi.pt.