Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1/22.8T8LRA-F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO FRANCISCO SANTOS
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
INDEFERIMENTO LIMINAR
SITUAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
NÃO APRESENTAÇÃO À INSOLVÊNCIA
PREJUÍZO PARA OS CREDORES
AUMENTO DO PASSIVO
FACTOS RESULTANTES DO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 03/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 3.º, N.º 1, 18.º, N.º 1, 20.º, N.º 1, 30.º, N.ºS 3 E 4, 238.º, N.º 1, AL.ª D), DO CIRE, E 5.º, N.º 2, AL.ª C), DO CPCIV., POR REMISSÃO DO ARTIGO 17.º, N.º 1, DO CIRE
Sumário: I – A falta de cumprimento de uma pluralidade de obrigações de elevado montante é facto que, segundo a al.ª b) do n.º 1 do art. 20.º do CIRE, revela a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.

II – A circunstância de os recorrentes/devedores não terem provado que, apesar daquela falta de cumprimento, dispunham de meios para satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, legitima a presunção de que, quando as sociedades de que aqueles eram garantes (mediante a prestação de avales e fiança com renúncia ao benefício da excussão prévia) foram declaradas insolventes, tais recorrentes não tinham meios para pagar pontualmente a generalidade das suas obrigações vencidas, pelo que estavam em situação de insolvência, o que era do seu necessário conhecimento, por se tratar de factos pessoais.

III – Se entre a altura em que deviam apresentar-se à insolvência e aquela em que foram declarados em tal situação, os devedores prestaram novos avales e fianças a outras empresas de que foram sócios/acionistas e gerentes/administradores, e se constituíram devedores de outras obrigações, demonstrado resulta também, por via do aumento do passivo, o prejuízo para os credores em consequência da não apresentação à insolvência.

IV – Na decisão respetiva pode atender-se aos factos de que o tribunal tenha conhecimento no exercício das suas funções, ainda que não alegados, por resultarem do processo de insolvência.

Decisão Texto Integral:
Relator: Emídio Francisco Santos
1.ª Adjunta: Catarina Gonçalves
2.ª Adjunta: Maria João Areias


Processo n.º 1/22.8T8LRAF.C1

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

AA e sua esposa BB foram declarados insolventes por sentença proferida em 7 de Fevereiro de 2022.

Requereram a concessão da exoneração do passivo restante, declarando que preenchiam os respectivos requisitos.

O administrador da insolvência não se opôs à concessão do benefício.

Em sentido contrário, pronunciaram-se contra a admissão do pedido de exoneração os seguintes credores dos insolventes:

A... alegou, em síntese, que os insolventes omitiram informação sobre o património, rendimentos e actividade profissional desenvolvida e que da actuação deles resultava claro que tinham vindo a frustrar a satisfação dos créditos detidos pelos seus credores, numa censurável conduta subsumível às alíneas d) e g) do n.º 1 do art.º 238.º do CIRE;

O Banco 1...;

B..., Sucursal em Portugal da francesa B...: alegou que não estavam reunidos os pressupostos para a sua concessão;

Banco 2..., S.A., alegou em síntese:
· Que as dívidas dos insolventes, reclamadas no processo de insolvência pelos diversos credores, encontram-se integralmente vencidas, pelo menos, desde a data da declaração de insolvência das empresas que os mesmos administravam, C..., S.A., D..., Lda. e E..., S.A., ascendendo os valores reclamados pela Autoridade Tributária, credores bancários ou cessionários de créditos concedidos pelos credores bancários, a valores astronómicos que aqueles credores nunca conseguiram minimamente ressarcir nos processos de insolvência daquelas empresas;
· Que os insolventes apresentam cargos de administração em várias sociedades;
· Que, não obstante os cargos de administração ocupados, os seus rendimentos declarados aproximam-se do salário mínimo, sendo, por tal facto, impenhoráveis;
· Que as participações sociais nessas sociedades são inexistentes e ou dissipadas;
· Que os insolventes vivem numa casa grandiosa, na Estrada nacional ..., Casa ...7, no ..., ..., mas uma das sociedades que administram diz que é sua e que os insolventes ali residem a titulo gratuito, sendo tudo propriedade dessa sociedade que nada lhes paga a não ser um parco salário;
· Que o avultado dinheiro que as sociedades que administravam receberam após avaliações de património imobiliário por elas adquirido, cuja idoneidade é questionável, pela depreciação de valores num curto espaço de tempo, levantam as maiores duvidas, por terem acontecido em Instituições de crédito distintas;
· Que a insolvente CC dissipou o seu quinhão hereditário na herança de DD, que foi penhorado em execução fiscal, tendo tal quinhão sido alienado a sociedade por ela administrada, que, por sua vez, o alienou a outra sociedade também administrada pela insolvente.

Rematou a sua alegação invocando, contra a admissão liminar da exoneração do passivo restante, o disposto no n.º 2, alínea a), do artigo 186.º e nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 238.º, ambos do CIRE.

Os insolventes responderam, sustentando que reuniam as condições para serem exonerados do passivo restante.

O Meritíssimo juiz do tribunal a quo proferiu decisão, indeferindo liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante com fundamento na alínea d) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE.

O recurso:

Os insolventes não se conformaram com a decisão e interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo se revogasse a decisão recorrida e se desse continuidade ao pedido.

Os fundamentos do recurso, mais desenvolvidos à frente, consistiram na imputação à decisão recorrida da violação dos artigos 235.º, 236.º, 237.º e 238.º, todos do CIRE.

Não houve resposta ao recuso.


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Síntese das questões suscitadas pelo recurso:

Saber se, ao indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 235.º, 236.º, 237.º e 238.º, todos do CIRE.


*

Não tendo havido impugnação da decisão relativa à matéria de facto, consideram-se provados os seguintes factos discriminados na decisão recorrida:
1. O presente processo de insolvência foi proposto em 02.01.2022 pelo credor A... contra os requeridos AA e BB, os quais não deduziram oposição.
2. Por sentença datada de 07/02/2022 foi declarada a insolvência dos requeridos.
3. O insolvente nasceu em .../.../1953 e a insolvente nasceu em .../.../1955.
4. Os insolventes contraíram casamento católico no dia 04/06/1977, sob o regime da comunhão geral de bens.
5. Os insolventes alegam que o único rendimento que neste momento têm é o salário que cada um deles aufere, equivalente ao salário mínimo nacional, por trabalharem para a empresa F..., S.A.
6. Os insolventes alegam que é com esses dois salários que fazem face às suas despesas, dado que até a casa que habitam já foi objecto de venda num processo judicial, e que agora têm de suportar a respectiva renda no valor (mensal) de 250,00€ enquanto ali se mantiverem, bem como as despesas com tal casa e as despesas correntes familiares com alimentação, saúde, electricidade.
7. Foram reclamados nestes autos e reconhecidos na lista de credores reconhecidos a que alude o art.º 129.º do CIRE, os seguintes credores/créditos:
a) G..., S.A, com créditos no montante total de € 477.044,66, vencidos em 28/10/2009;
b) Autoridade Tributária e Aduaneira, com créditos no montante total de € 1.397.440,18, vencidos em diversas datas compreendidas entre 31/08/2009 e 09/01/2014, respeitantes a diversos períodos de tributação compreendidos entre o mês de Fevereiro de 2005 e o ano de 2013;
c) Banco 1..., S.A., com créditos no montante total de € 117.202,42, vencidos em 15/12/2007;
d) Banco 3..., S.A., com créditos no montante total de € 37.808.628,79, constituídos em diversas datas compreendidas entre 06/06/2014 e 09/09/2020, vencidos pelo menos a 07/02/2022 (data da declaração de insolvência dos Requeridos);
e) Banco 2..., S.A., com créditos no montante total de € 12.284.732,54, vencidos em diversas datas compreendidas entre 31/12/2009 e 21/10/2011;
f) B..., Sucursal em Portugal, S.A., com créditos no montante total de € 732.153,29, constituídos em 26/09/2013 e vencidos em 09/10/2013;
g) H..., DAC, com créditos no montante total de € 316.462,10, vencidos em 23/11/2010;
h) I... GMBH, por cessão do Banco 4..., S.A., com créditos no montante total de € 19,64, vencidos em 02/12/2010;
i) J..., S.A., com créditos no montante total de € 824.187,66, vencidos em diversas datas compreendidas nos anos de 2010 e 2011;
j) K..., S.A., com créditos no montante total de € 2.043,74, vencidos em 2018;
k) A..., com créditos no montante total de € 2.572.627,11, vencidos em diversas datas a partir de Outubro de 2008;
l) Instituto da Segurança Social/ Centro Distrital de Leiria, com créditos no montante total de € 425.498,15, vencidos em diversas datas compreendidas entre Dezembro de 2008 e Novembro de 2010;
m) L..., Unipessoal, Lda, por cessão do Banco 1..., com créditos no montante total de € 66.684,79, vencidos em 26/04/2021;
n) M... S.A., com créditos no montante total de € 64.769,73, vencidos em 28/01/2013;
o) N..., S.À.R.L, com créditos no montante total de € 934.990,61, vencidos em diversas datas de 2009 a 2011;
p) Banco 5..., S.A., com créditos no montante total de € 73.190,79, vencidos em 27/05/2011;
q) O..., S.A., com créditos no montante total de € 11.663.337,63, vencidos em 17/04/2013;
r) P..., STC, com créditos no montante total de € 128.888,09, vencidos em 04/07/2011;
s) Q..., S.A., com créditos no montante total de € 688,97, vencidos a 07/02/2022 (data da declaração de insolvência dos Requeridos).
8. A maior parte dos créditos supra-referidos resulta sobretudo da prestação de avales e fianças pelos insolventes a sociedades comerciais de que foram sócios/accionistas e gerentes/administradores, nomeadamente C..., S.A., D..., Lda., R..., S.A., S..., SA, T..., Lda. E F..., SA.
9. Foram declaradas insolventes as seguintes sociedades comerciais: R..., S.A., no âmbito do Processo 1493/10...., através de sentença proferida em 20/10/2010; C..., SA, no âmbito do Processo 701/10...., através de sentença proferida em 21/10/2011; U..., SA, no âmbito do Processo 743/10...., através de sentença proferida em 21/10/2011.
10. Por requerimento de 22/08/2022 junto ao ap. B, a credora Banco 3..., S.A. desistiu da reclamação de créditos que apresentou nos autos.
11. Por escritura pública de 26.03.2010, AA e BB declararam vender à sociedade comercial denominada “V..., Unipessoal, Lda.” (com o NIPC ...), pelo preço de € 52.924,00, o quinhão hereditário que lhes ficou a pertencer na herança aberta por óbito de DD, pai de BB.
12. Foi apreendido no âmbito destes autos de insolvência o seguinte:
· prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o nº ...52, da Freguesia ..., com o valor patrimonial (tributário) de € 74,34;
· saldos bancários de 3 contas domiciliadas na Banco 2..., SA;
· “contrato de comodato”, celebrado entre a F..., SA, como comodante, e o insolvente AA como comodatário, datado de 30/04/2018.
13. Não consta dos certificados de registo criminal dos insolventes juntos aos autos a prática dos crimes referidos no art.º 238º, nº 1, al. f), do CIRE.

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Descritos os factos, passemos à resolução da questão acima enunciada.

A decisão sob recurso indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE. Segundo este preceito “o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se o devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica”.   

Decorre dele que o indeferimento do pedido pressupõe a verificação das seguintes condições:

a) O incumprimento do dever de apresentação à insolvência ou, não havendo este dever, a não apresentação do devedor à insolvência nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência;

b) Prejuízo para os credores em consequência da não apresentação à insolvência;

c) Conhecimento por parte do devedor ou ignorância com culpa grave da inexistência de qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.

A decisão sob recurso considerou reunidas estas condições.

Em relação à primeira, entendeu que os devedores, ora recorrentes, ficaram em situação de insolvência após a declaração de insolvência da sociedade R..., S.A., em 20-10-201, da sociedade C..., em 21-10-2011 e da sociedade U... SA, em 21-10-2011. Entendeu ainda que, com a declaração de insolvência destas sociedades, venceram-se as dívidas delas e o vencimento de tais dívidas afectou os respectivos avalistas/fiadores, como era o caso dos devedores, por passar a impender sobre eles o dever de satisfazer essas obrigações, pelo que, pelo menos em Outubro de 2011, sabiam ou deviam saber que não tinham capacidade para pagar tais dívidas. Em consequência, era seu dever terem-se apresentado à insolvência no prazo máximo de seis meses seguintes a 21-10-2011, ou seja, até 21-04-2012.

Os recorrentes não puseram abertamente em causa que não se apresentaram à insolvência nos seis meses seguintes ao momento em que caíram em tal situação. Com o que eles claramente não concordam é com o entendimento de que deviam apresentar-se à insolvência até 21-04-2012. Discordam de tal entendimento com a alegação de que não se podia menosprezar o facto de, nessa data, ainda não se encontrar vendido o património das sociedades insolventes e que só após a liquidação do activo de tais sociedades – que não constava do despacho recorrido – é que eles, recorrentes, podiam tomar consciência da sua incapacidade para liquidar as obrigações que assumiram, decorrentes das actividades das referidas sociedades.

Salvo o devido respeito, esta argumentação não colhe contra a decisão recorrida.

A alegação dos recorrentes remete-nos para a resolução de duas questões: para a de saber em que momento é que era de considerá-los em situação de insolvência e para a de saber em que data tiveram ou deviam ter conhecimento de tal situação. 

A resolução destas questões remete-nos para o n.º 1 do artigo 3.º do CIRE. Segundo este preceito, é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas. 

A impossibilidade que é tida em vista é a impossibilidade de cumprir pontualmente as obrigações vencidas. Socorrendo-nos a este propósito das palavras de Carvalho Fernandes e João Labareda, “… não interessa que (ainda) se possa cumprir num momento futuro qualquer; importa igualmente que a prestação ocorra no tempo adequado e, por isso, pontualmente” [Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, página 70]. Deste modo, o devedor está em situação de insolvência quando se encontre impossibilitado de cumprir pontualmente as suas obrigações vencidas.

A determinação precisa do momento em que o devedor cai nesta impossibilidade não é fácil, pois ela não é apreensível directamente e, na generalidade dos casos, é fruto de um processo complexo, que se prolonga no tempo. E porque a realidade é assim, o legislador socorre-se de factos que indiciam tal situação, segundo as regras da experiência comum. É o que se passa com os factos previstos no n.º 1 do artigo 20.º do CIRE. Verificado algum deles, presume-se a situação de insolvência do devedor. Presunção que só deixará de valer se o devedor provar que, não obstante a ocorrência de algum deles, não está impossibilitado de cumprir pontualmente as suas obrigações vencidas. É o que resulta da parte final do n.º 3 do artigo 30.º do CIRE e do n.º 4 do mesmo preceito.

Importa notar que apesar de estarem previstos como fundamentos do pedido de insolvência, quando deduzido por quem for legalmente responsável pelas dívidas do devedor, por qualquer credor ou pelo Ministério, os factos em causa não perdem o seu valor de indícios ou presunções de insolvência para efeitos de determinação do momento em que o devedor conhecia ou devia conhecer a sua situação de insolvência. Daí que tais factos relevem também para efeitos da alínea d) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE.

Precise-se ainda que, no caso, a questão que se coloca em relação aos devedores, ora recorrentes, não é “o incumprimento do dever de apresentação à insolvência”. Como bem se escreveu na decisão sob recurso, dado que os insolventes são pessoas singulares, não titulares de uma empresa, não estavam sujeitos ao dever de se apresentarem à insolvência. É o que resulta do n.º 2 do artigo 18.º do CIRE. Em relação a eles, o que está em causa é a abstenção da apresentação à insolvência nos seis meses seguintes àquele em que tiverem conhecimento da sua situação de insolvência ou em que deviam conhecê-la (artigo 18.º, n.º 1 do CIRE).

Tendo em conta a noção de insolvência constante do artigo 3.º, n.º 1, do CIRE, o disposto no artigo 20.º n.º 1, especialmente a alínea b), do mesmo diploma, e a matéria de facto apurada, é de concluir, como fez a decisão recorrida, que os ora recorrentes deviam apresentar-se à insolvência o mais tardar até 21 de Abril de 2012. Vejamos.

 A lista dos créditos reconhecidos mostra a seguinte realidade:
· O passivo dos ora recorrentes é de cerca de trinta e dois milhões de euros;
· A maior parte do passivo resulta da prestação de avales e fianças a sociedades das quais foram sócios/accionistas e administradores/gerentes;
· Cerca de metade desse passivo venceu-se entre Fevereiro de 2005 e Outubro de 2010, mais concretamente:
· O crédito da G... S.A. no montante de € 477 044,66, está em dívida desde 28-10-2009;
· Parte do crédito da Autoridade Tributária, cujo montante global é de € 1 397 440,18 está em dívida desde Fevereiro de 2005;
· O crédito do Banco 1..., no montante de € 117 202,42, está em dívida desde 15-12-2007;
· Parte do crédito da Banco 2..., cujo montante global é de € 12 284 732,54, está em dívida desde 31-12-2009;
· O crédito de A... no montante de € 2 572 627,11 está em dívida desde Outubro de 2008;
· Parte do crédito do Instituto da Segurança Social, cujo montante global é de € 425 498,15, está em dívida desde Dezembro de 2008;
· Parte do crédito de N... SARL, cujo montante global é de € 934 990,61, está em dívida desde 2009. 

Vemos, assim, que bem antes de as sociedades serem declaradas em situação de insolvência, havia uma pluralidade de obrigações em situação de incumprimento, cujo montante era muito elevado. A falta de cumprimento de uma pluralidade de obrigações de elevado montante é facto que, segundo a alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, revela a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.

A circunstância de os ora recorrentes não terem provado, como lhes competia, que, apesar da falta de cumprimento de tais obrigações, dispunham de meios para satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, legitima a presunção de que, quando as sociedades foram declaradas insolventes, em 21-10-2011, os ora recorrentes não tinham meios para pagarem pontualmente a generalidade das suas obrigações vencidas. Estavam, pois, em situação de insolvência.

Esta situação era necessariamente do seu conhecimento. Com efeito, as realidades que evidenciavam tal situação – o universo das obrigações não cumpridas, os montantes destas e os meios de que dispunham para as cumprir – eram constituídas por factos pessoais, logo factos necessariamente do seu conhecimento.

Contra esta conclusão não colhe a alegação de que só após a liquidação do activo das sociedades é que eles podiam tomar consciência da sua capacidade para liquidar as obrigações.

Ao alegarem neste sentido, os recorrentes argumentam como se a obrigação de pagarem o passivo acima indicado estivesse dependente da liquidação do activo das sociedades nos processos em que elas foram declaradas insolventes.

Sucede que não existia esta dependência, pelo menos nos casos em que a obrigação de pagamento que recaía sobre os ora recorrentes tinha a sua fonte em avales e na prestação de fiança com renúncia ao benefício da excussão e com assunção da obrigação de principais pagadores. Nestas hipóteses, os credores podiam demandar directamente os ora insolventes pela totalidade da dívida sem aguardar pelo resultado da liquidação do activo das sociedades. É o que resulta, em relação ao aval, dos artigos 32.º e 47.º da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças e, quanto à fiança, do artigo 640.º do Código Civil.

Ora, pelo menos em relação ao crédito de A..., que, recorde-se era de € 2 572 627,11, a responsabilidade dos ora insolventes não estava dependente da liquidação do activo das sociedades, mais concretamente da sociedade C.... Na verdade, resulta da sentença que declarou os ora recorrentes em situação de insolvência o seguinte com relevância para a questão ora em apreciação:
· Que a requerente do pedido de insolvência – A..., deu de arrendamento à sociedade C... um prédio urbano, e que os ora recorrentes assumiram-se solidariamente como fiadores e principais pagadores, com renúncia ao benefício da excussão prévia, respondendo pelo fiel cumprimento de todas as cláusulas do contrato, seus aditamentos e alterações e suas renovações, até à efectiva restituição do locado, livre, devoluto e nas condições estipuladas e declararam que a fiança prestada cobria todas as obrigações decorrentes para a sua afiançada, a C..., Lda., do contrato, incluindo a responsabilidade adveniente do seu incumprimento e tinha a máxima amplitude possibilitada pela lei, substituindo por toda a duração das obrigações da afiançada, ainda que houvesse alteração das condições ou rendas fixadas;
· Que em 5-06-2009, a sociedade C... confessou-se devedora da quantia de € 1.498.572,10 (um milhão quatrocentos e noventa e oito mil quinhentos e setenta e dois euros e dez cêntimos), referente às rendas de Novembro de 2008 a Julho de 2009;
· Que em 08.07.2009, a requerente procedeu à resolução do contrato arrendamento por falta de pagamento das rendas nem a C..., Lda., e nem a arrendatária nem os fiadores efectuaram o pagamento dos montantes em dívida.

Estes factos mostram que os ora recorrentes assumiram-se como principais pagadores das rendas e que renunciaram ao benefício da excussão, razão pela qual lhes não era lícito recusarem o pagamento enquanto o credor não tivesse excutido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do seu crédito. Logo, a obrigação de pagamento de tal dívida não estava dependente da liquidação do activo da sociedade.

Em síntese, não merece censura, a decisão recorrida quando entendeu que os ora recorrentes não se apresentaram à insolvência nos seis meses seguintes à verificação de tal situação.

Apreciemos, de seguida, a crítica que os recorrentes dirigiram à sentença na parte em que esta considerou verificada a segunda condição de aplicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE – prejuízo para os credores em consequência da não apresentação à insolvência.

A decisão considerou verificado este prejuízo dizendo que, entre a altura em que deviam apresentar-se à insolvência e aquele em que foram declarados em tal situação, os devedores prestaram novos avales e fianças a outras empresas de que foram sócios/accionistas e gerentes/administradores, bem como se constituíram devedores de outras obrigações. No entender da decisão, a constituição de novos débitos traduziu-se num prejuízo para o conjunto dos credores, apesar de um deles desistir da respectiva reclamação de créditos, sobretudo para os que primeiramente se constituíram como tal, pois reduziu ainda mais a possibilidade de estes obterem algum ressarcimento minimamente significativo dos seis créditos.

Os recorrentes contestam esta fundamentação com a seguinte alegação:
· Que da omissão de apresentação dos insolventes no prazo de seis meses não resultou qualquer prejuízo para os credores;
· Que o prejuízo para os credores previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE não resulta automaticamente do atraso na apresentação da insolvência;
· Que é necessária a existência de um nexo de causalidade entre a não apresentação à insolvência e o prejuízo para os credores, que deve ser irreversível e grave e tem de ser tal que implique patente agravamento da situação dos credores que assim ficariam mais onerados pela atitude culposa do devedor;
· Que nenhum dos credores particulariza qualquer facto concreto de onde se possa extrair prejuízos graves e irreversíveis resultantes da omissão do ónus de apresentação à insolvência, cujo ónus da prova dos requisitos descritos no artigo 238.º, n.º 1, do CIRE lhes incumbia;
· Que o aval prestado pelos insolventes às operações financeiras contradas entre a sociedade F... S.A. e o Banco 3... não são suficientes para demonstrar qualquer situação de agravamento da situação dos credores uma vez que houve desistência da reclamação de créditos apresentada por aquele credor, nem houve qualquer agravamento da responsabilidade dos insolventes;
· Que da lista de créditos juntos aos autos existe apenas um crédito pessoal e actual no valor de 688,97 euro, resultante da utilização de cartão de crédito e que não se encontrava em incumprimento à data da declaração de insolvência dos recorrentes;
· Que todos os demais foram contraídos pelas sociedades insolventes administradas pelos agora recorrentes, pelo que algumas datas de vencimento encontram-se erradas, como sucede com as datas de vencimento dos seguintes créditos: o crédito reclamado por O... nãos e venceu em 17-04-2013, uma vez que foi um crédito contraído pela C... SA, avalizado pelos insolventes, sociedade que foi declarada insolvente em 20/10/2011; o crédito reclamado pela credora L..., Unipessoal, Ldª, não pode ter-se como vencido a 26/04/2021, uma vez que tal crédito decorre de aval prestado à sociedade R..., Ldª, que foi declarada insolvente em 20/10/2010; o crédito reclamado pela B..., Sucursal em Portugal, S.A., não podem ter sido constituídos em 26/09/2013 e vencidos em 09/10/2013, uma vez que resultando de avais prestados pelos insolventes às sociedades insolventes, não se constituíram após a insolvência das mesmas, nem se venceram em menos de 15 dias após a sua constituição;
· Que os insolventes, após a declaração de insolvência daquelas sociedades, não contraíram novos créditos, sendo todos eles provenientes dos créditos contraídos pelas sociedades insolventes;
· Que o avolumar do passivo que consta do despacho recorrido não pode ser outro que não o avolumar dos juros que continuam a vencer, uma vez que o capital em dívida permaneceu inalterado;
· Que o vencimento dos juros não permite concluir pela existência de um prejuízo, uma vez que a respectiva contagem não cessa com a declaração de insolvência continuando a vencer-se e são considerados créditos subordinados;
· Que o parco rendimento auferido pelos insolventes e a ausência de património não fundamenta o alegado prejuízo pelos credores pelo retardamento da apresentação dos mesmos à insolvência.

Pese embora o respeito que nos merece esta alegação, ela não vale contra a decisão recorrida, apesar de serem exactas algumas afirmações nela compreendidas relativas ao sentido da alínea d) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE, mais concretamente, é exacto: que a não apresentação tempestiva à insolvência não constitui necessariamente um prejuízo para os credores; que o prejuízo para os credores tido em vista pelo referido preceito não é constituído pelo facto de o passivo aumentar em consequência do vencimento de juros; e que o ónus da prova dos factos que levam ao indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante cabe a quem se opuser a tal concessão.

Na verdade, o STJ em afirmado na interpretação do artigo 238.º, n.º 1, alínea d) do CIRE, o seguinte:
1. Que o atraso na apresentação à insolvência não faz presumir só por si a existência de prejuízo para os credores;
2. Que o mero vencimento de juros sobre as obrigações em dívida não configura o prejuízo tido em vista pela alínea d) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE;
3. Que o prejuízo carece de ser demonstrado.

Citam-se em abono desta interpretação, a titulo de exemplo, o acórdão do STJ proferido em 3-11-2011, no processo n.º 85/10.1TBVCD, e o acórdão do STJ proferido em 27-03-2014, no processo n.º 331/13.0T2STC, ambos publicados no sítio www.dgsi.pt.

Sucede que as alegações dos recorrentes tidas como exactas não têm pertinência para o caso. Na verdade, elas seriam pertinentes se a decisão sob recurso tivesse interpretado a alínea d) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE no sentido de que o atraso na apresentação à insolvência fazia presumir só por si a existência de prejuízo para os credores e que o mero vencimento de juros também era facto prejudicial aos credores, o que não aconteceu.

No que diz respeito às restantes alegações, cabe dizer o seguinte.

Sobre a alegação de que nenhum dos credores particularizou qualquer facto concreto de onde se pudesse extrair prejuízos graves e irreversíveis para eles da não apresentação à insolvência:

Em primeiro lugar, a alínea d) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE não exige que o prejuízo para os credores resultantes da não apresentação dos devedores à insolvência seja irreversível. Exige apenas que a não apresentação lhes cause prejuízo.

Em segundo lugar, a circunstância de os credores não terem especificado os factos constitutivos dos prejuízos para eles, credores, não impedia o Meritíssimo juiz a quo de tomar em consideração os factos que tomou para indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante. Com efeito, o tribunal poderá tomar em consideração factos não alegados pelas partes, socorrendo-se para tanto do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPC, aplicável ao processo de insolvência, designadamente ao incidente de exoneração do passivo restante, por remissão do n.º 1 do artigo 17.º do CIRE. Para o caso interessa-nos de modo especial a hipótese da alínea c) na parte em que dispõe que além dos factos articulados, são ainda considerados pelo juiz os factos de que o tribunal tenha conhecimento no exercício das suas funções. Ora os factos que a decisão sob recurso tomou em consideração para responder à questão do prejuízo para os credores – factos relativos ao passivo dos insolventes – resultam do processo de insolvência, como o atesta a decisão recorrida ao afirmar que os factos considerados provados resultavam “nomeadamente do processado anterior e dos elementos e documentos juntos aos presentes autos principais e respectivos apensos (incluindo as reclamações de créditos juntas pelo Exmº Administrador de Insolvência, constantes do ap. E – Depósito Documental)”. E os factos do processo de insolvência são factos que o Meritíssimo juiz do tribunal a quo tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.

Sobre a alegação que, da omissão da apresentação dos insolventes à insolvência no prazo de seis meses, não resultou qualquer prejuízo para os credores:

Esta alegação remete-nos para o conceito de prejuízo para os credores tido em vista pela alínea d) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE.

O preceito não contém a noção de prejuízo para os credores. Podemos dizer, no entanto, socorrendo-nos das palavras de Luís Correia Araújo, a propósito do dano resultante do incumprimento do dever de apresentação à insolvência, que “o dano específico – e meramente potencial – resultante do incumprimento do dever de apresentação atempada à insolvência, é, portanto, apenas o agravamento da situação de insolvência. Por já existir situação de insolvência quando o dano ocorre, este não é igual à totalidade entre passivo e ativo, mas apenas à parte dessa diferença que lhe tenha acrescido após o fim do prazo para a apresentação da sociedade à insolvência” [A responsabilidade Civil dos Administradores na Insolvência da Sociedade Comercial A Qualificação da Insolvência entre as vias para a responsabilização dos administradores, Almedina, página 192].

O agravamento da situação de insolvência tanto se dá pelo aumento do passivo como pela diminuição do activo.

No caso, como bem entendeu a decisão sob recurso, a não apresentação tempestiva à insolvência aumentou o passivo dos ora insolventes. Com efeito, está provado que, depois de terem caído em situação de insolvência, contraíram novas obrigações, nomeadamente perante: 1) B..., Sucursal em Portugal, S.A., 2) M... SA; 3) K..., S.A.; 4) W... S.A.

A propósito da data de constituição do crédito da B... importa dizer o seguinte. Os recorrentes alegam que a data constante da matéria de facto – 26-09-2013 – está errada, uma vez que tal crédito resultava de avales prestados por eles a favor de obrigações das sociedades declaradas insolventes, ou seja, tal crédito ter-se-ia constituído antes de 20 ou 21 de Outubro de 2010.

Esta alegação configura uma impugnação da decisão de julgar provado que tal crédito se constitui em 26-09-2013. Esta impugnação é, no entanto, de rejeitar, pois decorre da alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC que, quando seja impugnada a decisão relativa à matéria de facto, o recorrente tem o ónus de especificar, sob pena de rejeição da impugnação, os concretos meios de prova que impõem decisão sobre o ponto da matéria de facto impugnada diversa da recorrida, e os recorrentes não indicaram os meios de prova que demonstravam que o crédito da B... resultava de avales prestado antes da declaração de insolvência das sociedades.

O aumento do passivo é prejudicial tanto para os credores que existiam no momento em que os devedores caíram em situação de insolvência como para os “novos credores”. É prejudicial para aqueles porque o aumento do número de credores da insolvência diminui a parte que lhes cabe no produto da venda dos bens apreendidos e a diminuição do grau de satisfação dos credores é considerada pelo n.º 2 do artigo 120.º do CIRE como um prejuízo para os mesmos. E é prejudicial para os novos credores porque provavelmente não irão ver satisfeitos os seus créditos ou irão vê-los satisfeitos num grau muito reduzido, quando não teriam sofrido tal prejuízo se os devedores se tivessem apresentado tempestivamente à situação de insolvência.

Por fim, há ainda um outro prejuízo que não pode ser desvalorizado, que é o do retardamento anormal da satisfação, ainda que muita reduzida, dos credores ou de alguns deles. Com efeito, os devedores foram declarados em situação de insolvência cerca de 10 anos depois de terem caído em tal situação, o que atrasou anormalmente a liquidação do activo e a distribuição do produto da venda pelos credores. De acordo com o n.º 2 do artigo 120.º do CIRE, consideram-se prejudiciais à massa os actos que retardem a satisfação dos credores da insolvência.

Pelo exposto é de manter a decisão recorrida na parte em que afirmou que a não apresentação à insolvência no prazo de seis meses após a sua verificação causou prejuízo aos credores.

Apreciemos, de seguida, a crítica que os recorrentes dirigiram à sentença na parte em que esta considerou verificada a terceira condição de aplicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE – conhecimento por parte do devedor ou ignorância com culpa grave da inexistência de qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.

Os recorrentes contestam este fundamento da decisão com a alegação de que, após a insolvência das sociedades, continuaram a trabalhar, em busca de novas oportunidades que lhe permitissem a melhoria de condições profissionais, patrimoniais e financeiras, o que sempre foi reconhecido pelas entidades credoras; que as perspectivas de melhoria da sua situação económica resultavam, desde logo, do facto de terem sido convidados a pertencer aos órgãos de administração de outras sociedades e ainda do facto de o Banco 3... ter aceitado e imposto os avales aceites pelos recorrentes, nas operações bancárias celebradas com a firma F... e que não obstante a situação de insolvência das empresas que administraram os insolventes continuaram junto das entidades bancárias a manter condições para afiançar e avalizar créditos de sociedades terceiras.

A alegação dos recorrentes não procede.

Em primeiro lugar, desconhece-se a actividade económica deles depois de terem caído em situação de insolvência, como se ignora se foram convidados a pertencerem a órgãos de administração de outras sociedades, visto que a matéria de facto provada - a única a ter em conta pelo tribunal na decisão (artigo 607.º, n.º 3, do CPC) – nada diz sobre tais realidades.

Em segundo lugar, a circunstância de o Banco 3... ter aceitado avales dos ora recorrentes nas operações bancárias celebradas com a sociedade F... SA não significa necessariamente que os recorrentes tinham a perspectiva séria de que a sua situação económica iria melhorar. Mostra apenas que o credor - Banco 3... – considerou idónea a garantia prestada. 

Em terceiro lugar, os factos apurados apontam no sentido de que os ora recorrentes não podiam ignorar, sem culpa grave, que não existia qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica. Vejamos.

A maior parte das obrigações dos recorrentes resulta da prestação de avales e fianças a obrigações de sociedades comerciais de que eram administradores, designadamente às sociedades R... S.A., C... SA e U... SA. Esta relação mostra que a situação económica e financeira deles estava indissoluvelmente ligada à actividade e à situação económica e financeira de tais sociedades. Assim, a má situação económica e financeira das sociedades significava necessariamente má situação económica e financeira deles. Deste modo, os recorrentes sabiam, ou se o desconheciam só o podiam ignorar por negligência grosseira, que a cessação da actividade das sociedades e a declaração de insolvência delas faria com que eles fossem chamados a cumprir obrigações que avalizaram e de que foram fiadores em montante muito elevado, na casa dos vários milhões de euros, para os quais não tinham meios. Não se vê, assim, como é que, após a declaração de insolvência das sociedades, os ora insolventes pudessem criar e alimentar a perspectiva séria de melhoria da sua situação económica e financeira, ou, pelo menos a perspectiva séria de que o melhoramento os colocava em situação de cumprir obrigações vencidas no montante de vários milhões de euros.

A verdade é que, se essa perspectiva existiu, ela não era séria, no sentido de fundada, razoável, como o atesta o facto de, decorridos mais de 10 anos sobre a declaração de insolvência das sociedades, os ora recorrentes não terem logrado cumprir as obrigações que avalizaram e de que foram fiadores.

Por todo o exposto, ao indeferir liminarmente a exoneração do passivo restante, a decisão recorrida não violou nenhum dos preceitos indicados pelos recorrentes.

De resto, só era pertinente imputar à decisão recorrida a violação da alínea d) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE, pois foi a única que serviu de fundamento à decisão impugnada e resulta das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 639.º do CPC que só tem sentido imputar à decisão recorrida a violação das normas que tenham constituído fundamento jurídico da decisão.   


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Decisão:

Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.

Responsabilidade quanto a custas:

Considerando a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e o facto de os recorrentes terem ficado vencidos no recurso, condenam-se os mesmos nas respectivas custas.

Coimbra, 14 de Março 2023