Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
147/15.9GTCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
PENA ACESSÓRIA
SUSPENSÃO
Data do Acordão: 09/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (J C GENÉRICA DE IDANHA-A-NOVA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 40.º; 50.º E 71 DO CP
Sumário: I - As finalidades da punição são a protecção dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reintegração do agente na comunidade (arts. 40º, nº 1, e 71º, nº 1, do CP) sendo portanto, razões de prevenção, geral e especial, e não considerações relativas à culpa (como sucede aliás, com todas as operações de escolha das penas de substituição), que fundam o instituto da suspensão da execução da pena de prisão.

II - Na formulação deste juízo [de prognose] o tribunal deve correr um risco prudente pois a prognose é uma previsão, uma conjectura, e não uma certeza. Quando existam dúvidas sérias e fundadas sobre a capacidade do agente para entender a oportunidade de ressocialização que a suspensão significa, a prognose deve ser negativa e a suspensão negada (cfr. Leal Henriques e Simas Santos, C. Penal Anotado, 1º Vol., 2ª Edição, 1995, Rei dos Livros, pág. 444 e Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 344).

III - Sendo manifesto que o arguido revela uma personalidade mal formada, quer pela sua qualidade de consumidor de estupefacientes, quer pela prática reiterada de crimes contra o património, ou a ela, associados, a que nada ajuda a ausência de confissão, pois que revela incapacidade para interiorizar o desvalor da acção, certo é que, como também se nota na sentença recorrida, regista melhoras na sua actual condição – abstinência de consumo – e não existe notícia de cometimento de novos crimes a partir de 2013.

IV - O que, se bem que no limite, é ainda possível formular um juízo de prognose no sentido de que a ameaça da prisão constituirá suficiente incentivo para o arguido incrementar os cuidados postos na condução de veículos automóveis e evitar a repetição de novas condutas descuidadas, aptas a provocarem lesões físicas e mesmo, a morte, de outros utentes das vias de trânsito, incluindo peões.

V - As penas acessórias pressupõem a condenação do arguido numa pena principal [prisão ou multa], são verdadeiras penas criminais e por isso, também elas estão ligadas à culpa do agente e são justificadas pelas exigências de prevenção (cfr. Maria João Antunes, ob. cit., pág. 34).

VI -Nesta medida, são-lhes aplicáveis os critérios legais de determinação das penas principais e deve, em princípio, ser observada uma certa proporcionalidade entre a quantificação de uma e de outra, mas sem esquecer, nunca, que a finalidade a atingir com a pena acessória é mais restrita na medida em que visa, essencialmente, prevenir a perigosidade do agente.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

 I. RELATÓRIO

            No Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco – Juízo de Competência Genérica de Idanha-a-Nova, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, do arguido A.. , com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos arts. 15º, b), 69º, nº 1, a) e 137º, nº 1, todos do C. Penal.

  

            Por sentença de 16 de Janeiro de 2017 foi o arguido condenado, pela prática do imputado crime, na pena de dois anos e cinco meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período, com regime de prova e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de um ano e dez meses.


*

Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

a) Por sentença datada de 16/1/2017, o ora Recorrente foi condenado pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137.º, n.º 1, com referência ao art.º 15.º, alínea b) e 69.º, n.º 1 alínea a) do Código Penal na pena de 2 anos e 5 meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, sujeita a regime de prova;

b) Foi ainda condenado, a título de sanção acessória, prevista no art.º 69.º, n.º 1 alínea a) do Código Penal, na proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 1 ano e 10 meses;

c) O presente Recurso tem por objecto a medida da pena no que toca à sanção acessória aplicada;

d) No caso concreto, considera-se que a sanção acessória aplicada peca por uma extrema severidade;

e) E que a decisão aplicada viola o artigo 71º e nº 2 do artigo 40º, ambos do Código Penal;

f) Atendendo às necessidades de prevenção geral, note-se que "a finalidade visada pela pena há-de ser a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto; e esta há-de ser também por conseguinte a ideia mestra do modelo de medida da pena. Tutela dos bens jurídicos não obviamente num sentido retrospectivo, face a um crime já verificado mas com um significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança (de que falava já Beleza dos Santos) e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; sendo por isso uma razoável forma de expressão afirmar como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime. Uma finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou prevenção de integração; e que dá por sua vez conteúdo ao princípio da necessidade da pena que o art.º 18.º, n.º 2 da CRP consagra de forma paradigmática." – Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, pp. 76 e 77;

g) Da perspectiva da prevenção especial, aquela que é orientada para o cidadão e visa sobretudo a integração e socialização do indivíduo, pensamos que a ponderação jurídica não foi efectuada como deveria;

h) O acidente que vitimou B.... deveu-se a uma manobra de condução, em concreto realização de marcha atrás, sem o aqui Recorrente se ter apercebido da presença da vítima;

i) Na fundamentação da douta decisão, no que concerne à culpa do agente e aos deveres de prevenção especial, o Tribunal a quo fez, quanto a nós, um juízo de prognose desfavorável somente em função dos antecedentes criminais do arguido que nada têm a ver com os presentes autos para a aplicação da sanção acessória – já que, ao invés na aplicação da pena de prisão de 2 anos e 5 meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, sujeita a regime de prova, a mesma não merece qualquer reparo, visto que, em sede de leitura da sentença o Mmo. Juiz informou que havia solicitado a sentença condenatória em relação aos 20 crimes de furto, tendo-se apercebido que, quanto a eles, o aqui Recorrente deveria ter sido condenado pela prática de um único crime, na forma continuada, ao que o Tribunal, nesse caso, não atendeu;

j) Mas ainda assim, nas anteriores condenações falamos de crimes dolosos, perpetrados numa fase menos boa da vida do arguido que, por força do seu vício e adição, eram cometidos;

k) Nos presentes autos julgou-se coisa bem distinta;

l) Uma conduta negligente, inconsciente e sem que o arguido sequer tenha equacionado a hipótese de cometer tal crime e ceifar a vida de B... involuntariamente com a sua conduta;

m) Trata-se de um crime, é certo, mas praticado involuntariamente, por acidente … o que pode acontecer a qualquer um dos mortais;

n) Tem de militar a favor do arguido o facto de não ter quaisquer antecedentes criminais por crimes contra bens jurídicos pessoais e no exercício da condução;

- Tem actualmente 42 anos de idade;

- Neste momento é um cidadão inserido social e familiarmente;

- Abstinente de estupefacientes desde Abril de 2015, aquando o seu regresso à casa dos pais;

- Dispõe de apoio familiar;

- Apresenta a consciência de que o seu anterior estilo de vida, relacionamentos e consumo de estupefacientes foram os causadores de condutas desviantes da sua parte;

- Investiu na sua formação pessoal de modo a apostar na sua socialização e ingresso na vida laboral.

o) Mas nos presentes autos, cremos que esses antecedentes, não poderão ser valorados no sentido de agravar a dosimetria da aplicação da sanção acessória, que deverá ser vista, igualmente, como uma pena;

p) Diferente seria se, porventura, o arguido já possuísse averbados ao seu certificado de registo criminal antecedentes criminais por crimes de condução perigosa, condução de veículo sem habilitação legal ou condução de veículo em estado de embriaguez, o que não se verifica;

q) Não existem motivos nem factos considerados provados que nos possam levar a crer que o Arguido não é diligente ou respeitador no exercício da condução;

r) Ademais, apesar de constar do elenco dos Factos Provados que o Recorrente se encontra desempregado (Facto 41), a verdade é que, desde que regressou a casa dos pais, o que coincidiu com a sua recuperação da adição da toxicodependência, é ele que auxilia os pais na actividade da sociedade "R (...) , Lda." da qual estes são sócios gerentes e à qual pertence o veículo pronto-socorro interveniente nos autos;

s) É essa actividade que o mantém ocupado durante o dia e, mediante o seu auxílio, contribui, nessa medida, para o apoio aos pais;

t) Na realidade, o facto de não poder conduzir veículos a motor por esse período vai impedi-lo efectivamente de continuar a ajudar os seus pais e a prosseguir com o percurso que tem vindo a delinear até aqui;

u) Isto é, a apostar no seu processo de ressocialização e integração, longe de comportamentos aditivos;

v) Por tudo isto, consideramos desproporcional e excessiva a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 1 ano e 10 meses, devendo a douta Sentença ser revogada nesta parte, sendo aplicada pena acessória nunca superior a 6 meses de inibição de condução, por se achar justa e adequada tendo em consideração os factos provados.

Termos em que e nos mais de Direito, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, por via dele, ser revogada e alterada a Sentença recorrida na parte condenatória em que aplica ao aqui Recorrente uma pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 1 ano e 10 meses, devendo ser aplicada pena acessória nunca superior a 6 meses.

Fazendo-se, assim, a TÃO COSTUMADA JUSTIÇA!


*

Igualmente inconformada com a decisão, recorreu a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

1. Foi o arguido A... foi condenado nos autos à margem referenciados pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137.º, n.º 1, com referência ao artigo 15.º, alínea b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova.

2. Mais foi condenado nos termos do artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 1 (ano) e 10 (dez) meses.

Da pena principal:

3. Ora, a pena de prisão deve ser adequada e ajustada ao caso ao espírito sancionatório das penas e das finalidades de prevenção geral e especial e tendo ainda em consideração os factos dados como provados.

4. Entendemos que, a pena de prisão aplicada ao arguido mostra-se adequada e ajustada face ao espírito sancionatório das penas e das finalidades de prevenção geral e especial e tendo ainda em consideração os concretos factos dados como provados.

Da determinação da suspensão da pena principal:

5. Perante os factos dados como provados, com os quais se concorda e correspondem inteiramente ao apurado em sede de julgamento e aos factos pelos quais estava acusado.

6. Discorda-se, contudo, da determinação da suspensão de tal pena de prisão. Vejamos.

7. Na motivação, o Mmo. Juiz do Tribunal a quo refere que “No que concerne aos antecedentes criminais registados do arguido foi tido em conta o teor do Certificado do Registo Criminal, junto aos autos a fls. 43 a 57, e à certidão da sentença proferida no processo n.º 700/12.2PEOER, a fls. 277 a 298”.

8. Pois bem, não obstante esta referência ao certificado de registo criminal, de onde resulta que tal documento é considerado como elemento probatório no seu todo, a verdade é que aquando da ponderação da suspensão da pena de prisão aplicada, não foi considerado nos mesmos termos.

9. E, com tal conduta, conforme adiante se demonstrará extravasou, clamorosamente, o seu poder jurisdicional.

10. No momento da escolha da pena, entre pena de multa e pena de prisão, o Tribunal a quo considerou integralmente o certificado de registo criminal do arguido, porquanto referiu-o expressamente aquando da análise das necessidades de prevenção especial.

11. Efectivamente, a dada altura da douta sentença, o Tribunal a quo afirma “(…) - Já quanto às necessidades de prevenção especial, as mesmas revelam-se, in casu, elevadas, uma vez que o arguido, tendo 42 anos, já conta com vinte e nove condenações no seu registo criminal, embora todas elas por crimes contra o património”.

12. Para concluir que “(…) Face a estas circunstâncias (…) as exigências de tutela do ordenamento jurídico só ficarão suficientemente acauteladas de forma adequada com a aplicação de uma pena de  prisão, não sendo suficientes para as necessidades de prevenção geral e especial a aplicação de uma pena de multa”.

13. Aquando da determinação da medida concreta da pena é referido o seguinte na douta sentença: “- As necessidades de prevenção especial as mesmas revelam-se, in casu, elevadas, uma vez que o arguido, tendo 42 anos, já conta com vinte e nove condenações no seu registo criminal, embora todas elas por crimes contra o património (…) É, pois, necessário, consciencializar o arguido da ilicitude da sua conduta e de que a mesma não é compatível com uma vida cívica em sociedade, e com o Direito”.

14. E, em consequência, o Tribunal a quo considerou adequada à conduta do arguido a pena de 2 anos e 5 meses de prisão.

15. Pena que, o Tribunal a quo entendeu não ser de substituir por pena de multa, nos termos do 43.º, n.º 1 do Código Penal, invocando as mesmas razões que determinaram a não aplicação da pena de multa a título principal.

16. Todavia, aquando da ponderação da suspensão da execução daquela pena de prisão, o Tribunal a quo não considerou o certificado de registo criminal na sua totalidade.

17. Com efeito, requereu certidão ao processo n.º 700/12.2PEOER, melhor id. nos factos dados como provados na douta sentença e, após, analisou os factos dados como provados nessa sentença.

18. No âmbito de tal processo, o arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado em 13/04/2015, pela prática de onze crimes de furto, sete crimes de desobediência, e dois crimes de falsificação ou contrafacção de documento, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova.

19. E, ao invés de aceitar integralmente o decidido em sentença, a qual havia já transitado em julgado, entendeu que os mesmos constituem a prática de um crime de furto, um crime de falsificação ou contracção de documento e um crime de desobediência, todos na forma continuada e, nessa senda optou por suspender a pena de prisão aplicada ao arguido, conforme passamos a demonstrar.

20. Para tal, o Tribunal a quo procedeu à análise dessa sentença e procedeu à análise dos factos dados como provados e entendeu que o arguido foi condenado no referido processo por um concurso efectivo de crimes quando integravam antes a prática de uma pluralidade de crimes que deveria ser punida sob a forma continuada.

21. E, entendeu que, “no caso dos factos dados como provados no processo n.º 700/12.2PEOER resultaram verificados todos os elementos e pressupostos. (…)

Por conseguinte, no nosso modo de ver, estavam verificados os pressupostos da figura do crime continuado em relação aos factos que integram o tipo de cada uma das espécies de crime imputados ao arguido – furto, falsificação ou contrafacção de documento e desobediência –, pelo que devia ter sido condenado por um crime de furto na forma continuada, um crime de falsificação ou contrafacção de documento na forma continuada e um crime de desobediência também na forma continuada.

Assim sendo, não obstante a condenação por vinte crimes nesse processo, o Tribunal entende que o arguido não pode ser prejudicado pelo entendimento perfilhado pelo tribunal que decidiu o processo n.º 700/12.2PEOER…” (negrito e sublinhados nossos).

22. Ora, o Tribunal a quo não podia ter feito esta interpretação e, em consequência desconsiderar a imputação penal dada aos factos dados como provados na sentença proferida no âmbito do processo n.º 700/12.2PEOER, que correu termos na Instância Local de Oeiras – Secção Criminal – J1, a qual inclusivamente transitou em julgado.

23. O artigo 609.º do Código de Processo Civil refere-se ao poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa e é aplicável ao Código de Processo Penal nos termos do artigo 4.º do Código de Processo Penal.

24. E o princípio da fundamentação encontra-se previsto no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, bem como no artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal.

25. No tocante à sentença penal “traduz-se numa fundamentação reforçada que visa, por um lado, a total transparência da decisão, para que os seus destinatários (aqui se incluindo a própria comunidade) possam apreender e compreender os juízos de facto e de direito assumidos pelo julgador e, por outro lado, possibilitar ao tribunal superior a fiscalização e o controlo da actividade decisória, fiscalização e controlo que se concretizam através do recurso”.

26. A este propósito importa referir que, conforme sentenciado no acórdão do STJ datado de 25-06-2009 (processo n.º 537/03.0PBVRL -3.ª Secção Oliveira Mendes (relator) Maia Costa – www.dgsi.pt) o “princípio elementar e básico de direito adjectivo é o de que, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa – n.º 1 do art. 666.º do CPC, aqui aplicável ex vi art. 4.º do CPP (…)”.

27. O caso julgado é um pressuposto processual, o qual impede um novo julgamento da mesma questão.

28. E o princípio do ne bis in idem encontra-se consagrado como garantia fundamental pelo artigo 29º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa e preceitua que “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”.

29. Aquando da sentença proferida nestes autos, o processo supra citado (n.º 700/12.2PEOER, que correu termos na Instância Local de Oeiras – Secção Criminal – J1) já havia há muito transitado em julgado, ou seja, estávamos perante uma decisão definitiva sobre a materialidade de facto, o que constitui caso julgado formal nos sobreditos termos impedindo qualquer nova apreciação.

30. Pelo que, não é possível apreciar os factos que aí foram dados como provados, nem apreciar a qualificação jurídica que foi determinada pelo Tribunal ad quo.

31. Está, pois, precludida qualquer apreciação da mesma matéria, por se ter tornado definitiva.

32. Pelo que, mal andou o Tribunal a quo ao invadir o poder jurisdicional de outro processo, relativamente ao qual não possui qualquer poder, atento o facto de a sentença ter sido proferida por outro Juiz, ao que acresce a existência do trânsito em julgado.

33. De facto, entende-se, assim que, perante os factos dados como provados, o Tribunal a quo, não poderia ter suspendido a pena de prisão aplicada ao arguido nos termos efectuados na douta sentença, antes deveria ter condenado o arguido em pena de prisão efectiva.

34. Além do supra exposto, entendemos que, a pena de prisão aplicada pelo Tribunal a quo, não pode ser suspensa na sua execução, ainda que com fundamentação diversa da constante da douta sentença.

35. Com efeito, a ilicitude é bastante elevada, o arguido conduziu nas circunstâncias descritas nos factos provados.

36. Ademais, os factos em causa assumem uma gravidade elevada.

37. E, não obstante a prova concludente, o arguido não confessou a sua prática e, por via disso, não demonstrou arrependimento nem consciência da gravidade das consequências da sua conduta.

38. Por fim, de mencionar o passado criminal do arguido, o qual pelo número e variedade das condenações, revela uma personalidade mal formada, firmemente avessa ao direito, completamente indiferente aos valores tutelados pelas normas penais violadas.

39. Ora, em face dos factos dados como provados, não é possível efectuar um juízo de prognose favorável ao arguido.

40. Com efeito, o arguido foi condenado nos seguintes processos: 83/12.0PGALM, pela prática de um crime de furto, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 5 €; 758/12.4PEVFX, pela prática de um crime de furto, na pena de 130 dias de multa, à taxa diária de 5 €; 1377/13.3PLSNT, pela prática de um crime de furto, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano; 3144/12.2TDLSB, pela prática de um crime de furto, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 6€; 38/12.5PBVFX, pela prática de um crime de furto, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 5 €; 1537/12.4PFLRS, pela prática de um crime de furto, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 6 €; 953/12.6PHSNT, pela prática de dois crimes de furto, na pena única de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano; 700/12.2PEOER, pela prática de onze crimes de furto, sete crimes de desobediência, e dois crimes de falsificação ou contrafacção de documento, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova; 47/12.4PHSNT, pela prática de um crime de furto, na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de 5 €.

41. Consequentemente, impunha-se ao Tribunal a quo “a formulação de um juízo de prognose negativo relativamente ao comportamento futuro do arguido, a significar que a sua socialização implica uma pena privativa da liberdade, imposição que também resulta de exigências de prevenção geral, posto que o sentimento jurídico da comunidade exige a sua clausura, consabido que só assim se cumprem as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico” (acórdão do STJ, processo n.º 4403/05 - 3.ª Secção, de 04-02-12, CJ Ano XII tomo 1, página 202).

42. Em face do exposto, entendemos que a pena aplicada não pode ser suspensa na sua execução, porquanto não é possível concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Da pena acessória:     

43. Por seu turno, a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados deve ser proporcional à pena principal e responder de modo eficaz às exigências de prevenção especial que se fizerem sentir no caso concreto.

44. Ora, atento o grau de culpa manifestado pelo arguido, a gravidade e consequências da sua conduta e, bem assim, as exigências de prevenção geral, entendemos que a pena de um ano e dez meses de inibição de conduzir veículos motorizados é manifestamente insuficiente a responder a tais exigências – vide, a propósito o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 25/02/2008, disponível em www.dgsi.pt – jurisprudência que se mantém actual.

45. Entendemos, na verdade, que a pena acessória aplicada àquela não dá resposta cabal às aludidas necessidades.

46. Razão pela qual, em nosso entendimento, o arguido deverá ser proibido de conduzir veículos motorizados por um período situado nos dois anos e dois meses.

47. Ao não decidir do modo descrito, violou o Tribunal a quo as disposições legais previstas nos artigos 40º, nº1, 47º, 71º, nºs 1 e 2 e 137º, nº1, todos do Código Penal, artigos 4.º, 50.º, 97.º n.º 5, 374.º e 379.º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Penal e ainda 609.º do Código de Processo Civil, por ter efectuado uma errada fundamentação de direito que esteve na base da suspensão da pena de prisão a que o arguido foi condenado.

48. E ainda violou os artigos 40º, nº 1, 69º, nº 1, alínea a), 71º, nºs 1 e 2 e 137º, nº1, todos do Código Penal, pela errada fundamentação na determinação da pena acessória aplicada ao arguido.

PELO EXPOSTO, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogar-se a sentença proferida nos autos, sendo substituída por outra que condene o arguido na pena de dois anos e cinco meses de prisão e na proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de dois anos e dois meses.

Deste modo, farão VOSSAS EXCELÊNCIAS, como habitualmente, JUSTIÇA!


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            A Digna Magistrada do Ministério Público respondeu ao recurso do arguido, remetendo para os argumentos da sua própria motivação, na parte respeitante à medida da pena acessória, e concluiu pela improcedência do recurso.  

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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, concordando com os argumentos levados à motivação e à resposta do Ministério Público, com especial enfase na insusceptibilidade de formulação de uma prognose favorável ao arguido, e concluiu pela improcedência do recurso deste e pela procedência do recurso do Ministério Público.

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Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelos recorrentes, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A indevida substituição da pena de prisão pela suspensão da respectiva execução [privativa do recurso do Ministério Público];

- A incorrecta medida da pena acessória [comum a ambos os recursos].


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            Para a resolução destas questões, importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

            A) Nela foram considerados provados os seguintes factos:

            “ (…).

1) No dia 9 de Novembro de 2015, pelas 18:00 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro, tipo pronto-socorro, de matrícula (...) XV, na Rua das Escolas, na localidade do Rosmaninhal, concelho de Idanha-a-Nova.

2) O referido veículo pertence à Sociedade “R (...) , Lda.” da qual são sócios gerentes os pais do arguido.

3) O arguido estacionou o veículo contra o sentido de marcha, com a frente virada para o sentido norte da rua.

4) À mesma hora, a vítima B... , nascido em 23 de Fevereiro de 1928, percorria a pé a Rua das Escolas, pelo lado direito da faixa de rodagem, vindo de norte para sul, junto à parte traseira do veículo do arguido, em direcção ao entroncamento no final da rua.

5) O arguido iniciou a manobra de marcha atrás sem olhar para os espelhos retrovisores.

6) Sendo que, do óculo traseiro do veículo era visível o peão B... já que a plataforma do pronto-socorro tem 0,90 metros de altura.

7) A vítima B... encontrava-se atrás do veículo do arguido, a 3 metros do muro da escola junto à berma da direita, atento o seu sentido de marcha.

8) Ao iniciar a manobra de marcha-atrás, o arguido derrubou a vítima B... , que se encontrava no lado direito da parte de trás do veículo.

9) Em consequência do embate, B... caiu, tendo ficado prostrado na faixa de rodagem, sobre o seu lado esquerdo.

10) Estando a vítima B... tombada no chão, a roda direita do eixo traseiro do veículo pressionou o corpo da vítima contra o pavimento e pisou-o.

11) De seguida, o arguido moveu o veículo para a frente, imobilizando-o a cerca de 3 metros da posição final da vítima.

12) A Rua das Escolas é uma recta com boa visibilidade, com duas vias de trânsito, uma para cada sentido de marcha, sem separador, com 8 metros de largura (4 metros para cada via de trânsito).

13) A rua tem uma inclinação descendente (declive) de aproximadamente 1,5%.

14) A faixa de rodagem possui um poste de iluminação pública na berma da esquerda.

15) A rua não tem passadeiras destinadas à travessia de peões.

16) O pavimento da rua é em calçada e tem uma berma pavimentada e nivelada do lado direito, com 0,84 metros de largura, sendo a berma do lado esquerdo também ela pavimentada e nivelada, com 0,80 metros de largura.

17) No local do embate, do lado direito da rua existe uma berma seguida do muro da Escola do Rosmaninhal, e do lado esquerdo existe uma berma seguida de habitações.

18) Não existia qualquer obstáculo na via de trânsito nem qualquer veículo estacionado.

19) No local do embate não existia sinalização luminosa, nem sinalização vertical ou horizontal, ou agente que regulasse a circulação dos veículos e peões.

20) O piso estava seco, limpo, em bom estado de conservação e não chovia.

21) O volume de tráfego era reduzido.

22) A velocidade máxima permitida no local é de 50 Km/h.

23) No momento do embate ainda era de dia e existia boa visibilidade.

24) Em consequência do embate, a vítima B... acabou por falecer no local, pelas 18:10 horas do referido dia 9 de Novembro de 2015.

25) Do embate resultaram para a vítima B... , de modo directo e necessário, as seguintes lesões traumáticas craneo-meningo encefálicas, vertebro medulares e torácicas:

- Na cabeça:

“Partes moles: infiltração sanguínea de ambas as regiões parietais e temporal do lado direito;

Ossos da cabeça – Abóbada: extensa factura em casca de noz, multiesquirolosa abrangendo todos os ossos da abóbada e com infiltração sanguínea;

Ossos da cabeça – Base: Fractura dos ossos da base, occipital, do esfenóide e temporal direito com infiltração sanguínea;

Meninges: Extensa hemorragia subaracnoídea e subdural em ambos os hemisférios;

Encéfalo: Edema cerebral marcado. Substância branca sem áreas quísticas, ou de amolecimento. Substância cinzenta de coloração e consistências normais, Tronco cerebral e cerebelo sem alterações…”.

- No tórax:

“Paredes: Extensa infiltração sanguínea na parede anterior e inferior.

Clavícula, cartilagens e costelas direitas: Fractura dos arcos costais posteriores do 3.º e 7.º com infiltração sanguínea;

Clavícula, cartilagens e costelas esquerdas: Fractura dos arcos posteriores do 2.º e 11.º com infiltração sanguínea;

Pulmão esquerdo e pleura visceral: Rotura na sua face posterior e antracose”.

- Na coluna vertebral e medula:

“Fractura completa com secção da medula a nível C6-C7 e com hemorragia subdural”.

26) As referidas lesões traumáticas craneo-meningo encefálicas, vertebro medulares e torácicas foram causa adequada de morte de B... .

27) O arguido devia e podia conduzir o veículo com o cuidado, prudência, atenção, e concentração que se exigem na condução de veículos automóveis na via pública.

28) O arguido conhecia bem o local e as características da via.

29) Sabia que não existia qualquer passadeira para peões

30) Bem sabia que não podia estacionar o veículo contra o sentido de marcha.

31) O arguido conhecia as dimensões do veículo pronto-socorro que conduzia.

32) Sabia que a manobra de marcha atrás é uma manobra de recurso e que deve ser realizada lentamente, no menor trajecto possível, e com o máximo de cuidado e atenção.

33) Sabia que devia ter olhado pelo óculo traseiro da cabine do pronto-socorro antes de iniciar a manobra de marcha atrás.

34) O arguido devia e podia ter evitado que o veículo que conduzia embatesse na vítima B... .

35) O arguido não observou os deveres de cuidado a que estava obrigado a respeitar enquanto condutor de um veículo automóvel em circulação.

36) O arguido, como qualquer condutor medianamente diligente, podia e devia representar a possibilidade do resultado morte e evitado o mesmo, não obstante, não chegou sequer a representar a possibilidade desse facto.

37) O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

38) O arguido tem o 9.º ano de escolaridade.

39) Em 2012 o arguido era toxicodependente.

40) Está abstinente de estupefacientes desde Abril de 2015.

41) Encontra-se desempregado e não recebe qualquer prestação social.

42) Vive em casa dos pais.

43) Tem um filho de 13 anos de idade, que vive com a mãe.

44) Está obrigado a pagar uma pensão de alimentos ao seu filho no valor de 150,00 € mensais.

45) O pai é empresário no sector dos transportes, é agricultor e também gere um estabelecimento comercial de “café”.

46) O arguido não contribuiu para as despesas da casa.

47) O arguido A... já foi condenado:

- Por sentença transitada em julgado em 20/12/2012, proferida no âmbito do Processo Sumaríssimo n.º 83/12.0PGALM, que correu termos no Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Almada, pela prática de um crime de furto, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 5,00 €, perfazendo um total de 450,00 €;

- Por sentença transitada em julgado em 08/10/2013, proferida no âmbito do Processo Sumaríssimo n.º 758/12.4PEVFX, que correu termos no Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Vila Franca de Xira, pela prática de um crime de furto, na pena de 130 dias de multa, à taxa diária de 5,00 €, perfazendo um total de 650,00 €;

- Por sentença transitada em julgado em 08/09/2015, proferida no âmbito do Processo Comum n.º 1377/13.3PLSNT, que correu termos na Instância Local de Sintra – Secção Criminal – J2, pela prática de um crime de furto, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano;

- Por sentença transitada em julgado em 16/12/2013, proferida no âmbito do Processo Comum n.º 3144/12.2TDLSB, que correu termos no 4.º Juízo Criminal de Lisboa, 2.ª Secção, pela prática de um crime de furto, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 6,00 €, perfazendo um total de 600,00 €;

- Por sentença transitada em julgado em 30/09/2014, proferida no âmbito do Processo Comum n.º 38/12.5PBVFX, que correu termos na Instância Local de Vila Franca de Xira – Secção Criminal – J3, pela prática de um crime de furto, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 5,00 €, perfazendo um total de 900,00 €;

- Por sentença transitada em julgado em 13/12/2013, proferida no âmbito do Processo Sumaríssimo n.º 1537/12.4PFLRS, que correu termos no 1.º Juízo de Pequena Instância Criminal de Loures, pela prática de um crime de furto, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 6,00 €, perfazendo um total de 600,00 €;

- Por sentença transitada em julgado em 16/03/2015, proferida no âmbito do Processo Comum n.º 953/12.6PHSNT, que correu termos na Instância Local de Sintra – Secção Criminal – J1, pela prática de dois crimes de furto, na pena única de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano;

- Por sentença transitada em julgado em 13/04/2015, proferida no âmbito do Processo Comum n.º 700/12.2PEOER, que correu termos na Instância Local de Oeiras – Secção Criminal – J1, pela prática de onze crimes de furto, sete crimes de desobediência, e dois crimes de falsificação ou contrafacção de documento, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova;

- Por sentença transitada em julgado em 16/03/2015, proferida no âmbito do Processo Sumaríssimo n.º 47/12.4PHSNT, que correu termos na Instância Local de Loures – Secção de Pequena Criminalidade – J2, pela prática de um crime de furto, na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de 5,00 €, perfazendo um total de 700,00 €.

(…)”.

            B) Inexistem factos não provados e dela consta a seguinte fundamentação quando à escolha e determinação da medida das penas:

            “ (…).

            1. Escolha da pena

            Encontrado o enquadramento jurídico-penal aplicável aos factos de que o arguido vinha acusado, cumpre agora determinar qual a natureza da pena a aplicar e fixar a respectiva medida concreta dentro da moldura abstractamente prevista.

O crime de homicídio por negligência é punido com pena de prisão até três anos, ou com pena de multa, sendo que o mínimo da pena de prisão é de 1 mês (art. 41.º, n.º 1 do Código Penal) e o máximo da multa é de 360 dias e que o mínimo é de 10 dias (47.º, n.º 1 do Código Penal).

            Nos termos do disposto no art. 40.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa do agente.

Se o preceito incriminador em causa previr a punição com pena de multa ou com pena de prisão, a primeira questão que se coloca é a da escolha da pena, de harmonia com os parâmetros do art. 70.º do Código Penal – sendo ao crime aplicável, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Deve assim a pena de prisão ser reservada para situações de maior gravidade e que provoquem mais alarme social.

            No momento em que elege a pena principal, o Tribunal articula as necessidades de prevenção geral e especial, atendendo a um critério de adequação e suficiência face às necessidades de punição. Ou seja, a opção por uma medida privativa da liberdade só deverá ser tomada por uma razão de prevenção especial de socialização, ligada à prevenção do cometimento de futuros crimes, ou por razões fundadas em exigências de tutela do ordenamento jurídico.

Em relação ao presente caso:

- No que respeita à prevenção geral, no caso concreto de que nos ocupamos teremos que atender à natureza do crime, que é de elevada gravidade, representando a lesão última e drástica do bem jurídico supremo, a vida, ponderando igualmente que estamos perante um ilícito estradal, sendo hoje em dia um verdadeiro flagelo nacional os acidentes de viação e as suas trágicas consequências, resultantes, as mais das vezes, de condutas semelhantes à do aqui arguido, provocadas por conduções temerárias, descuidadas ou, pelo menos, em clara violação das regras do Código da Estrada, sendo certo que o exercício da condução, em si mesmo, é já uma actividade perigosa, e devendo atender-se ainda à expectativa da comunidade numa vigorosa reafirmação da vigência das normas violadas. Resultam, assim, bastante elevadas as exigências de prevenção geral.

- Já quanto às necessidades de prevenção especial, as mesmas revelam-se, in casu, elevadas, uma vez que o arguido, tendo 42 anos, já conta com vinte e nove condenações no seu registo criminal, embora todas elas por crimes contra o património: (i) vinte crimes de furto simples; (ii) sete crimes de desobediência; (iii) dois crimes de falsificação ou contrafacção de documento. Embora se trate da primeira condenação por um crime contra bens jurídicos pessoais (a vida), não podemos ignorar este registo criminal. O arguido foi condenado em penas de multa e penas de prisão, tornando-se manifesto que as penas de multa em que foi condenado não se mostraram adequadas a dissuadi-lo da prática de novos ilícitos. É, pois, necessário, consciencializar o arguido da ilicitude da sua conduta e de que a mesma não é compatível com uma vida cívica em sociedade, e com o Direito.

Por outro lado, constata-se que todos os crimes foram cometidos no ano de 2012 (à excepção de um crime de furto que foi cometido em 2013). O relatório social elaborado pela DGRSP aponta para um período marcado pela problemática da toxicodependência, o que nos permite estabelecer um elo de ligação entre essa problemática e a actividade criminosa do arguido que, naturalmente, ajudará a compreender a matriz do comportamento delinquencial do arguido.

O arguido encontra-se abstinente desde que regressou à casa dos pais, em Abril de 2015, e desde 2013 que o arguido não voltou a incorrer na prática de crimes.

Em seu desfavor, surge porém a circunstância de o arguido não ter confessado os factos, apresentando uma versão inverosímil e desculpabilizante, não demonstrando arrependimento pela sua conduta.

Face a estas circunstâncias, sendo os níveis de prevenção geral bastante elevados e os de prevenção especial elevados, não pode deixar de concluir-se que a prevenção do cometimento de futuros crimes pelo arguido e as exigências de tutela do ordenamento jurídico só ficarão suficientemente acauteladas de forma adequada com a aplicação de uma pena de prisão, não sendo suficientes para as necessidades de prevenção geral e especial a aplicação de uma pena de multa.

2. Determinação da medida concreta da pena

No que concerne à determinação da medida da pena concretamente a aplicar ao arguido, nos termos do disposto no art. 71.º, n.º 1 do Código Penal, será feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Assim, constituindo a culpa o limite inultrapassável da medida da pena (art. 40.º, n.º 2 do Código Penal), e decorrendo o seu limite mínimo de considerações ligadas à prevenção geral, a medida exacta da pena será fruto das exigências de prevenção especial.

A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo levar-se em conta que, nos termos previstos no artigo 40.º do CP, a pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.

Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena.

No mais, a medida da pena, além de determinada em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção geral e especial, deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra aquele, devendo o Tribunal atender, nomeadamente, ao grau de ilicitude do facto, à culpa do agente, à intensidade do dolo ou negligência, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime, aos fins ou aos motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente e à sua situação económica, à conduta posterior e anterior ao facto e à falta de preparação, revelada através dos factos, para manter uma conduta conforme às prescrições ético-jurídicas.

Assim, a pena concreta a aplicar ao arguido será encontrada dentro da moldura abstracta de pena de prisão entre 1 mês e 3 anos, ponderadas as circunstâncias atenuantes e agravantes que no caso devam ser consideradas.

Cotejando os factos do caso sub judice, e tendo em conta os princípios supra referidos, verificamos que:

- As necessidades de prevenção geral afiguram-se de grau muito elevado, representando a lesão última e drástica do bem jurídico supremo, a vida, ponderando igualmente que estamos perante um ilícito estradal, sendo hoje em dia um verdadeiro flagelo nacional os acidentes de viação e as suas trágicas consequências, resultantes, as mais das vezes, de condutas semelhantes à do aqui arguido, provocadas por conduções temerárias, descuidadas ou, pelo menos, em clara violação das regras do Código da Estrada, sendo certo que o exercício da condução, em si mesmo, é já uma actividade perigosa, e devendo atender-se ainda à expectativa da comunidade numa vigorosa reafirmação da vigência das normas violadas. Resultam, assim, bastante elevadas as exigências de prevenção geral.

- As necessidades de prevenção especial as mesmas revelam-se, in casu, elevadas, uma vez que o arguido, tendo 42 anos, já conta com vinte e nove condenações no seu registo criminal, embora todas elas por crimes contra o património: (i) vinte crimes de furto simples; (ii) sete crimes de desobediência; (iii) dois crimes de falsificação ou contrafacção de documento. Embora se trate da primeira condenação por um crime contra bens jurídicos pessoais (a vida), não podemos ignorar este registo criminal. O arguido foi condenado em penas de multa e penas de prisão, tornando-se manifesto que as penas de multa em que foi condenado não se mostraram adequadas a dissuadi-lo da prática de novos ilícitos. É, pois, necessário, consciencializar o arguido da ilicitude da sua conduta e de que a mesma não é compatível com uma vida cívica em sociedade, e com o Direito.

Por outro lado, constata-se que todos os crimes foram cometidos no ano de 2012 (à excepção de um crime de furto que foi cometido em 2013). O relatório social elaborado pela DGRSP aponta para um período marcado pela problemática da toxicodependência, o que nos permite estabelecer um elo de ligação entre essa problemática e a actividade criminosa do arguido que, naturalmente, ajudará a compreender a matriz do comportamento delinquencial do arguido.

O arguido encontra-se abstinente desde que regressou à casa dos pais, em Abril de 2015, e desde 2013 que o arguido não voltou a incorrer na prática de crimes.

Em seu desfavor, surge a circunstância de o arguido não ter confessado os factos, apresentando uma versão inverosímil e desculpabilizante, não demonstrando arrependimento pela sua conduta.

- No que respeita à ilicitude, a mesma revela-se de intensidade elevada, atendendo à violação das regras presentes no Código da Estrada e às graves consequências da conduta do arguido, que levaram à morte de B... .

- No que concerne à culpa, o arguido agiu de forma negligente, descurando os deveres de cuidado inerentes a regras tão básicas e fundamentais como são a de estacionar no lado direito da faixa de rodagem, no seu sentido de marcha, e, acima de tudo, a de realizar a manobra de marcha atrás com o máximo de cuidado e atenção, sobretudo, quando se inicia a marcha a partir de uma posição irregular como aquela em que se encontrava o veículo do arguido – deveres estradais que recaem sobre qualquer condutor –, mas a sua negligência foi inconsciente.

Assim sendo, não olvidando que a pena deverá ser fixada em termos que constitua uma verdadeira sanção, tudo ponderado, o Tribunal considera adequada à conduta do arguido a pena de 2 anos e 5 meses de prisão.


*

As razões que determinaram a não aplicação da pena de multa a título principal, impõem-se, igualmente, para o Tribunal não substituir a pena de prisão pela pena de multa, nos termos do 43.º, n.º 1 do Código Penal.

*

Cumpre ainda ponderar, de harmonia com o artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal, a suspensão da execução daquela pena de prisão, uma vez que a mesma se cifra em número de anos inferior a cinco.

Dispõe o citado preceito que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Nos termos do n.º 5 do referido preceito legal, “O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão, determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão”. A suspensão da execução da pena de prisão é assim configurada como uma autêntica pena de substituição.

Para além da medida concreta da pena de prisão aplicada (que não pode ser superior a 5 anos), é pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, no sentido de, quanto a ele, a simples censura do facto e ameaça da prisão se mostrarem adequadas a dissuadi-lo da prática de futuros crimes, ou seja, parte-se da fundada expectativa de que o arguido, considerado merecedor de confiança, há-de sentir a condenação como uma advertência e não voltará a delinquir. Não se mostra necessário que o Tribunal tenha de adquirir a certeza sobre o desenrolar futuro do comportamento do arguido, bastando a esperança fundada de que a socialização em sociedade possa ser alcançada.

Este é, pois, um poder-dever do tribunal, o qual suspenderá a execução da pena de prisão sempre que, atentos os factores preceituados por aquele normativo, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente, ou seja, sempre que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarem para afastar o delinquente da criminalidade.

Revertendo ao caso que nos ocupa, não podemos desconsiderar as elevadas exigências de prevenção geral neste tipo de ilícito, nem ignorar a gravidade dos factos cometidos pelo arguido. Além disso, há um aspecto que sobressai mais do que qualquer outro: o extenso registo criminal do arguido. Estamos a falar de vinte e nove condenações de uma pessoa que tem apenas 42 anos de idade. Olhando com toda a frieza para estes números, outra coisa não podemos concluir senão que a pena de prisão aqui aplicada não pode ser suspensa.

De facto, foi essa a conclusão que o Tribunal retirou da primeira análise que fez ao certificado do registo criminal do arguido. Mas logo aí houve um dado que despertou a nossa atenção e fez surgir a necessidade de nos inteirarmos mais sobre ele: é que num só processo (processo n.º 700/12.2PEOER) o arguido tinha sido condenado por onze crimes de furto, sete crimes de desobediência e dois crimes de falsificação ou contracção de documento. Sendo que a pena aplicada ao arguido foi uma prisão suspensa por três anos e seis meses, sujeita a regime de prova.

Portanto, vinte daquelas vinte e nove condenações resultaram de uma sentença proferida num único processo (e não se tratava de um processo de cúmulo de penas).

Perante isto, o Tribunal requereu uma certidão da sentença ao referido processo n.º 700/12.2PEOER.

Ao analisar a sentença constatámos que os onze crimes de furto em que o arguido foi condenado traduziram-se no acto de abastecer com combustível o seu veículo sem efectuar o pagamento do respectivo preço. O arguido repetiu esta prática em onze dias diferentes no período compreendido entre os dias 11 de Julho e 1 de Setembro de 2012. Ao todo, foram 1066,67 € de combustível que o arguido se apropriou sem pagar.

Os dois crimes de falsificação ou contrafacção de documento em que o arguido foi condenado também estão relacionados com estes factos: antes de efectuar dois daqueles abastecimentos de combustível, o arguido colocou fita-cola na matrícula da viatura que usou, de forma a que a letra “F” passasse a aparentar ser um “E” para desse modo ludibriar as autoridades policiais e eximir-se à responsabilidade penal por aqueles actos.

Os sete crimes de desobediência prendem-se com o facto de o arguido ter conduzido aquela viatura nos dias em que cometeu outros tantos crimes de furto de combustível, depois de a viatura ter ficado apreendida por transitar sem seguro de responsabilidade civil obrigatório.

Pois bem, face a esses factos, o tribunal decidente condenou o arguido por tantos crimes quantos os actos singulares por ele praticados. Assim, tendo o arguido feito onze abastecimentos de combustível sem pagar o respectivo preço entre os dias 11 de Julho e 1 de Setembro, e tendo alterado a matrícula da viatura em duas dessas ocasiões, e ainda desrespeitado a ordem de apreensão da viatura em sete dessas vezes em que furtou combustível, o tribunal entendeu condenar o arguido por onze crimes de furto, dois crimes de falsificação ou contrafacção de documento e sete crimes de desobediência. Todos eles em concurso efectivo. A sentença não foi objecto de recurso e por isso transitou em julgado.

Aqui chegados – neste momento em que se pondera a suspensão ou não da pena de prisão aplicada ao arguido pelo crime de homicídio negligente –, não podemos deixar de nos interrogar se aquelas vinte condenações aplicadas ao arguido no processo n.º 700/12.2PEOER devem ser equacionadas nesta específica ponderação. Melhor dizendo: se devem ser levadas em consideração onze condenações por crime de furto, duas condenações por crime de falsificação ou contracção de documento, e sete condenações por crime de desobediência, ou antes, apenas um crime de furto, um crime de falsificação ou contracção de documento e um crime de desobediência. Obviamente, todos eles na forma continuada.

Como já dissemos, a sentença decidiu pelo concurso efectivo de crimes e transitou em julgado nesses termos. Por respeito à autoridade do caso julgado, o que ali foi decidido já não pode ser alterado. E longe de nós termos essa pretensão.

O que propugnamos é algo bem diferente. Entendemos é que, se o arguido foi condenado em determinado processo por um concurso efectivo de crimes da mesma espécie, por factos que, no nosso modo de ver, consubstanciavam a prática de um crime continuado do mesmo crime, se não podemos considerar, para o único e exclusivo fim da ponderação da suspensão da pena de prisão aplicada nestes autos, que o arguido cometeu um só crime de furto na forma continuada, um só crime de falsificação e contrafacção de documento na forma continuada e um só crime de desobediência na forma continuada, caso estejam comprovados em concreto os pressupostos do crime continuado – art. 30.º, n.º 2 do Código Penal. E, obviamente, os três em concurso efectivo de crimes.

Julgamos que sim. Na verdade, estamos apenas a partir da análise pura e simples dos factos praticados pelo arguido no passado, com relevo para a formulação de um juízo de prognose sobre o seu comportamento futuro em termos de continuação da actividade criminosa. O que fazemos é olhar para a conduta do arguido descrita na sentença e não apenas para o dispositivo da mesma.

Assim sendo, interessa saber se aqueles factos que o tribunal do processo n.º 700/12.2.PEOER deu como provados integravam a prática de uma pluralidades de crimes que devesse ser punida sob a forma de concurso efectivo, ou integravam antes a prática de uma pluralidade de crimes que devesse ser punida sob a forma continuada.

De acordo com art. 30.º, n.º 2 do Código Penal, “Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”. Ou seja, o crime continuado é uma unidade jurídica construída sobre uma pluralidade efectiva de crimes.

            O preceito legal inspirou-se na formulação do Prof. Eduardo Correia que, afastando a teoria naturalista (o número de crimes cometidos determinava-se pelo número de acções/actos em sentido físico), propôs a teoria jurídico-teleológica, referida à negação de valores jurídicos.

No ensino do Prof. Eduardo Correia, os pressupostos do crime continuado são:

            - a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico;

            - pluralidade de resoluções criminosas;

            - homogeneidade da forma de execução;

            - persistência de uma situação exterior que facilita a execução e diminua consideravelmente a culpa do agente;

            - homogeneidade do dolo do agente.

A nossa jurisprudência, para a afirmação do crime continuado, exige uma proximidade temporal e espacial entre as sucessivas condutas, bem como a manutenção da mesma situação externa, apta a proporcionar as subsequentes repetições e a sugerir a menor censurabilidade do agente (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Fevereiro de 1995). De forma que se torna exigível a proximidade temporal entre as concretas condutas em que se traduziu a execução das resoluções criminosas e ainda a persistência de uma situação exterior, a constituir solicitação para a prática continuada dos crimes, em termos de poder concluir-se, razoavelmente, que diminuíram consideravelmente a culpa do arguido.

Entendemos que no caso dos factos dados como provados no processo n.º 700/12.2PEOER resultaram verificados todos os elementos e pressupostos:

Com efeito, a realização criminosa mostra-se essencialmente homogénea para cada uma das espécies de crime em apreço visto existir uma estreita proximidade temporal entre as condutas, tendo os factos em causa sido praticados entre os dias 11 de Julho e 1 de Setembro de 2012, factos esses que preenchem o mesmo tipo de ilícito, sendo que não estão em causa bens jurídicos eminentemente pessoais. Os crimes foram executados sempre da mesma maneira, revelando homogeneidade na forma de execução. Além disso, de cada vez que o arguido abastecia a viatura de combustível sem pagar o preço, menos exigível se tornava para ele a adopção de um comportamento conforme ao direito, visto que a situação exterior se mantinha sempre a mesma.

Por conseguinte, no nosso modo de ver, estavam verificados os pressupostos da figura do crime continuado em relação aos factos que integram o tipo de cada uma das espécies de crime imputados ao arguido – furto, falsificação ou contrafacção de documento e desobediência –, pelo que devia ter sido condenado por um crime de furto na forma continuada, um crime de falsificação ou contrafacção de documento na forma continuada e um crime de desobediência também na forma continuada.

Assim sendo, não obstante a condenação por vinte crimes nesse processo, o Tribunal entende que o arguido não pode ser prejudicado pelo entendimento perfilhado pelo tribunal que decidiu o processo n.º 700/12.2PEOER, e por isso vai apenas levar à balança da ponderação para efeitos de apreciação da suspensão da pena de prisão aqui aplicada, um crime de furto na forma continuada, um crime de falsificação ou contrafacção de documento na forma continuada e um crime de desobediência na forma continuada.

A esses três crimes continuados somam-se os restantes nove crimes de furto em que o arguido foi condenado nos outros processos.

Temos assim que o arguido, tendo 42 anos de idade, e para efeitos exclusivos de ponderação da possibilidade de suspensão da pena de prisão aplicada, já incorreu na prática de doze crimes, todos eles contra o património: (i) um crime de furto na forma continuada, (ii) nove crimes de furto, (iii) um crime de falsificação ou contrafacção de documento na forma continuada, e (iv) um crime de desobediência na forma continuada. Trata-se, portanto, da primeira condenação por um crime contra bem jurídicos pessoais (a vida).

O número de crimes praticados pelo arguido continua a ser elevado, considerada a sua idade, mas não podemos deixar de atentar na circunstância de todos os crimes terem sido cometidos no ano de 2012 (à excepção de um crime de furto que foi cometido em 2013), altura em que o arguido atravessava um período de grande instabilidade e desnorte pelo consumo de estupefacientes e falta de apoio familiar.

Podemos assim concluir que a actividade criminosa do arguido se circunscreve a um período muito específico da sua vida, concretamente balizado nos anos de 2012 e 2013, associado ao consumo de estupefacientes. O facto de não haver registo de condenações por factos cometidos posteriormente a 2013, reforça a nossa convicção de que foi a toxicodependência o catalisador do comportamento delinquencial do arguido, e só nesse contexto podemos compreender as resoluções criminosas do arguido nesse período.

Olhando para a actualidade, verificamos que o arguido se encontra abstinente desde que regressou à casa dos pais, em Abril de 2015, e desde 2013 que o arguido não voltou a incorrer na prática de crimes dolosos.

Por tudo isso, o Tribunal julga estarem reunidas as condições mínimas para ser decretada a suspensão da pena de prisão.

O Tribunal entende que a mera censura do facto e a ameaça da prisão, sujeita a regime de prova, realizam de forma adequada as finalidades da punição, especialmente a de alteração dos comportamentos delituosos do arguido.

Também não podemos esquecer que actualmente o arguido se encontra social e familiarmente bem inserido, estando a residir com o seus pais e ajudando-os nas actividades que de onde retiram os seus rendimentos.

Assim, atentas as circunstâncias já apontadas, o Tribunal faz um juízo de prognose favorável à conduta futura do arguido e crê que a simples ameaça de execução da pena afastá-lo-á da prática de futuros crimes e constituirá um incentivo para que não volte a praticar estes factos.

É ainda de realçar que a reprovação pública inerente à pena suspensa e o castigo que ela envolve, aplicada num processo crime e em audiência pública, satisfazem o sentimento jurídico da comunidade e, consequentemente, as exigências de prevenção geral de defesa da ordem jurídica.

Nestes termos, entende o Tribunal suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido, pelo período de 2 anos e 5 meses, o que se determina, ao abrigo do disposto nos art.º 50.º, n.ºs 1 e 5, do Código Penal.

V – PENA ACESSÓRIA

A alteração legislativa operada pela Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro, deu nova redacção à alínea a) do n.º 1 do art. 69.º do Código Penal e passou a determinar que se condene na proibição de conduzir quem for punido “Por crimes de homicídio ou de ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução de veículo motorizado com violação das regras de trânsito rodoviário (…)”.

Ou seja, segundo a lei hoje em vigor, a condução de um veículo em violação de regras estradais, que sejam causais da prática dos crimes de homicídio ou de ofensa à integridade física, importa a condenação em pena acessória.

Deste modo, se o agente for condenado pela prática de um crime de homicídio negligente, cometido no exercício da condução de veículo motorizado, deve também ser punido com uma pena acessória de inibição de conduzir com duração mínima de três meses e máxima de três anos (art. 69.º, n.º1, al. a) do CP).

Assim, face ao que ficou supra referido em relação ao juízo de aferição de medida concreta da pena a aplicar ao arguido, o Tribunal entende como justa, adequada e proporcional a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 1 ano e 10 meses.

(…)”.


*

Da indevida substituição da pena de prisão pela suspensão da respectiva execução [privativa do recurso do Ministério Público]

1. Alega a Digna Magistrada do Ministério Público recorrente – entre outras, conclusões 16 a 32 e 34 a 42 – que nas considerações tecidas na sentença recorrida quanto à substituição da pena de prisão, o Mmo. Juiz a quo, contrariamente ao que havia feito para a escolha da pena e determinação da sua medida concreta, não considerou o certificado do registo criminal do arguido na sua totalidade, antes requalificou os factos da sentença proferida no processo nº 700/12.2PEOER, considerando apenas a prática de três crimes, na forma continuada e não, os vinte crimes que dela constam, em violação do caso julgado, o que veio a revelar-se decisivo para a decretada suspensão da execução da pena de prisão, a qual, em qualquer caso, nunca deveria ter sido decidida, dada a elevada ilicitude dos factos e a gravidade das suas consequências, a inexistência de confissão, de arrependimento e falta de consciência da gravidade da conduta, e a dimensão do passado criminal do arguido, revelador de personalidade mal formada, avessa ao direito e indiferente aos valores tutelados pelas normas, tudo isto claramente inviabilizador da formulação do juízo de prognose favorável.

Vejamos se lhe assiste ou não razão.

 1.1. É possível identificar um critério geral de escolha da pena de substituição, a partir das disposições conjugadas dos arts. 70º e 43º, nº 1, 44º, nº 1, 45º, nº 1, 50º, nº 1, 58º, nº 1 e 60º, nº 2 do C. Penal, segundo o qual o tribunal dá preferência à pena não privativa da liberdade sempre que, verificados os respectivos pressupostos formais de aplicação, ela realize de forma adequada e suficiente as finalidades de prevenção (cfr. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Edição, 2013, Coimbra Editora, pág. 70).

A suspensão da execução da pena de prisão é uma pena de substituição em sentido próprio que tem como objectivo de política criminal, “ (…) o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos – «metanóia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. (…). Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 343). 

É pressuposto formal da sua aplicação que a medida da pena aplicada ao agente não seja superior a cinco anos de prisão (art. 50º, nº 1, do C. Penal). É pressuposto material da sua aplicação a possibilidade de o tribunal concluir pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente, no sentido de que, atenta a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, realizarão de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição (art. 50º, nºs 1 e 2, do C. Penal).

As finalidades da punição são a protecção dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reintegração do agente na comunidade (arts. 40º, nº 1 e 71º, nº 1 do C. Penal) sendo portanto, razões de prevenção, geral e especial, e não considerações relativas à culpa (como sucede aliás, com todas as operações de escolha das penas de substituição), que fundam o instituto da suspensão da execução da pena de prisão.

Os objectivos de prevenção especial têm sempre como limite o conteúdo mínimo da prevenção geral de integração. A prevenção geral “ deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz das exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.” (Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 333).

 O juízo de prognose a realizar pelo tribunal parte da análise conjugada das circunstâncias do caso concreto, das condições de vida e conduta anterior e posterior do agente e da sua revelada personalidade, análise da qual resultará como provável, ou não, que o agente irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando a sua eventual reincidência prevenida com a simples ameaça da prisão (com ou sem imposição de deveres, regras de conduta ou regime de prova), para concluir ou não, pela viabilidade da sua socialização em liberdade.

Na formulação deste juízo o tribunal deve correr um risco prudente pois a prognose é uma previsão, uma conjectura, e não uma certeza. Quando existam dúvidas sérias e fundadas sobre a capacidade do agente para entender a oportunidade de ressocialização que a suspensão significa, a prognose deve ser negativa e a suspensão negada (cfr. Leal Henriques e Simas Santos, C. Penal Anotado, 1º Vol., 2ª Edição, 1995, Rei dos Livros, pág. 444 e Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 344).

Não basta, porém, a formulação do juízo de prognose favorável para que, sem mais, seja decretada a suspensão da execução da prisão. É que a prognose favorável radica exclusivamente em considerações de prevenção especial de socialização e a lei, para além dela, exige ainda que à suspensão se não oponham, em absoluto, as necessidades de prevenção e reprovação do crime.

Dito isto.

1.2. Ainda antes de entrarmos na análise da correcção ou incorrecção da decidida substituição da pena de prisão, duas breves notas cumpre fazer.

A primeira prende-se com a circunstância de na sentença recorrida se ter escrito que as razões que haviam determinado a não opção por pena não privativa da liberdade igualmente se impunham para a não substituição da pena de prisão determinada – dois anos e cinco meses de prisão – por pena de multa.

Na verdade, o que acontece é que o C. Penal só permite a pena de multa de substituição quando a pena de prisão a substituir não seja superior a um ano (art. 43º, nº 1 do C. Penal).

A segunda prende-se com a circunstância de o Mmo. Juiz a quo, quando se debruçou sobre o passado criminal do arguido, ter efectuado uma diferente qualificação jurídica dos factos integradores do objecto do processo nº 700/12.2PEOER, apesar de a respectiva sentença condenatória estar transitada em julgado.

Basicamente, o que sucedeu foi que no identificado processo o arguido foi condenado, em concurso efectivo, pela prática de onze crimes de furto, de sete crimes de desobediência e de dois crimes de falsificação de documento qualificado, nas penas parcelares, respectivamente, para cada categoria de crimes e por cada um, de nove meses de prisão, de quatro meses de prisão e de um ano de prisão e, em cúmulo, na pena única de três anos e seis meses de prisão, suspensa na respectiva execução, com regime de prova, e na ‘requalificação’ operada na sentença, foi entendido que tais factos antes correspondiam à prática de um crime continuado de furto, de um crime continuado de desobediência e de um crime continuado de falsificação de documento qualificado.

É claro que, estando a sentença transitada, não podia o Mmo Juiz a quo [que tão-pouco era o juiz do processo] alterar a qualificação jurídica ali definida, por muito que dela discordasse, fosse para que efeito fosse. Com efeito, a alteração do ali decidido só seria possível através de recurso extraordinário de revisão de sentença, verificados que fossem os respectivos pressupostos.

Em todo o caso, sempre diremos que, contrariamente ao entendido pelo Mmo. Juiz a quo, sempre com ressalva do respeito devido, não estão verificados os pressupostos da continuação criminosa. Explicando.

Brevitatis causa, são pressupostos do crime continuado, tal como este se encontra definido no art. 30º, nº 2 do C. Penal:

- A conexão objectiva, isto é, i) a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico e, ii) a execução por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior, o que requer a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, prepare e/ou facilite a repetição da actividade delituosa (cfr. Eduardo Correia, Direito Criminal, II, Reimpressão, 1971, Almedina, pág. 209);

- A conexão subjectiva, isto é, o dolo, seja um dolo conjunto, seja um dolo continuado, seja uma pluralidade de resoluções, mas em que o crime e portanto, toda a continuação, seja dominado pela já referida situação exterior, tornando cada vez menos exigível que este se comporte em conformidade com o direito (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, cit., pág. 1031).

A situação exógena ou exterior que fundamenta a considerável diminuição da culpa é portanto, a pedra angular da continuação criminosa. Na sentença, sobre este aspecto, escreveu o Mmo Juiz a quo que «Os crimes foram executados sempre da mesma maneira, revelando homogeneidade na forma de execução. Além disso, de cada vez que o arguido abastecia a viatura de combustível sem pagar o preço, menos exigível se tornava para ele a adopção de um comportamento conforme ao direito, visto que a situação exterior se mantinha sempre a mesma.». Mas, pergunta-se, que situação exterior se mantinha a mesma? Não o diz o Mmo. Juiz e também não a descortinamos. Na verdade, a mera existência de postos de abastecimento de combustíveis, de per si, é insusceptível de justificar qualquer diminuição da culpa, e tudo o resto não é alheio ao arguido, antes por ele foi criado.

Em suma, há que relevar o passado criminal do recorrente, tal como consta do respectivo certificado e da certidão de fls. 277 a 298.

1.3. Aqui chegados, há que reconhecer que o arguido regista antecedentes criminais de considerável volume, posto que, tendo quarenta e dois anos, já foi condenado pela prática de vinte crimes de furto, sete crimes de desobediência e dois crimes de falsificação de documento, em penas de multa (seis) e prisão suspensa na respectiva execução (três). As condenações que impuseram tais penas ocorreram nos anos de 2012 (uma), 2013 (três), 2014 (uma) e 2015 (quatro), respeitando todas as condenações em pena de prisão suspensa a este último ano.

Refere o Mmo Juiz a quo que todos os crimes foram praticados em 2012, com excepção de um crime de furto que foi praticado em 2013, no âmbito de um período de grande instabilidade, causada pela sua dependência de estupefacientes e da falta de apoio familiar. Embora a data da prática dos crimes não conste do ponto 47 dos factos provados da sentença, resulta do certificado do registo criminal de fls. 43 a 57 e da certidão de fls. 277 a 298 que com excepção de um furto, praticado em 2013, todos os restantes crimes foram cometidos em 2012. Por outro lado, consta dos pontos 39 e 40 dos factos provados que o arguido era toxicodependente, estando abstinente desde Abril de 2015, o que torna aceitável que esta condição fosse, pelo menos, uma das causas dos seus comportamentos típicos. Já não assim no que respeita à afirmada falta de apoio familiar, uma vez que nem sequer consta dos factos provados.

Sendo manifesto que o arguido revela uma personalidade mal formada, quer pela sua qualidade de consumidor de estupefacientes, quer pela prática reiterada de crimes contra o património, ou a ela, associados, a que nada ajuda a ausência de confissão, pois que revela incapacidade para interiorizar o desvalor da acção, certo é que, como também se nota na sentença recorrida, regista melhoras na sua actual condição – abstinência de consumo – e não existe notícia de cometimento de novos crimes a partir de 2013.

Mais relevantes ainda, são a diferença entre o tipo de culpa dos crimes anteriormente cometidos, todos dolosos, e o tipo de culpa do crime objecto dos autos, praticado com negligência, e a circunstância de o arguido não registar antecedentes criminais por crimes rodoviários nem por crimes negligentes.

Por tudo isto cremos que, se bem que no limite, é ainda possível formular um juízo de prognose no sentido de que a ameaça da prisão constituirá suficiente incentivo para o arguido incrementar os cuidados postos na condução de veículos automóveis e evitar a repetição de novas condutas descuidadas, aptas a provocarem lesões físicas e mesmo, a morte, de outros utentes das vias de trânsito, incluindo peões.

Finalmente, sendo verdade, que as negras estatísticas rodoviárias do país elevam as exigências de prevenção geral, deve reconhecer-se que a concreta conduta negligente do arguido nada tem a ver com as causas normalmente associadas à elevada sinistralidade rodoviária nacional [v.g., condução sob o efeito de álcool ou sob a influência de estupefacientes, excesso de velocidade, ultrapassagem mal calculada] pelo que, cremos que a substituição da pena de prisão é ainda capaz de assegurar a confiança da comunidade na validade da norma violada, dando adequada e suficiente realização às exigências de prevenção.

Em suma, entendemos não merecer censura a decidida substituição da pena de prisão pela suspensão da respectiva execução, com sujeição a regime de prova.


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Da incorrecta medida da pena acessória [comum a ambos os recursos]

2. Alega a Digna Magistrada do Ministério Público recorrente – conclusões 43 a 46 – que devendo a pena acessória ser proporcional à pena principal e responder às exigência de prevenção, face ao grau de culpa e à gravidade da conduta deveria antes ter sido fixada pelo período de dois anos e dois meses de proibição de conduzir veículos com motor.

Inversamente, alega o arguido – entre outras, conclusões d), o) e r) a u) – que a pena acessória aplicada é severa, não podendo os seus antecedentes criminais servir para agravar a sua medida, acrescendo que auxilia os pais no exercício da actividade da R (...) , Lda., desta forma se mantém ocupado e lhe permite contribuir para o apoio dos pais, ao mesmo tempo que assegura o seu processo de ressocialização, longe dos comportamentos aditivos, devendo a pena acessória ser fixada por período não superior a seis meses.  

Penas acessórias são aquelas que só podem ser decretadas na sentença conjuntamente com uma pena principal. É, por isso, condição necessária da sua aplicação, a condenação do agente numa pena principal mas já não, sua condição suficiente, pois que, como ensina Figueiredo Dias, torna-se, porém, sempre necessário ainda que o juiz comprove, no facto, um particular conteúdo do ilícito, que justifique materialmente a aplicação em espécie, da pena acessória (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 197). Na verdade, como decorre do princípio geral estabelecido no art. 65º, nº 1 do C. Penal, nenhuma pena envolve, como efeito necessário a perda de direitos, civis, profissionais ou políticos.

O C. Penal prevê as penas acessórias no Livro I, Título III, Capítulo III, mas não estabelece um regime específico para a sua determinação. Como vimos, elas pressupõem a condenação do arguido numa pena principal [prisão ou multa], são verdadeiras penas criminais e por isso, também elas estão ligadas à culpa do agente e são justificadas pelas exigências de prevenção (cfr. Maria João Antunes, ob. cit., pág. 34). Nesta medida, são-lhes aplicáveis os critérios legais de determinação das penas principais.

Dito isto.

            3. Não se discute, face aos factos provados que, aliás, não foram impugnados, ter o arguido praticado um crime de homicídio por negligência, no exercício da condução de veículo automóvel conduta que, nos termos do disposto no art. 69º, nº 1, a) do C. Penal é punível com proibição de condução de veículos com motor, por um período entre três meses e três anos.    

Uma vez que, como dissemos, são comuns às penas principais e às penas acessórias os critérios legais da respectiva determinação concreta, deve, em princípio, ser observada uma certa proporcionalidade entre a quantificação de uma e de outra, mas sem esquecer, nunca, que a finalidade a atingir com a pena acessória é mais restrita na medida em que visa, essencialmente, prevenir a perigosidade do agente.

Começando pela argumentação do arguido, pretende este que o seu passado criminal não pode influenciar a determinação da medida da pena acessória por neles não se contarem condenações por crime rodoviário. Mas não cremos que deva ser exactamente assim.

Os antecedentes criminais revelam, como já referido, uma personalidade mal formada, que a condição de dependente do consumo de estupefacientes apenas confirma, contraria ao direito e, numa certa perspectiva, indiferente aos valores sustentados pela comunidade, traduzidos nos bens jurídicos tutelados pelas normas penais. E assim, os antecedentes criminais, pela via da personalidade do recorrente e do relevo que esta tem em sede de prevenção especial, acabam por interferir na determinação da medida concreta das penas, principal e acessória.

Sucede, porém, como também já foi referido, que nos referidos antecedentes criminais não se contam crimes rodoviários nem crimes negligentes praticados no exercício da condução de veículos com motor, o que permite, de alguma forma, atenuar o seu peso relativo, na determinação da medida concreta da pena acessória.

Pretende ainda o arguido que a pena acessória devia ser reduzida, para poder continuar a auxiliar os pais, a manter-se ocupado e a assegurar a continuação do seu processo de ressocialização, afastado de comportamentos aditivos mas sem razão. É que, como decorre da factualidade provada, e felizmente para o arguido, este pode continuar a manter-se ocupado sem que, necessariamente, o tenha que ser a conduzir o pronto-socorro [interveniente no acidente] da sociedade familiar, deslocando a sua actividade para a agricultura, que os pais também exercem ou para o estabelecimento comercial dos mesmos, sendo certo que o afastamento do consumo de droga apenas de si depende.

A Digna Magistrada do Ministério Público enfatizou a proporcionalidade que deve existir entre a pena principal e a pena acessória e as exigências de prevenção, face à medida da culpa e gravidade da conduta.

Já vimos que são elevadas as exigências de prevenção geral, dada a natureza do crime praticado mas também vimos que a concreta conduta em questão não se inclui nas que, mais frequentemente, agravam tais exigências. Por outro lado, se foram graves as consequências da conduta descuidada do arguido, com a morte de um ser humano, a intensidade da culpa não é particularmente elevada.

Assim, reconhecendo-se a conveniência em assegurar uma certa proporcionalidade entre a medida concreta da pena principal e da pena acessória, tal não significa que esta tenha que ser fixada através de um simples e exacto cálculo aritmético, tendo por base, aquela.

Dito isto, verificamos que a pena principal decretada – dois anos e cinco meses de prisão – se situa ligeiramente acima dos ¾ da moldura abstracta aplicável [2 anos, 3 meses e 7 dias], enquanto a pena acessória decretada – um ano e dez meses de proibição de condução de veículos com motor – se situa, sensivelmente, a meio caminho entre metade e os ¾ da moldura abstracta aplicável o que significa que não deixa de existir relativa proporcionalidade entre uma e outra pena [justificando-se o abrandamento feito quanto à pena acessória com o, já referido, menor peso dos antecedentes criminais do arguido na operação de determinação da sua medida concreta, pelas razões supra referidas].

Em suma, não merece censura a medida concreta da pena acessória fixada na sentença recorrida.


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III. DECISÃO

 Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso do Ministério Público e ao recurso do arguido.

Em consequência, confirmam a sentença recorrida.


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Recurso do Ministério Público sem tributação (art. 4º, nº 1, a) do R. das Custas Processuais).

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O arguido suportará as custas do respectivo recurso, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCS. (arts. 513º, nº 1 do C. Processo Penal e 8º, nº 9 do R. das Custas Processuais e Tabela III).

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Coimbra, 27 de Setembro de 2017


(Heitor Vasques Osório – relator)


(Helena Bolieiro – adjunta)