Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
672/2001.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS MORAIS
UNIÃO DE FACTO
DANOS FUTUROS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 03/16/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: PENACOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 496.º; 566.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. Sem prejuízo da clara analogia de vida e de sofrimento, entre os cônjuges e as pessoas que vivem em união de facto, não são atendíveis nem indemnizáveis os danos morais causados ao elemento sobrevivo dessa união, à luz da letra do art. 496.º, n.º 2, do Código. Civil. Trata-se de diferenciação, entre a família decorrente do casamento e da união de facto, que o princípio constitucional da igualdade não proíbe.

2. São indemnizáveis os danos patrimoniais futuros dos filhos da união de facto.

3. Na fixação do seu quantum e na sua posterior “distribuição” nas “relações internas” a equidade (art. 566.º, n.º 3, do Código Civil) é o único critério legal para a fixação da indemnização de tal dano.

4. Sempre que se visa encontrar um capital produtor do rendimento capaz de garantir uma concreta prestação periódica anual, ao longo de vários anos, o recurso à lógica matemática constitui uma preciosa ajuda para “afinar” a equidade.

5. Têm tais “fórmulas” o mérito de impedir involuntárias discricionariedades e subjectivismos, na medida em que obrigando o julgador à externalização, passo a passo, do seu juízo decisório e a uma maior “densificação” da fundamentação da decisão, contribuem para impedir raciocínios mais ligeiros e/ou maquinais na fixação de indemnização.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A...., B e C....., todos residentes na ...., intentaram acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra a Companhia de Seguros D....., com sede em ....., e contra a E....- Companhia de Seguros...., com sede no ...., pedindo a condenação destas no pagamento da indemnização de € 415.000,00 (335.000,00 aos AA. C....e B.... e € 80.000,00 à A. A....) e juros.

Alegaram para tal, muito em síntese, que, em acidente de viação exclusivamente imputável aos veículos segurados pelas RR., faleceu o companheiro e pai dos AA., razão por que sofreram danos não patrimoniais e patrimoniais cuja reparação aqui solicitam.

Citadas, impugnaram as RR. os factos alegados quanto à dinâmica do acidente, danos e respectivos montantes indemnizatórios.

Foi proferido despacho saneador e organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa.

Entretanto, tal processo – A. O. com o n.º 125/04 da Comarca de Penacova – e os processos n.º 123/04[1] e 124/04[2], também decorrentes do mesmo acidente de viação, foram apensados ao processo 672/01[3], ainda respeitante ao mesmo acidente de viação; passando desde aí e após os respectivos saneadores, os 4 processos a ser tramitados unitariamente (sendo o 672/01 o “principal”).

Instruído o processo (o “principal” e os 3 apensos) e realizada unitariamente a audiência respeitante aos 4 processos, o Exmo. Juiz proferiu uma única sentença respeitante aos 4 processos, concluindo a sua decisão do seguinte modo:

“ (…) Por todo o exposto, decide-se:

1 - Julgar as acções n.º 672-2001, 123/04 e 125/04 procedentes, e, em consequência:

1.1 - Condenar a ré Companhia de Seguros D.... a pagar aos ali autores as seguintes importâncias:

a) à A L..... € 29.179,68, quantia acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a citação;

b) à A G...... a quantia de € 51.500,00 quantia acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a citação;

c) aos AA. B....e C...., enquanto herdeiros do falecido F...., a quantia de € 50.000,00 aos pela perda da vida;

d) à A C....a quantia de € 30.000,00 por danos não patrimoniais e de € 75.000,00 a título de ganhos cessantes;

e) ao A B.... a quantia de € 20.000,00 por danos não patrimoniais e de € 100.000,OO a título de ganhos cessantes;

f) à A. A.... a quantia de € 10.000,00 por danos não patrimoniais e de € 25.000,OO por ganhos cessantes.

Quantias estas - as referidas nas anteriores alíneas c) a f) - acrescidas de juros a contar da data da presente decisão à taxa de 4%.

2. Absolver a R E....- Companhia de Seguros, SA dos pedidos contra si formulados, designadamente nos autos 124/04, que se julgam improcedentes.

(…) ”

Inconformada com tal decisão, interpôs a R. Companhia de Seguros D.... recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição/redução quanto às indemnizações concedidas aos AA. B...., C....e A.... pelos danos não patrimoniais e patrimoniais futuros.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1.º A presente apelação tem por objecto tão-só a medida da indemnização fixada pelo Tribunal a quo a título de danos não patrimoniais e patrimoniais futuros.

2.º Resulta do elenco dos factos provados da decisão recorrida, especificamente do facto AJ) que a infeliz vítima do acidente de viação objecto dos presentes autos “vivia com A. A.... como se de marido e mulher se tratassem desde 1980 e tencionavam casar em Setembro de 2001”.

3.º Ora, no caso de morte, dispõe o art. 496.º, n.º 2, do Código Civil, que “o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos e outros descendentes (...)“, sendo que o n.º 3 do referido preceito legal dispõe que nesse caso (morte da vítima) “podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior”.

4.º Ora, quanto a estes – danos “não patrimoniais” sofrido pelo de cujus – e, nomeadamente, quanto à forma como surgem na esfera jurídica do seu titular, a jurisprudência e a doutrina têm-se dividido, sendo entendimento maioritário que os danos não patrimoniais são adquiridos directa e originariamente pelas pessoas expressamente elencadas no art. 496, n.º 2, do Código Civil, e só por estas, independentemente de qualquer transmissão sucessória (cfr. Acórdão do STJ de 07 de Outubro 2003, disponível em www.dgsi.pt: “(...) o legislador quis manifestamente chamar estas pessoas por direito próprio, a receberem, como titulares originários do direito, a indemnização dos danos não patrimoniais, causados à vitima da lesão mortal e que a esta competiria se viva fosse”.

5.º Pelo exposto, uma vez que a A. A.... — ora Recorrida – não é uma das pessoas expressamente elencadas na previsão legal em análise no douto Acórdão supra citado e transcrito, não lhe é obviamente devida qualquer indemnização a título de danos morais, devendo a sentença recorrida ser revogada na parte em que fixa um quantum indemnizatório a esse título, por violação do disposto no artigo 496.º, n.º 2 do Código Civil.

6.º No que concerne aos “ganhos cessantes” (perda da possibilidade de ganhos concretos dos demandantes), considerou a decisão recorrida que a indemnização a este título deve ser aferida em função das retribuições e subsídios que a vítima deixou de auferir, na sequência do acidente que o vitimou, tendo no entanto efectuado o cálculo do quantum indemnizatório com base no pressuposto que o rendimento anual regular da vítima era de € 21.000,00, correspondente à quantia mensal de € 1.500,00 que a vítima só iria auferir a partir de Abril de 2001 (cfr. factos provados AI).

7.º Acontece que este pressuposto quantitativo é, salvo o devido respeito, erróneo, pelo que todo o cálculo efectuado tendo por base este mesmo valor peca por defeito. O tribunal a quo deu como provados, no que concerne ao valor do rendimento auferido pela infeliz vitima ao tempo do acidente, que “à época do sinistro encontrava-se desempregado recebendo subsídio de desemprego no montante de € 650, dada anterior rescisão de contrato de trabalho que acordara” (cfr. ponto AG) dos factos provados) e que “(...) prestando serviços irregulares de motorista de terceiros, auferindo com os mesmos rendimentos mensais médios não inferiores a €500,00” (cfr. ponto AH) dos factos provados).

8.º Ou seja, à data do acidente que vitimou a infeliz vitima – data relevante para efeitos para contabilização da perda de ganho futuro – a mesma encontrava-se desempregada e a receber subsídio de desemprego no montante de €650.

9.º Devendo, por isso, ser este o montante a ter em consideração no cálculo dos ganhos cessantes para efeitos de fixação do quantum indemnizatório, montante que perfaz um rendimento anual de € 9.100,00 (€ 650,00 x 14) e não o montante que a vítima alegadamente iria auferir, num futuro emprego, a partir de Abril de 2001 - repita-se, em data posterior à ocorrência do acidente - sendo que a única data que pode relevar para efeitos de contabilização da perda do ganho futuro é a do momento do acidente que vitimou a infeliz vitima.

10.º Acresce que é certo que ficou provado no ponto AH) dos factos provados que a infeliz vítima prestava “serviços irregulares de motorista de terceiros, auferindo com os mesmos rendimentos mensais médios não inferiores a € 500,00”, montante este que só poderia revelar, o que não se concede, na contabilização em análise se efectivamente fosse feita prova nos autos desse mesmo montante alegadamente auferido de forma irregular, nomeadamente através da declaração de rendimentos da vítima (cfr. artigo 64., n.2s 7 a 9 do Decreto - Lei n.2 291/2007, de 21 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.9 153/2008, de 6 de Agosto).

11.º Assim, o montante a considerar para efeitos de contabilização da perda do ganho futuro só poderia ser o rendimento anual de €9.100,00 (€ 650,00 — subsidio de desemprego - x 14), pois era este o rendimento efectivamente auferido pela vítima no momento relevante para efeitos de contabilização da indemnização eventualmente devida por perda do ganho futuro.

12.º Por outro lado, considerou ainda o Tribunal a quo na ponderação da idade da vítima e do tempo provável da sua vida activa que “à data do acidente o falecido tinha 42 anos, sendo natural que vivesse e trabalhasse, pelo menos até aos 70 anos”. Ora, na fixação de danos futuros a título de lucros cessantes deve-se ter em conta, de facto, o plano profissional e à vida activa do lesado, no entanto a mesma não excederá a idade na qual este pode reformar-se, isto é, os 65 anos de idade (Decreto n.º 45.266, de 23.09.1963, art. 88.º), idade essa, aliás, que as tendências social e política actuais aconselham diminuir progressivamente, encurtando a vida activa dos trabalhadores.

13.º Donde resultaria que o montante fixado pelo Tribunal a quo (como adequado) a título de danos patrimoniais futuros, também por este motivo, necessariamente, terá de ser inferior ao que tribunal a quo arbitrou.

14.º Posto isto, deve a sentença recorrida ser revogada, nos termos supra exposto, por violação do disposto nos art. 562, 563, 564, n.2 1 e 566, n.2 3 todos do Código Civil.

15.º Quanto aos Autores C....e B.... - filhos da vítima - a fixação dos danos morais efectuada pelo Tribunal a quo peca ainda pela desproporção de montantes indemnizatórios aos mesmos arbitrados, fixação esta que teve única e exclusivamente por fundamento o facto de destes receberem “alimentos do seu pai, pelo menos, até aos 25 anos de idade, e, portanto durante mais 14 anos e mais 8 anos, respectivamente, atenta a tendência actual e a demonstrada vontade de os pais lhes proporcionarem formação universitária”.

16.º Pois se os € 100.000,00 fixados na decisão recorrida ao A. B.... equivalem a 14 anos de prestação, os 8 anos de prestação deveriam, segundo o mesmo critério, equivaler a € 57.142,86, e não à quantia de € 75.000,00 atribuídos pelo Tribunal a quo à filha C.....

17.º Para além disso, não é presumível existir tão grande diferença substancial no impacto da morte daquele nas suas vidas que justifique, como o Tribunal a quo considerou, um quantum indemnizatório totalmente desproporcional em ambos.

18.º Deve, assim, também por esta razão, ser a decisão recorrida revogada e substituída por outra que fixe a indemnização nos termos supra requeridos.

Os AA. B...., C....e A.... apresentaram, então, recurso subordinado, visando, na parte em que a decisão lhes não é totalmente favorável, a sua revogação e substituição/incremento das indemnizações arbitradas.

Tendo apresentado alegações, em que concluem do seguinte modo:

1- A decisão sob recurso, ao arbitrar para reparação de perda do direito à vida a indemnização de € 50 000,00, não valorou adequadamente aquele complexo de direitos, como bem absoluto e intangível. E,

2- a reparação e compensação do desvalor, resultante da violação daquele direito, dada a premência do mesmo na hierarquia de valores sociais de que é matriz e elo fundante, não poderá ser aferida a valores inferiores ao da cotação de viatura de gama média/alta no mercado nacional.

3- Por conseguinte, para ajustada reparação do direito em epígrafe deverá, ao invés ser às(o) A.A., ou apenas aos A.A. — C....e B.... ser arbitrada indemnização global e única de € 60 000,00.

4- Os A.A., C....e B..., alegaram e demonstraram nos autos danos de natureza não patrimonial, por prejuízo de afirmação social futuro, indemnizáveis.

5- Em acórdão sob recurso, ao ser aos referidos A.A., arbitrada indemnização por danos não patrimoniais, não se relevou, nem foram ponderados, os danos decorrentes para aqueles recorrentes, do seu menor apetrechamento de armas, estruturas, conhecimentos e mecanismos de afirmação e valorização pessoal e profissional, que para si decorreu e decorrerá ao futuro em consequência da violação do direito à vida do seu antecessor e progenitor, sendo assim o acórdão sob recurso em tais segmentos nulo por omissão de pronúncia, atento o disposto ao art. 668 no 1 al. d) do C.P.C.

6- Aquele direito como direito não directa e materialmente mensurável, de natureza não patrimonial é reparável a stante, como direito autónomo, indemnizável porque violado, atento o disposto ao art.. 496 do C.C..

7- Por conseguinte, recorrendo a critérios de equidade, tendo em conta a idade à altura do óbito do seu antecessor dos recorrentes C....e B...., deverá a estes, para reparação do direito nos descritas termos ser arbitrada indemnização de € 20 000,00 para cada um daqueles A.A.

8- Sucede que o acórdão sob recurso, é omisso, no tocante aos fundamentos de facto e de direito por força dos quais e com que base, com que razões e critérios, o montante encontrado a titulo de danos patrimoniais de € 229 200,00, foi reduzido para € 200 000,00, sendo esta a importância arbitrada às(o) A.A., para reparação aquele titulo dos respectivos danos, pelo que é o aresto em epígrafe no ponto sub-judice nulo por violação do disposto a ai. b) n°1 art°. 668 do C.P.C.

9- Efectivamente, destinando-se a indemnização em causa a reparar os danos patrimoniais/ganhos cessantes, que não se verificariam, não fora o óbito do antecessor dos recorrentes, consequente ao facto ilícito ajuizado, aquele quantum atento o disposto ao art. 562 do C.C., haverá de ser encontrado, por modo a ser resposta a situação que ocorreria, não fora o facto do qual decorre a obrigação da Indemnização.

10- Por conseguinte, atento o disposto ao art. 562.º, mas também por força do previsto ao art. 483 e ss., do C.C., deverá a indemnização para reparação dos danos patrimonias questionados, ser ao invés fixada em € 229.200,00, arbitrando-se esta aos recorrentes.

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


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II – Fundamentação de Facto

Os factos apurados com relevo para o conhecimento do recurso, logicamente alinhados, são os seguintes:

A) No dia 9.2.2001, pelas 13 h e 40 m, no IP3, ao km 65,7, no lugar de Porto da Raiva ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes:

1. O veículo ligeiro 00-00-DC, conduzido por H...., casada com I.... ;

2. O veículo tractor de mercadorias, de aluguer, de matrícula 00-00-EG com a galera VI-0000, propriedade de G....., conduzido pelo seu motorista, J.... , por conta e no interesse daquela sociedade;

3. O veículo 00-00-QM propriedade de L....., conduzido por F...., com pleno conhecimento, autorização, sob as ordens, no interesse e por conta da referida sociedade dona do veículo, no exercício das funções de motorista; e

4. O ligeiro de passageiros com a matricula SH-00-00, propriedade de M.... que o conduzia.

B) No local, no sentido Viseu-Coimbra, a via era ascendente, com duas faixas de rodagem (destinadas ao trânsito do sentido Viseu-Coimbra) separadas por traços longitudinais descontínuos.

C) No local, no sentido Coimbra-Viseu, a via segue em sentido descendente, com apenas uma faixa de rodagem, sendo separado cada sentido de trânsito por duplo traço longitudinal contínuo.

D) No local onde ocorreu o acidente, a estrada descreve uma curva para a direita, atento o sentido de marcha Coimbra-Viseu e a faixa de rodagem é dividida por dois traços longitudinais paralelos contínuos, tendo, a via, piso betuminoso em bom estado de conservação, mas estando na altura molhado, uma vez que chovia

E) E com bermas em ambos os lados da faixa de rodagem, com 2,20 m na berma direita, atento o sentido de marcha Coimbra-Viseu e 70 cm na berma esquerda, atento o mesmo sentido.

F) A largura de toda a via é de 10,10 m e as duas herni-faixas destinadas ao trânsito que seguia no sentido Viseu-Coimbra tinham a largura total de 6,70m.

G) Considerando aquele sentido de trânsito (Viseu-Coimbra), a faixa da direita era delimitada por uma linha contínua, sendo ladeada por berma com cerca de 0,70 m de largo

H) A faixa destinada ao sentido Coimbra-Viseu tinha 3,35 m e era ladeada por linha contínua e acompanhada de berma com cerca de 2,20 m de largura.

I) No local, a via desenvolvia-se em curva para a esquerda, atento o sentido Viseu-Coimbra.

J) O QM circulava no sentido Viseu-Coimbra na faixa de rodagem mais à direita, atento o seu sentido de marcha a uma velocidade não superior a 50/60 kms/hora

L) O DC circulava também no sentido Viseu-Coimbra na faixa mais à direita, alguns metros à frente do QM e a uma velocidade superior a 80 Km/h.

M) O EG circulava no sentido Coimbra-Viseu, com a Galera VI-0000, pelo lado direito da sua hemi-faixa de rodagem e junto à sua berma direita, atento o seu sentido de marcha, a uma velocidade não superior a 60 Km/hora e com as luzes, médios, acesas.

N Quando o EG se encontrava no Km 65,7 do IP3, aproximou-se o veículo de matricula 00-00-DC que circulava a velocidade superior a 80 em sentido contrário ao seu, ou seja, no sentido Viseu-Coimbra.

O) A determinado momento a condutora do DC iniciou uma manobra de ultrapassagem a outros que seguiam à sua frente e em fila, pela faixa direita, passando a circular pela faixa de trânsito central, junto ao eixo da via e no limite de tal lado daquela faixa.

P) Ultrapassou os veículos que circulavam na faixa mais à direita e pretendia ultrapassar outros veículos que circulavam na faixa mais à direita.

Q) Por força da velocidade, da aceleração e do estado do piso a condutora do DC perdeu o domínio do seu veículo que entrou em deslize para a esquerda, atento o sentido em que seguia, passando, primeiramente, a circular sobre o duplo traço contínuo de separação dos sentidos marcha, invadindo, após, a faixa destinada ao trânsito Coimbra-Viseu, por onde circulava o EG.

R) Indo embater, a meio da hemi-faixa de rodagem destinada ao veículo EG e por onde este seguia, com a sua frente esquerda na frente esquerda do tractor.

S) A colisão ocorreu após o DC ter transposto o eixo da via para a faixa destinada ao sentido Coimbra-Viseu e dentro de tal faixa por onde circulava o EG e próximo da linha contínua que separa as faixas nos dois sentidos.

T) E deu-se entre o canto esquerdo do DC e a parte lateral esquerda da cabine do EG com maior incidência no rodado dianteiro esquerdo do EG, depois, ao longo de toda a composição do veículo EG do depósito de combustível do EG e também no rodado traseiro do tractor EG e na galera (semi-reboque) do EG.

U) Devido ao embate por parte do veículo 00-00-DC, os órgãos de direcção do EG bloquearam e este rodopiou para o seu lado esquerdo, tendo o seu condutor, J...., perdido o controle do veículo que conduzia o qual saiu fora da faixa de rodagem por onde seguia.

V Transpôs o eixo da via para a esquerda (atento o sentido em que seguia) em movimento de atravessamento invadindo as faixas de rodagem opostas, com a frente do tractor e cabine a aproximar-se da berma esquerda e o atrelado e parte traseira em movimento de deslocação para a frente, cortando assim totalmente a linha de circulação do QM.

X) Após transpor o eixo da via o EG atravessou totalmente a faixa central tendo ido embater na frente do tractor de mercadorias QM (que seguia na sua hemi-faixa de rodagem, no sentido Viseu-Coimbra) quando este se aproximava a menos de 20 metros.

Z) Após o embate, o DC ficou imobilizado na semi-faixa mais à direita das duas destinadas ao sentido Viseu- Coimbra.

AA) o EG ficou totalmente atravessado na via, na semi-faixa mais à esquerda das duas destinadas ao sentido Viseu-Coimbra ocupando-a transversalmente, com a frente encostada aos rails do lado direito (sentido Viseu-Coimbra) e com a traseira virada e sobre a berma oposta.

AB) Por sua vez o QM, após ter sido embatido pelo EG, ficou com o atrelado imobilizado sobre a faixa de trânsito direita (sentido Viseu-Coimbra), tendo o tractor e a cabine do QM sido impulsionados para a direita e para fora da via, transpondo os rails de protecção laterais.

AC) F.... foi transportado aos HUC onde deu entrada cerca das 15 h e 24m e faleceu nesse dia em consequência de lesões traumáticas crânio-encefálicas que sofreu no acidente com 42 anos de idade no estado de solteiro.

AD) Era uma pessoa saudável e dinâmica.

AE) Antes do sinistro F.... foi motorista de TIR auferindo remuneração total de 1.500,00.

AF) À época do sinistro encontrava-se desempregado recebendo subsídio de desemprego no montante de € 650, dada anterior rescisão de contrato de trabalho que acordara.

AG)) Prestando serviços irregulares de motorista para terceiros, auferindo com os mesmos rendimentos mensais médios não inferiores a € 500,00.

AH) À altura do acidente F..... tinha-se comprometido com a empresa N.... para exercer ao seu serviço as funções de motorista de transportes internacionais, indo auferir, a partir de Abril de 2001 remuneração não inferior a €1.500,00 mensais.

AI) Vivia com a A. A.... como se de marido e mulher se tratassem desde 1980 e tencionavam casar em Setembro de 2001.

AJ) Com eles habitavam os AA. B.... e C.....

AL) Os AA. B....e C...., nascidos, respectivamente, a 18-4-1997 e 19-5-1991, são filhos do referido F.... e de A A.... (nascida a 21-6-1964).

AM) F.... era a única fonte de rendimentos do respectivo agregado familiar.

AN) Após a morte de F...., a A. A...., até então doméstica, tem vindo a desempenhar tarefas ocupacionais da Segurança Social recebendo os inerentes subsídios e teve de recorrer ao rendimento mínimo garantido (o que sucede actualmente), sobrevivendo a família com os rendimentos auferidos pela A. A.... e pela A. C...., rendimentos que não permitem actividade de diversão e lazer, nomeadamente o gozo de férias na praia, ao contrário do que sucedia antes do falecimento.

AO) Por falta de rendimentos a mãe não compra brinquedos ao A. B.... e recorre a vestuário oferecido por terceiros.

AP) Após a morte de F....., o seu filho B.... mencionava que tinha saudades do pai e que queria ir ter com ele e ainda refere frequentemente que tem saudades do pai.

AQ) Com o falecimento de F....., a A. A.... sentiu-se revoltada, insegura, oprimida, chorando e considerando-se incapaz de criar os filhos e de lhes dar as condições de vida propiciadas pelo pai e recorreu a apoio psicológico.

AR) O F.... sempre desejou que o A. B.... tirasse um curso superior e estava muito empenhado em que tal sucedesse também com a sua filha C....que, na altura do falecimento frequentava o 12.º ano na área de Humanidades, pretendendo seguir um curso nesta área.

AS) Projecto que era comum à família porque nenhum dos respectivos membros tinha habilitações superiores.

AT) A A. C....e o pai eram muito ligados entre si, tendo aquela sentido um choque com a morte do pai do qual ainda se não recompôs.

AU) No ano do falecimento, a A. C....reprovou por não conseguir estudar em virtude do falecimento do pai, acabando a época no ano seguinte.

AV) A C....sente desgosto em não prosseguir os estudos quando verifica que as suas colegas e amigas o fazem

AX) Continua perturbada com o falecimento do pai, evidenciando reacções de agressividade, de rebeldia, de frustração, desânimo, estados depressivos e descontrole emocional, reage aos gritos a simples observações da mãe a quem responsabilizava pela morte do pai e atravessou períodos de choro compulsivo e profundo e dificuldades em dormir nos meses seguintes e quando adormecia tinha pesados verbalizando diálogos com o pai durante o sono.

AZ) Devido à agitação provocada pelos pesadelos chegou a cair da cama, chegou a fugir de casa e ameaçou suicidar-se.

AAA) Entrou em fases de depressão, desfalecendo e perdendo os sentidos e tal como a sua mãe recorreu a apoio psicológico e sonha com frequência com o pai e chora quando se lembra ou lhe falam dele.

AAB) Quando faleceu o F...... efectuava um transporte para França, efectuava um transporte internacional por mês com duração de 8/10 dias auferindo, em média € 600,00.

AAC) Na altura F.... colectara-se como empresário individual para se dedicar ao corte de árvores para fornecimento de lenha para consumo doméstico e industrial, actividade que iria cumular com a de motorista profissional, esperando dela obter rendimento não inferior a € 500,00

AAD) O F..... era o beneficiário n.º 111.126.811 da Segurança Social a qual pagou à representante dos filhos daquele, a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência, no período de Março de 2001 a Julho de 2004 o montante de € 13.034,64.

AAE) O ISSS continuou a pagar aos filhos de F..... a pensão mensal de € 126,87 durante 14 meses por ano e desde Agosto de 2004.

AAF) A responsabilidade civil por acidentes de viação causados pelo DC estava transferida para a seguradora O.... Companhia de Seguros, SA, entretanto fundida com a C.ª de Seguros D...., por contrato de seguro pela apólice 8125507.


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III – Fundamentação de Direito

A apreciação e decisão das apelações – principal e subordinada – delimitadas pelas conclusões da alegação dos apelantes (art. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC), circunscreve-se grosso modo a 2 questões:

À apreciação dos montantes indemnizatórios fixados a título de danos não patrimoniais, que a R. D.... quer suprimidos no que diz respeito à A. A.... e que os AA. pretendem ver em parte incrementados; e

À apreciação dos montantes indemnizatórios fixados a título de “dano patrimonial futuro”, que a R. D.... quer ver reduzidos e que os AA. querem ver melhorados.

Antes, porém, efectuando um muito breve e “tabelar” enquadramento, diremos que na “base jurídica” dos 4 processos estão as regras da responsabilidade civil.

Em princípio, é responsável civilmente quem, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem causando-lhe danos.

Competia assim aos AA. (de cada um dos 4 processos) alegar e provar os vários requisitos da responsabilidade civil (483º e ss. do C. C.).

Ónus que os AA. cumpriram quanto à alegação.

E que, quanto à prova, a decisão recorrida (supra transcrita) também considerou, pelo menos parcialmente, cumprido por todos os AA; com uma única excepção, respeitante aos AA. do processo 124-04 – os I.... e H.....

Pelo que, numa delimitação negativa dos recursos – a partir do confronto entre o decidido na sentença recorrida e o âmbito dos recursos interpostos – podemos desde já afirmar que os processos 672/01 (principal), 123/04 e 124/04 não fazem parte do objecto do presente recurso.

E circunscrevendo ainda um pouco mais os recursos, também já não está em causa a culpa na eclosão do acidente – que a sentença recorrida atribui em exclusivo à condutora do DC – uma vez que a sua seguradora, a aqui R/apelante D...., não a coloca em crise, só discutindo, em boa verdade, se estão equitativamente fixados os montantes indemnizatórios dos danos julgados indemnizáveis; discussão esta – sobre os “quantum” indemnizatórios fixados – que é também o campo em que se situa o recurso subordinado.

Assim:

1.ª Questão – Quanto ao montante indemnizatório de 50.000,00 € (pela perda do direito à vida, concedido aos AA. B.... e C....) e quanto aos montantes indemnizatórios de 10.000,00 €, 20.000,00 € e 30.000,00 € (concedidos aos AA. Celeste, B.... e C....), todos fixados a título de “danos não patrimoniais”.

Não está evidentemente em causa a indemnizabilidade do dano decorrente da morte do F.... e dos danos morais que tal morte causou aos seus familiares.

Extrai-se com suficiente clareza do art. 496.º do C. C. que, em caso de morte, é reconhecido, às categorias de familiares aí referidos e pela ordem indicada, o direito de indemnização envolvendo duas parcelas autónomas:

 - a indemnização pela perda da vida, como bem absoluto que, apesar de irrecuperável, deve ser compensado;

 - a indemnização pelos danos morais que a morte de alguém é susceptível de provocar naqueles familiares.

A questão – para além da concreta fixação dos montantes indemnizatórios – está apenas em saber se, em caso de união de facto, podem ser atendíveis e indemnizáveis os danos morais causados por tal morte ao elemento sobrevivo da união de facto.

Efectivamente, como resulta dos factos provados, é nessa veste que a A. A.... se apresenta, uma vez que embora vivesse com o infausto F.... há mais de 20 anos – de quem aliás tinha dois filhos, os AA. B.... e C....– não estavam juridicamente casados.

A tal questão respondeu a sentença recorrida afirmativamente, embora, depois, na parte decisória, haja “infirmado” parte de tal resposta e só haja dividido pelos filhos a indemnização pela perda do direito à vida.

Sem prejuízo da clara analogia de vida e de sofrimento, entre os cônjuges e as pessoas que vivem em união de facto, o certo é que a referida resposta afirmativa não é sustentável, a nosso ver e salvo o devido respeito, à luz da letra do art. 496.º, n.º 2, do C. Civil.

Trata-se de diferenciação, entre a família decorrente do casamento e da união de facto, que o princípio constitucional da igualdade não proíbe[4].

E que não pode ser ultrapassada com o argumento de que se está perante uma lacuna do C. Civil; efectivamente, em face da proximidade temporal da legislação especialmente criada para regular e proteger as uniões de facto (Lei n.º 7/01, de 1-05) – legislação essa que não confere protecção nos termos e ao abrigo da responsabilidade extra-contratual – sobreleva o argumento de ter sido a não protecção uma “opção legislativa”.

É verdade que o T. C. já afirmou tal diferenciação como inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade; fê-lo, porém, por um única vez[5] e numa situação muito específica[6], em que a morte havia resultado dum homicídio doloso, tendo, mais recentemente, em situações como a dos presentes autos, julgado tal diferenciação como não inconstitucional[7].

Por conseguinte – e sem prejuízo de se antever que o caminho do legislador possa vir a ser o de estender aos elementos da união de facto o direito de indemnização previsto para o cônjuge – entendemos, em face da lei actual (da letra do art. 496.º, n.º 2, do C. Civil), que os danos não patrimoniais reflexos do elemento sobrevivo duma união de facto não são indemnizáveis.

Significa isto que não se poderá manter a indemnização de 10.000 € concedida à A. A.... a tal título (por danos não patrimoniais reflexos).

E quanto aos concretos montantes indemnizatórios concedidos, a tal título, aos filhos (AA. C....e B....)?

Afigura-se-nos ajustado e equilibrado (cfr. 496.º, n.º 1, e 494.º, ambos do CC) – numa perspectiva que não pode nem deve ser miserabilista – fixar a indemnização pelo perda do direito à vida do pai F.... em 60.000,00 € (ponto em que se dá vencimento ao recurso subordinado) e manter os montantes fixados para os danos patrimoniais próprios fixados para cada um dos 2 filhos (montantes estes que, aliás, a R/ D.... não contesta na sua conclusão recursiva).

Os 50.000 € fixados na sentença recorrida constituem um montante, é certo, que não fere a equidade, porém, há uma ocorrência que nos faz considerar os 60.000,00 € como a melhor justiça do caso concreto: o acidente ocorreu em 09/02/2001 e só passados cerca de 7 anos e meio (em 1/09/2008, data da sentença a quo) tais danos foram liquidados, nela se dizendo (em obediência ao art. 566.º, n.º 2, do CC) que a sua liquidação/fixação é actualizada à data da sentença, o que significa que a sua fixação, para ser inteiramente justa e equitativa, deve também incorporar uma reparação pelo tempo em que os AA. C....e B.... (entre o acidente e a data da sentença) não puderam dispor do montante que lhes era devido[8].

Uma última observação ainda, a propósito do dano de afirmação social, sobre o qual um montante indemnizatório autónomo é pretendido pelos AA. C....e B...., na alegação do recurso subordinado.

Fala-se hoje, nomeadamente, no “dano biológico” para aludir ao dano causado ao corpo e à saúde do lesado, ao dano causado à integridade física e psíquica que a todos assiste; e acrescenta-se, em abono de tal tese, que o homem, na sua integridade psico-somática, desenvolve a sua existência terrena na sua vida e realização profissionais e na sua vida relacional – relacionando-se e interagindo com os demais seres humanos – pelo que pode haver dano corporal, nesta faceta da sua vida relacional.

Porém, também se refere e avisa, “a fim de evitar super-equações de danos (com indemnizações em duplicado, em triplicado ou até mesmo em quadruplicado)” e “no intuito de pôr cobro à autêntica anarquia que se instalou nas decisões judiciais[9] que os únicos 3 tipos de danos existentes são, respectivamente, o dano à saúde, o dano patrimonial em sentido estrito (decorrente de incapacidade com incidência no desempenho profissional) e o dano moral; e que, sendo o dano à saúde alheio a quaisquer incidências sobre a capacidade de ganho do lesado, importa não esquecer “que há zonas de tangência e até de intersecção entre vectores diferenciados e autonomizados duma mesma realidade[10].

Quer-se com isto dizer e significar que não há que autonomizar – que indemnizar autonomamente – os danos/prejuízos de afirmação social dos AA. B.... e C...., devendo considerar-se, no caso, que os mesmos já estão incorporados e contemplados nos montantes indemnizatórios que lhe estão a ser atribuídos (quer a título patrimonial quer a título não patrimonial).

2.ª Questão – Quanto ao montante indemnizatório de 200.000,00 € fixado a título de “dano patrimonial futuro” a favor dos três AA..

Diz-se no art. 495.º, n.º 3, do C. C. que “têm direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”.

São pois contemplados com direito à indemnização, por tal normativo, as pessoas ligadas ao lesado por vínculos legais que impliquem a prestação de alimentos – que dele recebem alimentos ou que estão em condições de os vir a receber em medida equivalente aos ganhos, não fora o facto ilícito causador da morte ou da lesão corporal – e os beneficiários de prestações alimentícias concedidas pela vítima na decorrência duma mera obrigação natural, na assunção espontânea dum dever de justiça.

É justamente o caso, por via do vínculo legal, dos AA. C....e B...., filhos do falecido F....; e da A. A...., por via do cumprimento da obrigação natural de alimentos emergente da união de facto[11], designadamente quando, como é o caso, estabelecida entre pessoas de sexo diferente que vivem, há 20 anos, em situação análoga à de cônjuges (cfr. art. 1.º, n.º 1, e 3.º, alíneas e) e f), da lei n.º 7/2001, de 11-05).

É pois indiscutível a indemnizabilidade dos lucros cessantes – dano patrimonial futuro – sofridos pelos AA..

A questão, mais uma vez, está na fixação do seu quantum e na sua posterior “distribuição” nas “relações internas” entre os 3 AA.

Nesta tarefa, da fixação do seu quantum, começar-se-á por enfatizar, para que não pairem ou persistam quaisquer dúvidas, que a equidade (art. 566.º, n.º 3, do C. Civil) é o único critério legal para a fixação da indemnização de tal dano.

Todavia, em situações como a presente – isto é, sempre que se visa encontrar um capital produtor do rendimento capaz de garantir uma concreta prestação periódica anual, ao longo de quase três dezenas de anos – o recurso à lógica matemática constitui, a nosso ver, uma preciosa ajuda para “afinar” a equidade.

Têm tais “fórmulas” o mérito de impedir involuntárias discricionaridades e subjectivismos, na medida em que obrigando o julgador à externalização, passo a passo, do seu juízo decisório e a uma maior “densificação” da fundamentação da decisão, contribuem para impedir raciocínios mais ligeiros e/ou maquinais na fixação de indemnização.

Isto dito, revertendo ao caso dos autos:

Tinha o F.... 42 anos no dia do acidente e passaria a auferir, dentro de 3 meses, € 1.500,00 (14 vezes por ano).

Perante este quadro factual – admitindo que gastaria consigo 1/3 do seu rendimento, descontando o montante anual da pensão de sobrevivência (de € 1.776,00) concedida aos AA. e considerando que ainda teria pela frente 28 anos de vida activa – o tribunal a quo atribuiu, a título de danos patrimoniais futuros (564.º, n.º 2, do CC), uma indemnização de 200.000,00 €.

Ao que a R/apelante contrapõe que, no momento do acidente, estava desempregado, recebia o subsídio de desemprego de apenas 650,00 € e que a sua vida activa a considerar não deve ultrapassar os 23 anos.

Que dizer?

A propósito do montante de retribuição, o art. 64.º, n.º 7, 8 e 9 do DL 291/2007 – na redacção do DL 153/2008, de 06-08 – sobre o Novo Regime do Seguro Obrigatório (invocado pela R/apelante), manda atender aos rendimentos líquidos que se encontrem fiscalmente comprovados.

Sucede, porém, para além do argumento “formal” da tais diplomas legais não cobrirem temporalmente os factos em análise, que é a equidade – a justiça do caso concreto – que continua a ser o critério legal (cfr. 566,º, n.º 3, do CC) que nos deve guiar na fixação da indemnização de tais danos; sem prejuízo, evidentemente, de tais diplomas conterem regras e critérios que, em “substância”, podem auxiliar a equidade.

Consideramos pois, como justo e equitativo, tendo em vista indemnizar um dano futuro, “trabalhar” com o facto provado mais recente e actual e esse é, indiscutivelmente, o que diz que, em Abril de 2001, o F.... iria receber 1.500 € X 14 meses[12].

Do mesmo modo quanto aos anos de vida activa; em que reputamos como de elementar justiça trabalhar com 28 anos de vida activa e não com apenas 23 anos.

Efectivamente, como todos o sabemos, por ser público e notório, a tendência actual é exactamente contrária à referida na conclusão 13.ª, isto é, o que está em cima da mesa é o previsível alargamento da idade de reforma, tendencialmente até aos 70 anos.

Isto dito, voltando ao cálculo – como supra foi enunciado – dos danos patrimoniais futuros, tendo presente que a indemnização em causa deve ser calculada em atenção ao tempo provável de vida activa (28 anos), de forma a que represente um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação que existiria e a que vai existir até ao fim desse período; e recorrendo, instrumentalmente, ao auxílio das fórmulas e cálculos matemáticas – que, encontrada a prestação anual a que se tem direito e conhecido o número de anos por que a mesma se deve manter, nos dizem qual o capital que será necessário deter no ano inicial para, esgotando-se totalmente no final, obter em cada um dos anos a prestação anual[13] – chegamos ao valor (aplicando a fórmula matemática referida em nota[14]) de 261.469,47 € (factor de 21.389846 X a pensão anual de 12.224,00 €).

Pelo que, concluindo, tendo presente que a quantia a tal título fixada na sentença se reporta à própria data da sentença (e que entre esta e a data da alta já haviam decorrido mais de 7 anos e meio[15]), consideramos num julgamento “ex aequo et bono” – tomando em conta “todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida[16]como justo e equilibrado, fixar a título de indemnização, pelos danos futuros em causa, pelo menos o montante peticionado no recurso subordinado, isto é, 229.200,00 €

Montante este que em cuja distribuição, condicionados pela distribuição feita na sentença recorrida, mantemos os montantes atribuídos aos AA C....e B...., incrementando em 29.200,00 € o montante concedido à A. A.....


*

IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedentes quer a apelação principal quer a apelação subordinada, revogando-se e alterando-se, em partes, as condenações respeitantes aos danos não patrimoniais e ao chamado “dano patrimonial futuro”, razão pela qual se substituem as alíneas c) e f) da sentença recorrida que passam a ter o seguinte conteúdo condenatório em relação à R. D.....

c) aos AA. B....e C...., a quantia de € 60.000,00 € pela perda do direito à vida;

f) à A. A.... a quantia de € 54.200,00 por ganhos cessantes.

Mantendo-se em tudo o mais – designadamente, quanto às constantes das alíneas d) e e)[17] – a sentença recorrida.

Custas:

Nesta instância, pela R. D.... e pelos AA., na proporção de 4/5 e 1/5, quanto ao recurso principal; e pelos AA. e pela R. D...., na proporção 1/3 e 2/3, quanto ao recurso subordinado.

Na 1.ª Instância (quanto ao pedido do processo 125/04), pelos AA. e pela R. D...., na proporção 1/5 e 4/5.

[1] Processo este em que é A. G...., Lda. e R a D.....

[2] Processo este em que são AA. I.... e mulher H.... e R. a E.....

[3] Processo este que é A. a . L.... e em que são RR. as mesmas seguradoras D.... e E.....

[4] Cfr. Ac do STJ de 23/04/1998, in CJ Online Ref. 9480/1998; e Ac. Rel. Coimbra de 12/10/2004, in CJ Online Ref. 7932/2004.
[5] Cfr. Ac. de 19/06/2002, in DR, II Série, de 24-07-02

[6] E com um conteúdo argumentativo que torna questionável a extensão da doutrina às situações mais frequentes, em que a pretensão indemnizatória se insere no quadro da responsabilidade civil por negligência ou pelo risco.

[7] Cfr. Ac. n.º 86/2007, in DR n.º 93, Série II de 15-05-2007; Ac. n.º 87/2007, in DR n.º 93, Série II de 15-05-2007; e Ac. n.º 210/2007, in DR n.º 97, Série II de 21-05-2007.
[8] Como é evidente, não é a mesma coisa “dar” 50.000 € após o acidente e/ou apenas volvidos 7 anos e 6 meses sobre tal data.
[9] J. Álvaro Dias, in Dano Corporal, pág. 138/139.
[10] J. Álvaro Dias, in Dano Corporal, pág. 395.
[11] Cfr. Ac. STJ de 14/10/1997, in CJ Online, Ref. 10202/1997.
[12] É difícil explicar, à luz da Justiça, a utilização dum outro valor, uma vez que também se provou que, antes, como motorista TIR, também ganhava tal montante; e dá-se o caso, nada despiciendo, de ter sido exactamente na execução dum trabalho, embora não regular, de motorista de Transportes Internacionais que a vítima foi colhida mortalmente.

[13] Podendo ainda acrescentar-se que é hoje mais ou menos pacífico que tais fórmulas devem garantir, ano após ano, a manutenção em termos reais da prestação (e não em termos meramente nominais), para o que é forçoso que as fórmulas contemplem a inflação anual, os ganhos de produtividade e as evoluções salariais por progressão na carreira.

C = capital a depositar logo no 1º ano;

P = prestação a pagar no 1º ano;

N = Número de anos (28) porque a prestação se há-de manter

r = taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras (4,0% - taxa ajustada à média ponderada dum longo período temporal e que – desde que integrámos, acabou de fazer 10 anos, uma zona económica e monetária estável – se vem revelando próxima da realidade, sem prejuízo do passado recente apontar para uma taxa menor, o que – a ser aplicada uma taxa mais baixa – faria subir o capital a entregar);

k = taxa anual de crescimento de P (2 % - taxa de crescimento moderado e que, no longo prazo, poderá porventura até ser inferior ao crescimento do PIB).
[15] Sendo certo – é quase ocioso referi-lo – que, no cálculo que efectuámos, o capital encontrado é por reporte à época do acidente e numa lógica de que é logo nessa data que o capital é disponibilizado aos AA.; isto é, de que logo iria começar a vencer juros, o que, já o sabemos, não ocorrerá durante 7 anos e meio.
[16] Pires de lima e Antunes Varela, C. C. Anotado, 4ª ed., Vol. 1º, p. 501.

[17] Que mantêm os seguintes conteúdos condenatórios: “d) à A C....a quantia de € 30.000,00 por danos não patrimoniais e de € 75.000,00 a título de ganhos cessantes; e) ao A B.... a quantia de € 20.000,00 por danos não patrimoniais e de € 100.000,00 a título de ganhos cessantes”.i = taxa de juro, sendo i = [14]