Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
55/17.9PEVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES DE MENOR GRAVIDADE
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 05/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (J C CRIMINAL – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 21.º E 25.º DO DL. N.º 15/93; ART. 50.º DO CP
Sumário: I – O tipo base ou comum do tráfico de produtos estupefacientes é definido no art. 21.º do DL 15/93 que prevê todo e qualquer acto relativo a produtos estupefacientes identificados nas tabelas anexas, desde a produção, transporte ou venda, mera detenção ou aquisição não previstas no art. 40.º do mesmo diploma – aquisição para consumo.

II - O legislador incriminou os descritos comportamentos porque os considerou em si mesmos perigosos, uma vez que, segundo as regras da experiência comum, são aptos a produzir efeitos altamente danosos na saúde e integridade física dos consumidores e da saúde pública em geral, além da criminalidade induzida pela necessidade de obter meios económicos para financiar a dependência que criam.

III - Para que se verifique o crime, basta a verificação de uma das acções típicas, independentemente da situação concreta ter criado ou não um perigo de violação de determinados bens jurídicos.

IV - O crime de tráfico privilegiado previsto no artigo 25º do Decreto-Lei n.º 15/93 exige que a ilicitude do facto se mostre consideravelmente diminuída, numa valoração global do facto, em razão de circunstâncias objectivas concretas, designadamente dos meios utilizados pelo agente, a modalidade e circunstâncias da acção e a quantidade e qualidade dos produtos transaccionados, tendo em conta, não só as circunstâncias que o preceito enumera de forma não taxativa, mas ainda outras que apontem para aquela considerável diminuição.

V - Na avaliação global do facto, tendo em vista designadamente a deslocações regulares de Y(...) a X (...) , no caso de … durante 3 meses e no caso de … durante um mês e 19 dias, de automóvel, para venda de cocaína e heroína, instalando-se em hotéis a partir de onde abasteciam consumidores com quem contactavam, tal não permite concluir pela ilicitude “consideravelmente diminuída” exigida pelo crime privilegiado do artigo 25º.

VI - A suspensão [da pena de prisão] apenas deve ser decretada quando haja fundamentos para que o tribunal se convença que o crime cometido se não adequa à personalidade do agente e foi um simples acidente de percurso, esporádico. E – assim - que a ameaça da pena será suficiente para evitar o cometimento de novos ilícitos típicos.

Decisão Texto Integral:






Acordam, em conferência, na 4ª Secção, de competência criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- RELATÓRIO

1. A decisão recorrida

Nos autos, após audiência pública de discussão e julgamento com exercício amplo do contraditório, foi proferido acórdão final com o seguinte – DISPOSITIVO:

Face ao exposto, acordam os juízes que compõem este tribunal colectivo em julgar parcialmente procedente, por provada a acusação e, em consequência, decide-se:

A) Absolver cada um dos arguidos … e … da prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa ao diploma legal;

B) Condenar o arguido pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de 1 (um) de crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º n.º 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às Tabelas I-A e I-B anexa ao aludido diploma na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;

C) Condenar o arguido pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de 1 de crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às Tabelas I-A e I-B anexa ao aludido diploma na pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão;

D) Declarar perdidos a favor do Estado os estupefacientes apreendidos à ordem destes autos e ordenar a destruição das Amostra-Cofre (artigo 62º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro).

E) Declarar perdidos a favor do Estado os seguintes objectos e valor monetário apreendidos: 6 (seis) telemóveis, €1.265,43 em dinheiro, 1 (um) rolo de sacos de plástico, 1 (um) saco de plástico com recorte, vários plásticos recortados; 1 (um) tesoura e 1 (um) x-ato.

2. Os recursos

Inconformados com tal decisão, dela recorrem os arguidos … e .

2.1. Na motivação do recurso interposto pelo arguidosão formuladas as seguintes CONCLUSÕES:

1. Os factos praticados pelo arguido … são de diminuída ilicitude, pelo que o arguido deverá ser condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, cfr. previsto no artigo 25º em detrimento do p. e p. no artigo 21.º da Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro.

2. O arguido … confessou os factos que lhe eram imputados de forma livre e espontânea mostrando estar arrependido sem margem para qualquer dúvida, tendo feito uma confissão livre e sem reservas;

3. Não é pelo arguido nas suas declarações ter dito que não se considera um traficante que a sua confissão perde verdade, uma vez que aquela sua alegação mais não é do que a forma como ele se vê, não negando no entanto, antes pelo contrário, a prática dos factos.

4. O relatório social não deve ser relevado por o mesmo não ser objectivo, tratando-se mais de uma sentença condenatória do que uma análise imparcial à situação real do arguido, pois fala somente em processos do arguido (a maioria dos quais nem a julgamento foram) não mencionado nada no que concerne à sua integração social e laboral.

5. A medida das penas aplicadas aos arguidos não mostram a distância real que existe entre ambos, seja no corpo do processo, seja no seu passado de registo criminal.

6. O Tribunal a quo recorre a conceitos evasivos e etéreos para concluir pela necessidade de aplicar uma pena de prisão efectiva, mais a fundamentando com necessidades de prevenção geral, o que viola as finalidades da sentença.

7. A ser aplicado o artigo 21º o arguido deve ser sempre condenado em pena de prisão suspensa na sua execução, pois a mesma cumpre na íntegra os objectivos de prevenção e respeita o disposto no artigo 70º do Código Penal.

8. Em qualquer dos artigos a que venha a pena a ser aplicada, esta tem obrigatoriamente de ser pena de prisão suspensa na sua execução pois essa é a única forma de ser feita JUSTIÇA!

2.2. Por sua vez o arguido na motivação do recurso por si interposto formula as seguintes CONCLUSÕES:

1. Considerando a matéria de facto dada como provada e o direito aplicável, o crime praticado pelo Recorrente … deve subsumir-se no tipo privilegiado previsto no artigo 25.º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.

2. O Recorrente … é o caso típico de pequeno traficante, em que a ilicitude do facto se mostra consideravelmente diminuída.

3. O período de duração da atividade é curto, apenas 3 meses e foi exercida numa área restrita, a cidade de X (...) , nos locais já habituais de tráfico de estupefacientes.

4. O meio de transporte empregue nessa atividade era um carro e o Recorrente … nunca deteve grande quantidade de produto estupefaciente, antes pelo contrário, as quantidades que possuía aquando da sua detenção eram compatíveis com a sua pequena venda.

5. Também os meios empregues na atividade desenvolvida eram manifestamente rudimentares, manifestando pouco engenho, uma vez que todos os contactos eram feitos por telemóvel e as operações de embalagem de produto eram muito pouco sofisticadas.

6. Foi pequeno o número de consumidores a quem o Recorrente vendeu, para além do que, verifica-se uma completa ausência de sinais exteriores de riqueza ou lucros avultados, compatível com a vida modesta e pautada pelas dificuldades que sempre viveu, o que nos leva a concluir que as receitas obtidas seriam as necessárias para o seu consumo próprio de estupefaciente e para a sua subsistência.

7. É entendimento do recorrente, e salvo melhor opinião, que o Tribunal a quo avaliou erroneamente o grau de ilicitude da sua conduta que se mostra no caso concreto consideravelmente diminuído, pelo que o Recorrente deverá ser condenado pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25.º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.

8. No que concerne ao quantum da pena aplicada ao arguido pelo Tribunal a quo – cinco anos e 3 meses de prisão – houve, salvo o devido respeito, violação do disposto no artigo 71.º, do Código Penal.

9. O Tribunal a quo, considerou o grau de culpa elevado, pois o Recorrente agiu com dolo direto, forma mais grave de culpa, no entanto não teve em consideração o facto de o … também ser consumidor, pelo menos de Haxixe, facto que deverá mitigar a sua culpa.

10. No que diz respeito ao grau de ilicitude dos factos, apesar de o Tribunal a quo ter considerado o grau de ilicitude pouco acima do limiar do tráfico de menor gravidade, o Recorrente considera, salvo o devido respeito, que o grau de ilicitude se revela antes concordante com o tráfico de menor gravidade.

11. Constatamos, ainda assim, que a consideração do grau de ilicitude pouco acima do limiar do tráfico de menor gravidade, não teve a devida ponderação e relevância na determinação concreta da medida da pena.

12. O Tribunal a quo não considerou, na ponderação da medida da pena, as circunstâncias que poderiam ser favoráveis ao arguido.

13. Se por um lado o Acórdão recorrido refere, e bem, que o Recorrente admitiu serem verdadeiros todos os factos constantes da acusação, esclarecendo apenas os pontos que foram dados como não provados, e que referiu estar arrependido e querer ver o seu filho crescer, por outro lado, de forma incompreensível, não tem em consideração para atenuação da medida da pena, as declarações de arrependimento, argumentando que o Recorrente começou por ser evasivo nas respostas que deu, apesar de confirmar os factos constantes na acusação!

14. Não podemos concordar com este raciocínio. O Recorrente confessou os factos pelos quais vinha acusado, mostrou arrependimento, manifestou a interiorização do desvalor da sua conduta em face dessa mesma confissão e prestou relevante atitude de colaboração com o Tribunal a quo, atitude essa que levou a que a Digníssima Procuradora do Ministério Público, em sede de audiência de julgamento, prescindisse da audição de 9 das 10 testemunhas de acusação que se encontravam arroladas.

15. O Recorrente é um jovem adulto, à data dos factos com 24 anos de idade, que iniciou agora a sua família, facto visto como positivo pelo Relatório Social.

16. A atividade criminosa do arguido foi um lamentável acidente de percurso na sua vida, decorrente das carências inerentes à sua modesta condição social, e motivada pela tentação da obtenção de um rendimento extra, associado ao seu consumo de substâncias ilícitas, ao tempo.

17. Em face das circunstâncias acima expostas, o arguido deverá ser condenado numa pena mais harmoniosa, proporcional e justa, que não deverá ultrapassar os 4 anos de prisão, nos termos do artigo 71.º do C.P.

18. A aplicação de uma pena que não ultrapasse os 4 anos de prisão teria permitido ao Recorrente beneficiar da suspensão da execução da pena de prisão, prevista no artigo 50º do Código Penal, cuja aplicação se requer.

19. O recorrente … em audiência de julgamento assumiu na globalidade os factos que lhe eram imputados, mostrou-se arrependido e demonstrou disponibilidade para assumir a sua responsabilidade.

20. As suas condições pessoais e familiares revelam-se no presente mais favoráveis, facto que nos leva a concluir que a circunstância de beneficiar desse apoio familiar será positivo no seu processo de reinserção social e contribuirá para que não ocorram no futuro situações de conduta adversa ao direito, sendo esta uma última oportunidade de “arrepiar caminho”.

21. A privação da liberdade do recorrente, no caso concreto, apenas conduzirá à degradação dos seus laços familiares, sociológicos e afetivos.

22. Tendo em consideração o fim educativo que a pena deve ter no sentido de demover o arguido do cometimento de novos crimes, mas também à sua integração e ressocialização, salvaguardando as exigências mínimas de prevenção geral, deverá ser suspensa a execução da pena de prisão a aplicar ao arguido, nos termos do artigo 50.º, do Código Penal.

TERMOS EM QUE,

Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deve a decisão proferida no acórdão recorrido ser alterada por forma que o arguido seja condenado em pena nunca superior a quatro anos de prisão suspensa na sua execução.

3. Resposta

Respondeu a digna magistrada do MºPº junto do tribunal recorrido, alegando, em síntese conclusiva:

- Os factos dados como provados integram a prática pelos arguidos recorrentes do crime previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, tal como decidido pelo tribunal a quo;    

- As penas aplicadas aos arguidos mostram-se adequadas á culpa de cada um deles, ao grau de ilicitude do facto que praticaram e às exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir;

- Não se verificando no caso «circunstâncias excepcionais», ou sequer o arrependimento ou assunção do mal praticado pelos arguidos, como facilmente se conclui da leitura dos factos provados, com respaldo na fundamentação do douto acordão, não deve suspender-se a execução da pena de prisão aplicada a qualquer dos arguidos, isto mesmo na hipótese, que só por mera cautela se admite, da pena do arguido Paulo vir a ser diminuída para limite compatível com tal suspensão, impondo-se que as penas de prisão aplicadas sejam efectivamente cumpridas pelos arguidos.

*

No visto a que se reporta o artigo 416º do CPP o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no mesmo sentido da resposta apresentada em 1ª instância.

Corridos vistos, cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Síntese das questões a decidir

Vistas as conclusões, que definem o objecto do recurso, os dois recursos interpostos incidem exclusivamente sobre matéria de direito – subsunção da matéria dada como provada ao artigo 25º do DL 15/99; - medida concreta das penas de prisão; - suspensão da sua execução.

Para proceder à apreciação das questões suscitadas importa ter presente a matéria de facto provada.

2. A decisão da matéria de facto, não impugnada é a seguinte (reproduz-se a matéria provada e não provada e apenas parte da motivação probatória relativa às declarações dos arguidos, por invocadas na motivação dos recursos para efeito da determinação da natureza e medida da pena):

A) Matéria de facto provada

1. No dia 22 de Agosto de 2017, pelas 23.40 horas, os arguidos encontravam-se na via pública, na Rua Doutor k (...) , em X (...) , na Zona do Cemitério Velho, para onde se fizeram transportar no veículo de marca “Audi”, cor azul escuro, de matrícula ….

2. Nessas circunstâncias os arguidos tinham na sua posse:

- 1 (um) pacote em plástico que continha cocaína, com o peso de 2,20gramas, produto que o arguido … trazia escondido na zona da virilha;

- 15 (quinze) embalagens contendo heroína com o peso de 2,54 gramas, com invólucro, produto que o arguido … tinha consigo e lançou para uma zona de mato, na sequência da abordagem feita pela PSP (Polícia de Segurança Pública).

3. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar os arguidos tinham ainda na sua posse:

- O arguido …: 2 telemóveis, €317,50 em dinheiro, sendo a maioria das notas de €10.00 e €20.00;

- O arguido …: 1 telemóvel, €335.00 em dinheiro, sendo que a maioria das notas eram também de €10.00 e €20.00, e 4,01 gramas de haxixe.

4. Os arguidos destinavam a cocaína e a heroína à venda a terceiros, nomeadamente consumidores de drogas, pelo valor de €10.00 a dose, preço superior ao da sua compra.

5. Os arguidos residem em Lisboa, na zona de (...) , e deslocavam-se à cidade de (...) para proceder à venda de heroína e cocaína a quem os procurasse, o que fizeram desde data não concretamente apurada mas pelo menos, o arguido … nos 3 meses que precederam a intercepção policial e o arguido … desde 3 de Julho de 2017 até à intercepção policial.

6. Para o efeito os arguidos alojavam-se num quarto do Hotel (...) , sito na Rua (...) , em (...) .

7. No referido quarto, pelas 03.35 horas do dia 23.08.2017, os arguidos possuíam ainda:

- 1 rolo de sacos de plástico;

- 1 saco de plástico com recortes;

- vários plásticos recortados próprios para fazer as doses individuais, iguais às doses que foram apreendidas na posse dos mesmos;

- 1 tesoura e 1 x-ato que serviam para recortar os plásticos

- 3 (três) telemóveis,

- 2 pedaços de haxixe com o peso de 1,87 gramas,

- 2 sacos, um com €52,30 em moedas e outro com €40,83 também em moedas e, ainda, €500.00 euros em notas.

8. Tais quantias em dinheiro eram provenientes da venda das da heroína e da cocaína.

9. Os plásticos, a tesoura e o x-ato, assim como os telemóveis, eram utilizados na actividade de venda das substâncias estupefacientes em causa.

10. Os arguidos deslocavam-se a esta cidade com alguma frequência, aqui ficavam 3 ou 4 dias por semana, e durante este período vendiam drogas a consumidores que os procuravam, ficando alojados, nomeadamente no Hotel (...) e no Hotel (...) , este situado na Rua Alexandre Herculano, em (...) .

11. Tal ocorreu, nomeadamente, nos dias 3, 5, 6, 15 e 20 de Julho de 2017, datas em que ficaram no Hotel (...) , pagando €32.00 por noite, ficando este quarto registado em nome do arguido ….

12. Nos dias 24 a 27 de Julho, 1 a 4 de Agosto e 16 a 19 de Agosto, os arguidos ficaram alojados num quarto do Hotel (...) , registado em nome de …, pagando €45.00 por dia.

13. O quarto ficou registado em nome do …, nos dias 7 a 11 de Agosto e 21 a 23 de Agosto, pagando €45.00 euros por noite no Hotel (...) .

14. Para as suas deslocações a (...) os arguidos utilizavam numa primeira fase um carro de marca e modelo “Renault Clio”, de cor azul, matrícula …, e, posteriormente, o carro de marca e modelo “Audi A4”, de cor azul escuro, de matrícula ….

15. Os arguidos informavam os consumidores de estupefacientes e “clientes” habituais através de mensagem escrita (SMS) das suas vindas a (...) , nomeadamente com as seguintes mensagens: “tou aí” e “tou na rua”.

16. Os arguidos usavam vários números, mudavam de contacto com frequência, tendo entre outros o n.º ….

17. Os arguidos cediam a heroína e cocaína a €10.00 a dose.

18. As substâncias estupefacientes apreendidas aos arguidos, nas circunstâncias supra descritas, foram sujeitas a exame e apurou-se terem o peso de 4,025, 1,902, 1,903 e 1,532 gramas (líquido), sendo cannabis (resina), Heroína, cannabis (resina) e cocaína (cloridrato), respectivamente, com um grau de pureza de 13,2%, 16,5%, 13,3% e 55,6% (THC), o que daria para efectuar 10, 3, 5 e 4 doses médias individuais diárias, respectivamente.

19. No dia 22 de Agosto, pelas 23.30 horas, … e … deslocaram-se para junto do Cemitério Velho, de (...) , para ali se encontrarem com os arguidos visando aqueles comprar-lhes cocaína pelo preço de €10.00 cada dose.

20. Quando … e … ali chegaram já lá estavam outros indivíduos, nomeadamente … (conhecido por “…”), que para ali se deslocaram com o mesmo fim.

21. Entretanto chegaram os arguidos no referido “Audi” mas quando saíram do carro foram interceptados pela polícia não tendo os consumidores logrado consumar a compra de estupefaciente.

22. Naquele dia, cerca das 20.00 horas, os arguidos já haviam vendido ao … duas doses de cocaína e duas doses de heroína, pelo preço de €10.00 cada dose.

23. Nestas circunstâncias os arguidos venderam também cocaína e heroína ao “…” que acompanhava o ….

24. Os arguidos, nos meses que vieram a (...) , venderam também heroína a …, vendiam-lhe duas a três doses de heroína de cada vez, pelo aludido preço, o que acontecia junto do Cemitério Velho.

25. Os arguidos, nos períodos referidos, venderam também cocaína e heroína a …, a €10.00 a dose, o que aconteceu junto do citado Cemitério, junto Café (...), e próximo do “Fórum de (...) ”.

26. Nos períodos de tempo que precederam a intercepção dos arguidos, pela PSP, estes venderam heroína e cocaína a …, vendiam-lhe de cada vez cinco a seis doses de cada um dos produtos (cocaína e heroína), pelo preço de €10.00 a dose.

27. Os arguidos naqueles períodos de tempo venderam também cocaína e heroína, a €10.00 a dose, a …, o que acontecia onde este arrumava carros, nomeadamente junto do Centro Comercial (...) e da Loja do Cidadão, em (...) .

28. Os arguidos, noutras datas que não se logrou concretizar mas que se situam nos dias supra indicados, venderam cocaína e heroína aos referidos consumidores, nomeadamente ao longo dos meses que vieram a (...) , e venderam cocaína e heroína a … cerca de “três dezenas de vezes”.

29. Habitualmente o arguido … (“…”) vendia cocaína e o arguido … (“…”) vendia heroína

30. O arguido … entre Maio e início de Junho de 2017, juntamente com outro indivíduo conhecido por “…” e entre 3 de Julho de 2017 e 22 de Agosto de 2017 conjuntamente com o arguido …, actuaram livre, voluntária e conscientemente, em conjugação de esforços e de intentos, conhecendo a natureza e características das substâncias que tinham na sua posse e transaccionavam, sabendo que estas substâncias eram proibidas e que não estavam autorizados a detê-las ou de alguma forma cedê-las.

31. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei e que incorriam em responsabilidade criminal.

Dos Certificados de Registo Criminal:

32. O arguido …, foi condenado:

- Por sentença proferida em 19 de Junho de 2008, transitada em julgado a 30 de Setembro de 2008, no processo sumário n.º 797/08.0PAALM, do 1º Juízo de Competência Criminal do Tribunal de Comarca e de Família e Menores de (...) , pela prática em 8 de Junho de 2008, de 1 crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3º, n.º s 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros, num total de 250,00 euros, tendo sido declarada extinta pelo pagamento, a 24 de Março de 2014;

- Por sentença proferida em 31 de Julho de 2009, transitada em julgado a 20 de Agosto de 2009, no processo sumário n.º 248/09.2PDSXL, do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Família, Menores e Comarca do Seixal, pela prática em 27 de Julho de 2009, de 1 crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3º, n.º s 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros, num total de 750,00 euros, tendo sido declarada extinta a 20 de Agosto de 2013;

- Por sentença proferida em 31 de Maio de 2013, transitada em julgado a 17 de Dezembro de 2015, no processo comum singular n.º 1034/10.2PAALM, do Juízo Local Criminal de Almada – Juiz 2 – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, pela prática em 3 de Setembro de 2010, de 1 crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de 6,00 euros, num total de 1.080,00 euros, tendo a pena de multa sido substituída por 180 horas de trabalho a favor da comunidade por despacho proferido em 10 de Maio de 2016 e declarada extinta a 14 de Outubro de 2017;

- Por sentença proferida em 8 de Junho de 2016, transitada em julgado a 8 de Julho de 2016, no processo comum singular n.º 70/06.8PEALM, do do Juízo Local Criminal de Almada – Juiz 1 – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, pela prática em 12 de Dezembro de 2006, de 1 crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3º, n.º s 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de 4,00 euros, num total de 600,00 euros.

33. O arguido …, foi condenado:

- Por sentença proferida em 8 de Maio de 2012, transitada em julgado a 8 de Junho de 2012, no processo comum singular n.º 35/11.8PFSXL, do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Família, Menores e Comarca do Seixal, pela prática em 8 de Janeiro de 2011, de 1 crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 204º, 22º e 23º, do Código Penal, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros, num total de 600,00 euros, tendo sido substituída por trabalho a favor da comunidade e declarada extinta pelo pagamento a 18 de Setembro de 2014;

- Por sentença proferida em 30 de Maio de 2012, transitada em julgado a 29 de Junho de 2012, no processo comum singular n.º 32/10.0GBSXL, do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Família, Menores e Comarca do Seixal, pela prática em 30 de Janeiro de 2010, de 1 crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 204º, 22º e 23º, do Código Penal, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros, num total de 600,00 euros, tendo sido substituída por trabalho a favor da comunidade e declarada extinta a 30 de Maio de 2015;

- Por sentença proferida em 5 de Junho de 2015, transitada em julgado a 5 de Julho de 2015, no processo abreviado n.º 2154/14.0PAALM, do Juízo Local Criminal de Almada – Juiz 1 – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, pela prática em 7 de Dezembro de 2014, de 1 crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 40º, n.º s 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros, num total de 500,00 euros, tendo sido substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade e declarada extinta a 14 de Outubro de 2017;

- Por sentença proferida em 13 de Julho de 2015, transitada em julgado a 30 de Setembro de 2015, no processo sumário n.º 2154/14.0PAALM, do Juízo Local Criminal de Almada – Juiz 1 – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, pela prática em 8 de Julho de 2015, de 1 crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 86º, n.º 1, alínea d), 2º, n.º 1 alíneas n) e ax), 3º, n.º 2, alínea e) e 4º, n.º 1, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros, num total de 750,00 euros;

Factos provados da defesa dos arguidos:

34. O arguido …, desempenhou as funções de A. Distribuidor na empresa Telepizza – Portugal, entre 2 de Outubro de 2017 e 5 de Julho de 2018, data em que cessou o contrato de trabalho.


*

Dos relatórios sociais:

Arguido …:

… nasceu em Lisboa, sendo o quarto de uma fratria de sete elementos. O processo de socialização do arguido decorreu no seio do agregado familiar de origem em contexto pouco securitário e associado a problemáticas diversas que justificaram a intervenção do sistema de promoção e protecção de menores, tendo aos 5 anos de idade sido integrado no Lar de Infância e Juventude da Santa Casa de Misericórdia de ….

A ausência de contenção no seu projecto de vida parece ter-se refletido negativamente no seu percurso escolar, contexto em que registou um trajecto desinvestido, associado a absentismo e abandono precoce, tendo apenas frequentado o 5.º ano de escolaridade. Aos 15 anos de idade saiu da instituição e retornou ao agregado de origem.

No regresso a meio natural de vida, … adoptou um estilo de vida desregulado e pautado por uma certa errância, assente na ausência de actividade estruturada, laboral e ou formativa e no convívio com o grupo de pares, elementos conotados com a adopção de comportamentos socialmente problemáticos. Ainda assim, verbalizou o desenvolvimento de actividades indiferenciadas nos ramos da construção civil, distribuição alimentar e restauração.

Na maioridade penal o arguido registou o seu primeiro contacto com o Sistema de Administração da Justiça Penal, tendo sido condenado pela prática do crime de CVSHL no âmbito do processo70/06.8PEALM. No ano de 2008 registou duas outras sinalizações policiais (CVSHL e furto em residência) sendo que no ano de 2009 registou duas ocorrências (CVSHL e furto de veículo) uma no ano de 2010 (ofensa à integridade física simples) e outra em 2015 (violência doméstica contra cônjuge ou análogos) e uma outra sinalização a 11-06-2017 (infractor pela posse de drogas).

Embora sobre parte das referências se desconheça eventuais tramitações, destacamos que as medidas de substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade solicitadas pelos processos 797/08.0PAALM, 1034/10.2PAALM decorreram com registos de anomalias em termos de ausência de regularidade e de motivação para o desempenho das tarefas, associados a períodos de abandono não comunicados.

À data dos factos que lhe são imputados e que deram origem aos presentes autos – 2017 – … indicou que residia só na Rua (...), Y(...) em quarto tomado de arrendamento.

O arguido indicou que possuía relação de namoro, sendo que a morada constante nos autos pertenceria à progenitora da sua namorada. A relação entre ambos aparentava alguma perturbação (face ao NUIPC 1672/15.7PAALM – alegada Violência doméstica) e justificaria a existência de algumas rupturas e retomas sucessivas na relação.

… desenvolvia um estilo de vida desregulado pautado pela ausência de actividade estruturada, laboral e ou formativa, desconhecendo-se assim o modo como asseguraria a sua subsistência e ocuparia o seu tempo livre no convívio com o grupo de pares, elementos conotados com a adoção de comportamentos socialmente problemáticos, no seio dos quais indicava consumir haxixe, consumos que foram situados em cerca de 8/9 cigarros de haxixe por dia.

No presente o arguido indica estar desde 23-09-2018 a desenvolver funções como montador de andaimes na empresa … Lda. mas sem qualquer vínculo contratual, motivo pelo qual se avalia que a precariedade da sua condição laboral se assume como um factor promotor da adopção de comportamentos não conformes à ordem jurídico-penal.

No plano familiar as informações revelam-se contraditórias pois o arguido diz estar novamente a residir com a sua namorada que no presente estará gestante de 2 meses (embora mantenha o arrendamento do quarto) na sequência de reconciliação mas aquando da deslocação à morada (29-08-2018) a progenitora da namorada/companheira indicou que aquele ali já não residiria há cerca de 1 ano. Confrontado, o arguido indicou que a progenitora da sua namorada/companheira havia transmitido tal informação por uma questão de protecção da sua pessoa, situação que nos suscita algumas reservas.

No plano das suas competências pessoais e sociais o arguido denota fragilidades que se relacionam com a permeabilidade a pares problemáticos, impulsividade, imaturidade e fraca resistência à frustração, com a consequente incapacidade de adaptação a normas e regras, quadro que pelo menos no passado (em face da presente alegação de abstinência de consumos de haxixe) parece ter sido agravado pelo consumo de haxixe, atento o potencial de destabilização e de interferência de tal substância no quadro comportamental do arguido.

Não se apuraram impactos decorrentes da presente situação jurídico-penal no contexto de vida de … que num plano abstrato, confrontado com situações semelhantes às que lhe são imputadas, apresenta uma consciência critica difusa, avaliação que se consubstancia numa atitude desculpabilizante face à tipologia criminal.

Com efeito, o arguido em período posterior aos presentes autos registou novas sinalizações criminais NUIPC 1956/17.0PAALM (abuso de confiança) e NPP 162871/2018 (ofensa à integridade física voluntária simples) sobre as quais estes serviços desconhecem eventuais tramitações.

P (...) indica ter findado, há cerca de 4 meses, os consumos de estupefacientes, cessando desse mesmo modo os contactos que manteria com o mundo da droga. Porém, o alegado quadro de abstinência foi concretizado sem recurso a qualquer instância de saúde com intervenção no domínio dos comportamentos aditivos, não existindo desse mesmo modo evidência clínica que suporte a alegação, embora a última sinalização policial referente a estupefacientes se situe no ano de 2017.

O arguido cumpre no presente medida de substituição da multa por Trabalho a Favor da Comunidade no âmbito do processo 70/06.8PEALM e à semelhança das medidas análogas passadas, revela postura de adesão irregular associada a absentismo e a períodos de abandono da medida.

Face ao percurso criminal constata-se que … apresenta precocidade (16 anos) nas práticas ainda que as mesmas estejam centradas num perfil de baixa criminalidade, tendencialmente associadas aos crimes estradais. Ainda assim, em caso de condenação, os presentes autos constituir-se-ão como a sua conduta mais gravosa e indiciam a existência de escalada na sua conduta.

O processo de socialização de … foi pautado por constrangimentos nos domínios das esferas normativas família e escola, tendo as disfuncionalidades sido intervencionadas pelo sistema de promoção e protecção de menores, contexto em que esteve institucionalizado entre os 5 e os 15 anos de idade.

A ausência de contenção, a par da aproximação a redes de sociabilidade problemáticas favoreceu ainda o estabelecimento de contactos com o Sistema de Administração da Justiça Penal e Prisional, assinalando-se a sua primeira condenação aos 16 anos de idade – CVSHL.

Assim constata-se que a emergência da problemática criminal revela-se precoce e parece estar associada a um aparente desrespeito contínuo pela ordem jurídico-penal, na medida em que … em período anterior e posterior aos presentes autos registou outras sinalizações junto do Sistema Formal de Controlo.

As suas condições pessoais e sociais revelam-se de difícil compreensão, face às informações recolhidas e que se revelam contraditórias, não sendo por isso conhecida a sua dinâmica familiar. Ainda que o arguido afirme estar a desempenhar desde 23-09-2018 funções na empresa …Lda., a precariedade do vínculo, aliada ao recente estabelecimento da relação, não nos permite concluir que tal laboração se constitua no presente como protectora na condução de um modo de vida socialmente responsável.

A avaliação efetuada assinala como principais factores de risco na adoção de comportamentos socialmente responsáveis, as baixas qualificações escolares do arguido, os antecedentes criminais, as suas características pessoais – impulsividade e baixa resistência à frustração e o histórico de contactos com o mundo da droga.

Neste contexto, em que não se identificam fatores de protecção, surgem como necessidades de intervenção, em caso de condenação, a estabilização de problemáticas psicossociais (prossecução de uma actividade pro-social regular – trabalho e ou formação) e a consolidação das competências pessoais e sociais do arguido em termos do aprofundamento da sua motivação para a mudança e reflexão critica/interiorização do desvalor da conduta.

Arguido …:

… nasceu em Y(...) , sendo o quinto de uma fratria de cinco elementos. O processo de socialização do arguido decorreu no seio do agregado familiar de origem em contexto disfuncional associado a problemáticas diversas, nomeadamente no quadro de abusos físicos, emocionais e o recurso à mendicidade forçada, que justificaram a intervenção do sistema de promoção e protecção de menores.

A ausência de contenção no projecto de vida de … parece ter-se reflectido negativamente no seu percurso escolar, contexto em que registou um trajecto desinvestido, associado a absentismo e abandono precoce, tendo apenas frequentado o 4.º ano de escolaridade.

Concomitantemente, ingressou no mercado de trabalho tendo relatado o desenvolvimento de actividade no Restaurante o … ( W...) e no ramo da construção civil, de modo informal, situação quer parece não se ter constituído como facilitadora da sua inserção. Com efeito, no decurso do seu crescimento o arguido aderiu a um estilo de vida desregulado e pautado por uma certa errância, assente na ausência de actividade estruturada, laboral e ou formativa e no convívio com o grupo de pares, elementos conotados com a adopção de comportamentos socialmente problemáticos e no seio dos quais indicou ter iniciado os consumos de haxixe quando contava cerca de 12 anos de idade.

Aos 16 anos de idade, o arguido registou o seu primeiro contacto com o Sistema de Administração da Justiça Penal, NUIPC 340/09.3PAALM, tendo registado até 2015 outras 11 sinalizações, associadas às práticas de crimes contra a propriedade e ofensas à integridade física.

Embora sobre parte das referências se desconheça eventuais tramitações, destacamos que a execução das medidas de substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade solicitadas no passado decorreram com registos de anomalias, associados a períodos de abandono da prestação, não comunicados.

De acordo com o apurado, … estabeleceu relação de intimidade com …, tendo-se separado desta em dezembro de 2016. A 26-05-2017 nasceu o único filho do casal.

À data dos factos que lhe são imputados e que deram origem aos presentes autos – Julho de 2017 – … indicou que permaneceria na zona de (...) , cidade para onde se havia deslocado após a separação da companheira, em virtude desta, após a ruptura, ai ter fixado residência.

Apesar da separação, o arguido justificou a mudança com a não-aceitação da ruptura e com a necessidade de localização da ex companheira, cujo paradeiro não seria concretamente determinado.

Neste período o arguido não exercia qualquer actividade remunerada, sendo por tal facto desconhecido o modo como garantiria a sua subsistência.

… ocuparia o seu tempo livre no convívio com o grupo de pares, elementos conotados com a adopção de comportamentos socialmente problemáticos, no seio dos quais indicava consumir haxixe, consumos que foram situados em cerca de 6 cigarros de haxixe por dia. A reconciliação entre o casal foi assinalada no final do ano de 2017, sendo que desde então o agregado passou a residir na Rua da …, Y(...) , habitação correspondente à residência dos progenitores da companheira da arguida.

Sobre a morada associada aos autos, o arguido que acompanhou o técnico na diligência da deslocação (tendo sido possível desse modo confirmar a existência de um numero 46 mas associado a umas ruínas na zona portuária) procurou num primeiro momento passar a informação de que residiria no espaço apresentado, mas acabou por assumir a residência com a sua companheira.

No presente, … constitui agregado com a sua companheira e filho menor comum, estando o núcleo familiar a residir na …, Rua …, Y(...) em habitação tomada de arrendamento.

Os rendimentos do agregado associam-se à economia informal, estado … a desenvolver a actividade de vendedora de fruta ambulante e … como servente na construção civil, auferindo por tal facto rendimentos variáveis e não especificados, motivo pelo qual se avalia que a precariedade da sua condição laboral se assume como um factor promotor da adopção de comportamentos não conformes à ordem jurídico-penal.

O arguido refere-se abstinente ao nível dos consumos de haxixe desde há cerca de 3 meses, cessando desse mesmo modo os contactos que manteria com o mundo da droga. Porém, o alegado quadro de abstinência terá sido concretizado sem recurso a intervenção no domínio dos comportamentos aditivos, não existindo desse mesmo modo evidência clínica que suporte tal afirmação.

Não se apuraram impactos decorrentes da presente situação jurídico-penal no contexto de vida de … que num plano abstracto, confrontado com situações semelhantes às que lhe são imputadas, apresenta uma consciência critica difusa, avaliação que se consubstancia numa atitude desculpabilizante face à tipologia criminal.

Verifica-se ainda que o arguido em período posterior aos presentes autos registou novas sinalizações criminais NUIPC 833/18.1PGALM (CVSHL) e 22/18.5PTALM também pela prática do crime de Condução de Veiculo Sem Habilitação Legal.

Neste domínio refere-se que o processo 22/18.5PTALM do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa. Juízo Local Criminal de Almada – Juiz 3, solicitou recentemente à DGRSP a elaboração de plano de reinserção social, remetido aos respectivos autos na presente data, resultante da condenação de … por sentença transitada em julgado a 28-09-2018 pela prática do crime de CVSHL. A proposta de intervenção foi centrada na necessidade de o arguido vir a obter a habilitação para a condução.

O arguido cumpre no presente medida de substituição da multa por Trabalho a Favor da Comunidade no âmbito do processo 77/15.4PFALM do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Juízo Local Criminal de Almada – Juiz 1 e à semelhança das medidas análogas passadas, revela postura de adesão irregular associada a absentismo e a períodos de abandono da medida.

Face ao percurso criminal constata-se que … apresenta precocidade (16 anos) nas práticas ainda que as mesmas estejam centradas num perfil de baixa criminalidade, verificando-se que em caso de condenação, os presentes autos se constituirão como a sua conduta mais gravosa.

O processo de socialização de … encontra-se associado a disfuncionalidades diversas que apesar de intervencionadas pelo sistema de promoção e protecção de menores parecem ter condicionado a sua condição vivencial.

A ausência de contenção, a par da aproximação a redes de sociabilidade problemáticas favoreceu o estabelecimento de contactos precoces com o mundo da droga (iniciou os consumos de haxixe aos 12 anos) e a adopção de comportamentos criminais, já que regista antecedentes e contactos subsequentes com o Sistema de Administração da Justiça Penal, com condenações em penas de multa e fraca adesão à execução dos subsequentes trabalhos a favor da comunidade.

Ainda que as suas condições pessoais e familiares se revelem no presente como mais favoráveis, constata-se que a actividade laboral que o arguido indica desenvolver, face à precariedade do vínculo, se constitui como pouco protetora na condução de um modo de vida ajustado ao dever ser jurídico-penal.

A avaliação efetuada assinala como principais factores de risco na adopção de comportamentos socialmente responsáveis, as baixas qualificações escolares do arguido, os antecedentes criminais e o histórico de contactos com o mundo da droga.

Neste contexto, em que não se identificam fatores de protecção, surgem como necessidades de intervenção, em caso de condenação, a estabilização de problemáticas psicossociais (prossecução de uma actividade pro-social regular – trabalho e ou formação) e a consolidação das competências pessoais e sociais do arguido em termos do aprofundamento da sua motivação para a mudança.

B) – Matéria de facto não provada:

Com pertinência ao objecto do processo e com relevo para a decisão, após exclusão de conclusões e matéria repetida ou de direito, não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contradição com os provados constantes dos factos provados, ou cuja apreciação se encontre prejudicada por essa inclusão e, designadamente, que:

- Os arguidos destinavam o haxixe à venda a terceiros;

- Os arguidos procediam à venda de heroína e cocaína, pelo menos durante os 5 meses que precederam a intercepção policial.


C) Motivação / apreciação crítica da prova:

A convicção do tribunal fundamenta-se nos meios de prova a seguir indicados, analisados à luz das regras da experiência e da livre convicção do tribunal colectivo.

Salientam-se os seguintes meios de prova em que o tribunal se baseou para formar a convicção, devidamente analisados e conjugados entre si:

Declarações dos arguidos:

Ambos os arguidos, … e …, prestararam  declarações no início da audiência de julgamento.

A)- O arguido … começou por referir que tinha o alcunho de “…” em (...) , e que actualmente está a trabalhar numa empresa de mudanças como motorista e que anteriormente trabalhou na …; mais referiu que é verdade o que consta da acusação, excepto duas “questões” que não verdadeiras. Por um lado que era consumidor de haxixe e que essa substância que foi apreendida era para consumo e, por outro lado, que apenas esteve em (...) entre Junho e Agosto e não no período de 5 meses que consta na acusação; quanto aos bens e objectos que foram apreendidos no hotel eram pessoais e nada tinha a ver com o tráfico (era dinheiro do arguido para as necessidades, 300 e poucos euros – para comprar roupa, comida, mas não soube dizer, quando confrontado, onde tinha ganho o dinheiro mas acabou por confirmar que também era da venda da droga) e os telemóveis que foram apreendidos na rua tinham contactos de clientes mas os apreendidos no hotel eram pessoais; mais esclareceu que não “carregavam” muita droga mas pouca quando vinham a (...) (4 gramas, nem tanto) e que até não se considera traficante; confirmou ainda as datas em que esteve em (...) e os hoteis onde permaneceram e que vinham sempre acompanhado com o arguido …, tendo sido este arguido a convidá-lo, porque até já estava em (...) e aqui se ganhava “dinheiro bom”, e o arguido estava a passar dificuldades e precisava de dinheiro, juntar dinheiro para organizar a vida; frisou que nunca venderam haxixe mas apenas cocaína e heroína; confirmou ainda que tinham chegado ao hotel no dia anterior à detenção e que nesse dia venderam, mas pouco, e no dia em que foram detidos tinham saído do hotel pelas 23.00 horas e, durante o dia, ficaram à espera que telefonassem para venderem, não se lembrando quantas pessoas lhes ligaram ou que quantidades venderam.

Confirmou ainda que o arguido … já andava a vender estupefacientes e que vinha com outro rapaz (um tal de “…”, com o qual se terá chateado), porque ele lhe contou e pediu-lhe para o trazer para (...) porque o declarante tinha carta de condução e faziam-se transportar nos carros que tinha, um Renault e um Audi.

O dinheiro das vendas era para dividir pelos dois, sendo indiferente o que vendia cada um e adquiriam 5 gramas de cada estupefaciente em Coimbra e faziam “corte” para aumentar as doses e depois venderem – com as 5 gramas faziam em média 30 doses (ao preço de 10 euros a dose) e depois de venderem iam comprar mais estupefacientes a Coimbra para continuarem a vender.

As moedas estavam dentro de sacos para não se espalharem e era proveniente das vendas dos estupefacientes. As notas estavam numas meias do declarante mas o dinheiro era dos dois.

Referiu ainda que actualmente já não consome haxixe e que sempre trabalhou, actualmente aufere cerca de 2.000,00 euros, mas sem contrato.

Quanto à busca no quarto de hotel, foi o arguido que indicou o hotel, tendo colaborado com a polícia,

Arguido que em últimas declarações, referiu que vai ser pai e quer ser um bom pai e sentir-se arrependido pelo erro que cometeu e que consegue ser um bom cidadão se lhe for dada oportunidade para tal.              

B)- O arguido … admitiu serem verdadeiros todos os factos constantes da acusação, esclarecendo que o haxixe não era para venda mas para consumo e que apenas andou a vender estupefacientes em (...) pelo período de 3 meses; mais esclareceu que apenas vendeu estupefacientes em (...) com o arguido …, confirmou ainda que passavam em (...) 3 a 4 dias por semana e que vendiam 4 a 5 gramas no período de dias em que estavam em (...) , que adquiriam a droga em Coimbra a uns ciganos, por 15 a 20 euros a grama, cortavam a droga, para poderem consumir heroína e cocaína, pois consumia e o arguido … também o fazia às vezes; se vendessem tudo no primeiro dia ou no segundo iam comprar mais estupefacientes – cada grama dava para 4 ou 5 doses, num total de 25 doses. Negou conhecer um tal de “…” e negou que andasse a vender em (...) estupefacientes consigo – posteriormente, acabou por referir que “esse rapaz” lhe pediu ajuda para empurrar o carro, ao pé de uma loja, em (...) - que conhece o …, de vista, negando ter vindo com ele para (...) – nesse da a mulher do arguido tinha saído de casa com o filho de ambos e veio a (...) ver se a encontrava. Referiu ainda que decidiram vir os dois para (...) , “vamos lá acima para vermos se consumimos”, porque a família do arguido não sabia que consumia – versão que não mereceu qualquer credibilidade, quer comparada com as declarações do arguido … quer pelos demais elementos de prova juntos aos autos, que levam sempre a concluir que o arguido já andava a vender estupefacientes em (...) , antes de se fazer acompanhar pelo arguido … – confrontado com o teor de fls. 102 – confirmou ter o alcunho de “…”, uma falha no dente superior, bem como a roupa que vestia – factos que demonstram que o arguido já andava a vender antes de se fazer acompanhar pelo arguido …, tendo confirmado que já vendia com o referido …, o que fez durante cerca de um mês, tendo o arguido sido convidado pelo referido …, que habita a cerca de 30 km do arguido (confirmando a fotografia de fls. 104) e que acabaram a colaboração entre ambos porque se chatearam porque ele andou metido com uma mulher com quem andava o arguido, sendo que ambos vendiam cocaína e heroína do mesmo modo como acabou por fazer com o arguido ….

Quanto ao dinheiro que lhe foi apreendido, referiu que o dinheiro era de vendas anteriores de estupefacientes, tal como o dinheiro que estava no hotel, tendo confirmado que começaram a vender mal chegaram a (...) e que até, afinal, duplicavam a droga que compravam.

Arguido que referiu ainda que consome heroína e haxixe, 3 a 4 vezes por dia e que trabalha como demolidor de lojas e mora com a mulher e 1 filho em casa arrendada e que estava arrependido. Ora, quanto ao alegado consumo de cocaína e de heroína por parte do arguido (e esporadicamente pelo arguido …), não merece qualquer credibilidade a versão apresentada, ainda mais verificando-se que não alegou esta versão junto dos técnicos da reinserção social, apenas se referindo ao consumo de haxixe, e seria normal referir-se a outros estupefacientes, o que não fez, apenas se podendo concluir que apresentou tal versão em julgamento para “diminuir” o volume de vendas que realizavam.

Em últimas declarações referiu estar arrependido e que quer ver o filho crescer.

(…)


***

3. Apreciação

3.1. Qualificação como crime comum ou privilegiado

Questionam os recorrentes a qualificação jurídico-penal da matéria provada, subsumida pelo acórdão recorrido no artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro e que os recorrentes pretendem ver enquadrada no crime privilegiado previsto no art. 25º do mesmo diploma.

O tipo base ou comum do tráfico de produtos estupefacientes é definido no art. 21º do DL 15/93: “Quem... cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III…”.

Prevê assim toda e qualquer acto relativo as produtos estupefacientes identificados nas tabelas anexas, desde a produção, transporte ou venda, mera detenção ou aquisição não previstas no art. 40º do mesmo diploma – aquisição para consumo.

O legislador incriminou os descritos comportamentos porque os considerou em si mesmos perigosos, uma vez que, segundo as regras da experiência comum, são aptos a produzir efeitos altamente danosos na saúde e integridade física dos consumidores e da saúde pública em geral, além da criminalidade induzida pela necessidade de obter meios económicos para financiar a dependência que criam. O perigo que as condutas encerram constitui apenas a motivação do legislador para as incriminar, não se tornando necessário que no caso concreto tal perigo se materialize, já que não está previsto efeito concreto das acções tipificadas. Trata-se, portanto, de um de crime de perigo comum, uma vez que o agente, ao praticar uma das condutas tipificadas, não domina a expansão do perigo criado, havendo o risco de atingir uma multiplicidade de bens jurídicos, que vão desde a vida e integridade física à liberdade de determinação e à própria saúde pública em geral.

Protege diversos bens jurídicos, desde a vida e integridade física dos consumidores, à liberdade de determinação e à saúde pública em geral.

Para que se verifique o crime, basta a verificação de uma das acções típicas, independentemente da situação concreta ter criado ou não um perigo de violação de determinados bens jurídicos. Preferiu o legislador antecipar a protecção penal para um momento anterior à verificação do dano., pelo que constitui um crime de perigo abstracto – cfr. Acórdão do T. Constitucional de 06.11.91, no BMJ 411º, 56 e Acórdão do mesmo Tribunal de 07.06.94, no DR, II S. de 27.10.1994. Não exigindo tão-pouco a lei, como elemento do tipo, que chegue a haver transacção com fins lucrativos. Basta a mera detenção, desde que não fique provado que se destina a consumo próprio – Cfr. JOÃO MORAIS ROCHA, in Droga, Regime Jurídico, p. 61.

O STJ tem qualificado este crime como crime exaurido – cfr., entre outros, os Acórdãos do STJ de 18.04.96 e de 18.06.1998, respectivamente na CJ/STJ de 1996, vol. II e na CJ/STJ, 1998, vol. III,167. Dentro deste entendimento, a condenação pela prática deste crime durante determinado período de tempo, corresponde a uma apreciação global da actividade delituosa durante determinado período de tempo, independentemente da falta de consideração de alguns actos parcelares dessa época.

Com efeito, como escreve CAVALEIRO FERREIRA, Lições de Direito Penal, Verbo Editora, 1985, I, 253, "a doutrina tem distinguido entre consumação formal ou jurídica do crime e uma consumação material ou exaurimento do crime. Dentro do «iter criminis», esta consumação material ou exaurimento consiste na “produção dos efeitos ou consequências que, não sendo embora exigidos como elementos essenciais da incriminação, constituem a plena realização do objectivo pretendido pelo agente”.

Para além do citado artigo 21º, o tráfico de substâncias estupefacientes é punido ainda pelo art. 24º - crime agravado em relação ao 21º. E pelos artigos 25º (tráfico de menor gravidade) e art. 26º (tráfico com a finalidade exclusiva de conseguir produtos para o uso pessoal) do DL 15/93 - crimes privilegiados relativamente ao do art.21º.

O citado art. 25º estabelece: “Se nos casos dos arts. 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) prisão de um a cinco anos se se tratar de substâncias compreendidas nas tabelas I a III, V e VI”.

Dado o critério apertado da “exclusividade” consagrado no art. 26º e que por força de diversas circunstâncias, em boa parte dos casos os traficantes levados a julgamento são o último elo de ligação com o consumidor final e também eles ligados ao consumo, o tipo previsto no art. 25º tem vindo a ser utilizado cada vez mais como uma válvula de segurança do sistema, - como lhe chamou LOURENÇO MARTINS, IN NOVA LEI ANTIDROGA, UM EQUILÍBRIO INSTÁVEL - evitando assim que situações de menor gravidade (aquém do conceito de tráfico como comércio e forma de ganhar dinheiro fácil) sejam tratadas com penas desproporcionadas.

Como pondera o mesmo LOURENÇO MARTINS em anotação a uma decisão do Tribunal do Seixal editada na publicação do GABINETE DE P. E COMBATE À DROGA, JULHO DE 1995, 56, “para que se preencha o tipo legal do art. 25º, haverá que proceder a uma valorização global do facto ou do episódio, como se diz em Itália, ainda que na nossa lei a exemplificação seja apenas exemplificativa. Não poderá o intérprete deixar de apreciar todas e cada uma das circunstâncias a que o art. 25º se refere, podendo ajuntar-lhe outras”.

O advérbio “consideravelmente” não foi usado por mero acaso e que, no seu significado etimológico, prevalece a ideia de notável, digno de consideração, grande, importante ou avultado - cfr. Ac. do S.T.J. de 03/07/96, CJ, S, IV, II, 206.

Apesar de constarem expressamente da previsão legal índices caracterizadores da ilicitude, a utilização do advérbio “nomeadamente” significa que tal enunciação não é taxativa, devendo pois ser ponderadas todas as concretas circunstâncias de cada caso concreto, a fim de se poder concluir ou não, que, objectivamente, a ilicitude da acção típica tem menor relevo que a tipificada para os arts. 21º e 22º (cfr. Ac. do S.T.J. de 01/03/2001, já referido).

Dito de outra forma e seguindo Maria João Antunes (Droga, Decisões de Tribunais de 1ª Instância, 1993, Comentários, 296), o art. 25º, ao estabelecer uma pena mais leve, impõe ao intérprete que equacione se a imagem global do facto se enquadra ou não dentro dos limites das molduras penais dos arts. 21º e 22º, sob pena de a reacção penal ser, à partida, desproporcionada.

No fundo, a concretização da considerável diminuição da ilicitude em cada caso concreto exige a aplicação de critérios de proporcionalidade que são pressupostos da definição das penas e depende, em grande parte, de juízos essencialmente jurisprudenciais (cfr. Ac. do STJ de 14/04/2005, CJ, XIII, II, 174).

Os meios utilizados traduzidos na organização e o na logística de que o agente se serve podem ser nulos, incipientes, médios ou de grande dimensão.

Na modalidade ou circunstâncias da acção releva essencialmente o grau de perigosidade para a difusão da droga, v.g., a maior ou menor facilidade de detecção da sua penetração no mercado.

A qualidade das plantas, substâncias ou preparações, relacionada com a sua perigosidade, pode ser aferida pela sua colocação em cada uma das tabelas e pelos resultados da investigação científica.

A quantidade das plantas, substâncias ou preparações reporta-se ao maior ou menor risco para os valores tutelados pela incriminação e, apesar das dificuldades de avaliação que suscita, para tal pode ser tomado como índice o disposto no art. 26º, nº 3 (cfr. Ac. do S.T.J. de 07/12/99, já referido e Cons. Lourenço Martins. Droga, Decisões de Tribunais de 1ª Instância, 1994, Comentários, 51).
O art. 26º DL15/93 de 22 de Janeiro, sob a epígrafe “Traficante-consumidor” prevê: 1 - Quando, pela prática de algum dos factos referidos no artigo 21º, o agente tiver por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal, a pena é de prisão até três anos ou multa, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, ou de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV. 2 - A tentativa é punível. 3 - Não é aplicável o disposto no nº 1 quando o agente detiver plantas, substâncias ou preparações em quantidade que exceda a necessária para o consumo médio individual durante o período de cinco dias.

No caso, para efeito de enquadramento no art. 25º do DL 15/93, o recorrente … invoca a “diminuída ilicitude” do facto, alegando o recorrente … que “foi pequeno o nº de consumidores a quem vendeu (…) verifica-se uma completa ausência de sinais exteriores de riqueza”.

Ora, o crime de tráfico privilegiado previsto no artigo 25º do Decreto-Lei n.º 15/93 exige, como equacionado, que a ilicitude do facto se mostre consideravelmente diminuída, numa valoração global do facto, em razão de circunstâncias objectivas concretas, designadamente dos meios utilizados pelo agente, a modalidade e circunstâncias da acção e a quantidade e qualidade dos produtos transaccionados, tendo em conta, não só as circunstâncias que o preceito enumera de forma não taxativa, mas ainda outras que apontem para aquela considerável diminuição.

No caso, resulta provado, com relevo para a equacionada valoração global do facto, designadamente: Desde data não concretamente apurada mas, pelo menos, o arguido … nos 3 meses que precederam a intercepção policial ocorrida em 22 de Agosto de 2017, e o arguido … desde 3 de Julho de 2017 até à mesma data, dedicaram-se á compra e venda de drogas duras (cocaína e heroína); - deslocavam-se com regularidade à cidade de (...) para proceder à venda de heroína e cocaína a quem os procurasse; - faziam-no de automóvel (num Renault e num Audi A4) desde a zona de Y(...) , onde residiam, até à cidade de (...) (a mais de 300 Km de distância e 3 horas de viagem por auto-estrada), com regularidade; - instalavam-se em hotéis da cidade e ali permaneciam durante vários dias, para vender heroína e cocaína; - contavam com um leque de consumidores a quem mandavam mensagens escritas dando conta da sua chegada, para o que utilizavam vários números, mudando de contacto com frequência (factos 15 e 16); - na data em que foram detidos pela PSP os arguidos tinham na sua posse, no total, € 1.245,63 (aqui se incluindo o dinheiro que guardavam no hotel), todo ele proveniente de tráfico de estupefacientes (pontos 3,7 e 8 da factualidade provada); - para além do referido dinheiro, quando foram detidos os arguidos ainda detinham para venda: 2,20 gr de cocaína e 15 (quinze) embalagens de heroína (facto 2), estas que iriam vender a 10,00€, cada (facto 4); - atuaram em conjugação de esforços na execução de um objectivo comum. Sendo que não era conhecido, ao tempo dos factos sob escrutínio, o exercício de actividade profissional regular por parte de qualquer dos arguidos.

Invoca o recorrente … “uma completa ausência de sinais exteriores de riqueza ou lucros avultados, compatível com a vida modesta e pautada pelas dificuldades que sempre viveu, o que nos leva a concluir que as receitas obtidas seriam as necessárias para o seu consumo próprio de estupefaciente e para a sua subsistência”.

Trata-se de conclusão sem suporte na matéria de facto provada. Não resulta provado que as receitas obtidas seriam “as necessárias para o seu consumo próprio de estupefaciente e para a sua subsistência”. Pelo contrário, tal conclusão é contrariada pelos meios necessários para as deslocações desde Y(...) até (...) e permanência na cidade de destino.

Nem sequer se verifica o factor associado à venda de haxixe, em que o “lucro” do vendedor de rua é o recebimento, em espécie, de doses para seu consumo próprio. Visto que, no caso, a actividade de tráfico apurada ser relativa a heroína e cocaína.

Salienta-se que, ao contrário do que denotam determinadas passagens da motivação dos recursos, os arguidos não foram condenados, pelo tribunal recorrido, pelo crime qualificado previsto no artigo 24º do DL 15/93, designadamente por qualquer das circunstâncias previstas nas alíneas b) ou c) – obtenção de “avultadas compensações” ou distribuição por “grande número de pessoas”.

 Por outro lado, na avaliação global do facto, tendo em vista designadamente a deslocações regulares de Y(...) a (...) , no caso de … durante 3 meses e no caso de … durante um mês e 19 dias, de automóvel, para venda de cocaína e heroína, instalando-se em hotéis a partir de onde abasteciam consumidores com quem contactavam, tal não permite concluir pela ilicitude “consideravelmente diminuída” exigida pelo crime privilegiado do artigo 25º do mesmo diploma.

Impõe-se assim a improcedência do recurso relativamente à qualificação jurídica da matéria de facto provada.

 

3.2. Natureza a medida das penas – questão também suscitada pelos dois recorrentes

O crime de tráfico do artigo 21º, nº 1 do DL 15/93, de 22/01 é punível com pena de prisão de 4 a 12 anos.

O art. 71º, nº1 do C.P. estabelece o critério geral: A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

O critério é precisado depois no nº2: Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: O grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; A intensidade do dolo ou da negligência; Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; As condições pessoais do agente e a sua situação económica; A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

As circunstâncias exemplificadas (“nomeadamente”) nas várias alíneas do citado nº2 reconduzem-se a três grupos ou núcleos fundamentais: - factores relativos ao facto - grau de ilicitude do facto, modo de execução, suas consequências; - factores relativos ao agente - intensidade da culpa, sentimentos manifestados, fins determinantes da conduta, conduta anterior e posterior a facto, com especial relevo da conduta posterior destinada a reparar as consequências do crime; - condições pessoais do agente - condição económica, falta de preparação para manter uma conduta lícita manifestada no facto.

O modo como estes princípios regulativos irão influir no processo de determinação do quantum da pena é determinado ainda pelo programa político-criminal em matéria dos fins das penas, que se reconduz a dois princípios, enunciados no art. 40º do C. Penal (redacção introduzida pela Reforma de 95): 1. A aplicação da pena... visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 2. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Disposição que consagra o entendimento do Prof. Figueiredo Dias (cfr. Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra editora, 2ª ed., e Direito Penal Português, As Consequência Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, p. 227, este tendo já por referência o projecto que veio a ser plasmado no art. 40º da redacção actual do Código Penal): “A justificação da pena arranca da função do direito penal de protecção dos bens jurídicos; mas esta função de exterioridade encontra-se institucionalmente limitada pela exigência de culpa e, assim, por uma função de retribuição como ressarcimento do dano social causado pelo crime e restabelecimento da paz jurídica violada; o que por sua vez implica a execução da pena com sentido ressocializador – só assim podendo esperar-se uma capaz protecção dos bens jurídicos”.

Os princípios jurídico-penais da lesividade ou ofensividade, da indispensabilidade da tutela penal, da fragmentaridade, subsidiariedade e da proporcionalidade, quer os próprios mecanismos da democracia e os princípios essenciais do Estado de direito são garantias de que, enquanto de direito, social e democrático, o Estado não poderá chegar ao ponto de fazer da pena uma arma que, colocada ao serviço exclusivo da eficácia, pela eficácia, do sistema penal, acabe dirigida contra a sociedade.

A prevenção geral, no Estado de Direito, por se apoiar no consenso dos cidadãos, traduz as convicções jurídicas fundamentais da colectividade, e coloca assim a pena ao serviço desse sentimento jurídico comum; isto significa que ela não pode ser aplicada apenas para intimidar os potenciais delinquentes mas que, acima de tudo, deve dar satisfação às exigências da consciência jurídica geral, estabilizando as suas expectativas na validade da norma violada. Subordinada a função intimidatória da pena aquela sua outra função socialmente integradora, a pena preventiva (geral) nunca poderá ser pura intimidação mas, sim, intimidação limitada ao necessário para restabelecer a confiança geral na ordem jurídica ou, por outras palavras, intimidação conforme ao sentimento jurídico comum.

Sendo a prevenção geral positiva a finalidade primordial da pena e não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa, a moldura penal aplicável ao caso concreto (“moldura de prevenção”) há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente. Entre aqueles limites encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social.

No caso, dentro da moldura abstracta de 4 a 12 anos de prisão, o arguido vem condenado na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; e o arguido na pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão.

Os fundamentos invocados têm por fundamento nuclear a prévia alteração da qualificação jurídica dos factos para o referenciado art. 25º do DL 15/93. Pressuposto esse que não obteve provimento de acordo com a apreciação supra efectuada.

Não tendo sido interposto recurso da matéria de facto, a matéria a considerar é aquela que foi dada como provada pelo tribunal recorrido.

Com relevo neste âmbito argumentam ainda os recorrentes que o Tribunal recorrido não valorou devidamente a confissão e o arrependimento.

Ora

A decisão recorrida valorou expressamente a confissão, como equacionado na respectiva motivação, em conformidade com o relevo que lhe foi atribuído.

Com efeito a confissão não teve relevância significativa para a descoberta da verdade, vista a prova resultante da investigação policial durante o período em questão que conduziu à emissão e mandados de busca durante cuja execução foi efectuada a apreensão material de produtos estupefacientes na posse dos recorrentes.

Por outro lado não foi espontânea, sendo que o arguido começou por negar que o dinheiro apreendido fosse proveniente do tráfico, enquanto o arguido tentou negar que já vendia estupefacientes em (...) antes de se fazer acompanhar pelo arguido …. O que apenas vieram a aceitar depois de confrontados com prova documental junta aos autos, tudo conforme descrito na motivação do acórdão recorrido.

No que diz respeito ao arrependimento não poderia a decisão recorrida tê-lo valorado porque não foi dado como provado o arrependimento sincero, pelas razões ali enunciadas.

O arrependimento - sincero e proactivo - não se infere da confissão nos termos em que foi efectuada. Não só porque não teve importância significativamente relevante para a descoberta da verdade, face ao manancial de prova documental e testemunhal existente nos autos. Como ainda porque os arguidos não assumiram uma postura de sinceridade e de reconhecimento, genuíno, da gravidade da conduta que, pelo contrário, continuam a desvalorizar.

Nesta linha, insurge-se o recorrente contra a decisão recorrida por ter valorado negativamente a circunstância de ter declarado em audiência que nem se considerava um verdadeiro traficante.

No entanto tal asserção encontra-se devidamente fundamentada e contextualizada na decisão recorrida. Sendo certo que a mencionada postura demonstra que o recorrente não interiorizou a gravidade da conduta, não podendo por isso, verdadeiramente, dizer-se arrependido.

Também não assiste razão ao recorrente … quando sustenta uma redução mais significativa da pena em relação à aplicada ao co-arguido …, em função do grau diferente da ilicitude das duas condutas (por ter sido … quem o convidou para exercer a actividade de tráfico e ter desenvolvido a actividade durante por um período mais lato) bem como dos respectivos antecedentes criminais. Com efeito tais circunstâncias foram devidamente sopesadas pelo tribunal recorrido na aplicação de penas diferentes a cada um dos arguidos.

Aliás ambas as penas aplicadas pela decisão recorrida encontram-se situadas muito próximo do seu limite mínimo, em especial a pena aplicada ao arguido …, nos termos e pelos fundamentos já referenciados.

Pelo que, não sendo rebatidos os demais fundamentos do acórdão recorrido neste âmbito, também nesta parte se impõe a improcedência de ambos os recursos.

3.3. Suspensão da execução da prisão

Nos termos do art. 50º, n.º1 do C. Penal “O tribunal suspende a execução da pena de prisão não superior a 5 anos de prisão (redacção introduzida pela Lei 59/2007 de 04.09) se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Obrigando assim à formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no futuro, e sobre se a suspensão realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, tendo em vista a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime, as circunstâncias do crime, tudo em função da matéria de facto provada no caso concreto.

Na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose favorável ao agente, baseada num risco prudencial. A suspensão da pena funciona como um instituto em que se une o juízo de desvalor ético-social contido na sentença penal com o apelo, fortalecido pela ameaça de executar no futuro a pena, à vontade do condenado em se reintegrar na sociedade. O tribunal deve estar disposto a assumir um risco prudente; mas se existem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de ressocialização que se oferece, a prognose deve ser negativa, o que supõe, de facto, um in dubio contra reo” – cfr. Jeschek, Tratado de Direito Penal, Parte Geral, 2º vol., p. 1152, ed. espanhola.

Sendo certo que o juízo de prognose não deve assentar necessariamente numa «certeza», bastando uma «expectativa» fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e, consequentemente, a ressocialização em liberdade do arguido – cfr. Ac. STJ de 08.07.1998, CJ/STJ, tomo II/98, p. 237.

Como salientou o AC. do STJ de 25 de Junho de 2003, Col. Jur. Acs do STJ , ano XXI, tomo II, 2003, p. 221, “Na suspensão da execução da pena (de prisão) não são as considerações sobre a culpa do agente que devem ser tomadas em conta, mas antes juízos prognósticos sobre o desempenho da sua personalidade perante as condições da sua vida, o seu comportamento e bem assim as circunstâncias de facto, que permitam ao julgador fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas”.

A suspensão apenas deve ser decretada quando haja fundamentos para que o tribunal se convença que o crime cometido se não adequa à personalidade do agente e foi um simples acidente de percurso, esporádico. E – assim - que a ameaça da pena será suficiente para evitar o cometimento de novos ilícitos típicos.

Por outro lado, ainda que o Tribunal formule a propósito do arguido um prognóstico favorável – à luz de considerações exclusivas de prevenção especial e socialização – a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se à mesma se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime. Sendo certo que estão em causa, exclusivamente, considerações de prevenção geral, enquanto exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita o valor da socialização em liberdade, que ilumina o instituto em análise.

A suspensão da execução da pena não depende de um qualquer modelo de discricionariedade, mas, antes, do exercício de um poder-dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos legais.

No entanto tal juízo de prognose há-de ser estruturado com base na matéria de facto provada e na personalidade do agente revelada no facto, na sua conduta anterior e posterior á prática do mesmo.

Sendo certo que nenhum ordenamento jurídico suporta pôr-se em causa a si mesmo, sob pena de deixar de existir enquanto tal. A sociedade tolera uma certa “perda” de efeito preventivo geral – isto é conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição. Já não tolera a sua ineficácia - Cfr. Costa Andrade, RLJ, 134º, p. 76.

No caso, a pretensão dos recorrentes tem subjacente a prévia convolação da qualificação jurídica para o art. 25º do DL 15/93. Pressuposto esse não verificado, como decorre da apreciação supra efectuada.

Por outro lado, o acórdão recorrido especifica as razões pelas quais o tribunal recorrido entendeu não se verificarem, no caso, os pressupostos legais da suspensão.

Aliás a suspensão é inaplicável à pena aplicada ao arguido …, face ao limite imposto pelo art. 50º, nº1 do C. Penal.

Também em relação ao arguido … não se mostram verificados, em concreto, os respectivos pressupostos. Por inadequada para satisfazer as necessidades de prevenção especial, vistos os antecedentes criminais do recorrente e a ausência de censura crítica sobre o facto que permitam estruturar um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro. Sendo que nenhum dos arguidos demonstrou ter interiorizado o desvalor da conduta e não lhes ser conhecido o exercício de actividade profissional regular.

A suspensão revela-se ainda inadequada para satisfazer as necessidades mínimas de protecção dos bens jurídicos violados e de prevenção geral quer na vertente positiva e de confiança da comunidade na validade da norma violada quer na vertente negativa de dissuasão da actividade do tráfico. Com efeito o tráfico de estupefacientes, gerador de elevados níveis de lucro que proporciona aos traficantes, tem efeitos dramáticos ao nível da saúde física e mental dos consumidores bem como da saúde pública em geral, de degradação das relações económicas, sociais, afectivas e familiares do consumo de estupefacientes, em especial as chamadas drogas duras onde se integram as traficadas pelos arguidos, com efeito potenciador da prática de crimes contra as pessoas e o património para angariação de meios para sustentar o vício do consumo, causando, por isso, elevado alarme social.

Improcedem assim os recursos também neste ponto.

III. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos decide-se negar provimento ao recurso interposto pelo arguido , bem como ao recurso interposto pelo arguido , com a consequente manutenção integral do acórdão recorrido.

Custas pelos arguidos/recorrentes, condenando-se cada um deles, individualmente, nos termos do artigo 513º, nº1 e nº3 do CPP, em taxa de justiça que se fixa, nos termos da Tabela III anexa ao RCP, em 4 (quatro) UC.

Coimbra, 22 de maio de 2019

Belmiro Andrade (relator)

Luís Ramos (adjunto)