Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
627/20.4T8PBL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: PRAZO PROCESSUAL
PRORROGAÇÃO
Data do Acordão: 02/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE POMBAL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 138.º DO N.º 1 DO CPC
Sumário: I - O pedido de prorrogação de prazo processual fixado pelo juiz não suspende o curso do prazo.
II – O prazo prorrogado é um único prazo cuja duração corresponde ao prazo inicial acrescido do da prorrogação.
Decisão Texto Integral:




Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:[1]

I - A) – 1) – No processo de inventário subsequente a divórcio, Requerido por AA contra BB, iniciado no Cartório Notarial e a correr termos no Juízo de Família e Menores de Pombal, veio o Requerido apresentar reclamação contra a relação de bens.

2)-Por despacho de 17/9/2021, cuja notificação foi endereçada ao seu ilustre Mandatário em 20/09/2021, o interessado BB foi convidado a, querendo no prazo de 10 dias, concretizar os factos e os fundamentos em que assentava o pedido formulado na referida reclamação.

3)-Em 4/10/2021, veio o Reclamante requerer, que, para obter a documentação necessária e, assim, satisfazer o convite que lhe fora formulado, se lhe concedesse um prazo não inferior a 20 dias;

4)-A esse requerimento correspondeu o despacho de 7/10/2021, onde se consignou: “Refª ...: Deferido a requerida prorrogação por 10 dias, terminando o prazo que se encontra em curso em 13/10/2021.”

5)-A notificação deste despacho de 7/10/2021 foi endereçada ao Ilustre Mandatário do Reclamante nesse mesmo dia.

6)-Em 12/10/2021 veio o Reclamante requerer que se esclarecesse o conteúdo do despacho de 7/10/2021, nomeadamente quanto ao fim do prazo concedido nesse despacho, consignando nesse requerimento o seguinte:

«[…] face ao teor do douto despacho de 07/10/2021, vem dizer a V. Exa. que não alcança como o términus do prazo concedido pelo Tribunal a data de 13/10/2021.

Tendo analisado o requerimento e despacho respetivamente anteriores, e conjugando-os com o despacho de 07/10/2021, o requerente vem requerer a V. Exa. se digne esclarecer o conteúdo do dito despacho, nomeadamente quanto ao fim do prazo concedido. […]»;

7)-Em 25/10/2021, veio o Reclamante apresentar requerimento para satisfazer o convite que lhe fora feito no despacho de 17/9/2021.

8)-Por despacho de 4/11/2021, foi considerada manifestamente extemporânea a resposta de ao convite de 17/9/2021, tendo-se determinado que se desentranhasse e de desenvolvesse ao apresentante, que aí se condenou em custas, o respectivo requerimento e os documentos com ele juntos.

9)-Consignou-se, entre o mais, nesse despacho recorrido: «[…] O interessado foi notificado em 23/9/2021 para responder no prazo de 10 dias ao despacho proferido em 17/9/2021, prazo que veio a ser prorrogado por 10 dias através de despacho proferido em 7/10/2021, pelo que a contagem do referido prazo de 20 dias para ele responder, que teve inicio em 24/9/2021 terminou no dia 13/10/2021, tendo o tribunal no despacho proferido em 7/10/2021, alertado o interessado para a data do terminus do prazo (13/10/2021).

Tudo para concluir, que quando o interessado apresentou a sua resposta ao despacho de convite ao aperfeiçoamento em 25/10/2021 já o prazo de 20 dias havia decorrido. […]».

10) – Notificado desse despacho de 4/11/2021, veio o interessado interpor dele recurso que foi recebido como apelação, com subida imediata e efeito meramente devolutivo.


*

B) – A rematar a alegação de recurso respectiva o Apelante apresentou as seguintes conclusões:

«a) No âmbito de um inventário por divórcio, o recorrente (interessado/reclamante) apresentou uma reclamação à relação de bens.

b) Nessa peça processual, o recorrente reclamou passivo relativo às quantias por ele recebidas e integradas no património comum do casal relativas a indemnizações por acidente de trabalho.

c) A fim de melhor se inteirar sobre a matéria das referidas indemnizações, o Tribunal a quo notificou o recorrente para este concretizar os factos e os fundamentos em que assentava o seu pedido no prazo de 10 dias.

d) Não conseguindo obter a documentação necessária para o efeito no prazo concedido, o recorrente requereu ao Tribunal prazo não inferior a 20 dias para a conseguir e responder ao Tribunal a quo.

e) Consta no despacho de resposta de 07/10/2021, notificado ao recorrente em 11/10/2021: "Deferido a requerida prorrogação por 10 dias, terminando o prazo que se encontra em curso em 13/10/2021". (itálico nosso)

f) O Tribunal a quo defere uma prorrogação por 10 dias no "papel", mas, na prática, concede apenas 2 dias.

g) O recorrente foi notificado de tal despacho em 11/10/2021.

h) A presente prorrogação de 10 dias é "enganadora", não acautelando os legítimos direitos do recorrente.

i) O Tribunal a quo desconsiderou o dever de cooperação que deveria assistir à sua tomada de posição, uma vez que este princípio orienta a atuação do julgador como um colaborador do processo.

j) Tendo o recorrente dirigido um outro requerimento ao Tribunal dando conta da sua dúvida relativamente ao prazo em causa e ao seu términus, o Tribunal remeteu-se ao silêncio.

k) O recorrente apresentou o seu requerimento de aperfeiçoamento da reclamação à relação de bens em 25/10/2021.

l) Por douto despacho de 04/11/2021, notificado ao recorrente em 08/11/2021, o Tribunal a quo rejeitou o requerimento de aperfeiçoamento da reclamação à relação de bens por a considerar manifestamente extemporânea, ordenado o seu desentranhamento e devolução ao recorrente desse requerimento e respetivos documentos, condenando ainda este nas custas do incidente em 1 UC.

m) A explicação sobre o prazo dada no douto despacho notificado ao recorrente em 08/11/2021, podia perfeitamente ser dada no despacho de 07/10/2021.

n) A consagração do princípio da cooperação visa a criação de uma nova cultura judiciária e processual, voltada ao diálogo entre o julgador e as partes e em os senhores magistrados como seus principais destinatários.

o) A doutrina sistematiza os deveres atribuídos ao juiz e às partes em decorrência da adoção deste conceito: dever de esclarecimento, dever de consulta e dever de proteção, impondo ao juiz a obrigação de esclarecer para as partes.

p) O Tribunal a quo desconsiderou nestes dois momentos o principio da cooperação prescrito no art.° 7.° do C.P.C..

q) A tomada de posição do Tribunal no despacho notificado ao recorrente a 08/11/2021, influi na causa principal, o que manifestamente o prejudica.

r) Para além de ter violado o dever de cooperação consignado no art.° 7.° do C.P.C., o Tribunal a quo violou igualmente o direito de acesso aos tribunais consagrado no art.° 20.° da C.R.P., bem como o poder/dever de os Tribunais administrarem a Justiça em nome do povo consagrado no art.° 205.° da CRP.

s) Ilegalidade e inconstitucionalidades que aqui se invocam para todos os efeitos legais, impondo- se a revogação do despacho de 04/11/2021, na parte que decide pela extemporaneidade da apresentação do requerimento do recorrente de 25/10/2021, integrando-o nos autos, bem como a documentação com ele junta, revogando ainda a decisão de condenação das custas do incidente em 1 UC. […]».
A terminar, requereu a revogação do despacho recorrido, incluindo, a sua condenação em custas, pugnando pela admissão do requerimento de aperfeiçoamento da reclamação de bens, bem como a documentação que o acompanhou.

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II - Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, do novo Código de Processo Civil[2], aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/6, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”[3] e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a apreciar.
A questão que cumpre solucionar no presente recurso consiste em saber se foi correcta a não admissão, por extemporaneidade, do requerimento de aperfeiçoamento da reclamação de bens, bem como da documentação que o acompanhou.
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III – a) - O circunstancialismo fáctico-processual a considerar para a decisão a proferir é o seguinte está consignado em I “supra”:

b) – Como resulta daquilo que mais acima se consignou, tenho a notificação do despacho convite, de 17/9/2021, para a apresentação de requerimento aperfeiçoado, sido endereçada ao seu ilustre Mandatário o interessado BB, em 20/09/2021, tal notificação deve ter-se por efectuada em 23/09, pelo que o prazo de 10 dias para satisfazer, querendo, tal convite, iniciou-se em 24/9, devendo findar em 3/10/2021, que, calhando num Domingo, passou para 4/10/2021.

Contudo, porque em requerimento de 4/10/2021, foi pedido mais prazo, sendo concedida a prorrogação por 10 dias, e já que esse requerimento não suspende o prazo em curso e adiciona-se a este, o prazo de 20 dias que daí resultou, contado do referido dia 24/9, findou em 13/10/2021, como, aliás, havia claramente sido dito ao Requerente no despacho 7/10/2021, onde se consignou: “Refª ...: Deferido a requerida prorrogação por 10 dias, terminando o prazo que se encontra em curso em 13/10/2021.” (o sublinhado é nosso).

A prorrogação do prazo que, para determinado efeito, foi concedido pelo juiz em aplicação das normas pertinentes, é por definição, o prazo inicialmente concedido mas com a respectiva duração estendida pelo período da prorrogação, daí resultando num único prazo com  a duração que é a soma do prazo inicial com o da prorrogação, correndo continuamente (artº 138º do NCPC), desde o dia em que se iniciou o prazo inicialmente concedido, sem que tenha cabimento a sua interrupção, desde o momento da apresentação de requerimentos que o interessado faça - v.g., para peticionar a prorrogação do prazo, ou para pedir esclarecimentos quanto à prorrogação que seja concedida - até que notificadas sejam os despachos que  decidam tais requerimentos.

Escreveu-se, com toda a propriedade, no Acórdão da Relação de Évora, de 05 de Novembro de 2020 (proc. nº 1884/19.4T8EVR-A.E1)[4]: «[…] Na sequência de requerimento por si apresentado nesse sentido, o recorrente beneficiou de uma prorrogação do prazo de contestação por 30 dias. Ficou, assim, com um prazo de 60 dias para contestar. Um único prazo, salientamos. A prorrogação de um prazo é diferente da concessão de um novo prazo depois de expirar um prazo anterior. O prazo prorrogado continua a ser o mesmo, apenas passando a ter uma duração superior. Não há dois prazos sucessivos, mas, repetimos, um único prazo. […]».

Também no Acórdão da Relação de Guimarães, (Proc. nº 7153/15.1T8GMR-C.G1)[5], de                         07/02/2019, se pode ler: «[…] Prorrogado o prazo legal, fica a haver um único prazo, com a duração da soma desses dois períodos, que corre nos termos de acordo com a regra da continuidade, prevista no art. 138º, nº 1, do Código de Processo Civil;

- A prorrogação inicia-se desde o termo daquele prazo original e não do despacho que a venha a considerar verificada;

- O prazo suplementar de três dias úteis (6) previsto no art. 139º, nº 5, do Código de Processo Civil, apenas pode ser contado no termo do prazo total (prazo inicial + prorrogação) e não (também) no termo inicial […]».

Entendimento idêntico se pode constatar no Acórdão do STJ, de 28/11/2017, Revista nº                         1050/09.7TBBGC.G1.S1.

Portanto, está absolutamente correcta a contagem do prazo que se levou a cabo no despacho recorrido, e, consequentemente, a conclusão, aí tirada, quanto à extemporaneidade do requerimento de aperfeiçoamento apresentado em 25/10/2021.

O Recorrente, representado por Ilustre Advogado, deveria ter em conta esta disciplina da prorrogação do prazo e da continuidade do mesmo, pois, se assim sucedesse, não contaria a prorrogação desde o dia em que foi notificado do despacho que a concedeu e, consequentemente, não diria na alegação de recurso, que, tendo o despacho de 07/10/2021, sido notificado ao recorrente em 11/10/2021, «…O Tribunal a quo defere uma prorrogação por 10 dias no "papel", mas, na prática, concede apenas 2 dias…».

Se o Requerente aguardou pela notificação do despacho de 07/10/2021 para continuar a procurar satisfazer o convite que lhe fora endereçado, “sibi imputet”.

Por outro lado, ainda, nenhum sentido tem a clarificação do despacho de 07/10/2021 (e, consequentemente, a falta de resposta de que o Recorrente se queixa), na medida em que esse despacho não se ficou apenas por afirmar o deferimento da prorrogação por 10 dias, especificando que o prazo que se encontrava em curso terminava em 13/10/2021, o que significava que dúvidas não se deferiam suscitar quanto ao “dies ad quem” do prazo em causa.

O novo ordenamento processual civil, com a entrada em vigor da Lei 41/2003 que aprovou NCPC, retirou da previsão do art. 616 a aclaração da sentença, ao contrário do que constava no art. 669 nº1 al. a) do anterior Código.

Porém, no preceito que rege as nulidades da sentença (art. 615 nº1 al. c) parte final) o NCPC estabeleceu como causa de nulidade a existência de ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Trata-se de uma causa de nulidade da sentença não prevista na Lei Processual Civil precedente, que admitia, ao invés, a possibilidade, perante obscuridades ou ambiguidades da decisão, de dedução de pedido de esclarecimento ou aclaração do decidido.

Discorrendo no âmbito do CPC de 1939 sobre o que se deveria entender como “ambiguidade” ou “obscuridade” da sentença, para efeitos de aclaração da mesma, escreveu o Prof. Alberto dos Reis[6]: «[…] a sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso, não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro, hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade; se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo qual o pensamento do juiz.

(…) Em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo qual o pensamento do juiz. […]».

Na Exposição de Motivos da Reforma  (in Novo Código de Processo Civil, Porto Editora, 2013, p. 38) esclarece-se que foi intenção do legislador na Reforma do Processo Civil operada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho eliminar o incidente de aclaração ou esclarecimento de pretensas e, nas mais das vezes, ficcionadas e inexistentes obscuridades ou ambiguidades da decisão reclamada – apenas se consentindo ao interessado arguir, pelo meio próprio, a nulidade da sentença (ou despacho – artº 613º, nº 3) que seja efetivamente ininteligível.

Concluímos, assim, que a primitiva possibilidade de aclaração da sentença, bem como de despachos ou de Acórdãos, tendo como base a existência de eventual obscuridade ou ambiguidade continua a existir remetendo-se a sua necessária arguição para as partes, através da figura contida no art. 615 nº1 al. c) do NCPC (aplicável aos despachos e aos Acórdãos, respectivamente, “ex vi” do artº 613º, nº 3 e do art. 666, do NCPC).

Atente-se, contudo, o que se sumariou do Acórdão do STJ, de (11-01-2011, Incidente n.º 6473/06.0TBALM.L1.S1 - 1.ª Secção)[7], aplicável, agora, “mutatis mutantis”, à nulidade integrada por ambiguidade, ou obscuridade “…que torne a decisão ininteligível”, prevista na al. c) do nº1 do artº 615º do NCPC:

«[…] Relativamente ao esclarecimento de obscuridades ou ambiguidades contidas na sentença ou no acórdão, faz-se depender a legitimidade da pretensão do reclamante da existência da ininteligibilidade de alguma parte ou passo da decisão ou da verificação de um duplo sentido passível de conduzir a interpretação não unívoca – arts. 669.º, 716.º, n.º 1, e 726.º do CPC.

II - Se o reclamante não invoca qualquer ininteligibilidade ou equivocidade sobre fundamentação jurídica e decisão da lide, não concorrem os pressupostos de que a lei faz depender o direito à aclaração. […]».

Ora, no caso “sub judice” o Reclamante, embora requerendo que se esclarecesse o despacho de 07/10/2021, não fundamentou essa pretensão apontando uma concreta ambiguidade ou obscuridade, que gerasse a inteligibilidade do despacho em causa.

Assim, uma vez que a aclaração do despacho não foi colocada em termos idóneos a integrar qualquer dos vícios previstos na alínea c) do nº 1 do artº 615 nº1 do NCPC, sendo o despacho em causa, como se viu, perfeitamente claro quanto ao termo do prazo concedido ao Reclamante, constituiu, a omissão de despacho sobre o apontado requerimento, de 07/10/2021, mera irregularidade processual, sem influência na decisão do incidente.

O Tribunal “a quo” não desrespeitou o princípio da cooperação inserto no artº 7º do NCPC, antes deu mostras de o respeitar ao formular o convite ao Requerido para aperfeiçoar a sua reclamação e ao conceder-lhe a prorrogação do prazo para satisfazer o apontado em tal convite. O dever de cooperação não impunha ao Tribunal “a quo”, contudo, quer, que o prazo de prorrogação fosse aquele que o Reclamante requerera, quer, como vimos, que se esclarecesse este sobre o termo do prazo prorrogado, termo esse expressamente consignado, no despacho de 07/10/2021, como sendo o dia 13/10/2021.

Defende o Recorrente que “Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou também, salvo melhor opinião, o direito de acesso aos tribunais, consagrado no art.° 20.° da C.R.P., bem como o poder/dever de os Tribunais administrarem a Justiça em nome do povo, consagrado no art.° 205.° da CRP”.

Salvo o devido respeito, não se vê, que ao assim alegar, o Recorrente haja suscitado qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.

Escreveu-se no Acórdão nº 328/07, de 29/05/2007, do Tribunal Constitucional (Processo n.º 374/07, 2.ª Secção)[8]: «[…] a nossa Constituição não configurou o recurso de constitucionalidade como um recurso de amparo - ou de «queixa constitucional» (Verfassungsbeschwerde, staatsrechtliche Beschwerde) - no âmbito do qual fosse possível sindicar qualquer lesão dos direitos fundamentais, aí se incluindo a possibilidade de conhecer, nesse âmbito, do mérito da própria decisão judicial sindicanda. Daí dizer-se, pois, que a “violação dos preceitos constitucionais”, imputada directamente ao acto de concreta aplicação do direito, e não aos preceitos legais aplicados pelas instâncias, não densifica nem traduz um problema de constitucionalidade normativa susceptível de ser apreciado por este Tribunal. De facto, uma coisa é reportar a inconstitucionalidade à concreta decisão considerada como resultado de um momento de aplicação dos preceitos legais - a isso se reconduzindo as situações em que “embora sob a capa formal da invocação da inconstitucionalidade de certo preceito legal tal como foi aplicado pela decisão recorrida - o que realmente se pretende controverter é a concreta e casuística valoração pelo julgador das múltiplas e específicas circunstâncias do caso sub judicio (…); [designadamente] a adequação e correcção do juízo de valoração das provas e fixação da matéria de facto provada na sentença (...) ou a estrita qualificação jurídica dos factos relevantes para a aplicação do direito […];” (cf. CARLOS LOPES DO REGO, «O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional», in Jurisprudência Constitucional, 3, p. 8) -, outra, radicalmente diferente, é imputar à norma esse vício, identificando e isolando o critério jurídico que aquela aplicação projecta, como momento normativo, numa dada factualidade. […]».

No presente caso, o alegado pelo Apelante quanto aos preceitos constitucionais por ele indicados, fica-se, salvo o devido respeito, por uma inconsequente arguição, que não se confunde, como se anunciou acima, com o adequado suscitar de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, pois que não se assaca, a nenhum dos preceitos aplicados pelo Tribunal recorrido, o vício de contraditoriedade com normas ou princípios constantes da Constituição.

Não tendo, pois, o Apelante, suscitado, adequadamente, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, sempre se dirá, contudo, que não se detecta que o Tribunal “a quo” haja aplicado qualquer norma que seja de reputar de inconstitucional ou à qual esse Tribunal tenha dado interpretação que se reconheça como desconforme com o consagrado na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente, com as normas dos seus art.ºs 20º e 205º da CRP.
Resta concluir, dizendo, que, estando nós em plena concordância com o entendido no despacho recorrido, neste, o Tribunal “a quo”, enunciando devidamente a questão a resolver, solucionou-a correctamente e com fundamentação adequada.
Tendo o interessado apresentado o requerimento de aperfeiçoamento da reclamação de bens muito para além do prazo que lhe fora estabelecido, introduziu nos autos processado que, atentas as circunstâncias, tinha se ser considerado como anómalo, e, portanto, sendo de desentranhar, porque extemporâneo, tal requerimento, bem como os documentos com ele juntos, não há como não ter como justificada a condenação em custas do Reclamante, consignada no despacho recorrido.
O despacho recorrido merece, pois, a nossa inteira concordância, pelo que mais não resta do que, confirmando-o, julgar a Apelação improcedente.

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IV - Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a Apelação improcedente, confirmando o despacho recorrido.
Custas pelo Apelante (artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6, 663º, nº 2, todos do NCPC).

15/2/2022[9]

(Luiz José Falcão de Magalhães)

(António Domingos Pires Robalo)
   (Sílvia Maria Pereira Pires)


[1] No presente acórdão segue-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
[2] Doravante NCPC, pois que só se utilizará a sigla “CPC” para referir o código pretérito, ou, excepcionalmente, nos casos em que transcrevemos texto onde essa sigla foi já utilizada para identificar o novo Código de Processo Civil.
[3] Cfr. Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, entre outros, no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase, tal como aqueles que, desse Tribunal e sem referência de publicação, ou com uma outra, vierem a ser citados adiante.
[4] Consultável em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf?OpenDatabase.
[5] Consultável em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf?OpenDatabase.
[6] Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra, 1984, reimpressão, pág. 151.
[7] Consultável em https://www.stj.pt/?page_id=4471.
[8] Consultável em “http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20070328.html”.
[9] Processado e revisto pelo Relator.