Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1848/11.6TBTNV-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Descritores: CAUÇÃO
INCIDENTE
IDONEIDADE
CAUÇÃO HIPOTECÁRIA
Data do Acordão: 09/24/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TORRES NOVAS 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 692, 984, 988, 990 CPC, 623 CC
Sumário: 1. A caução, quando exigida por lei, deve constituir “um mais” em relação às garantias pré-existentes.

2. Da hipoteca do prédio penhorado nos autos de execução para garantia do pagamento do crédito exequendo oferecida como caução pelo executado visando obter a fixação de efeito suspensivo ao recurso de apelação por ele interposto no processo de execução, não resulta um reforço da segurança do credor em relação à garantia geral que é dada pelo património do devedor ou por alguma garantia especial de que ele já beneficie, e, por isso, não se pode considerar idónea.

3. O registo provisório da hipoteca é condição essencial para o seu oferecimento como caução tanto no caso de incidente de prestação provocada de caução como no caso de incidente de prestação espontânea de caução.

4. A caução hipotecária só se considera eficazmente oferecida quando conjuntamente com o respectivo oferecimento se apresenta a respectiva certidão de registo provisório.

Decisão Texto Integral: Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra


         I – RELATÓRIO
         1. Na acção executiva para pagamento de quantia certa sob a forma de processo comum, intentada por Caixa A..., CRL, contra H (…), I (…) e I (…), S.A., a que o presente incidente corre por apenso, veio a última mencionada executada, I (…) S.A., a par da interposição de recurso de apelação relativamente ao qual requereu a atribuição de efeito suspensivo, requerer a prestação de caução, nos termos do disposto nos artigos 692.º, n.º 4, e 988.º do Código de Processo Civil, indicando como garantia a oferecer para o efeito o prédio rústico descrito na Conservatória do registo predial sob o n.º (...), da freguesia de (...)concelho de Torres Novas por forma a garantir o crédito exequendo, prédio esse já penhorado nos autos de execução que tem o valor mínimo de 300.000,00 €, de molde a evitar a execução da decisão judicial proferida e, em consequência, prevenir a verificação dos prejuízos daí emergentes para a sua actividade comercial.

         2. Notificada nos termos e para os efeitos do artigo 988.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, veio a requerida Caixa A..., CRL, manifestar a sua oposição e impugnar a generalidade dos factos alegados pela executada, posição essa que sustenta, em síntese, no facto do referido prédio oferecido como garantia se tratar do prédio penhorado na execução, ter sobre ele a incidir duas hipotecas a favor da requerida, factualidade essa que entende prefigurar a inidoneidade da caução oferecida, concluindo pela inidoneidade da caução oferecida e pela substituição por depósito de dinheiro ou fiança bancária por forma cobrir o valor de € 312.587.10€.

         3. Não tendo sido requeridas quaisquer provas pelas partes, foi proferida decisão, a qual, considerou ser a caução oferecida pelo requerente inidónea e julgou improcedente o presente incidente de prestação de caução, aduzindo para tanto que o mero oferecimento de um bem para garantia de pagamento de crédito exequendo já garantido por penhora ter de ser considerado inidóneo por, na prática, não aportar qualquer garantia adicional em relação à garantia existente para pagamento da quantia exequenda, e, mesmo no caso de se propor implicitamente a constituição de uma hipoteca a incidir sobre o mesmo bem – proposta esta que poderia importar um benefício para a exequente -, não poderia ter-se em consideração tal pedido formulado a título subsidiário, uma vez que o n.º 3 do artigo 982.º do Código de Processo Civil, exige que, oferecendo-se caução por meio de hipoteca, “apresentar-se-á logo certidão do respectivo registo provisório e dos encargos inscritos sobre os bens e ainda certidão do rendimento colectável, se o houver”, certidão essa que não foi apresentada.

         4. Inconformada com tal decisão veio a executada I (…) S.A. recorrer da mesma, encerrando o recurso de apelação interposto com as seguintes conclusões que, assim, se transcrevem:
         “ A) Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. que julgou improcedente o incidente de prestação de caução requerido pela ora recorrente nos termos do disposto nos artigos 692 nº 4 e 988 do CPC.
         B) Assim a par da interposição do seu Recurso de Apelação mencionado no artigo segundo da presente peça processual requereu a executa, ora recorrente, I... SA, a prestação de caução nos termos do disposto no artigo 692º nº4 e 988 e ss. todos do CPP, por forma a evitar a execução da decisão judicial de que havia recorrido.
         C) Tendo aquando do seu requerimento a executada oferecido como caução o prédio rústico sito em (...) descrito na C.R.P. de Torres Novas sob o nº (...) da freguesia de (...)e inscrito na respectiva matriz da freguesia de (...)sob o artigo (...) da secção E1-E2.
         D) Decidiu o Tribunal a quo julgar improcedente o incidente de prestação de caução alegando para tanto que o bem oferecido no requerimento inicial de prestação de caução não era idóneo, isto porque nas palavras da Meritíssima juiz a quo “ao “oferecer” o bem penhorado à ordem dos autos para garantir o pagamento do credito exequendo , na realidade , a requerente não oferece qualquer garantia que a requerida não tenha já – ou seja , verdadeiramente nada oferece como caução . Com efeito, constituindo a caução, como se disse uma garantia especial das obrigações, da sua prestação terá de resultar um reforço da segurança do credor em relação à garantia geral que é dada pelo património do devedor ou por alguma garantia especial de que ele já beneficie”
         E) Sendo que na opinião do tribunal a quo o mero oferecimento do bem para garantia de pagamento do credito exequendo já garantido por penhora terá, de ser considerado inidóneo, e ainda que a ora recorrente tivesse proposto a constituição de uma hipoteca a incidir sobre o mesmo bem sempre teria de apresentar logo a certidão do respectivo registo provisório e dos encargos inscritos sobre os bens ….
         F) Não pode a recorrente estar mais em desacordo com a posição do tribunal a quo, uma vez que, na prestação de caução nos termos do disposto no artigo 692 nº 4 do CPC o requerente no seu requerimento apenas tem de alegar que a execução da decisão lhe causa prejuízo considerável e oferecer-se para prestar caução, não tendo sequer que indicar a forma pela qual pretende prestar essa caução.
         G) Ficando posteriormente a aguardar que o Tribunal lhe fixe prazo para a efectiva prestação de caução, alias conforme se encontra explanado no próprio artigo 692 nº 4 in fine, e só posteriormente ao requerente ter efectivamente prestado caução é que o Tribunal se pode pronunciar sobre a idoneidade desta para os fins que se pretendem.
         H) No caso concreto o Tribunal à quo não concedeu à ora recorrente qualquer prazo para que a mesma constituísse a caução, tendo proferido sentença julgando o incidente improcedente nos termos já expostos, violando por isso o artigo 692 nº 4 do C.P.C.
         I) No caso em apreço o recorrente ofereceu-se para prestar caução e alegou o prejuízo considerável na execução da decisão, tendo o próprio tribunal a quo reconhecido a fls 3 da sua sentença que efectivamente existe um prejuízo para a requerente com a execução da decisão objecto do recurso de apelação.
         J) Acresce ainda a tudo isto que o tribunal à quo a fls 3 da sentença ora recorrida afirma o seguinte: “impõe-se contudo aquilatar da idoneidade da caução em apreço”, esquece-se o Tribunal que nesta fase do processo ainda não existe qualquer caução prestada, mas apenas o oferecimento de um bem sobre o qual se pode vir a constituir-se uma garantia.
         K) Ainda que assim não fosse, o que só por mera hipótese académica se admite, ainda que o Tribunal a quo pudesse efectuar no imediato o juízo de prognose sobre a idoneidade do bem oferecido sobre o qual se havia de constituir a garantia que serviria de caução, o bem indicado era mais do que idóneo.
         L) Alias a idoneidade do bem resulta dos próprios autos, senão vejamos, a quantia exequenda nos autos é de 160.932,88 € ,a proposta de aquisição apresentada em sede de propostas por carta fechada foi de 300.000,00 € , logo só por estas duas premissas se conclui que o bem era mais do que idóneo, uma vez que o seu valor é no mínimo o dobro da quantia exequenda.
         M) Mais é do conhecimento geral que a maioria dos bens vendidos em sede de execução são vendidos por um valor muito inferior ao seu valor de mercado, pelo que mais uma vez se teria de concluir pela idoneidade do bem cuja proposta de aquisição foi do dobro do valor base de venda.
         N) Assim se tivesse sido concedido prazo para a requerente prestar a caução e fixado o seu valor, a ora recorrente sempre poderia ter constituído uma hipoteca a favor da exequente.
         O) Nem se diga que o mero oferecimento de um bem para garantia de pagamento de credito exequendo já garantido por penhora terá de ser considerado inidóneo por não aportar qualquer garantia adicional em relação à já existente para pagamento da quantia exequenda, uma vez que se se atentasse no valor da propostas de aquisição verificava-se que o seu valor era consideravelmente mais elevado que o valor da quantia exequenda e que a executada poderia sempre constituir uma hipoteca a favor do exequente por valor superior à quantia em divida e assim dar ao credor uma garantia adicional.
         P) Mais nem se diga ,como faz o tribunal a quo, que oferecendo-se caução por meio de hipoteca, ter-se –ia de apresentar logo certidão do respectivo registo provisório e dos encargos inscritos sobre os bens e ainda certidão do rendimento colectável se o houvesse nos termos do disposto no artigo 982 nº 3 do CPP, uma vez que no caso concreto estamos a falar de uma caução diferente daquela que trata o artigo 982 nº 3 do CPC.
         Q) Pelo que sempre teria o Tribunal à quo de notificar a recorrente para no prazo fixado pelo tribunal prestar a caução nos termos do disposto no artigo 692 nº 4 CPC sob pena de cometer uma violação de lei, tal como o fez. “
         Conclui pugnando pela procedência do recurso e pela revogação da decisão recorrida, ordenando-se ao Tribunal a quo que profira despacho no sentido de fixar prazo à recorrente para a efectiva prestação da caução.

         5. Contra-alegou a requerida e exequente Caixa A..., CRL, sintetizando as contra-alegações nas seguintes conclusões:
         1 – A douta sentença, de fls, que julgou improcedente o incidente de prestação de caução, contém uma boa decisão e está devidamente fundamentada no que tange à ciência, tendo sido doutamente considerada inidónea;
         2- Dá-se por reproduzido para todos os efeitos legais o contido na douta sentença;
         3 - O oferecimento pela Recorrente, para garantia de pagamento da quantia exequenda, do prédio rústico sito na (...), freguesia de Santiago, concelho de Torres Novas descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas sob o nº (...)º e inscrito na matriz sob o artigo (...)º , seção E1, E2, da identificada freguesia, prédio esse, sobre o qual incidem penhoras e duas hipotecas constituídas a favor da Caixa A..., CRL, ora Recorrida. Hipotecas inscritas na Conservatória do Registo Predial de Torres
Novas, pela apresentação nº 10 de 19/12/2005 e pela apresentação 2992 de 23/09/2011, é inidónea.
         4 - A garantia apresentada pela Recorrente, não aporta nenhuma garantia adicional em relação às garantias existentes para pagamento do crédito exequendo no valor 160.392,88 € que foi graduado por sentença, transitada em julgado, em 2º lugar e a quantia reclamada no valor de 141.654,22 €, que foi graduada em 1º lugar.
         5 – O Incidente de prestação de caução não é o meio processual adequado para uma extemporânea avaliação do bem penhorado nos presentes autos.
         6. - Termos em que e nos melhores de Direito e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve a decisão tomada pelo Meritíssimo Juiz « a quo » ser mantida, sendo declarado improcedente o recurso intentado pela ora Recorrente, I....

- Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso ( Arts. 684º, nº 3, 685º-A e 660º, nº 2, do CPC ), são as seguintes as questões a decidir:
I- saber se antes de proferir decisão a apreciar a idoneidade da caução que a requerente se ofereceu para prestar deveria ter sido a mesma requerente notificada para prestar essa caução e só depois de efectivamente  prestada a caução oferecida poderia ser apreciada a idoneidade da mesma;
                       II- saber se se o bem o bem indicado/oferecido sobre o qual se havia de constituir a garantia que serviria de caução, se mostra inidóneo;
         III- saber se no caso de ser oferecida caução por meio de hipoteca, se impunha a apresentação de certidão do respectivo registo provisório e dos encargos inscritos sobre os bens e ainda certidão do rendimento colectável se o houvesse.

III – FUNDAMENTAÇÃO
A) De Facto
O iter processual a ter em conta para apreciação do presente recurso consta do relatório supra, tendo, ainda, a 1ª instância considerado assente a seguinte factualidade:
1. Por despacho, proferido em 20 de Maio de 2013, julgou-se improcedente a nulidade processual invocada no requerimento apresentado sob a ref.ª 678197, consubstanciada na preterição de formalidade legal imposta para a adequada publicitação da venda executiva mediante propostas em carta fechada e, em consequência, declarou-se a validade da diligência processual de abertura de propostas anteriormente realizada, reproduzida no auto junto sob a ref.ª 2457803.
         2. A executada I..., S.A., veio interpor recurso de apelação do mencionado despacho.
         3. A executada I..., S.A., tem legitimidade para a interposição de tal recurso, sendo que o mesmo foi apresentado em juízo tempestivamente.
         4. No âmbito mencionada diligência de abertura de propostas em carta fechada, foi apresentada proposta de aquisição do prédio rústico descrito na Conservatória do registo predial sob o n.º (...), da freguesia de (...)concelho de Torres Novas, penhorado à ordem dos autos, que, por ser válida, foi admitida, estando em curso as diligências processuais tendentes à formalização da venda executiva do mesmo.

         B) De Direito
Entrando, agora, na apreciação das questões suscitadas pela recorrente nas conclusões do seu discurso recursivo, vejamos então se, como a mesma pretende, antes de proferir decisão a apreciar a idoneidade da caução que a requerente se ofereceu para prestar deveria ou não ter o tribunal recorrido notificado a requerente para prestar essa caução e só depois de efectivamente  prestada a mesma poderia ser apreciada a respectiva idoneidade.
         Preceitua-se no Art. 988ºdo CPC que:
         1 - Sendo a caução oferecida por aquele que tem obrigação de a prestar, deve o autor indicar na petição inicial, além do motivo por que a oferece e do valor a caucionar, o modo por que a quer prestar.
         2 - A pessoa a favor de quem deve ser prestada a caução é citada para, no prazo de 15 dias, impugnar o valor ou a idoneidade da garantia.
         3 - Se o citado não deduzir oposição, devendo a revelia considerar-se operante, é logo julgada idónea a caução oferecida; no caso contrário, aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 983.º e 984.º
         4 - Quando a caução for oferecida em substituição de hipoteca legal, o devedor, além de indicar o valor dela e o modo de a prestar, formulará e justificará na petição inicial o pedido de substituição e o credor será citado para impugnar também este pedido, observando-se, quanto à impugnação dele, o disposto no número anterior relativamente à impugnação do valor e da idoneidade da caução. 
Como no caso em vertente se trata de prestar caução de uma parte em favor da outra e em causa pendente, a citação da parte a favor da qual a caução deve ser prestada é substituída por notificação, sendo a tramitação da prestação de caução processada por apenso, incidente este que, no caso em apreço, possui caractér urgente, nos termos previstos no Art. 990º do C.P.C.
         Tendo em conta o que resulta da dinâmica processual imprimida ao presente incidente, resulta com evidência que se mostram observadas as formalidades legais impostas por lei para o caso concreto, ou seja, no seguimento do oferecimento da caução pela requerente ( previsto no Nº1 do citado Art. 988º ) sem indicação de quaisquer provas, a requerida foi notificada para impugnar o valor ou a idoneidade da garantia ( Nº2 do mesmo preceito legal ), seguindo-se, na sequência da oposição deduzida pela requerida também sem a indicação de quaisquer provas, a decisão do Mmo. juiz a quo no sentido da inidoneidade da caução ancorada nos fundamentos que em tal decisão se adiantam.
          Pretende a recorrente que o tribunal recorrido só podia decidir-se pela idoneidade ou inidoneidade da caução depois de lhe ter fixado prazo para a efectiva prestação de caução, entendendo que no requerimento por ela apresentado a oferecer-se para prestar essa caução nem sequer tinha a mesma de indicar a forma pela qual o pretendia fazer.
         Dir-se-á, desde logo, que não assiste qualquer razão à recorrente.
         Com efeito, a executada e ora recorrente I (…) S.A, ao deduzir o presente incidente que denomina de prestação espontânea de caução ( por apenso à execução onde interpôs recurso em relação ao qual requereu fosse atribuído efeito suspensivo ) devia indicar, como efectivamente o fez, o motivo porque oferecia a caução que através de tal incidente se propunha prestar, indicando, ainda, o valor a caucionar e o modo como a quer prestar, em obediência ao disposto no citado Art. 988º do CPC, e só no caso de julgada idónea a caução oferecida  ( depois de ouvida a parte a favor da qual tal caução deve ser prestada e de feitas as diligências tidas por necessárias pelo juiz incumbido de apreciar essa idoneidade, nos termos do disposto no Art. 984º Nº3 do CPC, ex vi Art. 988º Nº3 2ª parte ), é que deveria prestar efectivamente a caução no prazo fixado para o efeito pelo tribunal, pois que a pretendida atribuição do efeito suspensivo ao recurso por ela interposto estava condicionada a essa efectiva prestação, conforme se colhe do disposto no Art. 692º Nº4 do CPC.
         Daqui resulta que, ao contrário do defendido pela recorrente,  o Nº 3 do Art. 984.º, aplicável por força do Nº 3 do Art. 988.º, implicitamente descarta a possibilidade de qualquer despacho subsequente à resposta da pessoa a favor de quem deve ser prestada a  caução oferecida, ao prescrever que sendo impugnada a idoneidade da caução oferecida o juiz profere decisão, após a realização das diligências necessárias.
         Sendo, pois, esta a tramitação legal que impõe a conjugação das referidas disposições legais contidas nos citados Arts. 988º e 692º Nº4 do CPC, e não a adiantada pela recorrente, há que concluir que foram observadas pelo tribunal recorrido todas as formalidades legais, não podendo colher a argumentação da recorrente no sentido de que algumas delas foram omitidas.
         Nada, há, pois, a apontar à tramitação seguida pelo tribunal recorrido, que depois de impugnada pela requerida a idoneidade da caução oferecida pela requerente, sem indicação de quaisquer provas por nenhuma das partes, enveredou pela imediata apreciação da idoneidade da caução oferecida sem a realização de quaisquer diligências.
         Cumpre, agora ponderar, por ser também objecto das conclusões do recurso, se o bem indicado/oferecido sobre o qual se havia de constituir a garantia que serviria de caução se mostra inidóneo como julgou o tribunal recorrido.
         Discorre-se na decisão recorrida que, ao “oferecer” o bem penhorado à ordem dos autos para garantir o pagamento do crédito exequendo, na realidade, a requerente não oferece qualquer garantia que a requerida não tenha já – ou seja, verdadeiramente nada oferece como caução, e que constituindo a caução uma garantia especial das obrigações, da sua prestação terá de resultar um reforço da segurança do credor em relação à garantia geral que é dada pelo património do devedor ou por alguma garantia especial de que ele já beneficie, para com base em tal argumentação se concluir na mesma que o mero oferecimento de um bem para garantia de pagamento de crédito exequendo já garantido por penhora terá de ser considerado inidóneo por, na prática, não aportar qualquer garantia adicional em relação à garantia existente para pagamento da quantia exequenda.
         O Art. 623º Nº 3 do Código Civil atribui ao tribunal a função de apreciar a idoneidade da caução, sempre que não haja acordo entre os interessados, não prevendo, todavia, qualquer critério pelo qual haja de ser aferido esse juízo de idoneidade.
         Como se considerou no Ac. da Relação do Porto, de 22.06.2006, acessível em www.dgsi.pt., “A caução, constituindo uma garantia especial das obrigações, visa satisfazer o interesse do credor (…). A lei não estabelece qualquer critério para avaliação da idoneidade da caução mas, atendendo à sua finalidade, há que fazer coincidir a idoneidade com a segurança da sua suficiência para satisfazer a obrigação que ela cauciona”.
         Pelo que, na esteira do entendimento sufragado no Ac. da mesma Relação do Porto, de 22.06.2010, igualmente disponível em www.dgsi.pt., que perfilhamos, para efeitos do disposto no Nº 3 do Art. 623.º do C. Civil, é a segurança da satisfação da obrigação caucionada o critério da idoneidade da caução.
         Como se afirma no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 2.04.2009, disponível in ww.dgsi.pt, citado na decisão recorrida, a caução, quando exigida por lei, deve constituir “um mais” em relação às garantias pré-existentes.
         No caso em vertente, a requerente ofereceu como caução o bem ( prédio ) já penhorado à ordem dos autos para garantir o pagamento do crédito exequendo, antevendo-se que pretende prestar essa caução que assim ofereceu através da constituição de hipoteca sobre o dito prédio a favor da requerida, pois que só a hipoteca se reveste no caso em vertente como única garantia por se tratar de um imóvel considerando o disposto no Art. 623º do CC..
         Por que assim é, não poderemos deixar de considerar acertada a posição assumida pelo tribunal recorrido na decisão sob recurso ao sustentar que, na realidade, apesar da hipoteca sobre o aludido prédio poder importar um benefício para a exequente, a verdade é que a requerente não oferece qualquer garantia que a requerida já não tenha – ou seja, verdadeiramente nada oferece como caução, pois, constituindo a caução uma garantia especial das obrigações, da sua prestação teria de resultar um reforço da segurança do credor em relação à garantia geral que é dada pelo património do devedor ou por alguma garantia especial de que ele já beneficie, o que, na verdade não acontece com a hipoteca do dito prédio que se antevê como oferecida pela requerente, independentemente do valor que esse prédio possa ter, na medida em que esse prédio se encontra já penhorado nos autos de execução para garantia do pagamento do crédito exequendo.
         Na verdade, a lei não dispensa, em qualquer caso, a apelante de prestar caução, mesmo quando o potencial credor e apelado já goza de garantias de pagamento do seu crédito.
         Embora a propósito da suspensão da execução - mas com semelhante relevo para o caso sub judice - tem-se entendido que a lei não faz qualquer destrinça ou limitação no que respeita à necessidade da prestação de caução, quer a quantia exequenda se mostre coberta por uma garantia diversa da penhora, somente por esta última ou por nenhuma (onde o legislador não distingue, o intérprete igualmente não o deve fazer) – cf. acórdão da Relação de Lisboa de 28.6.2007, in www.dgsi.pt, citando nomeadamente os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 10.10.1999 e 11.01.2005 cujo texto consta do mesmos sítio da internet e do Supremo Tribunal de Justiça de 8.4.1987 e de 16.11.1987, in BMJ n.ºs 366, pág. 481 e 372, pagina 408, e ainda Alberto dos Reis, in Processo de Execução, Volume II, página 66 e Lopes Cardoso, in Manual da Acção Executiva, 3.ª Edição, pág. 304.
         Como se refere no referido acórdão de 11.01.2005, não basta a garantia da penhora para que a execução deixe de prosseguir; a lei exige outra garantia especial, que é a caução. Esta nem sequer é dispensada quando o crédito exequendo esteja coberto por garantia real.
         Mas, mesmo que por tais razões não devesse considerar-se, como efectivamente o tribunal recorrido considerou com base nas razões que se deixam expendidas, e em nosso entender correctamente, que a caução oferecida ( hipoteca do dito prédio ) se mostra inidónea, sempre tal entendimento teria de sufragar-se pelo facto de estando em presença de incidente, no caso, de prestação espontânea de caução, previsto pelo artigo 692º Nº4 do Código de Processo Civil, ser obrigação da executada que, com o requerimento inicial, procedesse à indicação de todos os elementos necessários para o conhecimento do incidente, bem como à indicação de todos os meios de prova necessários para se aferir do valor e da idoneidade do bem indicado – artigos 302.º e sgts. do Código de Processo Civil.
         Pelo que, sempre haveria que considerar que, no âmbito do presente incidente de prestação espontânea de caução, com carácter urgente, a omissão de junção aos autos de todos os elementos necessários para a avaliação da caução oferecida, assim impedindo a exequente e o tribunal de sobre a mesma tecerem um juízo de oportunidade, nunca poderia reverter a favor da executada, sobre quem impendia esta obrigação, sob pena de estarmos perante uma situação de abuso de direito, – veja-se, neste sentido o Ac. da Relação de Lisboa, de 3.05.2011.
         Por outro lado, a natureza urgente do incidente (Art.º 990º Nº 2 do CPC) não se compadece com estas insuficiências, pois que era obrigação da requerente apresentar logo no requerimento inicial certidão do registo provisório da hipoteca a que se propôs. E não só não a apresentou como não fez qualquer alusão ao registo respectivo.
         O acórdão da Relação do Porto, de 14.2.2006, disponível in wwwdgsi.pt, é muito claro, desde logo no respectivo sumário, ao referir que a reforma processual de 95/96 não quis retirar a exigência do registo prévio da hipoteca, na hipótese de prestação espontânea, mantendo-o como condição essencial para o seu oferecimento como caução.
         Aquela reforma processual, operada pelo Decreto-lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, orientou-se, nesta matéria, mais por alterações de forma do que de fundo. E embora, anteriormente, o art.º 428º, nº 1 se referisse à apresentação imediata da certidão do registo provisório da hipoteca como princípio geral, portanto, aplicável quer à prestação forçada, quer à prestação espontânea de caução, é de considerar que assim continuou a ser após a reforma, no âmbito dos Art.ºs 981º e segs.
         Embora tal referência tenha passado a constar do art.º 982º, nº 3, integrada na prestação forçada, nem por isso deixou de se aplicar aos casos de prestação espontânea de caução.
         O preâmbulo daquele decreto-lei refere-se à alteração formal do incidente, relevando a sua nova arrumação no Código de Processo Civil, agora como um regime “mais lógico e coerente e, nessa medida, mais facilmente compreensível”. Não se faz ali referência à hipoteca e não encontramos qualquer razão para dispensar o cumprimento daquele dever de junção de certidão no caso de prestação espontânea de caução.
         Assim e como se considerou naquele aresto o registo provisório da hipoteca é condição essencial para o seu oferecimento como caução, trate-se de processo de caução provocada ou espontânea, sendo que, como se defende no acórdão da Relação do Porto de 16.11.2000, disponível igualmente em wwwdgsi.pt, a caução hipotecária só se considera eficazmente oferecida quando, conjuntamente, se apresenta a respectiva certidão de registo provisório.
         Nesta decorrência, há que concluir que a decisão recorrida não merece qualquer censura, pelo que se nega provimento ao recurso.

IV- SUMÁRIO ( Art. 713º Nº7 C.P.C. )
         1. A caução, quando exigida por lei, deve constituir “um mais” em relação às garantias pré-existentes.
         2. Da hipoteca do prédio penhorado nos autos de execução para garantia do pagamento do crédito exequendo oferecida como caução pelo executado visando obter a fixação de efeito suspensivo ao recurso de apelação por ele interposto no processo de execução, não resulta um reforço da segurança do credor em relação à garantia geral que é dada pelo património do devedor ou por alguma garantia especial de que ele já beneficie, e, por isso, não se pode considerar idónea.
         3. O registo provisório da hipoteca é condição essencial para o seu oferecimento como caução tanto no caso de incidente de prestação provocada de caução como no caso de incidente de prestação espontânea de caução.
         4. A caução hipotecária só se considera eficazmente oferecida quando conjuntamente com o respectivo oferecimento se apresenta a respectiva certidão de registo provisório.
        
         VI- DECISÃO
         Assim, em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto pela apelante, confirmando-se a decisão recorrida
         Custas pela apelante.

                                                        Coimbra, 2013.09.24

                                                        Maria José Guerra ( Relatora)
                                                        Carvalho Martins
                                                        Carlos Moreira