Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
106/13.6GDCNT.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: COAUTORIA
Data do Acordão: 05/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (J C CRIMINAL – J3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 26.º DO CP
Sumário:
I – É co-autor quem tomar parte direta na sua (do facto) execução, por acordo ou conjuntamente com outro ou outros.
II – Na co-autoria há um “condomínio do facto”, marcado quer pela decisão conjunta, quer pela execução conjunta (enquanto contribuição funcional de cada coautor para a realização típica. De modo que a atuação de cada coautor se apresenta como “momento essencial do plano comum”, “constitui a realização da tarefa que lhe cabe na «divisão do trabalho»” para a realização do crime (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal; Parte Geral – Tomo I, Coimbra Editora, 2.ª ed., 2007, págs. 765 e 766).
III – “O domínio do facto pode exercer-se de diferentes formas e fundar, por conseguinte, diferentes modalidades da autoria, concretizadas no artigo 26.º: o domínio da ação está presente na autoria imediata, na medida em que o agente realiza, ele próprio, a ação típica (1.ª alternativa); o domínio da vontade do executante de quem o agente se serve para a realização típica firma a autoria mediata (2.ª alternativa); o domínio funcional do facto constitui o sinal próprio da coautoria, em que o agente decide e executa o facto em conjunto com outros (3.ª alternativa)”; e, por fim, “na sua quarta alternativa, o artigo 26.º pune ainda como autor «quem dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”, isto é, quem seja instigador do crime” (Jorge de Figueiredo Dias e Susana Aires de Sousa, Autoria mediata do crime de condução ilegal de veículo automóvel: anotação ao Acórdão da Relação do Porto de 24.11.2004, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 135.º, Março-Abril de 2006, n.º 3937, pág. 255).
IV - À decisão conjunta deve acrescer a “execução conjunta”, isto é, cada coautor deverá prestar uma contribuição objetiva para a realização típica, um efetivo exercício conjunto do domínio do facto.
Decisão Texto Integral:

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA



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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal

No processo acima identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferido acórdão que decidiu:
Condenar o arguido A1 pela prática de dois crimes de furto qualificado, na forma tentada, p.s e p.s pelos art.s 22º, 23º, 203º nº 1 e 204º nº 2 al. e) todos do Código Penal, na pena de 18 meses de prisão por cada um dos crimes, em concurso real com um crime de furto, na forma tentada, p. e p. pelo art. 203º nºs 1 e 2 do Código Penal na pena de 7 meses de prisão, um crime de falsificação ou contrafação de documento p. e p. pelo art. 256º nºs 1 al. e) e 3 do Código Penal na pena de 5 meses de prisão e um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º nºs 1 e 2 do DL nº 2/98 de 03.01 e 121º nº 1, 122º nº 1 e 123º, todos do Código da Estrada na pena de 4 meses de prisão, e em cúmulo jurídico de penas na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Condenar o arguido A2 pela prática de dois crimes de furto qualificado, na forma tentada, p.s e p.s pelos art.s 22º, 23º, 203º nº 1 e 204º nº 2 al. e) todos do Código Penal, na pena de 18 meses de prisão por cada um dos crimes, em concurso real com um crime de furto, na forma tentada, p. e p. pelo art. 203º nºs 1 e 2 do Código Penal na pena de 7 meses de prisão, e em cúmulo jurídico de penas na pena única de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, absolvendo-o de um crime de falsificação ou contrafação de documento p. e p. pelo art. 256º nºs 1 al. b) e e) e 3 do Código Penal.
Condenar solidariamente os arguidos/demandados a pagar à demandante, AS em virtude dos danos patrimoniais sofridos com os danos nas portas, janela e sistema de alarme, quantia a fixar em incidente de liquidação de sentença com o limite máximo de 1.000,00 Euros.
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Deste acórdão interpôs recurso o arguido, A1, sendo do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso:
I- Nos termos da sentença, ora objecto de recurso, o recorrente foi condenado, pela prática de dois crimes de furto qualificado, na forma tentada, na pena de 18 meses de prisão por cada um dos crimes, em concurso real com um crime de furto, na forma tentada, na pena de 7 meses de prisão, um crime de falsificação ou contrafação de documento na pena de 5 meses de prisão e um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 4 meses de prisão, e em cúmulo jurídico de penas na pena única de 2 (dois)anos e 6 (seis) meses de prisão e foi condenado solidariamente com A2 a pagar à demandante, AS quantia a liquidar em incidente de liquidação de sentença, com o limite máximo de 1.000,00.
II- Houve erro notório na apreciação da prova (por referência ao artigo 410º nº 2, al. c) do CPP) , por parte do tribunal a quo.
III- DOS FACTOS QUE FORAM INDEVIDAMENTE DADOS COMO PROVADOS:
O tribunal a quo considerou como provado que:
I-“Os arguidos acordaram entre si apoderarem-se de bens e valores que se encontrassem no interior de edifícios, e que lhes conviessem, a fim de com eles irem depois adquirir produtos estupefacientes para ambos consumirem.
II-Seguidamente dirigiram-se para as imediações do centro de saúde de ---, no veículo com a matrícula ---, pertencente a ---, mãe do arguido A1, - estando a mesma alterada com fita – cola preta por cima dos primeiros números (-), atravessando-os na horizontal e nas letras (-), colocando um prolongamento no “-”, de modo a parecer um “-” e no outro na parte inferior do “-”, de modo a parecer um “-”- conduzido pelo arguido A1, o qual contudo não era titular de qualquer documento válido que o habilitasse a essa condução, já que por sentença transitada em julgado, tinha sido ordenada a cassação da sua carta de condução, pelo período de dois anos.
III-Ali chegados e de acordo com o plano que previamente tinham traçado o arguido A2 saiu do veiculo e dirigiu-se para o edifício do centro de saúde, enquanto o arguido A1 se ausentava do local, conduzindo o veiculo, a fim de aí regressar, passados alguns momentos, para ir buscar o arguido A1, para então depois irem juntos adquirir estupefacientes, com o produto dos bens que dali fossem subtraídos, para ambos consumirem.
VIII-Constatando o sucedido, os militares da GNR foram no encalço de A2 e passados alguns momentos, sem que o tivessem localizado, apareceu no local ao arguido A1, conduzindo o aludido automóvel, a fim de ir buscar o arguido A1, conforme tinham combinado.
IX-Porém, ao verificar que ali se encontrava o veículo da GNR, o arguido de imediato conduziu o veículo de marcha-atrás, durante cerca de 100 metros, reentrou na estrada principal e colocou-se em fuga, em direção a ---, vindo a ser intercetado na ---, nessa localidade, depois de o ter imobilizado e fugido para um prédio rústico ali existente, onde se escondeu.
XI- O arguido A1 foi então ao PT da GNR de ---. Quando aí se encontrava, foi contactado pelo arguido A2, solicitando-lhe que o fosse buscar a sede da ---, por lá ter em seu poder bens materiais com os quais iriam adquirir produtos estupefacientes para ambos consumirem.
XVI- Os arguidos agiram de modo livre, deliberado e consciente, com o propósito não alcançado de se apoderarem de todos e quaisquer bens que lhes conviesse e que o arguido A2 encontrassem todos e quaisquer edifícios ou veículos onde se introduzisse naquela noite – e que depois seriam transportados no referido veículo, conduzido pelo arguido A1 sabendo que não lhes pertenciam e que atuavam sem autorização e contra a vontade do respectivo dono.- propósito que só não concretizaram por terem sido surpreendidos pela GNR, os quais os impediram de prosseguir os seus intentos.
XVII-A fim de poderem levar a cabo os seus desígnios criminosos se ludibriaram as forças policiais, obstante a qualquer eventual intervenção ou perseguição da parte delas, os arguidos fizeram-se transportar no referido veículo, apesar do arguido A1 Conhecer as suas características alteradas, sabendo que a matrícula constituía um documento destinado à identificação do veículo.”
IV- O Douto acórdão recorrido, dá como provado os pontos I,II, III, VIII, IX, XI, XVI, XVII. que se afiguram claramente infundados.
V- Não basta ao tribunal recorrido afirmar e justificar a sua “crença” por uma determinada versão que não logrou provar e fundamentar a sua veracidade.
VI- O douto acórdão recorrido, fundamenta tal decisão, na conjugação da prova testemunhal e documental.
VII- DA PROVA GRAVADA: ficheiro digital nº 20140514144850-115107- 139473 não se podia ancorar tal decisão.
VIII- O depoimento do arguido A2, registado em formato digital através da aplicação informática “ Habilus Media Studio” com inicio às 14:48:51 términus às 15:08:09, prova que os arguidos não acordaram entre si apoderarem-se de bens e valores, que os arguidos não acordaram nada entre si, que não se dirigiram juntos para o centro de saúde ---, e que o arguido A1 não sabia o que o arguido A2 tinha ido fazer ao clube ---, provando-se assim que o tribunal a quo errou ao dar como provados os pontos I,II,III,VIII, XVI e XVII.
IX- No que concerne às declarações das testemunhas também nada se extrai de relevante que permitisse ao tribunal a quo estabelecer o nexo causal e condenar A1 pelos crimes de furto qualificado na forma tentada e de furto na forma tentada.
X- Da audição da testemunha GNR1, agente principal na GNR de ---, registado em formato digital através da aplicação informática “ Habilus Media Studio” com inicio às 15:09:08 términus às 15:33:48. nada de relevante se capta.
XI- Esta testemunha não falou com verdade, durante vários pontos do seu depoimento.
XII- Pois é falso que o arguido tenha dito à GNR, que o A1 tinha lá material para carregar.
XIII- As declarações de GNR1 relativamente à forma como o arguido foi interceptado também não correspondem à verdade.
XIV- O arguido nunca se deslocou à rua do centro de saúde de ---, nem sabe onde se situa tal centro de saúde.
XV- Na noite de 12 para 13 de Junho o arguido A1, quando se descolava para sua casa em ---, deu boleia ao arguido A2, tendo-o deixado na subida para a --- entre as 5h00 e 6h00 da manhã.
XVI- O arguido conduzia sem habilitação legal, por isso alterara as letras da matrícula para evitar ser apanhado pelas autoridades.
XVII- Quando seguia na direcção da sua casa foi surpreendido na rotunda da --- por uma Patrulha da GNR de ---.
XVIII- Após ter sido mandado parar, o arguido foi conduzido ao posto da GNR de ---.
XIX- No posto os elementos da GNR aperceberam-se que o telefone do arguido não parava de tocar.
XX- Disseram ao arguido que se ele contasse quem lhe estava a telefonar que o deixavam ir embora e que não lhe aconteceria nada.
XXI- De seguida, os elementos da GNR, pegaram no telemóvel do arguido A1 e enviaram o seguinte sms ao Sr. A2: “onde estás”?
XXII- Tendo o mesmo respondido:” Estou no clube ---”.
XXIII- No entanto a testemunha, faltou com a verdade e disse ao tribunal que ouviu o Sr. A1 a receber uma chamada e que percebeu que o Sr. A1 estava nos ---.
XXIV- Relativamente à testemunha GNR2, cabo na GNR de ---, registado em formato digital através da aplicação informática “ Habilus Media Studio” com inicio às 15:33:50 términus às 14:45:51, esta testemunha quando inquirida pelo M.P. disse que da chamada que o A1 atendeu a única coisa que conseguiu ouvir, foi “---”, quando inquirida pela advogada, fugiu-lhe a boca para a verdade e disse que “ele também nos disse que estaria nos ---”.
XXV- O arguido A2 respondeu à mensagem que os agentes da GNR enviaram do telemóvel de A1, dizendo que estaria nos ---.
XXVI- Assim, os agentes da GNR ao contrário do que foi dito, apenas souberam a localização do A2 porque aquele respondeu à mensagem enviada pelos agentes da GNR através do telemóvel do A1 dizendo que estaria nos ---.
XXVII- Assim, o tribunal recorrido deu como provado factos assentes em incongruências dos agentes da GNR.
XXVIII- O tribunal a quo operou-se em sede de fundamentação da decisão a uma verdadeira inversão da presunção da inocência comutada em presunção de culpa, é inadmissível porque violador da presunção da inocência consagrada no art.º 32, nº 2 da CRP.
XXIX- DA PROVA DOCUMENTAL nada resulta que permita imputar ao arguido A1 a prática de dois crimes de furto qualificado na forma tentada, e de um crime de furto na forma tentada, de que o recorrente veio condenado da 1ª instância.
XXX- Ora, o tribunal errou na apreciação da prova produzida nº 2 – c)do art. 410º do CPP).
XXXI- Usou o recorrido tribunal de “generalidades”, sem que os factos concretos correspondentes tivessem sido demonstrados.
XXXII- O tribunal a quo utilizou um raciocínio envolvendo presunções judiciais muito além do legal e constitucionalmente admitidos.
XXXIII- Apenas o que se extrai da Douta Decisão é que foram considerados factos que não tem correspondência com a prova testemunhal, nem documental.
XXXIV- Daí que ser evidente o erro notório na apreciação da prova (nº 2c)do art.º 410. do CPP)
XXXV- Não há dúvida, deu-se como provados os factos I,II, III, VIII, IX, XI, VXI,XVII, e pela prova produzida, tais factos não poderiam ter acontecido, resultando assim da motivação apresentada que os mesmos não podem ser considerados.
XXXVI- A fundamentação tem que justificar, mediante a indicação da prova e a sua análise critica, cada um dos pontos de facto considerados assentes, o que, na realidade, não ocorre.
XXXVII- As declarações prestadas pelas testemunhas, nunca poderiam demonstrar a culpa do recorrente, porquanto não demonstram: Em 1º lugar que os arguido acordaram entre si apoderarem-se de bens e valores que se encontrassem no interior de edifícios, e que lhes conviessem, Em 2º lugar que dirigiram-se para as imediações do centro de saúde de ---. Em 3ºlugar que o arguido A1 sabia o que o arguido A2 estava a fazer no clube ---.
XXXVIII- Tudo factos não demonstrados como o teriam de ser por quem acusa.
XXXIX- Ao não serem demonstrados conduziriam à absolvição de dois crimes de furto qualificado na forma tentada e de um de furto na forma tentada.
XL- Apenas se poderia ter dado como provado um crime de falsificação ou contrafação de documento e um crime de veículo sem habilitação legal
XLI- Na douta sentença, o tribunal a quo ao condenar o arguido pela prática de dois crimes de furto qualificado, na forma tentada, na pena de 18 meses de prisão por cada um dos crimes, em concurso real com um crime de furto, na forma tentada, na pena de 7 meses de prisão, um crime de falsificação ou contrafação de documento na pena de 5 meses de prisão e um crime de veículo sem habilitação legal, na pena de 4 meses de prisão, e em cúmulo jurídico de penas na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, incorreu num erro notório na apreciação e valoração da prova a que se alude na c) do nº 2 do artigo 410º do C.P.P..
XLII- Acontece que, os dois crimes de furto qualificado na forma tentada e o crime furto na forma tentada são imputados aos arguidos em coautoria material.
XLIII- A co-autoria exige a verificação de dois requisitos: - Acordo expresso ou tácito que assuma pelo menos uma consciência de colaboração mutua; - Exercício conjunto no domínio do facto, uma contribuição objectiva para a realização, que tem a ver com a causalidade, embora possa não fazer parte da execução.
XLIV-Não ficou provado, que existiu qualquer acordo prévio, expresso ou tácito.
XLV- Não resultou provado que os arguidos, agiram de comum acordo e em conjugação de intenções de se apropriarem de bens existentes nos dois estabelecimentos nos quais entrou o arguido A2 e na viatura Renault para, em seguida, despenderem na aquisição de estupefacientes destinado ao consumo de ambos.
XLVI- LOGO, NÃO SE PROVOU A CO-AUTORIA!
XLVII- O tribunal “a quo” a dar como provado os factos ocorridos nas versões que constam da fundamentação da sentença, violou entre outros o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do CPP.
XLVIII- Obtendo acolhimento, tal como se espera, as considerações precedentes, o arguido terá de ser inevitavelmente absolvido da prática de dois crimes de furto qualificado, na forma tentada, absolvido de um crime de furto, na forma tentada, e absolvido de pagar solidariamente com A2, à demandante, AS em virtude dos danos patrimoniais sofridos 1.000,00€. E em consequência reduzida a pena aplicada.
XLIX- O tribunal decidiu contra a prova produzida, violando assim o principio in dúbio pro reo, optou por decidir, na dúvida contra o arguido.
L- Em função disto, ter-se-á apenas fundamento para imputar ao arguido, um crime de falsificação ou contrafação de documento e um crime de veículo sem habilitação legal.
LI- Por mera cautela de patrocínio, ainda que V. Exas tenham um entendimento igual ao tribunal recorrido de que o arguido A1 praticou em autoria material dois crimes de furto qualificado, na forma tentada, e um crime de furto, na forma tentada, entende-se que a pena aplicada foi pouco criteriosa, desequilibradamente doseada, pecando por excessiva, violando assim artigos 71º e 40º do CP.
LII- Ora, nos termos do art.º 40.°, n.º 1 do Cód. Penal, as finalidades das penas são a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa (n.º 2 do mesmo artº 40.°).
LIII- Por sua vez a determinação da medida concreta da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (art.º 71.°, n.º 1 do Cód Penal).
LIV- E o n. ° 2 do art.° 71.° do Código Penal enumera alguns dos factores mais relevantes de carácter geral, atendíveis para a graduação das penas.
LV- Ora o tribunal a quo considerou ser média a culpa do arguido, considerou que por um lado o dolo foi intenso, manifestado no modo de execução, mas por outro lado são reduzidas as consequências da sua conduta.
LVI- No entanto, o arguido tem uma positiva inserção familiar e social.
LVII- O grau de Ilicitude terá de se situar num nível baixo, atendendo à alegada participação do arguido.
Assim entende o arguido que a pena devia ser reduzida e aproximar-se do limite mínimo.
LIX- Se lhe vier a ser aplicada uma pena de prisão de 6 meses, o arguido não voltará a praticar tal tipo de factos.
LX- Por todo o exposto, o arguido terá de ser inevitavelmente absolvido do de dois crimes de furto qualificado na forma tentada e de um crime de furto na forma tentada, o que diminui acentuadamente a culpa do agente e a necessidade de uma pena tão excessiva.
Nestes termos e nos melhores de direito sempre com o mui douto suprimento, desse Venerando Tribunal, deverá o presente recurso ter provimento, e em consequência ser o arguido absolvido de dois crimes de furto qualificado, na forma tentada, p.s e p.s pelos art.s 22º , 23º, 203º nº 1 e 204º nº 2 al. e) todos do Código Penal, um crime de furto, na forma tentada, p.e p. pelo art. 203º nºs 1 e 2 do Código Penal e absolvido de pagar à demandante, AS qualquer quantia. Termos em que deverá obter provimento o presente recurso, sendo feita JUSTIÇA!

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.

Respondeu o arguido pugnando pela procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.

O recurso abrange matéria de direito e de facto já que a prova se encontra documentada.

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:

Factos Provados da Acusação Pública:
I. A hora não apurada da noite de 12 para 13 de Junho de 2013, os arguidos acordaram entre si apoderarem-se de bens e valores que se encontrassem no interior de edifícios, e que lhes conviessem, a fim de com eles irem depois adquirir produtos estupefacientes para ambos consumirem. I
I. Seguidamente dirigiram-se para as imediações do centro de saúde de ---, no veiculo com a matricula ---, pertencente a ---, mãe do arguido A1, - estando a mesma alterada com fita-cola preta por cima dos primeiros números (-), atravessando-os na horizontal e nas letras (-), colocando um prolongamento no “-”, de modo a parecer um “-” e no outro na parte inferior do “-”, de modo a aparecer um “-” - conduzido pelo arguido A1, o qual contudo, não era titular de qualquer documento válido que o habilitasse a essa condução, já que por sentença transitada em julgado, tinha sido ordenada a cassação da sua carta de condução, pelo período de dois anos.
III. Ali chegados e de acordo com o plano que previamente tinham traçado, o arguido A2 saiu do veículo e dirigiu-se para o edifício do centro de saúde, enquanto o arguido A1 se ausentava do local, conduzindo o veículo, a fim de aí regressar, passados alguns momentos, para ir buscar o arguido A1, para então depois irem juntos adquirir estupefacientes, com o produto dos bens que dali fossem subtraídos, para ambos consumirem.
IV. Cerca das 2h40m, o arguido A2 destruiu o fecho de duas portas exteriores do edifício do centro de saúde e de uma das janelas, entrou naquelas instalações e cortou os fios de alarme de intrusão, local onde se encontravam instrumentos de uso médico, computadores e outros artigos de valor superior a 1.000,00 euros, e que o arguido pretendia fazer seus.
V. Porém, o alarme foi accionado pelo que, de imediato, a empresa de alarmes “Securitas Direct” deu conhecimento dessa ocorrência ao PT da GNR de ---. VI. Alertados para o sucedido os militares da GNR dirigiram-se para o local e, tendo verificado que a porta do edifico se encontrava aberta e com sinais de arrombamento, entraram naquelas instalações sem, contudo terem visto o arguido. Com efeito, o A2 tendo-se apercebido da presença da GNR no local, escondeu-se aguardando a retirada dos militares.
VII. Quando os referidos militares da GNR já se encontravam no exterior, o arguido saiu a correr do centro de saúde, pela parte lateral, e correu em direção a uns arbustos que ali se encontravam, sem ter logrado retirar quaisquer bens do interior do edifício.
VIII. Constatando o sucedido, os militares da GNR foram no encalço de A2 e passados alguns momentos, sem que o tivessem localizado, apareceu no local ao arguido A1, conduzindo o aludido automóvel, a fim de ir buscar o arguido A1, conforme tinham combinado.
IX. Porém, ao verificar que ali se encontrava o veículo da GNR, o arguido de imediato conduziu o veículo de marcha -atrás, durante cerca de 100 metros, reentrou na estrada principal e colocou-se em fuga, em direção a ---, vindo a ser intercetado na ---, nessa localidade, depois de o ter imobilizado e fugido para um prédio rústico ali existente, onde se escondeu. X. Durante a perseguição que fizeram ao arguido A1, os militares da GNR contactam o PT de --- a fim de apurarem a quem pertencia o veículo com a matrícula --- ou ---, tendo obtido informação acercados titulares de outros veículos automóveis de marcas e modelos distintos daquele que o arguido A1 conduzia.
XI. O arguido A1 foi então detido e conduzido ao PT da GNR de ---. Quando aí se encontrava, foi contactado pelo arguido A2, solicitando-lhe que o fosse buscar à sede da ---, por lá ter em seu poder bens materiais com os quais iriam adquirir produtos estupefacientes para ambos consumirem.
XII. Em face do sucedido os militares da GNR deslocaram-se para aquele local, tendo encontrado o arguido A2 no interior das instalações da referida sede, onde se introduzira através de uma janela com gradeamento de metal, tendo para esse efeito, afastado as respectivas barras e partido o vidro da janela.
XIII. Depois de ter entrado no edifício, cerca das 7h00m, o arguido destruiu o sistema de fechada caixa registadora, tendo retirado do seu interior todas as moedas que ali se encontravam, no total de 45 moedas de 0,10 cêntimos, as quais entregou aos militares da GNR, logo que foi por eles surpreendido no local.
XIV. Quando foi surpreendido pelos militares da GNR, o arguido tinha já colocado de parte os seguintes bens, que pretendia dali retirar e levar, assim que chegasse o arguido A1 com o veículo automóvel: i. - uma caixa com uma máquina de café Nespresso, com o valor de cerca de 70,00 euros a 80,00 Euros, ii. - um gerador de gasolina, com o valor de cerca de 600,00 euros, iii. - uma aparelhagem de música, com o valor de cerca de 50,00 euros, iv. - um saco com cerca de 20 garrafas pequenas de Martini, bem como várias garrafas de Whisky e Vinho do Porto.
XV. Antes da introdução na sede da associação, constatando que se encontrava no exterior o veiculo de marca e modelo Renault Trafic, com a matricula ---, pertença da mesma associação, mas com propriedade registada em nome de ---, o arguido com o propósito de retirar do seu interior todos e quaisquer bens que ali se encontrassem e que lhes interessassem, partiu o vidro traseiro do lado esquerdo, tendo depois aberto respectivo porta e entrado. Seguidamente, retirou do porta-luvas documentos que aí se encontravam, não tendo dali retirado quaisquer objetos, por nada aí ter encontrado que lhe conviesse.
XVI. Os arguidos agiram de modo livre, deliberado e consciente, com o propósito não alcançado de se apoderarem de todos e quaisquer bens que lhes conviessem e que o arguido A2 encontrasse em todos e quaisquer edifícios ou veículos onde se introduzisse naquela noite – e que depois seriam transportados no referido veiculo, conduzido pelo arguido A1, sabendo que não lhes pertenciam e que atuavam sem autorização e contra a vontade do respetivo dono - propósito que só não concretizaram, por terem sido surpreendidos pela GNR, os quais os impediram de prosseguir os seus intentos. XVII. A fim de puderem levar a cabo os seus desígnios criminosos e ludibriaram as forças policiais, obstante a qualquer eventual intervenção ou perseguição da parte delas, os arguidos fizeram-se transportar no referido veículo, apesar de o arguido A1 conhecer as suas características alteradas, sabendo que a matrícula constituía um documento destinado à identificação o veículo.
XVIII. O arguido A1 sabia que não podia conduzir o veículo automóvel mencionado por não se encontra legalmente habilitado para o efeito. XIX. Os arguidos sabiam que as condutas que adotavam eram proibida e punidas por lei.
*
Outros Factos Provados:
O arguido A2 antes de detido estava desempregado. Vive em casa dos pais, e tem uma filha que vive consigo.
Tem o 6º ano de escolaridade. Está em prisão preventiva há cerca de um mês.
Saiu há um ano e meio da prisão.
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Arguido A1:
Por Acórdão datado de 15.11.2004 transitado em julgado em 30.11.2004, foi o arguido condenado na pena de 20 meses de prisão suspensa por 2 anos pela prática em 1.2.2004 de um crime p. e p. pelo art.º 25º, al. a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.1 (Processo Comum Coletivo n.º 7/04.9JACBR).
Por sentença datada de 18.6.2004 transitada em julgado em 10.9.2007, foi o arguido condenado na pena de 40 dias de multa à taxa diária de 5,00 Euros pela prática em 8.6.2007 de um crime p. e p. pelo art.º 203º, n.º 1 do C.Penal (Processo Sumário n.º 150/07.2GDCNT).
Por sentença datada de 6.11.2008 transitada em julgado em 3.2.2009, foi o arguido condenado na pena de 200 dias de multa á taxa diária de 4,00 Euros pela prática em 28.8.2007 de um crime p. e p. pelo art.º 204º do C.Penal (Processo Comum Singular n.º 220/07.7GASRE).
Por Acórdão datado de 9.3.2009 transitado em julgado em 30.3.2009, foi o arguido condenado na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução por 3 anos pela prática em 19.8.2008 de um crime p. e p. pelo art.º 359º, n.º 1 e 2 do C.Penal (Processo Comum Coletivo n.º 979/08.4PCCBR).
Por sentença datada de 17.11.2009 transitada em julgado em 17.12.2009, foi o arguido condenado na pena de 400 dias de multa à taxa diária de 7,00 Euros pela prática em 13.9.2008 de um crime p. e p. pelo art.º 204º, n.º 1, al. e) do C.Penal (Processo Comum Singular n.º 2395/08.9PCCBR).
Por sentença datada de 30.6.2010 transitada em julgado em 17.9.2010, foi o arguido condenado na pena de 7 meses de prisão substituída por 210 horas de trabalho pela prática em 19.5.2009 de um crime p. e p. pelo art.º 348º, n.º 1, al. b) do C.Penal (Processo Comum Singular n.º 3340/09.0TACBR).
Por Acórdão datado de 26.10.2011 transitado em julgado em 15.11.2011, foi o arguido condenado na pena de 4 anos de prisão suspensa por 4 anos pela prática em 11.11.2008 de um crime p. e p. pelo art.º 210º, n.º 1 do C.Penal (Processo Comum Coletivo n.º 2880/08.2PCCBR).
Por sentença datada de 7.5.2012 transitada em julgado em 1.7.2013, foi o arguido condenado na pena de 1 ano e 2 meses de prisão pela prática em 19.5.2010 de um crime p. e p. pelo art.º 203º, n.º 1 do C.Penal (Processo Comum Singular n.º 89/10.4GCFIG).
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Arguido A2:
Por sentença datada de 25.9.1998 já transitada em julgado, foi o arguido condenado na pena de 4 meses de prisão substituída por igual período de multa à razão de 1.000$00 dia pela prática em 1.6.1997 de um crime p. e p. pelo art.º 204º, n.º 2, al. e) do C.Penal (Processo Comum Singular n.º 175/98 do 1º juízo Criminal do Tribunal Judicial de Coimbra).
Por sentença datada de 10.12.1998 já transitada em julgado, foi o arguido condenado na pena de 7 meses de prisão suspensa por 2 anos pela prática em 20.6.1997 de um crime p. e p. pelo art.º 204º, n.º 2, al. e) do C.Penal (Processo Comum Singular n.º 322/98 do 4º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Coimbra).
Por sentença datada de 21.12.1998 já transitada em julgado, foi o arguido condenado na pena de 5 meses de prisão, substituída por igual período de multa à razão de 500$00 dia pela prática em 21.5.1997 de um crime p. e p. pelo art.º 204º, n.º 2, al. e) do C.Penal (Processo Comum Singular n.º 166/98 do 1º juízo Criminal do Tribunal Judicial de Coimbra).
Por sentença datada de 14.1.1999 já transitada em julgado, foi o arguido condenado na pena de 12 meses de prisão suspensa por 2 anos pela prática em 5.9.1998 de um crime p. e p. pelo art.º 204º, n.º 1, al. e de um crime p. e p. 191º ambos do C.Penal (Processo Comum Singular n.º 515/98 do 3º juízo Criminal do Tribunal Judicial de Coimbra).
Por sentença datada de 23.4.1999 já transitada em julgado, foi o arguido condenado na pena de 12 meses de prisão suspensa na execução por 2 anos e em multa de 70.000$00 pela prática em 8.9.1996 de um crime p. e p. pelo art.º 204º, n.º 1, al. a) e f) do C.Penal e na contraordenação p. e p. pelo art.º 124º, n.º 1 e 3 do Código da Estrada (Processo Comum Singular n.º 32/99 do 3º juízo Criminal do Tribunal Judicial de Coimbra).
Por Acórdão datado de 5.1.19999 já transitado em julgado, foi o arguido condenado na pena de 12 meses de prisão suspensa por 2 anos pela prática em 10.5.1997 de um crime p. e p. pelo art.º 204º, n.º 1, al. e) do C.Penal (Processo Comum Singular n.º 30/99 da Vara Mista de Coimbra). Por sentença datada de 3.2.2000 transitada em julgado em 19.2.2000, foi o arguido condenado na pena de 2 anos e 2 meses de prisão suspensa na sua execução por 3 anos pela prática em 9.6.1997 de um crime p. e p. pelo art.º 204º, n.º 2, al. c) do C.Penal (Processo Comum Singular n.º 70/99 do 4º juízo Criminal do Tribunal Judicial de Coimbra).
Por Acórdão datado de12.2.2000 transitado em julgado em 26.3.2000, foi o arguido condenado na pena de 2 anos de prisão suspensa por 3 anos pela prática em 12.2.2000 de um crime p. e p. pelo art.º 204º, n.º 2, al. e) do C.Penal (Processo Comum Coletivo n.º 124/99 do Tribunal de Circulo da Figueira da Foz).
Por sentença datada de 23.5.2000 já transitada em julgado, foi o arguido condenado na pena de 90 dias de multa à taxa de 700$00 pela prática em 26.5.1998 de um crime p. e p. pelo art.º 3º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1. (Processo Comum Singular n.º 340/99 do 2º juízo Criminal do Tribunal Judicial de Coimbra).
Por sentença datada de 28.9.2000 transitada em julgado em 13.10.2000, foi o arguido condenado na pena de 1 ano e 6 meses de prisão pela prática em 9.6.1997 de um crime p. e p. pelo art.º 204º, n.º 2, al. e) do C.Penal (Processo Comum Singular n.º 522/99 do 1º juízo Criminal do Tribunal Judicial de Coimbra - Proc. N.º 285/98.0TBCNT).
Por sentença datada de 17.3.2000 transitada em julgado em 21.12.2000, foi o arguido condenado na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 750$00 pela prática em 1998 de um crime p. e p. pelo art.º 40º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.1 em concurso com um crime p. e p. pelo art.º 3º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.1. (Processo Comum Singular n.º 101/99 do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Cantanhede).
Por Acórdão datado de 15.5.2002 transitado em julgado em 31.5.2002, foi o arguido condenado na pena de 4 anos e 2 meses de prisão pela prática em 3.4.1998 de um crime p. e p. pelo art.º 204º, n.º 2, al. e) do C.Penal (Processo Comum Coletivo n.º 668/98.6TALSA).
Por Acórdão datado de 27.5.2002 transitado em julgado em 11.6.2002, foi o arguido condenado na pena de 16 meses de prisão pela prática em 2001 de um crime p. e p. pelo art.º 25º do Decreto-Lei n.º 15/93, 22.1 (Processo Comum Coletivo n.º75/01.5PECBR).
Por sentença datada de 26.3.2008 transitada em julgado em 15.4.2008, foi o arguido condenado na pena de 18 meses de prisão pela prática em 5.10.2008 de um crime p. e p. pelos art.ºs 22º, 23º, 204º, n.º 2, als. a) e e) do C.Penal (Processo Comum Singular n.º 1364/06.8PBCBR).
Por Acórdão datado de 22.9.2008 transitado em julgado em 15.12.2008, foi o arguido condenado na pena de 4 anos de prisão pela prática em 13.1.2007 de um crime p. e p. pelo art.º 204º, n.º 1, al. e) do C.Penal (Processo Comum Coletivo n.º 2003/07.5PCCBR).
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Factos Não Provados:
1. Assim, na execução do propósito que tinham firmado, atuando em conjugação de esforços e de intenções, alteraram a chapa da matrícula da frente do veículo automóvel de marca e modelo VW Polo, com a matrícula ---, pertencente a ---, mãe do arguido A1, colocando a fita-cola preta por cima dos primeiros números (-), atravessando-os na horizontal e nas letras (-), colocando um prolongamento no “-”, de modo a parecer um “-” e no outro na parte inferior do “-”, de modo a aparecer um “-”. 2. A fim de puderem levar a cabo os seus desígnios criminosos e ludibriaram as forças policiais, obstante a qualquer eventual intervenção ou perseguição da parte delas, os arguidos alteraram os números e as letras da chapa de matrícula do veículo.
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CONVICÇÃO DO TRIBUNAL:
A prova é apreciada de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art. 127º do C. Processo Penal), liberdade que não pode nem deve significar o arbítrio ou a decisão irracional “puramente impressionista-emocional que se furte, num incondicional subjectivismo, à fundamentação e à comunicação” (Prof. Castanheira Neves, citado por Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 43).
Pelo contrário, a livre apreciação da prova exige uma apreciação crítica e racional, fundada, é certo, nas regras da experiência, mas também nas da lógica e da ciência, e tudo para que dela resulte uma convicção do julgador objetivável e motivável, únicas características que lhe permitem impor-se a terceiros.
Ensina o Prof. Figueiredo Dias (Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss.), que no processo de formação da convicção há que ter em conta os seguintes aspetos: - a recolha dos dados objectivos sobre a existência ou não dos factos com interesse para a decisão, ocorre com a produção de prova em audiência, - é sobre estes dados objectivos que recai a livre apreciação do tribunal, como se referiu, motivada e controlável, balizada pelo princípio da busca da verdade material, - a liberdade da convicção anda próxima da intimidade pois que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos conhecimentos não é absoluto, tendo como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, portanto, as regras da experiência humana, - assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque para a sua formação concorrem a actividade cognitiva e ainda elementos racionalmente não explicáveis como a própria intuição.
Esta operação intelectual, não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objetivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objetiváveis), e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da perceção da personalidade do depoente – aqui relevando, de forma especialíssima, os princípios da oralidade e da imediação – e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” (cfr. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss.).
O arguido A2 apenas admite ter entrado no clube motard, referindo que estava aberto, com o intuito de fazer seus bens que aí existissem. Quanto aos demais factos nega a sua prática.
Ora, atento o facto de estarmos perante factos ocorridos entre dois espaços que distam entre si cerca de 2 km e os factos ocorrerem ao início da madrugada, não tem o tribunal qualquer dúvida que nas duas situações os dois arguidos atuaram em conjugação de esforço, de acordo com um prévio acordo, tendo o A1 a função do motorista, cabendo ao A2 entrar nos estabelecimentos e juntar os bens para posterior transporte. Com efeito, o arguido A2 admite que por volta da hora indicada para o assalto ao centro de saúde o outro arguido o deixou perto do local. Ora, se tal ocorreu não se compreenderia em primeiro lugar que o arguido A1 voltasse àquele local quando a GNR se encontrava no centro de saúde. Em segundo lugar, se o arguido A1 apenas tivesse deixado o A2 a fim de ele ir para casa não se compreenderia a necessidade do A2 o contactar mais tarde a informar que estava no clube motard e para ele ir ter com ele a fim de transporte alguns bens existentes naquele clube motard. Aliás o contacto feito ocorreu após várias mensagens do mesmo para o A1 o que mostra a insistência daquele, e evidencia que haveria um acordo prévio de atuação que não estava a ser cumprido pelo arguido A1 ao não estar contactável.
Com efeito, àquela hora e naquele espaço é muito pouco credível que duas pessoas estivessem a atuar separadamente com o mesmo intuito. O A1 se foi ao Centro de Saúde àquela hora apenas poderia ser com intuito criminoso; o arguido A2 estava no clube motard com o intuito de fazer seus os bens aí existentes como o próprio admitiu. Ora, esta atuação de ambos não pode considerar meramente paralela mas conjunta uma vez que só esta atuação conjunta pode justificar os contactos tidos entre ambos àquelas horas da madrugada. Por fim, a utilização de uma viatura com a matrícula modificada apenas faz sentido para evitar ser detetado aquando dos furtos, o que reforça a convicção do tribunal de que os arguidos atuavam naquela madrugada em conjunto e no cumprimento de um plano previamente acordado.
Noutro plano, o tribunal atendeu ao depoimento da testemunha GNR1, guarda principal da GNR, posto de ---, que referiu que se deslocou, por volta das 03H00 ao centro de saúde de --- por causa do alarme. A porta e janela estavam arrombadas, o que leva o tribunal a concluir que o arguido A2 aproveitou para entrar pela janela como o fez no clube motard. Passado um bocado viram um vulto a saltar para uns arbustos de um contentor existente naquele centro de saúde. Não conseguiram ver quem era. Quando estavam no local apareceu um veículo cinzento que entrou para aquele centro, travou e recuou. Constataram que a matrícula estava alterada com fita preta. A chapa de frente não coincidia com a de trás e estava alterada com fita preta. Foram atrás dele com a iluminação acesa e apanharam-no quando ele se escondeu numa cultura de feijão, junto do veículo a cerca de 5 metros deste. Seriam cerca das 04H00 quando o detiveram. Ele recebeu várias mensagens e depois atendeu um telefone do arguido A2 que dizia que estava no lugar do --- e que já tinha material para carregar.
Quando lá chegaram viram a porta do edifício aberta mas não arrombada e já tinha a máquina de café e as garras todas juntas. A janela estava partida e o gradeamento estava forçado. O presidente do clube motard disse que a porta e a janela estava fechada.
Constataram ainda que havia uma janela de uma viatura partida e com sangue num papel. Por fim referiu que constataram que a matrícula da viatura estava alterada com fita preta a fim de alterar as letras nela constantes conforme consta da acusação. Este depoimento foi corroborado na íntegra pelo outro agente da GNR - GNR2 - que participou naquela madrugada nas mencionadas operações policiais.
Ouvido o presidente do referido clube motard, ---, o mesmo foi peremptório ao referir dois dias antes tinha lá passado e não havia janela danificada e a porta estava fechada. No dia quando foi chamado pela GNR deslocou-se ao local e aí verificou que o gradeamento estava forçado e alargado e o vidro da janela estava partida. A porta por dentro abre facilmente. Estava um lote de garrafas no balcão.
A máquina de café Nespresso, por volta dos 70 a 80 Euros, estava escondida no balcão e quando lá chegou estava em cima do balcão. As garrafas, cerca de 20, custariam cerca de 70,00 Euros que estavam expostas no clube, quando lá chegou estavam todas juntas. A aparelhagem que deveria estar por debaixo do balcão e teria um valor de cerca de 50,00 Euros, estava junto às garrafas. O gerador estava mexido e valeria 600,00 Euros. A máquina registadora tinha sido forçada a sua abertura e tinha a gaveta de fora sendo retirado um saco com moedas de cêntimos que depois retirar ao arguido de um bolso. Por fim, refere que era possível passar pelo gradeamento forçado.
O tribunal atendeu ainda ao teor do exame pericial a fls. 143 a 145 realizado aos vestígios encontrados na folha de papel e na luva apreendidos dentro na Associação motociclista --- e do qual resulta pertencerem ao arguido A2 (vestígios na folha), não se podendo excluir a hipótese de o vestígio existente na luva pertencer também a este arguido. Daqui resulta em nosso entender, conjugado com os depoimentos das testemunhas ouvidas, que o mesmo esteve naquele local no dia mencionado na acusação. Mais se atendeu ao teor do relatório fotográfico a fls. 93/94, 133/134, donde resulta os locais aonde se encontrava a luva (dentro da associação) e o papel aonde foram encontrados vestígios de sangue (na viatura Renault estacionada perto daquele estabelecimento).
Quanto ao furto no estabelecimento em --- o tribunal atendeu ainda ao relatório fotográfico a fls 170 donde resulta evidente o corte/destruição dos fios de telecomunicações e alarme, sendo certo que o material médico e o material informático existente em qualquer centro de saúde terá sempre de valor superior a 1.000,00 Euros.
Quanto ao facto de o arguido A1 à data dos factos imputados não estar habilitado com carta de condução o tribunal atendeu ao teor de fls. 5 e 6 donde resulta que por despacho de 2.1.2012 foi determinada a cassação da sua carta de condução, situação que se mantém conforme resulta do print de fls. 13.
Quanto à apreensão da viatura --- o tribunal atendeu ao teor do auto de apreensão a fls. 73.
Quanto ao estado em que se encontrava a matrícula o tribunal atendeu ao teor do auto de exame a fls. 74, donde resulta que a mesma estava modificada a fim de permitir dissimular os primeiros algarismos e a alteração das duas letras aí existentes, sendo certo que a matrícula original é --- conforme resulta da cópia do certificado de matrícula da viatura constante de fls. 76.
Nesta matéria, da prova produzida não resultou, em nosso entender, prova segura que os arguidos tivessem por mútuo acordo alterado a matrícula, tanto mais que dada a simplicidade de tal alteração qualquer um o poeria ter feito. Assim, por recurso ao princípio in dúbio pro reo tal matéria terá que dar-se como não provada, apenas ficando provado que o arguido A1 usou tal viatura sabendo que a matrícula estava alterada - uma vez que a viatura era da mãe e a modificação era perfeitamente visível - e fê-lo para evitar ser detetado quando se dirigisse aos locais dos furtos aonde estaria o A2.
Quanto às condições económicas do arguido A2, por este foi dito.
No que diz respeito aos antecedentes criminais, o Tribunal atendeu ao teor de fls. 260 a 289.
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Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. Portanto, são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar.

Questões a decidir:
- Se os factos provados nos pontos I, II, VIII, IX, XI, XVI, e XVII foram incorrectamente julgados;
- Se o arguido actuou em co-autoria;
- Se a pena aplicada é excessiva;

O arguido interpôs recurso da presente decisão que o condenou pela prática de dois crimes de furto qualificado, na forma tentada, p.s e p.s pelos art.s 22º, 23º, 203º nº 1 e 204º nº 2 al. e) todos do Código Penal, na pena de 18 meses de prisão por cada um dos crimes, em concurso real com um crime de furto, na forma tentada, p. e p. pelo art. 203º nºs 1 e 2 do Código Penal na pena de 7 meses de prisão, um crime de falsificação ou contrafação de documento p. e p. pelo art. 256º nºs 1 al. e) e 3 do Código Penal na pena de 5 meses de prisão e um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º nºs 1 e 2 do DL nº 2/98 de 03.01 e 121º nº 1, 122º nº 1 e 123º, todos do Código da Estrada na pena de 4 meses de prisão, e em cúmulo jurídico de penas na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Para tal sustenta que não foi feita prova testemunhal ou documental dos factos dados como provados nos pontos I, II, VIII, IX, XI, XVI, e XVII, incorrendo o tribunal em erro notório na apreciação da prova, porque não foi feita a prova de que os arguidos tivessem acordado entre si apoderarem-se de bens e valores, que se tenham dirigido para as imediações do Centro de Saúde de ---, nem que o arguido soubesse o que o arguido A2 estava a fazer no clube motard ---.
Basta ler os argumentos do recorrente para concluirmos que este mais não faz do que impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecendo a regra da livre apreciação da prova inserta no art 127.
Cabe ao tribunal a administração e valoração da prova. É o tribunal que apreciará e decidirá sobre a matéria de facto segundo o princípio da livre apreciação da prova – salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente (art 127 do CPP).
O tribunal deve apreciar e valorar os meios de prova de acordo com a experiência comum, com “o distanciamento, a ponderação e a capacidade crítica, na “liberdade para a objectividade” (cfr Teresa Beleza, Revista do Mº Pº, Ano 19, pg 40).
“O art 127 do Código Processo Penal estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar; outra também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjectiva, que resulte da livre convicção do julgador.
A prova resultante da livre convicção do julgador pode ser motivada e fundamentada mas, neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjectivos, embora explicitados para serem objecto de compreensão” (Ac STJ de 18/1/2001, proc nº 3105/00-5ª, SASTJ, nº 47,88).
Tal como refere o Prof Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, Vol II, pg 131 “... a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva”.
Ou seja, a livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objectivos.
Assim, e para respeitarmos estes princípios se a decisão do julgador, estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso. Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de_2002 (C.J. , ano XXV|II, 20 , página 44) "quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum".
O importante é a convicção que o tribunal formou sobre as provas produzidas sendo irrelevante a convicção que o recorrente formou sobre os factos.
Tendo a factualidade apurada apoio na prova produzida em julgamento a questão a decidir é a de saber se a escolha do tribunal está fundamentada. Hoje exige-se que o tribunal indique os fundamentos necessários para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto dado como provado e como não provado.
O objectivo dessa fundamentação e no dizer do prof. Germano Marques da Silva, no Curso de Processo Penal, pg 294, III Vol é a de permitir “a sindicância da legalidade do acto, por uma parte e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autodisciplina”.
A ratio da exigência de fundamentação é a de submeter a decisão judicial a uma maior fiscalização por parte da colectividade e é também consequência da importância que assume no novo processo o direito à prova e à contraprova, nomeadamente o direito de defender-se, probando”.
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo (Ac STJ de 12/4/2000, proc nº 141/2000-3ª, SASTJ nº 40,48).
Portanto esse exame crítico deve indicar no mínimo e não tem que ser de forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal.
Tal como vem referido no Ac do STJ de 2/9/2005 para avaliar da racionalidade e da não arbitrariedade da convicção sobre os factos, há que apreciar, de um lado, a fundamentação da decisão quanto á matéria de facto (os fundamentos da convicção) e de outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais, utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão.
“Relevantes neste ponto, para além dos meios de prova directos, são os procedimentos lógicos para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de uma facto conhecido: as presunções” (Ac cit.).
As presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – art 349 do CCivil.
Aqui, há a considerar as presunções naturais ou hominis, que permitem ao julgador retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido.
As presunções naturais mais não são de que o produto das regras de experiência. O julgador a partir de um certo facto e socorrendo-se das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto.
“Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (...) ou de uma prova de primeira aparência” (cfr, Vaz Serra, Direito Probatório Material, BMJ nº 112, pg 190).
A presunção permite que de um facto conhecido e fazendo apelo às regras de experiência e através de um processo lógico se admita a realidade de um facto desconhecido na medida em que um é a consequência do outro.
Debruçando-nos sobre o caso vertente temos que o Tribunal condenou o arguido e, para tal, lançou mão não só da prova directa mas, também, da prova indirecta, das chamadas presunções.
Perante a condenação do arguido e lendo os factos provados, os não provados e a sua fundamentação, ficamos com a certeza que o Tribunal decidiu em conformidade, não havendo nada a apontar.
Na verdade, da conjugação de todos os elementos acima referenciados – factos provados, fundamentação, exame critico - em termos de experiência comum e seguindo um processo intelectual e lógico a única explicação razoável é a de que o arguido actuou conjuntamente com o arguido A1.
Na verdade, as testemunhas referenciadas pelo recorrente não assistiram a nada e o Tribunal também não referiu que as mesmas assistiram “directamente” ao ocorrido. Mas há que chamar a prova indirecta e da conjugação de toda a prova concluímos que, efectivamente, o arguido é o co-autor dos factos que lhe são imputados.
Na verdade e como é referido na decisão recorrida “estarmos perante factos ocorridos entre dois espaços que distam entre si cerca de 2 km e os factos ocorrerem ao início da madrugada, não tem o tribunal qualquer dúvida que nas duas situações os dois arguidos atuaram em conjugação de esforço, de acordo com um prévio acordo, tendo o A1 a função do motorista, cabendo ao A2 entrar nos estabelecimentos e juntar os bens para posterior transporte. Com efeito, o arguido A2 admite que por volta da hora indicada para o assalto ao centro de saúde o outro arguido o deixou perto do local. Ora, se tal ocorreu não se compreenderia em primeiro lugar que o arguido A1 voltasse àquele local quando a GNR se encontrava no centro de saúde. Em segundo lugar, se o arguido A1 apenas tivesse deixado o A2 a fim de ele ir para casa não se compreenderia a necessidade do A2 o contactar mais tarde a informar que estava no clube motard e para ele ir ter com ele a fim de transporte alguns bens existentes naquele clube motard. Aliás o contacto feito ocorreu após várias mensagens do mesmo para o A1 o que mostra a insistência daquele, e evidencia que haveria um acordo prévio de atuação que não estava a ser cumprido pelo arguido A1 ao não estar contactável.
Com efeito, àquela hora e naquele espaço é muito pouco credível que duas pessoas estivessem a atuar separadamente com o mesmo intuito. O A1 se foi ao Centro de Saúde àquela hora apenas poderia ser com intuito criminoso; o arguido A2 estava no clube motard com o intuito de fazer seus os bens aí existentes como o próprio admitiu. Ora, esta atuação de ambos não pode considerar meramente paralela mas conjunta uma vez que só esta atuação conjunta pode justificar os contactos tidos entre ambos àquelas horas da madrugada. Por fim, a utilização de uma viatura com a matrícula modificada apenas faz sentido para evitar ser detetado aquando dos furtos, o que reforça a convicção do tribunal de que os arguidos atuavam naquela madrugada em conjunto e no cumprimento de um plano previamente acordado”.
Dos depoimentos dos militares da GNR que o recorrente afirma contraditórios mas não explica o porquê, retiramos que, sem qualquer dúvida, os factos em questão foram praticados por dois indivíduos, um que entrou por arrombamento no Centro de Saúde e conseguiu escapar, sendo que o outro arguido conduzia um carro a fim de levar o autor do furto despois deste consumado e acabou por ser detido pela GNR. Há a salientar a pequena distância (cerca de 2 Km) entre os locais dos dois furtos tentados e as horas em que os furtos aconteceram (de madrugada um na imediata sequência do outro) o que leva a crer que estavam relacionados um com o outro. Por outro lado, não há dúvidas de que era o arguido A1 que conduzia o veículo com matrícula falsa, que ao aperceber-se da GNR fugiu do local em marcha-atrás e depois a pé por um prédio rústico, onde foi apanhado, recebeu as mensagens para ir buscar o A2 ao club motard onde este foi apanhado pela GNR quando já ali se havia apoderado de dinheiro e bens e estava á espera do arguido A1 para o recolher com o produto do furto.
Portanto, tudo conjugado com as regras da experiência comum, a prova produzida em audiência de julgamento, não poderia conduzir a outra apreciação e decisão senão aquela que foi proferida pelo Meritíssimo Juiz" a quo ".
Como já foi referido no acórdão de 28/01/2015 desta Relação se as coisas têm uma lógica e se a experiência comum tem algum sentido e é um meio de conhecimento do mundo, estas circunstâncias só permitem a conclusão que o arguido A1 juntamente com o A2 actuaram em conjunto nos crimes aqui em causa e que lhes são imputados.
Sustenta, ainda, o recorrente que o Tribunal “a quo” incorreu em erro notório na apreciação da prova.
O recorrente incorre no erro usual de tratar os vícios do art. 410 nº 2 do CPP, como verdadeiros vícios do julgamento, o que não está certo. Os vício do art. 410 nº 2 do CPP, não podem ser tratados como vícios do julgamento, mas sim como vícios da decisão.
“Errada apreciação das provas não é o mesmo que erro notório na apreciação da prova, sendo que este vício só releva se identificável no texto da decisão recorrida, art. 410 nº 2 do CPP. A errada apreciação da prova é algo de muito diverso, configura erro no julgamento, o que não é detectável no texto da decisão recorrida e só pode ser averiguado se ocorrer, impugnação da matéria de facto nos termos do art. 412 nº 3 e respectivas alíneas. (ac da RP cit).
Lida a decisão recorrida conclui-se que nenhum dos vícios elencados no art. 410 nº 2, nomeadamente, o do erro na apreciação da prova, está patente na decisão recorrida.
Na verdade, só se pode falar de erro notório na apreciação da prova quando se constata erro de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, o que deve ser demonstrado a partir do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum” (Ac do STJ de 15/4/1998 no BMJ nº 472, pag 407) ou, ainda, “Só existe erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta com toda a evidência a conclusão contrária á que chegou o tribunal” (Ac STJ de 15/4/1998 no BMJ nº 476 pg 82).
Portanto, erro notório na apreciação da prova “é o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta” (Germano Marques da Silva – Curso de Processo Penal, Vol III, pg 341).
Assim sendo, lendo os factos provados e a fundamentação temos de concluir que não houve erro na apreciação da prova, tal como já referimos. Não se pode confundir como faz o recorrente, “erro notório” “com uma diferente convicção probatória relativamente aos elementos analisados em audiência. Como se refere no Recurso nº 854/2000 desta Relação “o vício de erro notório na apreciação da prova não reside na desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido o do próprio recorrente”.
Sustenta, ainda, o recorrente que não resulta dos factos apurados que tenha existido qualquer acordo entre os arguidos, ou seja, que tenha actuado em co-autoria.
Estatui o artigo 26.º do Código Penal que “é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e, ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”.
Portanto e referindo o ac. Rel. do Porto de 21/02/2018 in www.dgsi.pt autor é o agente que toma a execução «nas suas próprias mãos», de tal modo que dele depende decisivamente o se e o como da realização típica”, constando-se que “o autor não só tem o domínio objetivo do facto, como tem também a vontade de o dominar, numa unidade de sentido objetiva-subjetiva: o facto aparece «numa sua vertente como obra de uma vontade que dirige o acontecimento, noutra vertente como fruto de uma contribuição para o acontecimento dotada de um determinado peso e significado» objetivo” (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal: Parte Geral – Tomo I, Coimbra Editora, 2.ª ed., 2007, págs. 765 e 766; Jorge de Figueiredo Dias e Susana Aires de Sousa, Autoria mediata do crime de condução ilegal de veículo automóvel: anotação ao Acórdão da Relação do Porto de 24.11.2004, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 135.º, Março-Abril de 2006, n.º 3937, págs. 254 e 255).
É a chamada teoria do domínio do facto. Ora ¯ e muito especialmente nos crimes dolosos de ação ¯ “o domínio do facto pode exercer-se de diferentes formas e fundar, por conseguinte, diferentes modalidades da autoria, concretizadas no artigo 26.º: o domínio da ação está presente na autoria imediata, na medida em que o agente realiza, ele próprio, a ação típica (1.ª alternativa); o domínio da vontade do executante de quem o agente se serve para a realização típica firma a autoria mediata (2.ª alternativa); o domínio funcional do facto constitui o sinal próprio da coautoria, em que o agente decide e executa o facto em conjunto com outros (3.ª alternativa)”; e, por fim, “na sua quarta alternativa, o artigo 26.º pune ainda como autor «quem dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”, isto é, quem seja instigador do crime” (Jorge de Figueiredo Dias e Susana Aires de Sousa, Autoria cit., pág. 255).
Uma das modalidades ou formas em que se manifesta o domínio do facto (o mesmo é dizer a autoria) é a coautoria.
Efetivamente, nos termos do artigo 26.º deve ser punido (igualmente) como autor quem “tomar parte direta na sua (do facto) execução, por acordo ou conjuntamente com outro ou outros”. Há, aqui, um “condomínio do facto”, marcado quer pela decisão conjunta, quer pela execução conjunta (enquanto contribuição funcional de cada coautor para a realização típica”. De modo que a atuação de cada coautor se apresenta como “momento essencial do plano comum”, “constitui a realização da tarefa que lhe cabe na «divisão do trabalho»” para a realização do crime (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal cit., pág. 791).
Relativamente ao momento subjetivo da coautoria, à “decisão conjunta” de que fala a lei, basta a “existência da consciência e vontade de colaboração de várias pessoas na realização de um tipo legal de crime” (José de Faria Costa, Formas do Crime, in Jornadas de Direito Criminal do Centro de Estudos Judiciários, pág. 170), que na sua forma mais nítida assume a forma de acordo prévio (que, no entanto pode ser tácito, desde que manifestado em factos concludentes). Contudo, não se basta a lei com um qualquer acordo ¯ embora ele tenha sempre de existir ¯ até porque entre o mero cúmplice e o autor também há, em regra, um acordo: é necessário que fique demonstrado que todos os coautores têm, desde o início, desde o momento da decisão conjunta, o domínio do processo causal que conduz à realização do tipo, de tal modo que o contributo de cada um surja como uma parte da atividade total, como um complemento (programado) das ações dos demais coautores (neste exato sentido, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal cit., págs. 791 a 794).
À decisão conjunta deve acrescer a “execução conjunta”, isto é, cada coautor deverá prestar uma contribuição objetiva para a realização típica, um efetivo exercício conjunto do domínio do facto.
Há, pois, uma combinação entre o domínio do facto com a “repartição de tarefas que assinala a cada comparticipante contributos para o facto que, podendo situar-se fora do tipo legal de crime, tornam a execução do facto dependente daquela mesma repartição”. De tal modo que de cada contributo objetivo depende o se e o como da realização típica, nas bastando que o agente coloque à disposição ou ofereça os meios de realização (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal cit., págs. 794 e 795).
Aqui chegados e em face da factualidade provada, uma conclusão desde logo se impõe é que sem dúvida o arguido A1 actuou de comum acordo e em conjugação de intenções com o A2 na tentativa de se apropriarem dos bens existentes nos quais entrou o A2 e na viatura conduzida pelo A1. Cada um tinha o seu papel bem delimitado e a actuação de cada um era essencial para o sucesso do plano traçado.

Sustenta, também, o recorrente que a pena aplicada peca por excessiva.
No que respeita à determinação da medida da pena temos que considerar o que dispõe os arts 40, 70 e 71 do Código Penal.
Dispõe o art 40 que “a aplicação das penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Sendo certo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, ou seja, a medida da culpa condiciona a própria medida da pena, sendo assim um limite inultrapassável da sua medida.
Como se diz no acórdão desta relação de 17/1/1996 na CJ, Ano XXI, Tomo I, pg 38, (...) a pena há-de ser determinada (dentro dos limites mínimo e máximo fixados na lei) mediante critérios legais, quais sejam, em primeiro lugar, o da culpa do agente, intervindo depois (ao mesmo nível) as exigências de prevenção especial e geral”.
“(...) Na determinação da medida judicial da pena, o julgador terá de se movimentar tendo em atenção, em primeira linha, a culpa do agente, entendida esta no sentido atrás referido, qual seja de que o objecto de valoração da culpa é prevalentemente o facto ilícito praticado.
Por outro lado, o preceito que vimos de analisar (...) manda igualmente que o julgador, proceda à fixação do quantum de pena concreto, tendo em conta considerações de prevenção (geral e especial), concretizadas pelo seu nº 2.
(...) Os critérios legais de fixação da medida da pena a aplicar a cada caso, submetido a julgamento, são a culpa (num primeiro momento) e a prevenção (na fase subsequente, mas ao mesmo nível, consabido que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”
O critério para a escolha da pena, bem como os limites a observar no que respeita ao seu quantum encontram-se fixados nos arts 70 e 71 do Código Penal. O art 70 dá primazia às penas não detentivas; o segundo aponta para a determinação da medida da pena a culpa do agente e as exigências de prevenção bem como, a todas as circunstâncias que não fazendo parte do crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
“Atribuindo-se à pena um critério de reprovação ética, têm de se levar em conta as finalidades de prevenção geral e especial; fazendo apelo a critérios de justiça, procurar-se-á uma adequada proporcionalidade entre a gravidade do crime e a culpa por um lado e a pena por outro” (CJ, Ano XVII, Tomo I, pg 70).
No caso vertente, há a considerar que o arguido já conta com um longo passado criminal. Por outro lado, considerando o grau da culpa, com predominância para a forma da prática do crime e para a preparação que o antecedeu, deixa clara um desvalor da acção cujo sancionamento não se compadece uma atenuação da pena de prisão. Os crimes contra o património têm muitas necessidades de prevenção geral, esta que demanda que o mínimo irrenunciável das penas concretas deva ser substancialmente superior ao mínimo legal. Aliás, são crimes que geram alarme e insegurança, criam sentimentos de desconfiança no próprio sistema e na actividade preventiva deste tipo de crimes. Partindo desse limiar mínimo, no aspecto da ilicitude há que ter em conta o valor das coisas subtraídas, próximo do limite mínimo, que concorre com a recuperação delas, esta que, ainda assim, não foi fruto da vontade do arguido.
No aspecto da culpa, há que ter em conta a modalidade do dolo, mais intenso.
Portanto, ponderando a gravidade dos factos, a personalidade do arguido. Considerando o grau de ilicitude, que mostrou um total desrespeito pela propriedade alheia, o dolo, que o arguido quis subtrair à disponibilidade do seu proprietário as coisas, sabendo que os bens não lhe pertenciam e que actuava sem autorização e contra a vontade dos respectivos donos temos de concluir que a pena aplicada mostra-se justa, equilibrada e proporcional.

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 5 ucs.

Coimbra, 08 de maio de 2018

Alice Santos (relatora)
Abílio Ramalho (adjunto)