Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5316/03.1TJCBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
DESOCUPAÇÃO
EXECUÇÃO
Data do Acordão: 11/15/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA - 3º J CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 817.º N.º 1 – C); 930.º - B, N.º 1 E N.º 3 A 6 E C, N.º 2 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. Apenas no caso de se tratar de imóvel arrendado para habitação se permite o diferimento da desocupação com base em razões sociais imperiosas ou nos motivos referidos no n.º 2 do artigo 930.º - C, do CPC.

2. Quando o imóvel constitui a casa de habitação principal do executado, sem que exista contrato de arrendamento, apenas se permite que a mesma seja sustentada por existência de uma situação de doença aguda que ponha em risco de vida a pessoa que se encontra no local, nos termos do artigo 930.º - B, 3 a 6, do CPC, ex vi n.º 6 do artigo 930.º, do mesmo Código.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

            A... veio deduzir oposição à execução para entrega de coisa certa que contra si instauraram B... e outros, alegando que o prédio urbano cuja entrega se pretende constitui a sua casa de habitação e que, apesar das diligências que a partir de 2009 encetou junto da Câmara Municipal, não logrou ainda ser realojado por inexistência de habitação social compatível com as suas necessidades, causando-lhe a imediata desocupação do prédio um prejuízo muito superior à vantagem conferida aos Exequentes, já que todos eles dispõem de habitação própria, encontrando-se uns empregados e outros a auferir pensão mensal de aposentação.

Com tais fundamentos requer “o diferimento de desocupação do local arrendado para habitação” e consequente suspensão da instância executiva nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 930º-B do Código de Processo Civil.

Tal oposição foi liminarmente rejeitada, nos termos do disposto no artigo 817.º, n.º1, al. c), do CPC, com o fundamento em que o título executivo é uma sentença em que se reconheceu aos aí autores o direito de propriedade sobre o prédio urbano que constitui o objecto da execução a que se opõe o ora recorrente e se condenou este a entregá-lo aos autores, livre de pessoas e bens.

Mais se consignou que na acção que deu origem à sentença exequenda, o ora opoente defendeu-se alegando que a casa reivindicada havia sido dada de arrendamento a seus pais e que a posição de arrendatário se lhe transmitiu à morte de seu pai.

No entanto, na sentença exequenda veio a decidir-se que o contrato de arrendamento que versava sobre tal imóvel, se extinguiu, por caducidade, pelo que o aí réu (aqui opoente) não era titular de qualquer direito que lhe legitimasse a ocupação que dele fazia.

Em função do que, na decisão recorrida, se considerou que não se trata da entrega de imóvel arrendado, pelo que não é aplicável à situação sub judice o disposto no artigo 930.º - B. n.º 1, al. b), CPC, mas tão só o que estabelecem os artigos 928.º, e seg.s do CPC, designadamente o que se dispõe no artigo 930.º, n.º 6, do mesmo Código.

Este remete, apenas para o disposto nos n.os 3 a 6 do referido artigo 930.º-B, que tão só permite a suspensão da execução em caso de comprovado risco de vida, por razões de doença aguda, da pessoa que se encontra no local.

Como os fundamentos invocados pelo executado/opoente, não se enquadram em tal excepção, é a oposição deduzida manifestamente inviável, o que acarreta a sua rejeição liminar, o que se decidiu.

Inconformado com a decisão proferida, dela interpôs recurso o executado/opoente, A..., o qual foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 62), finalizando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões (resumidas):

1. O Tribunal, ao não permitir ao executado que fizesse prova dos factos alegados, indeferindo liminar a oposição que deduziu, violou o seu direito à tutela efectiva, consagrado no artigo 268.º, n.º 4, da CRP;

2. O título executivo foi gerado numa acção em que se curou da qualidade de arrendatário do ora recorrente, pelo que extinto este, tinha o recorrente legitimidade para, em sede de oposição, requerer o diferimento da desocupação do imóvel, pois só esta extensão do artigo 930.º-C, n.º1, a situações análogas se compagina com os postulados da justiça e da boa fé que devem presidir ao pensamento legislativo, tanto mais que no articulado apresentado, o recorrente alegou factos demonstrativos das razões sociais imperiosas do requerido, ofereceu provas e indicou testemunhas, pelo que tal pedido não deveria ser indeferido;

3. Também deveria ser observado o disposto no artigo 930.º, n.º 6, do CPC, o que não está demonstrado, em virtude de o executado ter solicitado à Câmara Municipal de Coimbra a atribuição de uma casa, o que ainda não aconteceu, não obstante o direito à habitação estar constitucionalmente garantido (artigo 65.º, n.º 2, da CRP), direito, esse, que assim, se mostra violado.

Termina, peticionando a revogação da decisão recorrida, com as legais consequências.

 

            Não foram apresentadas contra-alegações.

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.  

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se a oposição deduzida deve ser, como foi, liminarmente rejeitada ou deve prosseguir os seus ulteriores termos.

            Os factos a considerar são os descritos no relatório que antecede.

Se a oposição deduzida deve ser liminarmente rejeitada ou deve prosseguir os seus ulteriores termos.

Defende o recorrente que sob pena da violação do direito à habitação e à tutela efectiva do seu direito, que lhe são constitucionalmente garantidos, lhe deve ser dada a possibilidade de demonstrar os factos que alegou, com vista ao diferimento da desocupação do imóvel em causa, pelo que não deve ser a oposição que deduziu liminarmente rejeitada.

Isto, porque, na prática, o que se discute é a existência/inexistência de um contrato de arrendamento, que cessou, pelo que lhe assiste o invocado direito de diferimento da desocupação do local arrendado, com fundamento no disposto no artigo 930.º- B, n.º 1, al. b), CPC.

Ao invés, na sentença recorrida, como já referido, considerou-se que apenas se aplica o disposto no artigo 930.º, n.º 6, do CPC, uma vez que se trata da casa de habitação do executado e este apenas remete para o previsto nos n.os 3 a 6, do referido artigo 930.º - B, no que não se enquadra o alegado pelo executado como fundamento de oposição, o que acarretou a sua rejeição liminar.

Desde já, adiantando a solução a dar ao caso em apreço, somos de opinião que o recorrente não tem razão na sua pretensão recursiva, o que acarreta a subsistência da decisão recorrida.

A oposição deduzida funda-se no disposto no artigo 930.º - B, n.º 1, al. b), CPC, de acordo com o qual a execução se suspende, se o executado requerer o diferimento da desocupação do local arrendado para habitação, motivada pela cessação do respectivo contrato, nos termos do artigo 930.º - C, do CPC.

Este preceito, tem como epígrafe “Diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação”, nele se prevendo os requisitos para tal exigíveis.

Ou seja, trata-se de uma excepção que conduz ao diferimento da entrega de imóvel, ou de uma sua fracção, que estava onerada com um arrendamento para habitação.

Só que, no caso dos autos, não se trata de imóvel arrendado para habitação (apenas o tendo sido no passado), mas sim de imóvel que o executado, não obstante não dispor de título para o ocupar, efectivamente, ocupa-o ou vinha-o a ocupar.

Assim sendo, tem de concluir-se que a situação em que se encontra o executado não se enquadra na previsão do artigo 930.º - C, ex vi artigo 930.º - B, n.º 1, al. b), CPC.

E para a situação em que se trata da casa de habitação principal do executado rege o artigo 930.º, n.º 6, CPC, de acordo com o qual:

“Tratando-se da casa de habitação principal do executado, é aplicável o disposto nos n.os 3 a 6 do artigo 930.º -B, e caso se suscitem sérias dificuldades no realojamento do executado, o agente de execução comunica antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes.”.

Conclui-se, pois, que a lei distingue o caso em que se trata da entrega de imóvel arrendado para habitação daquele em que se trata da entrega de imóvel que constitui a casa de habitação principal do executado, mas sem que se este beneficie de contrato de arrendamento e como vimos, a solução a dar a cada uma de tais situações é substancialmente diferente.

Apenas no caso de se tratar de imóvel arrendado para habitação se permite o diferimento da desocupação com base em razões sociais imperiosas ou nos motivos referidos no n.º 2 do já referido artigo 930.º - C, ao passo que na situação de imóvel que constitua a casa de habitação principal do executado, mas em que não exista contrato de arrendamento, apenas se permite que a mesma seja sustentada por existência de uma situação de doença aguda que ponha em risco de vida a pessoa que se encontra no local – cf. artigo 930.º - B, n.os 3 a 6, CPC, ex vi n.º 6 do artigo 930.º, do mesmo Código.

Assim, e ressalvado o devido respeito, não concordamos com o decidido no Acórdão da Relação de Lisboa, de 01/07 /2010, Processo 11/03.4TBALM, disponível in http://www.dgsi.pt./jtrl, de acordo com o qual o artigo 930.º - C, se poderia aplicar analogicamente a situações em que se trate de imóveis arrendados a não arrendados, desde que semelhantes e justificadores de tal aplicação analógica, embora, desde logo ali se reconheça que tal possibilidade não resulta com nitidez da lei.

Por nós, pensamos que tal aplicação analógica está vedada, porquanto se trata de norma excepcional (ao impor restrições ao carácter pleno e exclusivo do direito de propriedade, tal como resulta do teor do artigo 1305.º CC) e que por isso não comporta aplicação analógica mas apenas extensiva, como decorre do artigo 11.º do CC.

Por outro lado, como referem P. de Lima e A.Varela, in CC, Anotado, Vol. I, 3.ª Edição Revista E Actualizada, Coimbra Editora, 1982, a pág. 59, o recurso à analogia pressupõe a existência de uma lacuna da lei, pressupõe que uma determinada situação não está compreendida nem na letra nem no espírito da lei, ao passo que na interpretação extensiva, a situação se encontra prevista, regulamentada, na lei, apenas havendo a necessidade de estender as palavras da lei por o legislador, ao formular a norma ter dito menos daquilo que pretendia dizer. Não há omissão, quando muito uma imprecisão nos termos usados.

Ora, na situação que se nos depara, a lei, de forma clara, estabelece os termos da regulamentação, consoante se trate de imóvel arrendado para habitação ou de imóvel que embora não arrendado para habitação constitui a habitação principal do executado, prevendo e regulando ambas tais situações nos termos que lhe aprouve e sem que se denote qualquer imprecisão nos respectivos contornos.

Pelo que, não nos parece que possa recorrer-se a interpretação analógica ou sequer extensiva de tais normas.

O legislador previu-as a ambas e legislou do modo como entendeu fazê-lo, sendo que as condicionantes de aplicação de uma e de outra de tais situações são substancialmente diferentes.

De igual modo não se aplica à situação sub judice o decidido no Acórdão da Relação de Évora, de 09/07/2009, Processo 373-E/1996.E1, que o recorrente refere nas suas alegações, pois, não obstante aí se referir que o artigo 930.º C, CPC, se aplica a casos ocorridos após a extinção do arrendamento, o certo é que se tratava de caso em que existia contrato de arrendamento para habitação, ali se mencionando expressamente que “o pedido de diferimento da desocupação é apenas aplicável no âmbito do arrendamento para habitação (vide art.º 930.º - C do CPC).”.

Como já se disse, no caso em apreço não é de tal situação que se trata.

Consequentemente, dado que no caso em apreço, pelas razões já expostas, apenas é aplicável o disposto nos n.os 3 a 6 do artigo 930.º - B, ex vi n.º 6 do artigo 930.º, ambos do CPC, em que se contempla a suspensão da desocupação com fundamento na existência de risco de vida para a pessoa que se encontra no local, por razões de doença aguda, o que o executado não alega, tem, necessariamente, a oposição deduzida de improceder, o que acarreta o seu indeferimento liminar, em conformidade com o disposto no artigo 817.º, n.º 1, al. c), CPC, sendo, por isso, de manter a decisão recorrida.

E nem se diga que com tal decisão se mostram violados os artigos 268.º, n.º 4 e 65.º da CRP.

O primeiro de tais preceitos refere-se ao direito de tutela efectiva que os administrados têm direito perante a Administração Pública.

O executado expôs a sua pretensão, que foi analisada e decidida.

Por outro lado, o direito à habitação a que se refere o artigo 65.º, confere aos cidadãos o direito de dela não ser arbitrariamente privado ou de não ser impedido de conseguir uma – cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP, Anotada Vol. I, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, a pág.s 833 e 834.

No entanto, tal direito (à habitação) não pode ser obtido ou conseguido à custa da violação da lei nem dos interesses (legítimos) de outrem.

Designadamente a ocupação de um imóvel alheio só poderá ser sancionada se respeitar qualquer dos meios para tal consentidos, designadamente através da existência de um título válido para tal.

Assim, tem o recurso em apreço de improceder.

            Nestes termos se decide:       

            Julgar improcedente a apelação deduzida, em função do que se mantém a decisão recorrida.

            Custas pelo apelante, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi atribuído.


Arlindo Oliveira (Relator)
Emídio Francisco Santos
António Beça Pereira