Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
595/10.0TBVIS.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
PRIORIDADE DE PASSAGEM
VELOCIDADE EXCESSIVA
INDEMNIZAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE ADEQUADA
Data do Acordão: 01/14/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU – 4º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 24º, Nº 1, E 29º DO C. ESTRADA; 563º C. CIVIL.
Sumário: 1. O direito de prioridade de passagem não é absoluto.

2. O conceito de velocidade excessiva, definido no art. 24º, nº 1 do CE, comporta duas realidades distintas: uma vertente absoluta (sempre que exceda os limites legais) e uma vertente relativa, a não adequação à situação concreta, que leva a que condutor não pare no espaço livre e visível à sua frente.

3. A lei civil (art.563º do CC) adoptou a teoria da causalidade adequada ao estabelecer que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Releva a causalidade adequada na sua formulação negativa: a condição deixará de ser causa do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo, portanto, inadequado para esse dano.

4. Concorrendo o lesado para o acidente, impõe-se calcular a indemnização segundo o critério do nº 1 do art.570º do CC, cuja ratio é explicitada pela ideia jurídica de uma autoresponsabilidade do lesado. Para tanto, deve valorar-se comparativamente as condutas fácticas do lesante e do lesado, na perspectiva da sua própria intensidade e o recurso a outros factores relevantes, não bastando, por si só, a natureza da norma violada e o espectro da sua tutela ou a pluralidade de infracções, e torna-se necessário determinar em que medida as culpas efectivas contribuíram para a gravidade, maior ou menor dos danos produzidos.

5.Os herdeiros não são condenados a pagar os encargos da herança, mas a reconhecer a existência dos débitos que devem ser satisfeitos pelas forças da herança.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

            1.1.- Os Autores – C…, … - instauraram na Comarca de Viseu acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra a Ré – L…, S.A., com sede em  …

Alegaram, em resumo:

            No dia 20 de Março de 2007, na estrada Municipal Fragosela – Alcafache ocorreu um acidente de viação em que intervieram A…, condutor de velocípede sem motor, e M…, condutora do veículo automóvel ligeiro de passageiros …-ZH.

            O embate ocorreu por culpa exclusiva da condutora do veículo automóvel, devido a excesso de velocidade e falta de atenção.

            Em consequência, veio a falecer A…, marido da 1ª Autora, pai e avô dos restantes Autores.

            Pediram a condenação da Ré a pagar-lhes, a título de indemnização, a quantia de € 226.895,00, sendo para a 1ª Autora € 50.645,00 e para cada um dos demais Autores € 29.375,00.

            Contestou a Ré, defendendo-se por impugnação motivada ao imputar a culpa do acidente ao condutor do velocípede.

            Em reconvenção, alegando ter pago despesas hospitalares à condutora do veículo automóvel, pediu a condenação dos Autores a pagar-lhe a quantia de € 1.226,61, a crescida de juros de mora, desde a citação.

            Replicaram os Autores.

            No saneador afirmou-se a validade e regularidade da instância.

            1.2. - Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu julgar parcialmente procedente a acção e a reconvenção e condenar a Ré a pagar:

            À Autora C… a quantia de € 1.500,00;

            A cada um dos restantes Autores a quantia de € 1.000,00;

            A todos os Autores, por via hereditária – e já descontado o montante de € 1.165,28 que lhe cumpre receber pela parcial procedência da reconvenção – a quantia de € 834, 72.

            1.3. - Inconformados, os Autores e Ré recorreram de apelação.

            1.3.1. – Recurso dos Autores -Conclusões

            1.3.2. - Recurso da Ré – Conclusões:

II - FUNDAMENTAÇÃO

            2.1. – O objecto dos recursos

            Impugnação de facto (quesitos …);

            A responsabilidade pelo acidente.

            2.2. – Os factos provados: …

            2.3. – Impugnação de facto: …

            2.4. – A responsabilidade pelo acidente

A pretensão dos Autores situa-se no âmbito da responsabilidade civil extra-contratual (art.483 e segs. do CC).
São pressupostos da obrigação de indemnização, o facto ilícito, o nexo de imputação subjectiva (a culpa) e a existência de danos causados adequadamente por esse mesmo facto. Incumbe ao autor, como facto constitutivo do seu direito, a prova dos pressupostos do direito de indemnização (arts.342 nº 1 e 487 C.C.), designadamente da culpa, através da chamada “prova da primeira aparência”, salvo havendo presunção legal de culpa.
A obrigação de indemnização decorrente de um facto ilícito, pressupõe a culpa do lesante, ou seja, um nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto ilícito à vontade do agente. Deste modo, a culpa não se confunde com a mera violação de uma norma destinada a proteger interesses alheios e, por isso, a infracção de um preceito legal não é suficiente, sem mais, para integrar uma conduta culposa, pois que uma coisa é a ilicitude e outra a culpa. Todavia, vem sustentando a jurisprudência que, sob pena de se onerar o lesado insuportavelmente com a demonstração do nexo de imputação ético-jurídico do facto ilícito à vontade do condutor, por infracção de norma regulamentar que protege interesses alheios, não se torna necessária a prova da concreta previsibilidade do evento, sempre que este se situe no círculo de interesses privados que a norma pretendeu acautelar, doutrinando-se existir uma presunção judicial de negligência.

            A sentença, ponderando a factualidade apurada, considerou que para a eclosão do acidente contribuíram causalmente ambos os condutores, com culpa concorrentes, estabelecendo a proporção de 5% para a condutora do veículo automóvel e 95% para o condutor do velocípede.

            A condutora do veículo automóvel por violação do dever de prevenção e de cuidado, embora não concretamente explicitado, pois “ impunha-se-lhe, no mínimo, que tivesse avistado o ciclista a tempo de poder evitar o embate”.

            O condutor do velocípede por violação de elementares regras de circulação rodoviária, desde logo por conduzir com uma elevada TAS e flagrante violação do dever de ceder prioridade, para concluir que “a culpa do ciclista na produção do acidente é claramente superior à da condutora do automóvel”.

            Os Autores/Apelantes, mesmo sem a preconizada alteração de facto, defendem a concorrência de responsabilidades na proporção de 80% para a condutora do veículo automóvel e 20% para a vítima. A Ré sustenta a responsabilidade exclusiva da vítima.

Uma vez que o acidente ocorreu em 20 de Março de 2007 é aplicável o Código da Estrada aprovado pelo DL nº 114/94 (revisto pelo DL nº 2/98 de 3/1 e DL nº 265-A/2001 de 28/9 e DL nº 44/2005 de 23/2).

A colisão entre o veículo automóvel e o velocípede sem motor (bicicleta) deu-se na Estrada Municipal Fragosela – Alcafache (sentido em que seguia o veículo …-ZH) quando o ciclista A…, com uma TAS de 1,17 g/l, proveniente da Rua … entrou na estrada sem parar, apesar do sinal vertical de aproximação de estrada com prioridade, e ao mudar de direcção para a direita (sentido de Alcafache) ocupou parte da faixa de rodagem em que seguia o automóvel.

Obrigado a ceder passagem ao trânsito (art. 29 nº 1 CE), verifica-se que A… iniciou a manobra de mudança de direcção para a direita sem se certificar que não punha em perigo a circulação rodoviária da via prioritária, o que significa uma clara violação do dever geral de cuidado e de prevenção do perigo, a que estava adstrito (arts.3 nº 2 e 12 nº 1 CE). Por outro lado, a manobra exigia a prévia sinalização, de modo a revelar a pertinente “intenção“ (art.21 nº 1 do CE), bem como a prévia certificação do perigo ou embaraço para o trânsito (art.35 nº 1 e 43 do CE).

            Acresce que conduzia na via pública, sem qualquer sinalização luminosa, e com uma TAS de 1,17 g/l e os dados científicos apontam que uma tão elevada taxa de álcool no sangue afecta inevitavelmente as faculdades motoras e destreza para a condução, pois mesmo antes de atingido 1g/1000 de alcoolemia, surgem perturbações de atenção e do carácter, rebate na coordenação motora e alargamento dos tempos de reacção (cf. OLIVEIRA E SÁ, Acidentes de Viação e Alcoolismo, pág.59 e segs.), o que significa que o grau de alcoolemia de que A… era portador não foi indiferente para a eclosão do acidente.

            É certo que o veículo automóvel seguia numa via prioritária, mas, conforme orientação jurisprudencial que desde há muito sem vem consolidando, o direito de prioridade de passagem não é absoluto, pois o condutor com prioridade “deve observar as cautelas necessárias à segurança do trânsito”, por imposição do art.29 nº 2 do CE, ou como se afirmava no preceito antecedente “uma vez tomadas as indispensáveis precauções“ (art.8 nº 1).

            Em que consiste as “indispensáveis precauções“ ou o dever geral de cuidado, traduzido nas “cautelas necessárias à segurança do trânsito”?

            Desde logo, o condutor prioritário não fica desonerado do cumprimento das demais regras aplicáveis, correspondentes à manobra que se propõe realizar, como se impõe, além do mais, o dever de empregar a sinalização acústica ou luminosa adequada nos cruzamentos e entroncamentos de visibilidade reduzida, a fim de anunciar a sua aproximação, verificar se a via está ou não livre (cf., por ex., OLIVEIRA MATOS, Código da Estrada, 4º ed., pág.52; Ac do STJ de 6/7/89, BMJ 389, pág.565). Na síntese de AYRES PEREIRA/BAPTISTA LOPES (Código da Estrada, 2ª ed., pág.87), o exercício do direito de prioridade supõe anterior cumprimento não só de todas as disposições legais, como das regras ditadas pela boa prudência, sã experiência e técnica de condução.

Ora, a condutora do veículo automóvel circulava a uma velocidade da ordem dos 50 km/h, dentro de uma povoação, com casas de um lado e do outro, um café, e antes do local do embate existia uma passadeira, estando já a escurecer, sem se aperceber da presença do ciclista.

Como se sabe, o conceito de velocidade excessiva, definido no art.24 nº 1 do CE, comporta duas realidades distintas: uma vertente absoluta (sempre que exceda os limites legais) e uma vertente relativa, a não adequação à situação concreta, que leva a que condutor não pare no espaço livre e visível à sua frente. E com a vertente relativa, a norma pretende que o condutor assegure que a distância entre ele e qualquer obstáculo visível é suficiente, para no caso de necessidade fazer parar o veículo sem ter de contar com os obstáculos que lhe surjam inopinadamente. Na verdade, o espaço livre e visível para o efeito de se considerar excessiva a velocidade tem sido entendido como a secção da estrada isenta de obstáculos que fica abrangida pelas possibilidades visuais do condutor. Em conformidade, prescreve o art.18 nº 1 do CE que “ O condutor de um veículo em marcha deve manter entre o seu veículo e o que o precede a distância suficiente para evitar acidentes em caso de súbita paragem ou diminuição de velocidade deste”, e a ratio legis consiste em propiciar uma paragem rápida sem perigo de acidente, como se afirmava no antecedente art.5º, ou seja, garantir uma distância de segurança.

A condutora do veículo circulava a uma velocidade na ordem dos 50 Km/h e, por conseguinte, no limite legalmente estabelecido dentro das localidades (art.27 nº 1 CE). Mas atentas as circunstâncias do local e do momento, sabido que existia uma passadeira para peões, um entroncamento, casa de um lado e do doutro, um café, impunha-se maior moderação na velocidade, pelo que se patenteia uma violação dos arts. 24 nº 1 e 25 nº 1 CE.

            Coloca-se, porém, a questão de saber se a velocidade excessiva do veículo automóvel foi ou não concausal do acidente.

            O problema do nexo de causalidade no âmbito da responsabilidade civil tem sido tratado pela doutrina tradicional apenas quanto à ligação entre o facto e o dano.

Mas, em bom rigor, ele deve colocar-se, desde logo, ao nível da conduta/evento, pois o comportamento (facto voluntário), jurídica e socialmente relevante, abrange não só a conduta, mas também o resultado. Daí que, se fale então do chamado “ duplo nexo de causalidade “, ao incidir sobre as duas etapas do processo de responsabilização: ao nível da ligação entre conduta/evento e do facto/dano, embora assentes no mesmo critério (cf., por ex., PEDRO CARVALHO, A Omissão e Dever de Agir em Direito Civil, 1999, pág.48 e segs.).

Este “duplo nexo de causalidade” remete-nos para os critérios da imputação ou de avaliação a que são submetidos os dados empíricos, passando-se, assim, do plano ontológico para o normativo.

Neste contexto, formularam-se diversas teorias sobre o nexo de causalidade, entre as quais se destacam a teoria da conditio sine qua non; a teoria da última condição; a teoria da condição eficiente; a teoria da culpa aos prejuízos em concreto; e a teoria da causalidade adequada.

            A lei civil (art.563 do CC) adoptou a teoria da causalidade adequada, ao estabelecer que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

Para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, que, no plano naturalístico, ele seja condição sem o qual o dano não se teria verificado e depois que, em abstracto ou em geral, seja causa adequada do mesmo (nexo de adequação). Releva a causalidade adequada na sua formulação negativa: a condição deixará de ser causa do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo, portanto, inadequado para esse dano (cf., por ex., ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, I, 2ª ed., pág.743 e segs.; Ac STJ de 15/4/93, C.J. ano I, tomo 2, pág.59; de 15/1/2002, C.J. ano X, tomo I, pág.36).

A teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, admitindo não só a ocorrência de outros factos condicionantes, como ainda a chamada causalidade indirecta, na qual é suficiente que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano.

            Noutra perspectiva, e a propósito da imputação, CLAUS ROXIN refere que quando o legislador permite, à semelhança do que sucede em outras manifestações da vida moderna, ocorra um risco até certo limite, apenas poderá haver imputação se a conduta do autor significa um aumento do risco permitido (Problemas Fundamentais de Direito Penal, pág.152).

O princípio do incremento do risco adopta o seguinte método: deve, em primeiro lugar, examinar-se qual a conduta que não se poderia imputar ao agente como violação do dever de acordo com os princípios do risco permitido; depois, estabelecer-se uma comparação entre ela e a forma de actuar do agente, para se comprovar, então, se, na configuração dos factos submetidos a julgamento, a conduta incorrecta do autor fez aumentar a probabilidade de produção do resultado em comparação do risco permitido.

Sem dúvida que foi a manobra precipitada do ciclista quem desencadeou a dinâmica do acidente. Contudo, a velocidade excessiva é um factor que potencia o acidente, e aquela em que seguia a condutora do veículo automóvel não parece ser de todo indiferente para o acidente, propiciando o aumento do risco permitido.

            A ideia da exclusividade causal daquele que inopinadamente invade a faixa de rodagem há-de valer para os casos em que ocorre uma interrupção súbita do percurso normal, ou seja, o que se processa em condições normais de observância das regras de trânsito, pelo que quando tal não sucede (como é o caso), a causalidade adequada não pode ser postergada.

            Verificada a contribuição causal do veículo automóvel, contrariamente à pretensão recursiva, pode asseverar-se que o acidente foi causado pela actuação de ambos, com culpa dos respectivos condutores, impendendo sobre a Ré Seguradora a obrigação de indemnização.

Concorrendo a conduta culposa da próprio lesado, António Fernandes, para o sinistro impõe-se ponderar a medida da responsabilidade de cada um dos intervenientes no acidente para efeitos do cálculo indemnizatório, segundo o critério do nº 1 do art.570 do CC, cuja ratio é explicitada pela ideia jurídica de uma autoresponsabilidade do lesado.

            Ao prever a total concessão, redução ou mesmo exclusão, o preceito está a considerar o valor total dos danos e em caso de redução, que aqui se evidencia adequada e proporcional, deve ser feita em função do grau de responsabilidade de cada um dos intervenientes, tarefa difícil que não pode limitar-se a uma mera “geometria“, pressupondo uma valoração comparativa das condutas fácticas do lesante e do lesado, na perspectiva da sua própria intensidade e o recurso a outros factores relevantes, não bastando, por si só, a natureza da norma violada e o espectro da sua tutela ou a pluralidade de infracções. No entanto, a respectiva fixação não tem por base apenas a “gravidade das culpas”, mas também as “ consequências que dela resultarem “, ou seja, é necessário determinar em que medida as culpas efectivas contribuíram para a gravidade, maior ou menor dos danos produzidos.

É inegável que o processo causal do acidente foi desencadeado pela vítima, com grosseira violação do dever de cuidado, tendo em conta não só a manobra efectuada, como o perigo dela resultante, sabido que conduzia com elevada taxa de alcoolemia no sangue.

            Num juízo de ponderação, revela-se proporcional a repartição de 30% para a condutora do veículo automóvel e 70% para a vítima.

            Os danos:

            A sentença recorrida, em relação à 1ª Autora (viúva) valorou os danos patrimoniais (perda de rendimento e danos emergentes) em € 4.950,00 e o dano não patrimonial (sofrimento pela morte do marido) em € 25.000,00. Valorou o dano próprio da vítima em € 10.000,00 e o dano morte em € 50.000,00.

            Os recorrentes não impugnaram a quantificação dos danos, mas tão somente a responsabilidade na produção do acidente, pelo que o valor global ascende a € 89.950,00, sendo a Ré Seguradora responsável na proporção de 30%, ou seja, € 26.985,00.

            Porque o direito de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima é adquirido directa e originariamente pelas pessoas indicadas no art.496 nº 2 CC (cf., por ex., ANTUNES VARELA, Obrigações I, pág.583, e RLJ ano 123, pág.191 e segs.; CAPELO DE SOUSA, Lições de Direito das Sucessões, vol. I, 3ª ed., págs. 298 a 304), os 30% de € 60.000 serão repartidos igualmente por cada um dos Autores.

            A Autora receberá € 11.556,42 e cada um dos demais Autores o montante de € 2.571,42.

            Quanto à reconvenção, provou-se que em consequência do acidente a Ré gastou € 1.226,61, sendo a responsabilidade do falecido A… de 70%, ou seja, de € 858,62, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação da contestação (conforme peticionado).

Sucede que os Autores não são os devedores, mas a herança ilíquida e indivisa, e, sendo assim, entende-se que os herdeiros não são condenados a pagar os encargos da herança, mas a reconhecer a existência dos débitos que devem ser satisfeitos pelas forças da herança (cf., por ex., Ac STJ de 17/4/80, BMJ 296, pág. 289; de 19/3/92, BMJ 415, pág. 658; ROA ano 46 ( 1986), pág. 567 e segs.).

            2.5. - Síntese Conclusiva

1.O direito de prioridade de passagem não é absoluto.

            2. O conceito de velocidade excessiva, definido no art.24 nº 1 do CE, comporta duas realidades distintas: uma vertente absoluta (sempre que exceda os limites legais) e uma vertente relativa, a não adequação à situação concreta, que leva a que condutor não pare no espaço livre e visível à sua frente.

3. A lei civil (art.563 do CC) adoptou a teoria da causalidade adequada, ao estabelecer que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Releva a causalidade adequada na sua formulação negativa: a condição deixará de ser causa do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo, portanto, inadequado para esse dano.

            4. Concorrendo o lesado para o acidente, impõe-se calcular a indemnização segundo o critério do nº 1 do art.570 do CC, cuja ratio é explicitada pela ideia jurídica de uma autoresponsabilidade do lesado. Para tanto, deve valorar-se comparativamente as condutas fácticas do lesante e do lesado, na perspectiva da sua própria intensidade e o recurso a outros factores relevantes, não bastando, por si só, a natureza da norma violada e o espectro da sua tutela ou a pluralidade de infracções, e torna-se necessário determinar em que medida as culpas efectivas contribuíram para a gravidade, maior ou menor dos danos produzidos.

            5.Os herdeiros não são condenados a pagar os encargos da herança, mas a reconhecer a existência dos débitos que devem ser satisfeitos pelas forças da herança.

III – DECISÃO

            Pelo exposto, decidem:

1) Julgar parcialmente procedente a Apelação dos Autores e improcedente a Apelação da Ré, e revogar, em parte, a sentença recorrida.

2) Julgar a acção e a reconvenção parcialmente procedentes e em consequência:

Condenar a Ré a pagar aos Autores a quantia de € 26.985,00, sendo à 1ª Autora o montante de € 11.556,42 e cada um dos demais Autores a importância de € 2.571,42.

            Condenar os Autores a reconhecerem a existência do crédito da Ré no montante de € 858,62, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação da contestação/reconvenção, que será satisfeito pelas forças da herança ilíquida e indivisa, por óbito de A...

3) Condenar Autores e Ré nas custas em ambas as instâncias, na proporção do decaimento.

            Coimbra, 14 de Janeiro de 2014.

( Jorge Arcanjo - Relator)

( Teles Pereira )

( Manuel Capelo )